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SITUAÇÃO JURÍDICA
Sumário
I – Tendo o direito da Autora sido violado em virtude da infiltração no seu prédio das águas pluviais provenientes do prédio vizinho, pertencente aos Réus, estão estes obrigados a realizar as obras necessárias tendo em vista a reparação dos estragos e o evitar de novas infiltrações. II – Tratando-se de obrigação propter rem, em caso de transmissão do prédio o novo titular do direito real fica na situação em que se encontrava o anterior, uma vez que as obrigações constituídas se transmitem com o direito real.
Texto Integral
Acordam os Juízes que constituem a 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO
Georgina F... intentou a presente acção de condenação com a forma de processo sumário contra Jorge M... e mulher Anabela M..., alegando, em síntese, que: é comproprietária de uma moradia, sendo os réus proprietários de uma outra situada a poente, ambas fazendo parte de um conjunto de moradias construídas em banda, contíguas entre si; o prédio da autora acusa sinais de infiltração de água que provêm da casa do réu, com origem no terraço e na ligação dos algerozes (parte da frente).
Pede a autora, em consequência, que os réus sejam condenados, a:
Executar as obras necessárias no seu prédio de forma a evitar a infiltração de águas no seu prédio;
Reparar os danos verificados no prédio da autora em consequência das infiltrações de água.
Os réus contestaram por impugnação e deduziram incidente de intervenção provocada acessória nos termos do disposto nos arts. 330º e ss do CPC contra Armindo R... e mulher Maria R..., construtores e vendedores da sua casa. Admitida a intervenção, foram citados os chamados, que contestaram, impugnando a existência de qualquer defeito de construção que permita a infiltração de água alegada pela autora, imputando ao construtor da casa da autora, Manuel C..., a responsabilidade pelas infiltrações.
Notificada, a autora chamou à demanda, ao abrigo do art. 325º do CPC, Manuel A... e mulher Hormesinda G..., vendedores da sua casa. Admitido o chamamento, foram citados os chamados, que impugnaram todos os factos respeitantes à sua responsabilidade pelas infiltrações na casa da autora e chamaram, em via de regresso, a empresa que construiu a casa da autora, por eles contratada, “A... & I..., Lda”.
Esta sociedade, cujo chamamento foi deferido, contestou, alegando que apenas executou a “parte de pedreiro com divisões feitas e caixas-de-ar em tijolo, sem acabamento”, não sendo por isso responsável pelas alegadas infiltrações. Invoca ainda que o dono da obra a aceitou em 1996, ano em que pagou a totalidade do preço, pelo que os eventuais direitos que este pudesse ter já se extinguiram por caducidade.
Foi proferido despacho saneador tabelar e efectuada a selecção da matéria de facto, que não mereceu qualquer reclamação.
Procedeu-se á audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, finda a qual se decidiu sobre a matéria de facto, sem reclamações, após o que foi proferida sentença onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus:
a) A executar as obras necessárias no seu prédio de forma a evitar infiltrações de águas no prédio da autora;
b) A reparar prédio da autora, nas partes indicadas nos pontos 18 e 19 dos factos provados;
c) A pagar à Autora a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação da sentença, apresentando alegações que terminaram com as seguintes conclusões:
A resposta ao quesito 22 deve ser modificada, eliminando-se a parte em que se refere: "...depois deixou um intervalo de 3cm de caixa-de-ar e depois colocou tijolo de 7cm".
2. A resposta ao quesito 24 deve ser de provado.
O quesito 10 deve ser corrigido, pois, por lapso, o Mmo. Juiz não atendeu à correcção que foi feita a fls 328, e, em vez de constar, "o piso inferior da casa do réu...", deve constar "o piso inferior da varanda da casa do réu...".
O construtor da casa da autora não isolou nem impermeabilizou a parede daquela casa que é contígua à casa dos réus.
Tal construtor apenas colocou tijolo de 15cm sem qualquer impermeabilização interior ou exterior.
No projecto de construção que o construtor da casa da autora apresentou na Câmara Municipal constava para essa parte da casa a colocação de parede dupla.
As paredes duplas são uma das técnicas que servem para impermeabilizar as paredes.
Antes das paredes duplas utilizavam-se paredes simples e, nestas, a impermeabilização fazia-se com revestimento a cimento com espessura considerável (fls 582, ponto 5).
