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PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
RECURSO PARA A MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
RESPONSÁVEL PELA COLOCAÇÃO NO MERCADO
Sumário
I. – A inadmissibilidade legal, decorrente do disposto no art.º 73.º do RGCO, de recurso da aplicação de uma sanção de admoestação, não é inconstitucional face ao disposto no art.º 32.º, n.º 1 e 10, da Constituição.
II. – Não é de receber um recurso interposto para melhoria da aplicação do direito (art.º 73.º, n.º 2, do RGCO) se o único argumento para tal for o de que o recorrente não concorda que em sede de apreciação pelo tribunal da 1.ª Instância do teor da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, aquele tribunal pode dar como provados factos constantes da decisão da autoridade administrativa só porque o impugnante na referida impugnação não os impugnou expressamente, não estando vedada ao tribunal "a quo" a possibilidade de decidir com recurso a prova indirecta, por tal não configurar uma violação do princípio "in dubio pro reo".
III. – Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão: na contra-ordenação prevista no art.º 8.° al.ª b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, o conceito de responsável pela colocação no mercado é restrito às entidades que introduzem os produtos em causa pela primeira vez num país da UE: quando estão em causa produtos fabricados no espaço Geográfico da CE a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe ao fabricante; e quando estão em causa produtos fabricados no espaço geográfico exterior à CE, a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe a quem introduzir o produto na área geográfica da CE.[1]
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação n.º 33/12.4YQSTR.E1, do 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, a arguida C..., SA, foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenada pelo ICP – Anacom na sanção de admoestação pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art.º 8.° al. b) e 33.º, n.º 1 al.ª c), e 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, e 4.º da Lei n.º 99/2009, de 4-9.
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Impugnada judicialmente esta decisão, foi realizado o julgamento, tendo a Senhora Juiz a quo decidido negar provimento ao recurso e manter a sanção de admoestação aplicada pela autoridade administrativa.
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
-- Factos provados:
1. A arguida, C..., SA, colocou no mercado os seguintes equipamentos de rádio:
- em 2007.01.18, 9 equipamentos de rádio da marca TARGUS, modelo AMW14EU, vendendo-os à W.., SA (cfr. doc. a fls. 20);
- em 2008.05.29, 6 equipamentos de rádio da marca TARGUS, modelo AMW1601EU e 4 equipamentos da marca TARGUS, modelo AMW1602EU, vendendo-os à F..., SA (cfr. doc. a fls. 288-289);
- em 2008.09.09, um número indeterminado de equipamentos de rádio da marca TARGUS, modelo AMW1603EU, vendendo-os à W..., SA (cfr. docs. a fls. 545, 546 e 555-556);
- em 2009.02.18, 6 equipamentos de rádio da marca TARGUS, modelo AMW1601EU, vendendo-os à P..., SA (cfr. doc. a fls. 1920-1921).
2. Os Técnicos dos Serviços de Fiscalização do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações constataram que:
Em 2008.09.12, a W... SA, colocava à venda 5 equipamentos de rádio da marca TARGUS, modelo AMW1603EU (cf. Auto de Notícia nº 16/2008, a fls. 542).
Em 2008.10.02, a F..., SA, colocava à venda vários equipamentos de rádio de entre os supra mencionados (cfr. Auto de Notícia nº 32/2008, a fls. 267-268):
2 equipamentos da marca TARGUS, modelo AMW1601EU;
1 equipamento da marca TARGUS, modelo AMW1602EU.
Em 2008.11.18, a E..., LDA. (empresa do mesmo grupo da P...SA), colocava à venda oito equipamentos de rádio da marca TARGUS, modelo AMW1601EU (cfr. Auto de Apreensão nº 0040, a fls. 1916-1917).
5. Todos esses equipamentos que se encontravam colocados à venda foram apreendidos, por não estarem acompanhados da declaração de conformidade prevista na alínea b) do art. 8º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto.
6. Posteriormente, foi solicitado à arguida o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como das declarações de conformidade CE e documentação técnica.
