ROUBO
PISTOLA DE ALARME
Sumário


1. Incorre na prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º2, al. f), do Código Penal, aquele que, faz uso de pistola de alarme para consumação da apropriação de bens alheios.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, do 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se condenar o arguido A:

- pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal (CP), na pena de 6 (seis) anos de prisão;

- pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03.01, e dos arts. 121º, n.º 1, 122.º, nº 1, 123.º, e 130.º, n. ºs 2, alínea a), e 7, todos do Código da Estrada, na coima de €220,00 (duzentos e vinte euros);

- pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 97.º da Lei nº 5/2006, de 23.02, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 17/2009, de 06.05, e 12/2011, de 27.04, com referência aos arts. 3.º, n.º 9, alínea g), e 11.º, n.º 6, do mesmo diploma legal, na coima de €800,00 (oitocentos euros).

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:

«a) O ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e n.º 2 com referência ao art.º 204.º n.º 2, al. f) do Código Penal, no qual foi condenado na pena de prisão de 6 anos de prisão;

b) O tribunal a quo não procedeu ao correto enquadramento jurídico-legal dos fatos, devendo os fatos apurados serem enquadrados na prática pelo arguido um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) do Código Penal;

c) Na determinação da medida da pena a aplicar em concreto o Tribunal a quo, não ponderou convenientemente a culpa do agente;

d) Perante os fatos provados, a pena aplicada ao recorrente peca por excesso, uma vez que não atende às regras da experiência comum;

e) O tribunal a quo optou por um critério demasiadamente simplista para a avaliação da gravidade dos fatos;

f) O ora recorrente não tinha antecedentes criminais;

g) Confessou livre, integral e espontaneamente os fatos pela prática dos quais foi condenado;

h) Não produziu perigo para a vida das funcionárias do banco ou infringiu ofensa à integridade física;

i) A quantia subtraída foi recuperada na totalidade, não tendo sido apresentado pedido de indemnização cível pela Instituição Bancária ofendida;

j) O ora recorrente assumiu e assume uma atitude crítica e respeito pelos bens jurídicos em causa, com dificuldade de análise ao desajuste do seu comportamento e atitude, demonstrando sinceros sentimentos de arrependimento e censura pessoal;

k) No decurso da reclusão, o ora recorrente tem mantido um comportamento positivo, quer ao nível das normas e regras institucionais, quer no relacionamento interpessoal;

l) O instrumento utilizado pelo ora recorrente era uma imitação de revolver e não um revólver verdadeiro;

m) Para além dos fatos em que foi condenado nestes autos, o ora recorrente foi condenado por fatos idênticos aos que foi julgado e condenado em pena muito inferior nos autos n.º ---/12.2GBABF do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira;

n) Em face de todos os elementos, a pena aplicada ao ora recorrente nos autos n.º --/12.2 GBABF do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira é de todo mais justa e equilibrada;

o) Pelo que, relativamente à determinação da medida concreta da pena o douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 71.º, 72.º, 73.º ex vi art. 41.º todos do Código Penal e artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Termos em que deve o douto acórdão proferido, ser alterado, fixando-se de acordo com as conclusões supra aludidas, a condenação em pena de prisão não superior a 3 anos de prisão».

Juntou acórdão proferido nos autos n.º 230/2.2 GBABF do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

«O arguido A tendo sido condenado pela prática de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2 al. f) ambos do CP, na pena de 06 anos de prisão; uma contra ordenação, p. p. pelo artigo 3º, ns. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro e arts. 121º n.º 1, 122º n.º 1, 123º, 130º n.º 2 al. a) e n.º 7, todos do Código da Estrada, na coima de €220,00 (duzentos e vinte euros); e, ainda, uma contra ordenação, p. e p. pelo art. 97º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e pelas Leis 17/2009 de 6 de Maio e n.º 12/2011 de 2 de Abril, com referência aos arts. 3º, n.º 9 al. g) e 11º n.º 6 do mesmo diploma legal na coima de € 800,00 (oitocentos euros).

I. O recorrente não requer a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento e, por consequência, consideram-se assentes os factos dados como provados no acórdão recorrido.

II. Embora, à data da prática dos factos, o ora recorrente fosse primário, tenha confessado a factualidade descrita na acusação do Ministério Público e o produto do roubo tenha sido recuperado;

III. Certo é que, em datas anteriores, cometera, pelo menos, sete crimes de roubo (uns, simples e outros, agravados) pelos quais veio a ser julgado e condenado, em 19.03.2013, no Proc. ---/12.2GBABF do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira em penas parcelares de prisão e, operado o cúmulo jurídico, numa pena única de sete (7) anos de prisão efectiva.