Porém, a parede da autora também não foi impermeabilizada com esta técnica.
O construtor da casa da autora violou as regras da arte de construção, para, como disse o Eng. Tomás M..., poupar dinheiro, pois as paredes duplas e a impermeabilização custam muito dinheiro.
Se a parede da autora estivesse devidamente impermeabilizada não entraria no interior da sua casa a água que escorre do terraço dos réus e que circula pelo meio das duas paredes.
A autora deve reclamar aos chamados Manuel A... e mulher a reparação da sua parede, impermeabilizando-a, bem como a reparação do interior das divisões da sua casa.
Já que os réus não praticaram qualquer facto que tenha causado qualquer dano na casa da autora.
Ao condenar os o Mmo. Juiz fez errada interpretação dos arts. 1305, 1344, 1 e 483 do C. Civil, e não aplicou os arts. 486 e 491, in fine, deste diploma legal.
Por isso, os réus devem ser absolvidos.
Mas, se assim se não entender, então haverá duas causas para o mesmo efeito, terraço dos réus, deixando passar a água através do algeroz para o intervalo das paredes da casa da autora e dos réus;
Falta de paredes duplas e de impermeabilização da parede da casa da autora, que permitem a infiltração das águas que provêm do algeroz da casa dos réus no interior da casa da autora;
Danos no interior da casa desta por força dessa infiltração.
O construtor da casa dos réus deixou o algeroz com defeito; o construtor da casa da autora deixou a parede desta com defeito, em violação das regras de arte.
Isto representará uma situação de “com causalidade” e “com culpabilidade” no resultado danoso na casa da autora.
Os réus devem apenas ser condenados a reparar o seu terraço, ou, então, deve fixar-se uma repartição de culpas pela reparação a fazer na casa da autora.
O Mmo. Juiz não aplicou ao caso sub judice os arts. 497, 1, e 570, 1, do C. Civil.
Daí que os tenha violado.
A autora não fez qualquer pedido de danos não patrimoniais.
A condenação dos réus na quantia de 1.500,00€ viola o disposto no art. 661, 1, do C.P. Civil.
A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e interpôs recurso subordinado, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
Os factos provados (referidos em 2, 3, 9, e 10 a 24 em fundamentos da sentença) impõem que se considere que a Autora sofreu dano não patrimonial grave.
O montante de € 5000,00 é adequado à gravidade dos danos, por equitativo e justo.
A sentença, ao fixar o montante da compensação em € 1500,00, violou o disposto no artigo 496º/3 do Código Civil.
Deve, em consequência, a sentença ser revogada nesta parte e proferido acórdão no sentido da condenação do Réu na indemnização à Autora no montante de € 5000,00.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Objecto do recurso
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 685-A nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto)
Nos recursos apreciam-se questões e não razões, não visando os mesmos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, no caso dos autos, importa decidir,
I – No que concerne ao recurso dos réus:
Se a sentença recorrida condenou os réus em objecto diverso do pedido no que respeita à indemnização fixada no valor de € 1500,00;
Se deve ser alterada a matéria de facto;
Se a sentença recorrida fez correcta aplicação do direito aos factos;
II- No que respeita ao recurso subordinado da autora, se a indemnização que os réus foram condenados a pagar deve ascender a € 5000,00.
A factualidade dada como provada na sentença é a seguinte:
1. A autora é proprietária, na proporção de metade, do prédio urbano composto por cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, situado na freguesia da Meadela, Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1484 e aí registado a favor da autora e de Victor C... – al. A) dos Factos Assentes.
2. A autora e o referido Victor C... compraram o descrito imóvel a Manuel C... e mulher por escritura pública lavrada no dia 28/5/99, no 2º Cartório Notarial de Viana do Castelo – al. B) dos Factos Assentes.
3. Os réus Jorge M... e mulher são proprietários da casa situada a poente da casa descrita em 1 – al. C) dos Factos Assentes.
4. A casa da autora e dos réus fazem parte de um conjunto de moradias “em banda” e são contíguas entre si – al. D) dos Factos Assentes.
5. Os réus, em 27/7/99, compraram a Maria R... e marido Armindo R..., um prédio urbano de cave, rés-do-chão, 1º andar, sótão e logradouro, sito na Rua dos Rubins, Lugar dos Rubins, Meadela, Viana do Castelo, descrito na CRP como nº 1765 – al. E) dos Factos Assentes.