7. Analisados os equipamentos da marca TARGUS, modelo AMW14EU, e a respetiva documentação, de acordo com o Relatório nº 893/2009, de 29 de dezembro, da Direção de Fiscalização, constante dos autos a fls. 243 e ss., contatou-se que:
- os equipamentos foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade controlo de produção interno e ensaios específicos dos aparelhos;
- a documentação técnica não incluía a descrição geral do equipamento, os desenhos de projeto e fabrico, os esquemas elétricos, as especificações técnicas, o diagrama de blocos, a lista de componentes, nem os relatórios de ensaio de rádio e de compatibilidade eletromagnética.
8. Analisados os equipamentos da marca TARGUS, modelo AMW1601EU, e a respetiva documentação, de acordo com o Relatório nº 593/2010, de 4 de agosto, da Direção de Fiscalização, constante dos autos a fls. 503 e ss., contatou-se que:
- os equipamentos foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade dossier técnico de construção;
- tais equipamentos não se encontravam acompanhados da declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis a fornecer ao utilizador;
- não foi fornecida a documentação técnica respetiva.
9. Analisados os equipamentos da marca TARGUS, modelo AMW1603EU, e a respetiva documentação, de acordo com o Relatório nº 320/2010, de 8 de junho, da Direção de Fiscalização, constante dos autos a fls. 686 e ss, contatou-se que :
- os equipamentos foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade controlo de produção interno e ensaios específicos dos aparelhos;
- tais equipamentos não se encontravam acompanhados da declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis a fornecer ao utilizador;
- a documentação técnica constante do dossier técnico de construção não incluía a descrição geral do equipamento, os desenhos de projeto e fabrico, os esquemas elétricos, o diagrama de blocos, nem a lista de componentes.
10. Analisados os equipamentos da marca TARGUS, modelo AMW1602EU, e a respetiva documentação, de acordo com o Relatório nº 567/2010, de 28 de julho, da Direção de Fiscalização, constante dos autos a fls. 878 e ss., constatou-se que:
- os equipamentos foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade dossier técnico de construção;
- a documentação técnica constante do dossier técnico de construção não incluía os desenhos de projeto e fabrico, os esquemas elétricos, as especificações técnicas, o diagrama de blocos, a lista de componentes, nem os relatórios de ensaio de compatibilidade eletromagnética e de LVD.
11. A arguida adquiriu os referidos equipamentos a uma empresa sediada na União Europeia, a Targus Europe, Ltd..
12. A arguida é um distribuidor retalhista, que não vende diretamente ao consumidor.
13. A arguida não teve o cuidado de verificar quais as normas legais aplicáveis à atividade que pretendia desenvolver, de colocação no mercado de equipamentos de rádio.
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-- Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados outros factos.
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Fundamentação da convicção:
O recurso de impugnação judicial, enquanto recurso, apresenta particularidades em relação ao processo por crime. Estando em causa nesta sede um recurso, o objecto do processo é fixado em função do conteúdo do articulado de impugnação.
Daqui resulta que não há que produzir prova sobre os factos aceites pelo arguido. Não se trata de prova por confissão no sentido que esta pode ter no direito civil, isto é, não se consideram os factos provados por o arguido ou arguidos os não terem especificadamente impugnado. Em processo contraordenacional vale o princípio da presunção de inocência e o consequente ónus de prova pela acusação. No entanto, só tem que ser produzida prova e apreciada a factualidade posta em causa pelo arguido. Os factos constantes da decisão recorrida que o arguido não questione ficam fora do objecto do recurso.
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In casu, a arguida pôs em causa a correspondência entre os produtos por si vendidos e os produtos apreendidos neste processo.
As testemunhas ouvidas em audiência, ME e ML, funcionárias da arguida que se afiguraram coerentes e credíveis, admitiram que a arguida vendeu e vende artigos idênticos aos apreendidos e que os vendedores ao público indicados nos factos provados são seus clientes. Porém, sem indicação de um número de série de cada artigo, não conseguem afirmar se estes artigos em concreto foram fornecidos pela arguida.
Constam indicadas na matéria provada as fls. a que se encontram as faturas de venda dos artigos pela arguida aos seus clientes. Ora, tais faturas foram fornecidas pelos próprios clientes da arguida, que tinham os produtos para venda ao público. Não se vislumbra qualquer razão para que os clientes da arguida tivessem fornecido falsas informações, indicando-a como fornecedora de produtos que foram vendidos por outra empresa.
Assim, conjugando os depoimentos das testemunhas ouvidas com a prova constante dos autos, importa considerar provado que tais equipamentos foram vendidos pela arguida.
