ISENÇÃO DE CUSTAS
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário


I. Da conjugação da alínea u) do n.º 1 e do nº 4 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais não se vê que tenha de resultar que a isenção prevista nestes preceitos, no seu âmbito objectivo, não se aplique aos processos de insolvência, pois a redacção das normas é ampla e abrange todo o tipo de processos, salvo aqueles expressamente ressalvados: litígios relativos ao direito do trabalho.
II. Impendendo sobre o devedor a obrigação de requerer a sua própria insolvência e sendo considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, dificilmente se compreenderia que o legislador não quisesse abranger no âmbito da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do RCJ, as sociedades no processo em que requerem a sua própria insolvência, alegando encontrarem-se naquela situação.
III. Assim, sendo a requerente da declaração de insolvência a própria devedora, uma sociedade comercial, quando da apresentação do requerimento inicial não tem a mesma que proceder ao pagamento da taxa de justiça, atenta a isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.

Sumário do relator

Texto Integral


Acórdão na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. J. …, Limitada, requereu no Tribunal Judicial de Santarém, a declaração de insolvência, ao abrigo do artigo 28º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), alegando, em síntese, estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, situação que foi constatada em termos definitivos pelos sócios gerentes da Requerente em 28/01/2013, conforme Acta da Assembleia Geral, que junta, na qual se concluiu, após diversas diligências, não ter a sociedade capacidade para recorrer ao crédito, nem os sócios os meios financeiros disponíveis para satisfazer as necessidades decorrentes do passivo existente, encontrando-se a Requerente em situação de Insolvência actual.

2. Na sequência da apresentação da petição em Juízo, pelo Senhor Juiz do processo foi determinada a notificação da requerente para, em dez dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça (cf. despacho de 6 de Março de 2013 - ref. 4554140).
Em resposta, apresentou a requerente o requerimento de 15 de Março de 2013, no qual invoca a sua situação de insolvência, concluindo estar abrangida pela isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas processuais, a qual abrange a taxa de justiça em causa.

3. Na sequência deste requerimento foi proferido o despacho de 20 de Março de 2013 (ref. 4577678), do seguinte teor:
Do pagamento da taxa de justiça:
Entende a requerente que goza de isenção de custas nos termos do artigo 4/1-u) do Regulamento das Custas Processuais.
Será assim?
Consoante decorre do nº 1 do artigo 1 e do nº 1 do artigo 3 do Regulamento das Custas Processuais, estando todos os processos sujeitos a custas, nos termos fixados no Regulamento, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O processo de insolvência está sujeito a custas, nos termos dos artigos 301 a 304 do CIRE, sendo que de acordo com este último artigo as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente (constituindo dívida da mesma) ou do requerente (independentemente de ele ser o devedor ou outra pessoa para tanto legitimada) consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.
O artigo 4 do referido Regulamento das Custas Processuais reporta-se, todavia, às isenções por custas, prevendo no seu nº 1-u) que estão isentas de custas as “sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho”.
Especifica o nº 4 deste artigo que no caso acima aludido “a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, em todas as acções no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença”.
Acerca do Regulamento das Custas Processuais o Ministério da Justiça editou um conjunto de «Perguntas & Respostas» a que se poderá aceder em http://www.mj.gov.pt/ e em que é referido que o «artigo 4.º do RCP contém um conjunto de isenções, que se podem dividir em 4 categorias, consoante os objectivos da isenção em questão, que vão desde a defesa do interesse público, o exercício de funções públicas, a tutela do acesso ao direito, até razões de racionalidade e oportunidade processuais». No último grupo estariam previstas «isenções que assentam na natureza obrigatória ou simplificada do processo, em objectivos de racionalização processual ou em critérios de oportunidade processual» e neste grupo se incluiria a previsão do nº 1-t).
Ora, a requerente não está em processo de recuperação de empresas.
E estará em situação de insolvência?
Essa questão terá de ser futuramente decidida. Por esse motivo, a requerente não está isenta do pagamento de custas.
Neste sentido, o Sr. Conselheiro Salvador da Costa refere que “o pressuposto essencial desta isenção é a verificação, em relação àqueles sujeitos, dos requisitos de apresentação à insolvência” – Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, Almedina, 2009, p. 162.
E prossegue o mesmo autor no sentido que “não é, pois, em rigor, destinada aos sujeitos passivos da declaração de insolvência a que se reporta o artº 2º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas” (sublinhado nosso) – Ob. cit, p. 163.
Face ao exposto, notifique, pela última vez a requerente para proceder ao pagamento da taxa devida, com a advertência de que se o não fizer no prazo de 10 dias, será ordenado o desentranhamento do requerimento inicial.

4. Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a requerente, pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita a petição inicial sem o pagamento da taxa de justiça, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]:
I. Sendo a requerente da declaração de insolvência a própria devedora, uma sociedade comercial, aquando da apresentação do requerimento inicial não tem de proceder ao pagamento da taxa de justiça, atenta a isenção de custas prevista no artigo 4º nº 1 alínea t) do RCP;
II. O pressuposto essencial da isenção prevista na alínea t) do nº 1 do art.º 4º do RCP é a verificação, em relação àqueles sujeitos, dos requisitos de apresentação à insolvência, não se exigindo a sua prévia declaração;
III. A devedora, ora Recorrente, sociedade comercial que se encontra em situação de insolvência – art.º 3º nº 1 e 2 do CIRE – beneficia da isenção de custas prevista na alínea t) do nº 1 do artigo 4º do RCP, em todo o tipo de processos, exceptuando os relativos ao direito do trabalho, não estando por isso obrigada ao pagamento da taxa de justiça;
IV. O douto despacho ora recorrido, através da interpretação restritiva adoptada, viola a norma prevista no artigo 4º nº 1 alínea t) do RCP."