6. A casa descrita no ponto 5 foi construída por Armindo Ribeiro e esposa que a venderam aos réus, totalmente pronta – al. F) dos Factos Assentes.
7. A casa da autora foi construída antes da casa dos réus – al. G) dos Factos Assentes.
8. O construtor da casa da autora deixou a parede voltada e encostada ao prédio dos réus, com tijolo à vista, sem reboco e impermeabilização – al. H) dos Factos Assentes.
9. A casa descrita no ponto 1 apresenta sinais de infiltração de água no canto e parede do lado esquerdo, por cima da janela da cozinha, a partir do canto direito da parede (para quem entra), alastradas às paredes e parte do tecto da sala, no tecto, paredes e chão do quarto do 1º andar – resposta aos quesitos 1º, 2º, 3º e 4º.
10. As paredes e os tectos das divisões acima referidas têm manchas de humidade -resposta ao quesito 5º.
11. O soalho do chão do quarto está apodrecido e levantado - resposta ao quesito 6º.
12. O chão do quarto (placa) tem manchas de humidade - resposta ao quesito 7º.
13. As referidas manchas provêm do terraço da casa do réu - resposta ao quesito 8º.
14. E têm origem também na deficiente ligação dos algerozes (parte da frente) - resposta ao quesito 9º.
15. O piso inferior da casa do réu também apresenta manchas de humidade e tinta descascada - resposta ao quesito 10º.
16. Após reclamação da autora, o réu marido e o construtor da sua casa colocaram um cola no terraço - resposta ao quesito 11º.
17. Tal reparação, porém, não surtiu qualquer efeito e dias depois voltou a escorrer água pelas paredes da casa da autora - resposta ao quesito 12º.
18. Para eliminar os problemas decorrentes da infiltração de água é necessário fazer a picagem, limpeza, pintura e estucagem dos tectos e paredes afectados (cave, sala, cozinha) da casa da autora - resposta ao quesito 13º.
19. Para reparar os danos verificados, será necessário substituir o soalho e rodapés do quarto do 1º andar - resposta ao quesito 14º.
20. A reparação das paredes afectadas da casa foi orçada em € 4.300,00 acrescido de IVA, em Novembro de 2003 - resposta ao quesito 15º.
21. A autora contraiu um empréstimo bancário de 12.750.000$00 para a compra da casa - resposta ao quesito 16º.
22. A autora sente-se frustrada e infeliz e com vergonha de mostrar a casa a familiares ou amigos - resposta ao quesito 17º.
23. A autora deixou de receber pessoas em casa - resposta ao quesito 18º.
24. É obrigada a limpar constantemente as paredes e não utiliza o quarto danificado - resposta ao quesito 19º.
25. Ao construir a casa dos réus, os chamados Armindo R... e mulher colocaram placas de isolamento/”roof mate” entre a parede que estavam a construir e a parede em tijolo do prédio da autora - resposta ao quesito 20º.
26. Após construírem a parede com tijolo de 20 cm de largura, introduziram-lhe uma camada de “fleet coat”, depois colocaram uma tela de alumínio e depois ainda colocaram um tijolo de 7 cm e rebocaram o interior das divisões do prédio dos réus – resposta ao quesito 21º.
27. O construtor do prédio da autora só colocou na parede exterior (contígua à parede da casa dos réus) tijolo de 15 cm, depois deixou um intervalo de 3 cm de caixa de ar e depois colocou tijolo de 7 cm – resposta ao quesito 22º.
28. Não introduziu placas isolantes nem impermeabilizantes – resposta ao quesito 23º.
29. As humidades existentes na casa da autora provêm da junção dos algerozes e do terraço da casa dos réus – resposta ao quesito 28º.
30. Este tem uma inclinação marcada para o prédio da autora – resposta ao quesito 29º.
31. A saída das águas (pluviais ou não) está colocada no canto superior da parede da casa dos réus, junto à parede que confina com a casa da autora – resposta ao quesito 30º.
32. As referidas infiltrações de água coincidem com a mencionada saída de água – resposta ao quesito 31º.
33. A chamada “A... & I..., Lda” apenas executou a parte de pedreiro com divisões feitas e caixa-de-ar em tijolo, sem acabamentos – resposta ao quesito 34º.
34. Pela parte exterior, a obra “rebocada em grosso com arestas feitas” e até “as tijoleiras, soleiras e peitoris” foram excluídas do contrato – resposta ao quesito 35º.