A ausência do certificado de conformidade nos produtos em causa resulta também do teor dos autos de notícia indicados nos factos provados.
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Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs um recurso que pretende seja admitido por esta Relação ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 73.º, do Regulamento Geral das Contra-Ordenações (RGCO – diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), ou então ao abrigo do disposto no n.º 2 daquela mesma disposição legal, isto é, por ser manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito o para a promoção da uniformidade da jurisprudência, fundamentando essa manifesta necessidade no requerimento a que se refere o art.º 74.º, n.º 2 e nos seguintes termos:
C..., S. A., Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada da sentença que negou fundamento ao recurso de impugnação judicial, mantendo a decisão de condenação em admoestação pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 8.º, alínea b), e 33.º, n.º 1, alínea c), e n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, e não se podendo conformar com a mesma, vem dela interpor o presente Recurso, nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), o qual deverá subir nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), e 408.º, n.º 1, alínea a), do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º do RGCO).
O presente recurso deverá ser admitido, sob pena de, assim não sucedendo, o Tribunal aplicar uma norma de acordo com a qual ao Recorrente está vedado o direito ao recurso da sentença proferida no âmbito de um processo de contra-ordenação, que confirme a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, norma que é inconstitucional por violação das garantias de defesa, designadamente do direito ao recurso da ora Recorrente (cfr. artigo 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa — CRP).
Cautelarmente, na hipótese — que não se concebe e na qual não se concede — de o Tribunal entender que o presente recurso apenas pode ser interposto nos termos do disposto nos artigos 73.º, n.º 2, e 74.º, n.º 2, do RGCO, sempre deverá o mesmo ser admitido, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo, atentos os seguintes fundamentos:
1. A manifesta necessidade de melhoria na aplicação do direito
a) Na motivação da decisão que confirma a condenação da ora Recorrente na sanção de admoestação aplicada pelo ICP-ANACOM, o Tribunal a quo acolheu um princípio de admissão dos factos não contestados pela arguida na impugnação judicial, determinando a sua exclusão da sentença proferida nesta sede.
b) O reconhecimento deste princípio no processo contra-ordenacional equivale, assim, à imposição do ónus de impugnação dos factos vigente no processo civil (cfr. artigo 490.º do Código de Processo Civil – CPC) e revela uma interpretação feita pelo Tribunal a quo que desconsidera e contraria os princípios enformadores e a própria estrutura deste processo.
c) A natureza sancionatória do processo contra-ordenacional determina, pelo contrário, a sua sujeição, a título subsidiário, aos princípios e regras do processo penal, designadamente aos princípios da presunção de inocência, do contraditório e da investigação, que vigoram neste processo (cfr. artigo 32.º, n.ºs 2, 5 e 10, da Constituição e artigos 41.º, 50.º, 54.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 68.º, n.º 1, e 72.º, n.º 2. do RGCO).
d) Princípios e regras cuja aplicação se impõe igualmente na apreciação de toda a prova produzida nos autos, quer durante a fase administrativa do processo, quer já em sede judicial.
e) Pelo que ao Tribunal a quo estava igualmente vedada a possibilidade de decidir com recurso a prova indirecta — a qual resultou de um facto base não demonstrado, mas meramente presumido, e determinou que a sentença recorrida considerasse como provado que a Arguida, ora Recorrente, vendeu os equipamentos de rádio apreendidos nos presentes autos, sendo, por isso, responsável pela sua colocação no mercado —, por tal configurar uma violação do princípio constitucional do in dubio pro reo (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição).
f) Em face do exposto, fica plenamente justificada a admissibilidade do presente recurso, atenta a manifesta necessidade de promover a melhoria na aplicação do direito feita pela sentença recorrida, em particular, no que respeita à observância dos princípios constitucionais e legais vigentes no processo contra-ordenacional e que se impunham nesta decisão.