IV - O Tribunal “a quo” procedeu à correcta e adequada integração jurídica dos factos, dados como provados no presente processo e condenou o ora recorrente, e bem, como autor material, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2 al. f) ambos do Código Penal.

V. O crime de roubo «(…) é um delito pluriofensivo, onde se acautelam com a incriminação valores tão díspares como o património, a integridade física, a vida humana e, até, a própria liberdade de movimentos, sendo a agravação em relação ao furto determinada pela componente pessoal do crime de execução vinculada, uma vez que a subtracção e o constrangimento devem ser praticados pela forma taxativa descrita no tipo legal do art. 210º n.º 1 do CP: por meio de violência, ameaça à integridade física ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir.» - Cfr. Ac. STJ, de 21.09.2011, Proc. 137/06.2JAGDR-C1.S1, 3ª secção, Conselheiro Pires da Graça, consultável in www.dgsi.pt).

VI. Por outro lado, a utilização de arma aparente constitui uma circunstância agravante, como é defendido na jurisprudência do STJ no que respeita à prática de crime de roubo com utilização de arma aparente – Cfr. ac. STJ de 21.09.2011, Proc. 137/06.2JAGDR-C1.S1, 3ª secção, Conselheiro Pires da Graça.

VII. Naquele acórdão «A expressão da al. f) do n.º 2 do art. 204º do CP [ «trazendo, no momento do crime arma aparente ou oculta»], pressupõe a convicção pelo ofendido da idoneidade da arma para a produção da ameaça e da causalidade dessa ameaça na produção do resultado, ou seja, o conhecimento da existência da arma e sua potencial utilização para desencadear o efeito pretendido pelo agente, quer o instrumento se encontre visível (ainda que se manifeste como dissimulado (oculto), mas sempre perceptível como existente e idóneo a poder ferir e matar.»

VIII. Entende ainda o Ministério Público que o Tribunal “a quo” sopesou adequadamente a circunstância agravante no cometimento, pelo arguido, de um crime de roubo agravado e as condições pessoais, sociais e económicas daquele, a recuperação integral do produto do crime, a confissão e o arrependimento manifestado.

IX. Foram estas as premissas que permitiram ao Tribunal “a quo” efectuar o enquadramento jurídico dos factos e a determinação da medida da pena concreta a aplicar ao ora recorrente, ponderando, entre o mais, a ilicitude e a culpa do arguido e, sobretudo, as necessidades de prevenção geral e especial.

X. Em sentido idêntico à decisão do Tribunal “a quo”, veja-se, no que tange à aplicação de pena concreta de prisão superior a cinco anos a arguido que cometera um crime de roubo agravado e às motivações pessoais do agente, á sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta lícita, revemo-nos nas conclusões seguintes: «V – em conclusão, se a ilicitude e a culpa são muito elevadas, também o são as necessidades preventivas, quer especiais, atendendo ao historial de vida do recorrente, quer gerais, tendo em conta que o crime se insere num tipo de criminalidade que gera (justamente) um forte sentimento de insegurança entre a população. VI – Pelo que a medida da pena fixada (5 anos e 6 meses de prisão), numa moldura cujo limite mínimo é de 3 anos e o máximo de 15 anos de prisão, se mostra inteiramente ajustada, pois não ultrapassa a culpa e protege minimamente os interesses da prevenção» - Cfr. acórdão do STJ, de 07-12-2011, Proc. 1356/09.5PAOLH.S1, 3ª secção, Conselheiro Maia Costa, disponível in www.dgsi.pt.

XI. In casu, entende-se não estarem verificados os pressupostos de aplicação deste regime e ainda menos, consideramos verificados os pressupostos legais de atenuação especial da pena ínsitos nos artigos 72º e 73º, ambos do Código Penal, uma vez que a culpa do arguido (ora recorrente) é acentuada e as razões de prevenção geral e especial, desaconcelham, por inadequada, a aplicação de uma pena inferior a cinco anos de prisão efectiva.

XII. Somos pois de entendimento que a decisão do Tribunal “a quo” deverá ser confirmada – quer quanto à matéria de facto dada como provada, quer quando à escolha da medida concreta das penas parcelares e da pena única de seis (6) anos de prisão e a justeza da pena efectiva.

XIII. O Tribunal “a quo” não violou a norma prevista nos artºs 210º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2 al. f) ambos do Código Penal; não violou, igualmente, o disposto nos artºs 127º e 355º do CPP e, sobretudo, não violou o disposto nos artºs 71º, 72º, 73º ex vi 41º todos do Código Penal.