35. A chamada “António Coelho & Irmão, Lda” completou no ano de 1996 os trabalhos de empreiteiro a que se obrigou – resposta ao quesito 36º.
36. O dono da obra aceitou-a no ano de 1996, ano em que pagou a totalidade do preço – resposta ao quesito 37º.
Recurso dos Réus Condenação em objecto diverso do pedido
Entendem os réus que a sentença recorrida, na parte em que os condenou a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia de € 1.500,00, violou o disposto no artº 661º nº 1 do CPC, porquanto não foi formulado na petição inicial qualquer pedido nesse sentido.
Dispõe o referido artigo que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Em caso de violação de tal norma, a sentença enfermará de nulidade nos termos do disposto no artº 668º nº 1 al e) do mesmo CPC.
Ora, analisada a petição inicial, constatamos que a mesma, depois de cumprir os requisitos impostos pelo artº 467º nº 1 als a) a c) do CPC, expõe, de forma articulada os factos que servem de fundamento á acção, concluindo pela enunciação dos seguintes pedidos: condenação dos réus a executar as obras necessárias no seu prédio por forma a evitar infiltrações de águas no prédio da autora; condenação dos réus na reparação do prédio da autora nas partes indicadas no artº 27º da petição e ainda a sua condenação nas custas e em procuradoria.
Ou seja, não formula qualquer pedido no sentido da condenação dos réus no pagamento de indemnização à autora.
É certo que, na exposição dos fundamentos da acção, a autora alega factos que podem constituir causa de pedir de um eventual pedido de condenação dos réus a pagar-lhe uma indemnização por danos morais, chegando mesmo a referir a respectiva quantia. Contudo, não chega a fazer o pedido respectivo, excluindo do objecto da acção a condenação dos réus no pagamento de qualquer indemnização. Na verdade e como refere Alberto dos Reis (CPC anotado, vol II pag 362º ) “O pedido corresponde ao objecto da acção. O autor há-de concluir a sua petição inicial pedindo ao juiz determinada providência, na qual condensará o efeito jurídico que pretende obter…”. Por isso, o pedido deve ser formulado com toda a precisão, de modo a que não haja dúvida sobre o efeito pretendido, não podendo atender-se apenas aos fundamentos da acção para se inferir ou presumir que o autor pretende que o juiz aprecie outras pretensões para além das que expressamente solicita.” Ademais, as partes são livres de restringir, no pedido, o objecto da acção.
Assim sendo e em face do exposto, afigura-se ilegal a condenação dos réus no pagamento á autora da quantia de € 1.500,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, sendo nesta parte nula a sentença, por constituir condenação em objecto diverso do pedido, impondo-se assim a sua revogação.
Alteração da matéria de facto
Pretende o A. que seja alterada por este tribunal a decisão da primeira instância que incidiu sobre a matéria de facto.
A modificabilidade da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, está prevista no art. 712º nº 1 do CPC.
Nos termos do nº 1 deste artigo, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente, que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Estatui o nº2 do mesmo artigo que, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
O artº 690º-A do CPC na versão aplicável aos autos, estabelece ainda o ónus que impende sobre o recorrente que impugne a matéria de facto, sob pena de rejeição, a saber:
A indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
A indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa da recorrida;
E, neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, a indicação dos depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no artº 522º-C nº 2, ou seja, com indicação do início e do termo da gravação dos depoimentos.
Foram cumpridos pelos recorrentes, de forma satisfatória, os referidos ónus.
A discordância dos réus quanto à matéria de facto reporta-se às respostas dadas aos factos constantes dos itens 10º, 22º e 24º da base instrutória.
O teor inicial do referido item 10º era o seguinte:
“O piso inferior da casa do réu também apresenta manchas de humidade e tinta descascada?”.
Contudo, na sessão da audiência de julgamento de 14 de Dezembro de 2005 foi proferido o despacho exarado a fls 328, transitado em julgado, que ordenou a rectificação do referido item 10º, em conformidade com o facto alegado no item 21º da petição inicial, passando o mesmo a ter o seguinte teor:
“O piso inferior da varanda da casa do Réu também apresenta manchas de humidade e tinta descascada?”
Este facto foi dado como provado pelo Mmº Juiz a quo que, por lapso, ao enunciar os factos provados na sentença recorrida, transcreveu a redacção originária do facto em questão e não a sua redacção definitiva nos termos supra mencionados.