2. A promoção da uniformidade da jurisprudência
a) Ainda que assim não se entenda — o que apenas por cautela de patrocínio de concebe, sem conceder —, sempre se refira que a admissibilidade do presente recurso se justifica igualmente com fundamento na necessidade (de melhoria na aplicação do direito e também) de promoção da aplicação uniforme da jurisprudência.
b) As conclusões da sentença recorrida, ao afirmar que a ora Recorrente é responsável pela colocação no mercado dos equipamentos de rádio, para efeitos do disposto no artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, confirmando a sua condenação pela prática do ilícito contra-ordenacional previsto nos termos do artigo 33.º, n.º 1, alínea c), e n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma, contrariam as conclusões vertidas na sentença proferida pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, no processo que correu os seus termos sob n.º ----/11.1TBMTS
c) A sentença proferida por este Tribunal absolveu a ora Recorrente — ali Arguida — da prática de um ilícito contra-ordenacional idêntico ao apreciado nos presentes autos, com fundamento na circunstância de a mesma não deter a qualidade de responsável pela colocação no mercado — qualidade que, à luz desta última decisão, apenas pode ser reconhecida às entidades que introduzem os equipamentos no mercado único europeu — e, por essa razão, não lhe ser exigível o cumprimento da obrigação vertida no artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto.
d) Fica, por isso, clara a oposição entre julgados sobre a mesma questão.
e) Na verdade, o que se constata é que, uma e a mesma empresa arguida, no decurso da sua normal actividade económica, se encontra confrontada com duas decisões plenamente contraditórias quanto ao objecto, sentido e obrigações legais que lhe são impostas.
f) Razão pela qual se impõe-se também esclarecer em definitivo qual a interpretação que se deve dar às normas legais aplicáveis, de modo a conferir um mínimo de previsibilidade à actividade económica da arguida, ora Recorrente, que actua e sempre actuou na convicção do estrito cumprimento das suas obrigações legais.
g) Sendo que tal interpretação, na medida em que implica o esclarecimento prévio de uma questão de direito comunitário, deverá – inclusivamente por imposição constitucional resultante do artigo 8.º, n.º 4, da Lei Fundamental — ser conforme ao direito da União Europeia, quer legislado (atento o efeito directo reconhecido a algumas das normas harmonizadas pela Directiva 1999/5/CE), quer do que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (que, desde há muito, vem interpretando as normas da referida Directiva).
h) Termos em que se requer a admissibilidade do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 2, do RGCO.
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Deste requerimento autónomo, a que se refere o art.º 74.º, n.º 2, se retira que:
O requerente pretende que, desde logo, o recurso seja admitido como interposto nos termos do art.º 73.º, n.º 1, sob pena de – e passamos a citar – assim não sucedendo, o Tribunal aplicar uma norma de acordo com a qual ao Recorrente está vedado o direito ao recurso da sentença proferida no âmbito de um processo de contra-ordenação, que confirme a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, norma que é inconstitucional por violação das garantias de defesa, designadamente do direito ao recurso da ora Recorrente (cfr. artigo 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa — CRP).
E, caso o recurso não seja admitido como interposto nos termos do art.º 73.º, n.º 1, seja então admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 daquela mesma disposição legal, isto é, por ser manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito.
A manifesta necessidade para a melhoria da aplicação do direito resultaria da solução que a Relação viesse a dar às seguintes questões:
1.ª – Que, em sede de apreciação pelo tribunal da 1.ª Instância do teor da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, aquele tribunal não pode dar como provados factos constantes da decisão da autoridade administrativa só porque o impugnante na referida impugnação não os impugnou expressamente, mais lhe estando vedada a possibilidade de decidir com recurso a prova indirecta, por tal configurar uma violação do princípio "in dubio pro reo"; e
2.ª – Que a mesma questão jurídica resultou nos presentes autos numa condenação e resultou na sentença proferida pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, no processo n.º ---/11.1TBMTS, numa absolvição, havendo pois aqui uma clara oposição entre julgados sobre a mesma questão, pelo que importa esclarecer em definitivo qual a interpretação que se deve dar às normas legais aplicáveis, de modo a conferir um mínimo de previsibilidade à actividade económica da arguida.
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Vejamos:
No tocante à pretensão de que, desde logo, o recurso seja admitido como interposto nos termos do art.º 73.º, n.º 1, sob pena de – e passamos a citar – assim não sucedendo, o Tribunal aplicar uma norma de acordo com a qual ao Recorrente está vedado o direito ao recurso da sentença proferida no âmbito de um processo de contra-ordenação, que confirme a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, norma que é inconstitucional por violação das garantias de defesa, designadamente do direito ao recurso da ora Recorrente (cfr. artigo 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa — CRP):
Trata-se de uma questão espúria à admissibilidade ou não do recurso para a melhoria da aplicação do direito, ao abrigo do disposto no art.º 73.º, n.º 2.