XIV. Contrariamente ao ora recorrente, o Ministério Público julga desaconselhável a perspectiva de banalização destes comportamentos, a desculpabilização desta conduta ilícita (ainda que tenha sido recuperado o produto do roubo, não com a colaboração do arguido, mas pela eficaz intervenção do órgão de polícia criminal), justificando-a com o desemprego, a carência económica e a desintegração familiar, sendo certo que é crescente a taxa oficial de desemprego e não há notícia ou estudo fiável que comprove que a taxa de criminalidade esteja, exclusivamente, associada à carência económica e ao desemprego.

XV. In casu, os factos são graves e a ilicitude e a culpa do arguido são elevadas, pelo que, em entendemos que não se verificam os necessários pressupostos de aplicação do regime de atenuação especial da pena e seria desajustado banalizar esta conduta e desculpabilizá-la como se nada tivesse acontecido.

XVI. Considera-se que o Tribunal “a quo” decidiu, e bem, não estarem verificados os pressupostos legais de atenuação especial da pena ínsitos nos artigos 72º e 73º, ambos do Código Penal,

XVII. Uma vez que a culpa do arguido (ora recorrentes) é acentuada e as razões de prevenção geral e especial, desaconcelham, por inadequada, a aplicação de uma pena de concreta inferior a seis (6) anos de prisão efectiva.

XVIII. Somos pois de entendimento que a decisão do Tribunal “a quo” deverá ser confirmada – quer quanto à matéria de facto dada como provada, quer quando à escolha da medida concreta das penas parcelares e da pena única de sete anos de prisão e a justeza da pena de seis (6) anos de prisão efectiva.».

O recurso foi admitido.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à argumentação expendida na referida resposta e no sentido de que ao recurso deva ser negado provimento.

Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada acrescentou.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, ou seja, as cominadas com nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades que se não encontrem sanadas (arts. 379.º e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), de harmonia com o disposto no art. 412.º, n.º 1, do mesmo diploma e, designadamente, a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995 (acórdãos do STJ de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg.).

Delimitando-o, reside então em apreciar:

A) – do enquadramento dos factos atinentes ao crime de roubo (sendo que, comparando as conclusões do recurso com a sua fundamentação, se torna manifesto o lapso constante daquelas, devendo entender-se que o recorrente põe em crise a qualificação do ilícito);

B) – da medida da pena aplicada relativamente a esses factos.

Pressupondo, pois, que a matéria de facto se tenha como assente, consta do acórdão recorrido:

Factos provados:

1. No dia 6 de Setembro de 2012. à hora do almoço, o arguido conduziu a viatura da marca “MERCEDES”, modelo “VITO”, de cor encarnada, com a matrícula francesa ----, até à localidade de Boliqueime.

2. Fê-lo, munido de uma pistola de alarme, de calibre nominal 9 mm (munições sem projéctil - apenas detonantes), de marca “BBM”, modelo “NEW POLICE”, com o número de série W002841, fabricada por “Bruni S.R.L.”, em Milão - Itália.

3. Que adquirira, três dias antes, num armeiro, localizado em Ayamonte - Espanha.

4. Chegado a Boliqueime, o arguido estacionou aquela viatura junto a uma oficina de mudança de pneus, sita no cruzamento da E.N. 125 com a estrada de acesso a Boliqueime e à A22.

5. E seguiu apeado, de cara descoberta, óculos graduados e sem luvas, na direcção da Agência de Boliqueime da Caixa de Crédito Agrícola, localizada a poucos metros de distância.

6. Transportando consigo a pistola, que dissimulara na zona da cintura, e ao ombro uma bolsa com um saco de plástico preto no seu interior.

7. Quando chegou junto da referida agência bancária, colocou na cabeça um boné de pala, e efectuou algumas passagens junto da respetiva porta, de modo a se certificar de quem ali se encontrava.

8. E, cerca das 14:15 horas, entrou no seu interior, como se de um qualquer cliente se tratasse.

9. Deslocando-se até à caixa onde se encontrava a funcionária MJ.

10. Aí, pousou no balcão o saco de plástico preto e agarrou a pistola que trazia dissimulada na zona da cintura.

11. A qual empunhou na direcção daquela funcionaria, de modo a lhe fazer crer que se encontrava na disposição de a utilizar como instrumento de agressão, caso com ele viesse a entrar em confronto.

12. Ao mesmo tempo que se lhe dirigiu, num tom de voz firme, mas baixo e monocórdico, dizendo-lhe: "ponha aí o dinheiro dentro do saco ".

13. Amedrontada, temendo pela sua integridade física e até pela própria vida,

14. MJ colocou todo o dinheiro que dispunha na sua caixa dentro do saco de plástico preto que o arguido, entretanto, lhe atirara.