Assim sendo deve ser alterado tal facto, em conformidade com a rectificação ordenada por despacho, sendo pois de atender, nesta parte, a pretensão dos Réus.
Nestes termos, altera-se a redacção do item 15º da factualidade provada constante da sentença recorrida, que passará a ter a seguinte redacção:
“O piso inferior da varanda da casa do Réu também apresenta manchas de humidade e tinta descascada.”
O facto constante do item 22º da base instrutória, tem o seguinte teor:
“O construtor do prédio da autora só colocou na parede exterior contígua à parede da casa dos réus ) tijolo de 15 cm, depois deixou um intervalo de 3 cm de caixa de ar e depois colocou tijolo de 7 cm”.
Tal facto foi dado como provado, entendendo os réus que do mesmo apenas deveria ter sido dado como provado apenas que “O construtor do prédio da autora só colocou na parede exterior (contígua à parede da casa dos réus ) tijolo de 15 cm.”
Segundo os mesmos réus, tal resposta restritiva resulta, não só do teor do relatório de peritagem constante dos autos, mais concretamente da resposta aos quesitos 20º e 22º, bem como da “confissão” do legal representante da chamada “A... e I..., LDA” e, bem assim, dos esclarecimentos dos peritos prestados em audiência, devidamente registados.
O teor das declarações do legal representante da chamada “A... e I..., LDA”, José C..., que executou a obra de pedreiro na casa da autora encontram-se em parte exaradas na acta da sessão da audiência de julgamento de 29 de Abril de 2008, onde se consignou que: “Relativamente ao quesito 22º, o depoente disse que essa parede não tem caixa de ar, só está construída com tijolo de 15 cm e que não tem impermeabilização”.
Tais declarações, que podem efectivamente considerar-se como confessórias e que por isso foram reduzidas a escrito nos termos do disposto no artº 563º do CPC, têm força probatória plena nos termos do disposto no artº 358º nº 1 do Código Civil.
Por outro lado, a resposta que os Exmºs peritos deram a tal quesito, constante de fls 266 dos autos, não colide com a dita “confissão”, sendo certo que a referência que nela se faz a materiais isolantes, está relacionada com o quesito 20º, onde se perguntava se os construtores da casa dos réus colocaram isolamento entre a casa que estavam a construir e a parede em tijolo do prédio da autora.
Assim sendo, deve ser o facto em questão ser alterado no sentido pretendido pelos réus recorrentes, alterando-se o seu teor, que consta do ponto 27º da factualidade provada da sentença, nos seguintes termos:
“O construtor do prédio da autora só colocou na parede exterior (contígua à parede da casa dos réus ) tijolo de 15 cm.”
O facto quesitado no item 24º da base instrutória tem o seguinte teor:
“Neste tipo de construções, “em banda”, torna-se necessário isolar/impermeabilizar as paredes exteriores que fiquem encostadas a outro prédio”.
Tal facto foi considerado como não provado, pretendendo agora os réus que o mesmo seja dado como provado.
Fundamenta esta sua pretensão nos seguintes meios de prova:
No teor do relatório pericial e respectivos esclarecimentos dos Exmºs peritos de fls 266 e 486;
No teor do depoimento da testemunha Tomás M...;
No parecer junto aos autos de fls 575 a 583;
Nas cópias dos projectos de especialidade enviados pela Câmara Municipal de Viana do Castelo.
Lendo a motivação da resposta negativa dada ao facto controvertido em questão, verificamos que o Mmº Juiz da primeira instância fundamentou tal resposta, para alem do mais, no depoimento da testemunha Tomás M..., tendo em conta a sua razão de ciência, uma vez que o mesmo foi o engenheiro civil responsável pela fiscalização da obra da casa da autora.
Analisemos então, em primeiro lugar, o parecer dos Exmºs peritos reduzido a escrito nos autos.
A fls 266 a resposta dada pelos peritos ao quesito 24º foi a seguinte: “No que respeita ao isolamento, sim, sempre; no que concerne à impermeabilização, sim, quando a empena fica desprotegida.