Adiante.
O art.º 73.º, n.º 1, sob a epígrafe decisões judiciais que admitem recurso, estabelece o seguinte:
1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
Está, pois, fora de qualquer dúvida que, em face do teor desta disposição legal não é admissível recurso para a Relação da decisão do tribunal da 1.ª Instância que, em processo contra-ordenacional, aplica ou mantém a aplicação de uma pena de admoestação.
A jurisprudência é unânime sobre esse assunto, como se pode ver pela produção da Relação de Lisboa, a naturalmente mais copiosa sobre qualquer assunto (todos acessíveis em www.dgsi.pt) : de 1-2-2010, relatado pelo Desembargador Trigo Mesquita, proferido no processo 816/08.0TBMFR.L1-9; de 8-10-1997, relator Des. Adelino Salvado, recurso n.º 40.083; de 23-3-2004, relatora Des.ª Filomena Clemente Lima, recurso n.º 10030/2003-5; de 18-1-2007, relator Des. Ribeiro Cardoso, recurso n.º 95/2007-9; de 14-10-2004, Desembargadora Maria da Luz Batista, processo 16/2004-9; de 19-05-2004, Desembargador Varges Gomes, processo 3145/2004-3; de 14-10-2004, Desembargador Fernando Estrela, processo 8991/2003-9; e ainda de 26-1-2006, este na CJ, 2006, I-129.
A variante introduzida pela recorrente consiste em definir se a inadmissibilidade de recurso quanto à sanção de admoestação é inconstitucional face ao disposto no art.º 32.º, n.º 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa.
Não nos parece, porém, que o seja.
A Lei Constitucional n.º 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias de defesa o direito ao recurso (n.º 1, 2.ª parte, do art.º 32.º da Constituição). Trata-se de explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto. Era esta, de resto, a posição já defendida pela doutrina e acolhida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional desde sempre (cf. Acórdãos do TC n.º 638/98, 202/99 e 415/01).
Questão mais problemática é a de saber se e em que medida é que os princípios da «constituição processual criminal», enunciados neste artigo, valem também para outros processos próximos do processo penal, ou de carácter «para-penal», como é o caso do processo contra-ordenacional, nos termos do n.º 10 do citado art.º 32.º aonde apenas consta que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
Ora o certo é que neste n.º 10, relativamente ao processo contra-ordenacional, não se faz a mesma referência a «todas as garantias de defesa» e, particularmente, ao direito ao recurso, referindo-se apenas a garantia dos direitos de audiência e defesa do arguido – o que afasta a inconstitucionalidade da impossibilidade de recurso das decisões do tribunal da 1.ª Instância que, em processo contra-ordenacional, aplica ou mantém a aplicação de uma pena de admoestação, sendo certo que, no caso dos autos, os direitos de audiência e defesa foram cabalmente respeitados pelas possibilidades conferidas e utilizadas quer de apresentação de defesa perante a autoridade administrativa nos termos do art.º 50.º, quer da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que levou ao pronunciamento sobre o assunto de um tribunal judicial.
De resto, o que a Constituição decididamente consagra é a garantia do duplo grau de jurisdição, mas não do duplo grau de recurso (Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2.ª ed., tomo I, pág. 714). Duplo grau de jurisdição que no caso se encontra satisfeito, atento a que a decisão da autoridade administrativa pode ser e foi apreciada por um tribunal judicial de 1.ª Instância.
Além disso, a possibilidade de recurso assegurada pelo n.º 2 do art.º 73.°, nos casos em que tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou haja divergências jurisprudenciais, parece assegurar eficazmente os direitos do arguido, por permitir o controle jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica.