5. O recurso não foi inicialmente admitido no tribunal a quo (cf. despacho de 11 de Junho de 2013), tendo a recorrente deduzido reclamação nos termos do artigo 688º do Código de Processo Civil, a qual foi deferida, por despacho do ora relator nesta Relação, de 11 de Julho de 2013, que determinou a subida imediata dos autos para conhecimento do recurso.
Assim, com dispensa dos vistos legais, face à urgência do processo (cf. n.º 4 do artigo 707º do Código de Processo Civil), cumpre apreciar e decidir.

II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.º3 e 685º-A, nº1, todos do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se a recorrente, que se apresentou à insolvência, goza neste processo da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), não tendo, assim, de proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial.
Importa referir que nas alegações e conclusões do recurso a recorrente refere-se à isenção de custas prevista na alínea t) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, e não na alínea u) do n.º 1 do mesmo artigo, o que constitui lapso material manifesto, pois a isenção em causa, com a redacção dada ao preceito pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, passou a constar da dita alínea u).
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais constantes do relato dos autos.

B) – O Direito

1. A questão a decidir no recurso é a mesma que se apreciou em sede de reclamação, onde estava também em causa saber se, sendo a requerente uma sociedade comercial, que se apresenta à insolvência, beneficia no próprio processo de insolvência da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, na redacção da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, não tendo, por conseguinte, em caso afirmativo, como pretende a recorrente, de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial de insolvência.
Na decisão recorrida, que determinou a notificação da recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça, sob pena de desentranhamento da petição inicial, sufragou-se o entendimento de que a recorrente, uma sociedade comercial que se apresenta à insolvência, não beneficia no próprio processo de insolvência daquela isenção, porquanto
não está em processo de recuperação nem está ainda apurada a sua situação de insolvência, a qual só será verificada no processo.
Vejamos:

2. Como se sabe, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. n.º 1 do artigo 3º do RCP).
Quanto ao processo de insolvência, prescreve o artigo 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que: “As custas do processo de insolvência são encargos da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado”.
Porém, nos termos da alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, estão isentos de custas “As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho”, sendo que, nos termos do n.º 4 deste artigo, “… a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, em todas as acções no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença”.

2.1. A isenção a que respeita o citado normativo estende-se, pois, a toda e qualquer espécie processual, independentemente do órgão jurisdicional onde seja tramitada, com a única excepção relativa às acções do foro laboral.
A propósito desta isenção refere Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 162-163 que: Trata-se, para as referidas situações, de uma isenção objectiva, duplamente condicionada, por um lado, em quadro de sujeição a medidas de recuperação da empresa ou de situação de insolvência e, por outro, não se tratar de processo do foro laboral, por isso com uma forte vertente objectiva.
Mas, muito embora o pressuposto essencial desta isenção seja a verificação, em relação aos sujeitos ali identificados, dos requisitos de apresentação à insolvência, não se exige a sua prévia declaração.
De facto, não é razoável que apresentando-se a requerente à insolvência alegando estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, o que, nos termos do artigo 28º do CIRE implica o reconhecimento pelo devedor da sua situação de insolvência, se lhe exija o pagamento prévio da taxa de justiça, para obter esse reconhecimento, tanto mais que, em caso de procedência do pedido as custas ficam a cargo da massa insolvente (cf. artigo 304º do CIRE, e não da requerente (cf., neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 06/11/2012 – procº n.º 352/11.7TBPVZ-B.P1 - disponível, como todos os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt), que só as pagará, por perder a isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença, nos termos do n.º 4 do artigo 4º do RCP.

2.2. Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Fevereiro de 2010 (proc. n.º 1242/09.9TYLSB.L1-2), para cuja fundamentação se remete, a redacção dos preceitos é ampla e abrangente de todo o tipo de processos, salvo aqueles expressamente ressalvados - litígios relativos ao direito do trabalho – e o elemento literal – a letra da lei – não aponta, em nosso entender, no sentido adoptado pelo tribunal de 1ª instância [cf. neste sentido, ainda, os Acórdãos, da Relação de Lisboa, de 15/06/2011 e 16/06/2011 (procºs n.ºs 25489/10.2T2SNT-A.L1.1 e 1640/10.5-TYSLB-A.L1-8)].
Aliás, dificilmente se compreenderia que impendendo sobre o devedor a obrigação de requerer a sua própria insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, ou à data em que devesse conhecê-la, apenas estando desoneradas desta obrigação as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência (cf. n.º s 1 e 2 do artigo 18º do CIRE), e sendo considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (cf. n.º 1 do artigo 3º do CIRE), o legislador não quisesse abranger no âmbito da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do RCJ, as sociedades no processo em que requerem a sua própria insolvência, alegando encontrarem-se impossibilitadas de cumprir as suas obrigações vencidas.

2.3. Nestas circunstâncias, estando a situação dos autos abrangida pela norma da alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais, dada a isenção ali prevista, não estava a requerente obrigada ao pagamento da taxa de justiça, não subsistindo justificação para o desentranhamento do requerimento inicial, como é determinado no despacho recorrido, como consequência da falta de pagamento da taxa de justiça.
Assim, deve ser julgada procedente a apelação e revogado o despacho recorrido.

IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando a admissão da petição inicial sem o pagamento da taxa de justiça em causa, prosseguindo os autos os termos legais.
Sem custas.
Évora, 13 de Agosto de 2013
Francisco Xavier
Canelas Brás
João Nunes