Em face da segunda parte desta resposta que é a que nos interessa, parece-nos clara que a posição dos senhores peritos, vai em sentido contrário ao pretendido pelos réus apelantes. Segundo o seu parecer técnico, a impermeabilização só se afigura necessária se a empena, ou seja, a parede exterior da construção, não estiver “protegida” com a parede da construção contígua, “em banda”. Foi aliás este o sentido dos esclarecimentos prestados pelos mesmos peritos em audiência, que referiram não ser necessária a impermeabilização da parede exterior quando a parede da casa contígua está construída, resolvendo-se o risco de infiltrações na parte superior das construções. Mais disseram que essa impermeabilização só se impõe se a construção contígua á empena demorar muito tempo a ser executada (anos).
A fls 486, a pedido dos apelantes, os peritos afirmaram que, se a parede (exterior ou interiormente) do prédio da autora estivesse devidamente impermeabilizada, a água que escorre através da parede /viga do prédio dos réus não passaria para o interior da casa da autora. Ora, tal esclarecimento não contende de modo algum com a resposta negativa ao quesito 24º. O facto controvertido em causa é o de saber se no tipo de construções “em banda”, se torna necessário impermeabilizar as paredes exteriores que fiquem encostadas a outro prédio e não se a existência de uma adequada impermeabilização nessas paredes evitaria a infiltração das águas com origem no terraço dos réus.
Aliás, a desnecessidade de impermeabilização foi também atestada pela testemunha Tomás M..., engenheiro civil que fiscalizou a construção da casa da autora, que, no essencial, corroborou o parecer dos senhores peritos nos ditos aspectos. Referiu esta testemunha que a construção da casa contígua, a dos réus, foi praticamente simultânea à construção da casa da autora (entre as duas mediou um mês, um mês e meio, no máximo dois meses). Afirmou também que a impermeabilização só se justificaria se a construção contígua fosse executada dois ou três anos depois. Tal afirmação, em nosso entender, faz todo o sentido; se a empena fica desprotegida, exposta directamente à chuva e ás intempéries durante um período alargado, tal exposição poderá causar a existência de infiltrações de água se não for efectuada a impermeabilização. Mais referiu a o mesmo Tomás M... que, salvaguardando a dita situação, a realização da impermeabilização antes da execução da construção contígua, pode afinal revelar-se inútil, porquanto esta construção posterior muito provavelmente irá danificar a impermeabilização já efectuada “ … outro pedreiro vai pôr andaimes, vai furar, vai pôr as chamadas “serras juntas”…, depois vem a grua e dá uma paulada com o balde… portanto destrói-se aquilo tudo…”. Anote-se que foi no contexto destas afirmações que a testemunha referiu que a impermeabilização em causa, significaria “dinheiro deitado fora”. Por outro lado e com base nos seus conhecimentos e experiência profissional, referiu a mesma testemunha que as Câmaras Municipais, para licenciar a construção de edifícios, não exigem sequer qualquer projecto de impermeabilização, “cada um tenta fazer o melhor possível”, e que a prática no caso das construções em banda é a de não impermeabilizar as paredes exteriores dos edifícios, a não ser que entre a sua construção medeiem alguns anos. Acresce que, tal como referimos a propósito dos esclarecimentos prestados pelos Srs Peritos a fls 486, não contende com a resposta negativa ao quesito 24º a afirmação da testemunha no sentido de que a impermeabilização da parede da casa da autora impediria a infiltrações das águas vindas do terraço dos Réus.
O parecer dos peritos e o depoimento da testemunha Tomás foram também confirmados, no aspecto que agora analisamos, pela testemunha Paulo Alves, engenheiro civil que, no exercício da sua actividade profissional visitou a casa da autora na sequência do pedido do empreiteiro António Costa. Esta testemunha afirmou não ser razoável a obrigatoriedade da realização da impermeabilização das paredes laterais em construções “em banda”, sem prejuízo dos casos em que tais construções não são contemporâneas. No caso de as obras serem seguidas, como tinha ideia de ter sucedido no caso concreto por ali ter passado várias vezes na fase de construção, referiu não considerar como regra de boa construção a exigência da dita impermeabilização, tanto mais que a construção adjacente possivelmente vai causar danos a essa impermeabilização. Esta testemunha, como aliás também se conclui do teor dos esclarecimentos dos Srs Peritos, afirmou que a impermeabilização deve assegurar-se através dos remates nas ligações dos vários telhados, que têm de ser “conjugados entre si”.