O que nos leva à apreciação da manifesta necessidade para a melhoria da aplicação do direito que resultaria da solução que a Relação viesse a dar às seguintes questões:
1.ª – Que, em sede de apreciação pelo tribunal da 1.ª Instância do teor da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, aquele tribunal não pode dar como provados factos constantes da decisão da autoridade administrativa só porque o impugnante na referida impugnação não os impugnou expressamente, mais lhe estando vedada a possibilidade de decidir com recurso a prova indirecta, por tal configurar uma violação do princípio "in dubio pro reo"; e
2.ª – Que a mesma questão jurídica resultou nos presentes autos numa condenação e resultou na sentença proferida pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, no processo n.º ----/11.1TBMTS, numa absolvição, havendo pois aqui uma clara oposição entre julgados sobre a mesma questão, pelo que importa esclarecer em definitivo qual a interpretação que se deve dar às normas legais aplicáveis, de modo a conferir um mínimo de previsibilidade à actividade económica da arguida.
Vejamos:
Como notas introdutórias ao assunto da admissibilidade, ao abrigo do disposto no art.º 73.º, n.º 2 de um recurso manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, diremos – acompanhando o acórdão da Relação de Lisboa de 24-9-97, CJ, 1997, IV-145, e o despacho do relator proferido na Relação de Évora em 27-5-2008, no processo 883/08-1, pelo Ex.mo Desembargador Ribeiro Cardoso, que por sua vez cita em parte o acórdão da Relação de Guimarães de 8-11-2004, no proc. n.º 1073/04-1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt – que a melhor aplicação do direito não consistirá na sindicabilidade de toda e qualquer decisão que suscite a discordância do arguido ou do M.º P.º.
Não dá o legislador outra pista para desvendar o seu propósito que não seja a utilização da expressão “manifestamente necessário”, indicativa de que terá de invocar-se uma bem visível errónea aplicação do direito.
Não se trata apenas de conseguir com o resultado do recurso uma “melhoria” na aplicação do direito, mas de limitar a admissibilidade do seu uso aos casos de isso ser manifestamente necessário. A um critério de necessidade acrescenta-se uma circunstância de premência, de avultamento do desacerto. Ou seja, além da patente apreensibilidade da aplicação defeituosa do direito, deverá ainda verificar-se existir na decisão recorrida um erro jurídico grosseiro para justificar a necessidade a que acorre a intervenção do tribunal superior.
Se assim é, podemos concluir que só é de aceitar o recurso quando na decisão recorrida o erro avultar de forma categórica e, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporte para os por ela visados, para alcançar uma maior estabilidade na aplicação do direito, um maior prestígio das instituições encarregadas da administração da justiça e uma maior eficácia do princípio da igualdade dos cidadãos quanto à lei, seja inexoravelmente preciso corrigir aquele.
No entanto, esta possibilidade de recurso, ao abrigo do n.º 2 do art.º 73.º, é restrita às decisões finais do processo de contra-ordenacional e deve ser expressamente mencionada no requerimento de interposição de recurso pelo arguido ou pelo Ministério Público.
Compreende-se que assim seja, pois a melhoria da aplicação do direito ou a promoção da uniformidade da jurisprudência só poderá ocorrer face à decisão final.
Trata-se efectivamente de uma faculdade excepcional que não deve ser alargada a decisões que não tenham incidido sobre o mérito da causa.
Posto isto, apreciemos pois da manifesta necessidade para a melhoria da aplicação do direito que resultaria da solução que a Relação viesse a dar à 1.ª das questões postas, a de que, em sede de apreciação pelo tribunal da 1.ª Instância do teor da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, aquele tribunal não pode dar como provados factos constantes da decisão da autoridade administrativa só porque o impugnante na referida impugnação não os impugnou expressamente, mais lhe estando vedada a possibilidade de decidir com recurso a prova indirecta, por tal configurar uma violação do princípio "in dubio pro reo":
Ora não nos parece que a decisão recorrida careça de qualquer melhoria da aplicação do direito a tal respeito.
Na verdade – e dedicando ao assunto a brevidade necessária para que um despacho sobre a admissibilidade do recurso não seja tão longo e explicativo quanto o seria o acórdão que conheça do mesmo – um dos princípios fundamentais relativos à prova no âmbito da fase dos recursos das contra-ordenações é o de que a prova produzida perante a autoridade administrativa pode servir de suporte à decisão do recurso.
Deste modo, o processo das contra-ordenações não integrou o princípio da acusação com a dimensão que inspirou e está subjacente à estrutura do processo penal.
De facto, se é o arguido que recorre e se o faz em desconformidade com uma decisão condenatória de que foi objecto, continua ele, arguido, a ser o principal interessado em fazer prova da falta de fundamento dos factos em que se apoia a decisão impugnada[2].
Daí que estejam correctas as pelo arguido contestadas afirmações, contidas na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, de que em sede de recurso, o objecto do processo é fixado em função do conteúdo do articulado de impugnação e que só tem que ser produzida prova e apreciada a factualidade posta em causa pelo arguido. Os factos constantes da decisão recorrida que o arguido não questione ficam fora do objecto do recurso.
Por outro lado, pretender que se melhora a aplicação do direito vedando ao tribunal a possibilidade de decidir matéria de facto com recurso a prova indirecta, por tal configurar uma violação do princípio "in dubio pro reo" – seria ir ao arrepio da doutrina e da jurisprudência: M. Miranda Estrampes, “La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal”, J. M. Bosch Editor, 1997, pág. 231 a 249; J. Gaspar, “Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido”, in RMP 88, Out./Dez. 2001, especialmente págs. 102 e ss.; A. Martinez Arrieta, “La Prueba Indiciaria, in La Prueba En El Proceso Penal”, Centro de Estudos Judiciales, vol. 12, Madrid 1993, pág. 53 e ss.; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3.ª ed., vol. II, pág. 99; Euclides Dâmaso Simões, “Prova Indiciária”, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205; J.M Asencio Melado, “Presunción de Inocência y Prueba Indiciária”, 1992; Prieto Castro y Fernandiz e Gutierrez de Cabiedes, “Derecho Penal”, vol. II, pág. 252; e os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2004, 12.09.2007, 19.12.2007 e 12.03.2009; da Relação de Coimbra de 28.04.2009; e da Relação do Porto de 07.11.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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No tocante à manifesta necessidade para a melhoria da aplicação do direito que resultaria da solução que a Relação viesse a dar à 2.ª das questões postas, a de que a mesma questão jurídica resultou nos presentes autos numa condenação e resultou na sentença proferida pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, no processo n.º ---/11.1TBMTS, numa absolvição, havendo pois aqui uma clara oposição entre julgados sobre a mesma questão, pelo que importa esclarecer em definitivo qual a interpretação que se deve dar às normas legais aplicáveis, de modo a conferir um mínimo de previsibilidade à actividade económica da arguida:
Em ambos os casos, a arguida vem efectivamente acusada da prática da mesma contra-ordenação, a prevista no art.º 8.° al. b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, que estabelece que constitui obrigação dos fabricantes de aparelhos ou dos responsáveis pela sua colocação no mercado:
Fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho”.
O interesse da UE nesta matéria é o de que os equipamentos de rádio e os equipamentos terminais de telecomunicações colocados no mercado da UE satisfaçam requisitos impostos pela UE. O mencionado Decreto-Lei n.º 192/2000 importa para o território nacional português essa obrigação.
De acordo com o considerando 35) da Directiva 1999/5/CE (instrumento comunitário cuja transposição foi levada a cabo pelo Decreto-Lei 192/2000), nos termos do disposto na Directiva 85/379/CEE do Conselho, os fabricantes são responsáveis pelos danos causados por aparelhos defeituosos; que, sem prejuízo da responsabilidade do fabricante, qualquer pessoa que importe na Comunidade aparelhos destinados à venda no âmbito da sua actividade comercial, é responsável nos termos da referida directiva; que o fabricante, o seu mandatário, ou a pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário são responsáveis, de acordo com as disposições legais em matéria de responsabilidade contratual e extra-contratual em vigor nos Estados-membros.
O conceito de responsável pela colocação no mercado de acordo com tal considerando é restrito às entidades fabricantes de aparelhos ou dos responsáveis pela sua colocação no mercado, que introduzem os produtos em causa pela primeira vez no mercado comunitário.
Também no "Guia Para a Aplicação das Directivas Elaboradas com Base nas Disposições da Nova Abordagem e da Abordagem Global" – conjunto no qual se inclui a Directiva 1999/5/CE, transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto –, elaborado pela Direcção-Geral III (Indústria) da Comissão Europeia, em Setembro de 1999 (disponível para consulta, em língua portuguesa, em http://ec.europa.eu/enterprise/policies/single-market-goods/files/blue-guide/guidepublic_pt.pdf), é expressamente referido que:
O importador (= pessoa responsável pela colocação no mercado) (…) é qualquer pessoa singular ou colectiva estabelecida na Comunidade que coloque um produto de um país terceiro no mercado comunitário.