No que respeita ao chamado “parecer” que os réus fizeram juntar aos autos, de fls 575 a 583, verificamos que o mesmo, por si só, não é suficiente para alterar a resposta dada ao quesito 24º. Na verdade, trata-se da transcrição de uma comunicação do Sr Doutor em Engenharia Fernando H... da Universidade Nova de Lisboa, efectuada no Congresso Nacional da Construção em 2001, intitulada “Paredes Duplas, Concepção e Critérios de Estanquidade”. Trata-se de um estudo que não teve em consideração o caso concreto, designadamente o tipo de construções em causa, em banda.
No que respeita às paredes duplas previstas no apenso que reúne as cópias dos projectos de especialidades relativos á casa da autora ( cfr fls 2), que foram examinados em audiência, designadamente no decurso do depoimento da testemunha Tomás , concordamos com o que foi escrito na motivação da decisão que incidiu na matéria de facto, tendo em conta a prova produzida que reapreciamos e que aqui transcrevemos: “Sobre a questão ainda suscitada pelo quesito 24º deve ainda ter-se em atenção que os projectos das especialidades examinados em sede de audiência de discussão e julgamento não são claros quanto á exigência de paredes duplas. A isto soma-se ainda que, conforme foi referido pela testemunha Tomás M..., com a razão de ciência acima explicitada, torna-se perceptível que as paredes duplas não têm a virtualidade de só por si constituírem uma forma eficaz de impermeabilização.” Acrescentaríamos ainda que, a eficácia da construção de paredes duplas como solução de impermeabilização, sempre dependeria da forma da sua execução, que nem sequer é referida no aludido documento, sendo certo que a mesma testemunha Tomás referiu que as paredes duplas podem ter outras funções, designadamente de isolamento térmico e acústico.
Pelo exposto entendemos não ser de alterar a resposta dada ao facto quesitado no item 24º da factualidade provada.
Da aplicação do direito aos factos
Na sentença recorrida que julgou parcialmente procedente a acção, condenaram-se os réus a executarem as obras necessárias no seu prédio de forma a evitar infiltrações de águas no prédio da autora e, bem assim, na reparação do prédio desta, mais concretamente dos danos causados decorrentes de infiltrações de água proveniente da junção dos algerozes e do terraço da casa dos réus.
Os factos provados considerados na sentença recorrida com interesse para a referida condenação foram, essencialmente, os seguintes: a casa da autora e dos réus fazem parte de um conjunto de moradias “em banda” e são contíguas entre si; a casa descrita no ponto 1 – da autora - apresenta sinais de infiltração de água no canto e parede do lado esquerdo, por cima da janela da cozinha, a partir do canto direito da parede (para quem entra), alastradas às paredes e parte do tecto da sala, no tecto, paredes e chão do quarto do 1º andar; as paredes e os tectos das divisões acima referidas têm manchas de humidade; o soalho do chão do quarto está apodrecido e levantado; O chão do quarto (placa) tem manchas de humidade; as referidas manchas provêm do terraço da casa do réu e têm origem também na deficiente ligação dos algerozes (parte da frente); o terraço tem uma inclinação marcada para o prédio da autora e a saída das águas (pluviais ou não) está colocada no canto superior da parede da casa dos réus, junto à parede que confina com a casa da autora, e as referidas infiltrações de água coincidem com a mencionada saída de água.
De tais factos concluiu o Mmº Juiz a quo que a causa directa e necessária para as infiltrações na casa da autora se encontra na casa dos réus, sendo certo que não ficou demonstrada que neste tipo de construções em banda se torna necessário impermeabilizar as paredes exteriores que fiquem encostadas a outro prédio (cfr. resposta negativa ao quesito 24º e respectiva fundamentação da matéria de facto), uma vez que essa falta de impermeabilização não viola qualquer regra ou boa prática de construção.
Ora, esta conclusão, que consideramos correcta, não pode ser afectada pelas alterações que nesta instância se determinaram, relativamente à resposta aos factos constantes dos itens 22º e 10º da base instrutória, que se afiguram inócuas. Na verdade, mantendo-se a resposta de “não provado” ao quesito 24º, a causa directa e necessária das infiltrações na casa da autora, que provêm do terraço da casa dos réus, está na deficiente ligação dos algerozes (parte da frente). Assim sendo, não pode proceder a pretensão dos réus no sentido de ser atribuída a responsabilidade pelas infiltrações em causa aos construtores da casa da autora e/ou aos respectivos donos da obra, mesmo que parcialmente, no pressuposto, que consideramos incorrecto, de haver duas causas para as ditas infiltrações, a saber, a falta de impermeabilização da parede da casa da autora e a deficiente ligação dos algerozes que permitem a infiltração de águas vindas do terraço dos réus.