O importador deve dar garantias de estar em condições de fornecer à autoridade de fiscalização do mercado as informações necessárias sobre o produto, caso o fabricante não esteja estabelecido na Comunidade e não tenha qualquer mandatário na Comunidade.
A pessoa singular ou colectiva que importe um produto para a Comunidade pode ser considerada, em algumas situações, como a pessoa que deve assumir as responsabilidades que incumbem ao fabricante por força das directivas “Nova Abordagem” aplicáveis.
Ora no processo n.º ---/11.1TBMTS, do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, estavam em causa computadores da marca Acer, produzidos em Espanha e importados para Portugal pela arguida C..., SA.
Portanto, era o próprio fabricante que introduzia o produto no mercado comunitário. E era somente a ele que cabia fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho.
A arguida foi absolvida. E bem.
No caso da sentença de que a arguida pretende recorrer nos presentes autos, o produto são “ratos” de computador fabricados por uma empresa americana no exterior da UE; mas de acordo com o dado como provado no ponto 11 da sentença recorrida, a arguida adquiriu os referidos equipamentos a uma empresa sediada na União Europeia, a Targus Europe, Ltd.. (mais concretamente, sedeada no Reino Unido).
Portanto aqui, quem introduziu o produto no mercado comunitário, não foi o fabricante e também não foi a arguida; foi Targus Europe, Ltd. E era somente a ela que cabia fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho.
Não obstante, aqui, nos nossos autos, a arguida já foi condenada.
Mal.
A situação de facto é substancialmente a mesma: em qualquer dos dois processos, o responsável pela colocação no mercado comunitário (que é quem tem a obrigação de, nos termos do art.º 8.° al. b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho), não é a arguida C..., SA; no processo de Matosinhos era o fabricante que introduzia o produto no mercado comunitário. Nos presentes autos, é a Targus Europe, Ltd, sedeada no Reino Unido, quem introduzia o produto no mercado comunitário (e a quem foi posteriormente adquirido pela arguida, no âmbito de uma transacção já intra-comunitária).
Num caso e noutro, em que estão em causa produtos uma vezes fabricados no espaço geográfico da CE, outras fabricados no espaço geográfico exterior à CE, tudo indica, pois, que os horizontes do fiscalizador português são meramente domésticos, nacionais, se reduzem ao território português, de se preocupar com quem introduz o produto no nosso país, quando deve é preocupar-se, numa visão geográfica de toda a CE, quem é que introduz o produto na CE. Esse, é que é o responsável em fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, exigido pelo art.º 8.° al. b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8. Se esse responsável tiver operado em território português, será sancionado pela norma acabada de citar; se tiver operado noutro país, que tivesse sido ou venha a ser sancionado pelo fiscalizador desse país, com a norma importada da directiva europeia para o sistema legal interno desse país.
Daí que, por ser manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência, pela dignidade da questão, pelos importantes reflexos materiais que a solução desta comporta para os por ela visados e para alcançar uma maior estabilidade na aplicação do direito, um maior prestígio das instituições encarregadas da administração da justiça e uma maior eficácia do princípio da igualdade dos cidadãos quanto à lei, se aceita o recurso ao abrigo do art.º 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações interposto da sentença pela arguida C..., SA.
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Termos em que acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em, concedendo parcial provimento ao recurso, determinar, para melhorar a aplicação do direito a que aspira o art.º 73.º, n.º 2, do Regulamento Geral das Contra-Ordenações, disposição legal ao abrigo da qual foi admitido o presente recurso, que:
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 8.° al. b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, que estabelece que constitui obrigação dos fabricantes de aparelhos ou dos responsáveis pela sua colocação no mercado, fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho”, que quando estão em causa produtos fabricados no espaço Geográfico da CE, a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe ao fabricante; e quando estão em causa produtos fabricados no espaço geográfico exterior à CE, a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe a quem introduzir o produto na área geográfica da CE.
Em consequência, absolve-se a arguida C..., SA.
Não é devida tributação.
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Évora,10-09-2013
(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)
JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO
ANA BARATA BRITO
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[1] - Sumário redigido pelo relator
[2] “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, de António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, 2.ª ed. , pág. 190.