Posto isto, não deve merecer censura a fundamentação jurídica da sentença recorrida, que sustentou a condenação dos Réus, quer a executarem as obras necessárias no seu prédio de forma a evitar infiltrações de águas no prédio da autora, quer a repararem os danos causados na casa da autora em virtude de tais infiltrações.
Segundo a sentença recorrida incide sobre os réus uma obrigação real, “propter rem”, de conteúdo positivo, que acompanha o direito real de que são titulares, no caso o direito de propriedade da sua casa e que confere à autora, sujeito activo de tal obrigação, o direito de lhes exigir a realização das ditas obras e reparações. Tal obrigação deriva do próprio estatuto legal do direito de propriedade (cfr artº 1305º e ainda 1346º do CC que, dado o seu carácter exemplificativo, pode abranger a emissão de outras substâncias, designadamente águas).
Transcrevendo a sentença recorrida, “Nos casos em que há violação de qualquer das vertentes em que o direito de propriedade se desdobra, surgem duas obrigações distintas: a da reposição das coisas no estado anterior (reconstituição natural) e a da indemnização dos danos causados – e se esta última pressupõe a verificação, no caso concreto, de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito (art.483º CC), já aquela decorre directa e imediatamente da lei, de acordo com o estatuto de direito real de que a coisa em questão é objecto, pelo que, não estando relacionada com qualquer obrigação indemnizatória, não há que cuidar da verificação dos requisitos desta (H. Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, ppp.308-309-309 ).
Temos assim que os réus são obrigados a efectuarem no prédio da autora as obras necessárias à remoção das deteriorações causadas pelas infiltrações de águas provenientes do seu prédio, bem como a fazerem as obras necessárias de forma a evitar futuras infiltrações, tal como peticionado pela autora, pois como refere Henrique Mesquita, ob. cit., pág.307: “Quando a obrigação geradora da obrigação propter rem é cometida pelo próprio titular do direito real, será sobre ele, obviamente, que impenderá a obrigação de modificar a situação material da coisa, em termos que a tornem novamente conforme ao estatuto a que o ius in re está sujeito”.
Ora, no caso concreto, o direito de propriedade da autora foi violado, porquanto, as água provenientes do prédio vizinho dos réus se infiltraram na sua habitação, restringindo o uso e fruição desta, verificando-se pois a ilicitude necessária para que nasça a dita obrigação real (cfr Henrique Mesquita, obra citada, pag 309). Ademais, ficou demonstrado que, após reclamação da autora, o réu marido e o construtor da sua casa colocaram um cola no terraço, o que não surtiu qualquer efeito já que, dias depois, voltou a escorrer água pelas paredes da casa da autora.
Como entende este autor, a obrigação propter rem, por resultar directa e imediatamente da aplicação do estatuto do direito à situação em que a coisa objectivamente se encontra, nasce com a violação e subsiste, ligada à coisa, enquanto não se verificar uma causa de extinção.
Consequentemente, em caso de transmissão, o novo titular do direito real fica colocado, relativamente a esse estatuto, na mesma situação em que se encontrava o anterior, ou seja, as obrigações transmitem-se com o direito real de que elas decorrem.
Deve pois manter-se, nesta parte, a condenação dos Réus.
Recurso da Autora
A questão que constitui objecto do recurso da autora é apenas a de saber se a indemnização em que os Réus foram condenados a pagar-lhe para compensação de danos morais, no valor de € 1500,00, deve ser fixada em € 5000,00.
Ora, o conhecimento desta questão está prejudicado, uma vez que se decidiu que esta condenação é ilegal, sendo nesta parte nula a sentença recorrida por ter condenado os réus em objecto diverso do pedido.
III - DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem a secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos réus e, em consequência, julgar nula e revogar a sentença na parte em que os condenou a pagarem à autora a quantia de € 1500,00 a título de compensação por danos patrimoniais, mantendo, no mais, o decidido na mesma;
Considerar que, em face da revogação parcial da sentença, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado da autora.
Custas pelos recorrentes e recorridos na proporção dos respectivos decaimentos.