15. Restituindo-lho, em seguida.

16. Posto isso, o arguido dirigiu-se para a outra caixa, onde se encontrava a funcionária E.

17. A quem, mediante exibição da pistola que tinha em seu poder, ordenou, de forma calma e num tom de voz baixo, que colocasse o dinheiro que possuía em caixa dentro do mesmo saco de plástico preto.

18. O que aquela acatou, assustada, convencida de que de uma arma de fogo verdadeira se tratava e, por isso, temendo pela sua integridade física e pela sua própria vida.

19. Colocando, dentro daquele saco de plástico, todo o dinheiro que tinha em caixa e ainda duas notas “isco” de $ 100.00 USD (cem dólares americanos), com os números de série DA 18085246 A e AB 17169197 F.

20. O qual restituiu, em seguida, ao arguido.

21. Uma vez na posse do dito saco de plástico, o arguido abandonou, a pé e calmamente, a agência de Boliqueime da Caixa de Crédito Agrícola.

22. Levando, no interior daquele, o montante global de e 5.608.00 (cinco mil. seiscentos e oito euros), em notas do Banco Central Europeu, e de $ 200.00 USD (duzentos dólares americanos).

23. E, encaminhou-se para o local onde deixara estacionada a viatura da marca “·MERCEDES”, modelo “VITO”, de cor encarnada, com a matrícula francesa ... - que constava por apreender no Sistema Schengen, por indicação das autoridades francesas - na qual encetou fuga para Espanha.

24. Bem sabendo que a sua carta de condução caducara no dia 28 de Agosto de 2012.

25. O arguido foi localizado, no dia 18 de Outubro de 2012, em São Bartolomeu de Messines.

26. Onde se encontrava hospedado no quarto nº 2, da Casa de Pasto denominada “...”, localizada no nº ...

27. Ao qual foi efectuada busca domiciliária (devidamente consentida), tendo sido aí encontrados:

- uma bolsa de tiracolo, de cor preta, da marca “VB Collection”, a qual continha, num dos compartimentos, uma pistola de alarme, de calibre nominal 9 mm, da marca “BBM”, modelo “NEW POLICE”, com o número de série W002841, fabricada por “Bruni S.R.L.”, em Milão – Itália, com um carregador inserido em local próprio, com cinco munições de fulminantes com a inscrição “PC; 9 mm PAK”;

- dois acessórios pertencentes à pistola de alarme, utilizados para colocar na boca do cano;

- uma bolsa de tiracolo, de cor preta, mais pequena que a outra, da marca “SPORTM&LD”, com vários compartimentos, um deles contendo um maço de notas envolto em elástico, com 17 (dezassete) notas de € 50,00 (cinquenta euros), e 02 (duas) notas de 100 USD (cem dólares) dos Estados Unidos da América, com os números de série DA 18085246 A e AB 17169197 F, e um outro compartimento com o livro da respetiva pistola de alarme;

- uma caixa própria para acondicionar munições, com os dizeres “50 Blank Cartridges”, com 45 (quarenta e cinco) munições de calibre nominal 9 mm no seu interior (sem projétil - apenas detonantes, com tampa verde), de provável marca “Martinez Albainox” (padrão “PO 9mm PAK” gravado na base), de origem espanhola, mas fabricadas na Bósnia-Herzegovina;

- um par de óculos de correção, com armação preta e hastes com riscas pretas, brancas e amarelas, acondicionado numa bolsa de plástico transparente;

-um par de óculos de correção, sem marca, de cor castanha;

- um par de óculos de sol, com o respetivo estojo, da marca “Ray Ban” e lentes graduadas;

- um pólo da marca “Doone”, tamanho XL, com riscas horizontais, de cores lilás e roxo;

- uns binóculos, da marca “Breaker”, modelo “Cobra”, de cor preta, e lentes 20x50, acondicionados numa mala de viagem que estava junto da porta de entrada do quarto.

28. Foi ainda efetuada busca (devidamente consentida). à viatura da marca “MERCEDES”, modelo “VITO”, de cor encarnada, com a matrícula francesa ..., que se encontrava estacionada nas imediações da referida Casa de Pasto, tendo sido encontrados no seu interior:

- um boné, de cor cinzenta clara, com símbolo na parte frontal esquerda com cavalo e jockey, e etiqueta interior com a inscrição ”Ankel S.L. N.I.F.B-84911940. C/valdeon 38 Local 57-58, Fuenlabrada”;

- uma bolsa preta, da marca Ray-Ban, contendo no seu interior um par de óculos de sol graduados da mesma marca, tendo numa das astes o número RB3360 00262 16 3N;

- um escovilhão próprio para limpeza de uma arma de fogo.

29. E, na posse do arguido, foram encontradas:

- duas notas de € 50.00 (cinquenta euros), ocultas num dos bolsos das calças que vestia;

- uma factura, emitida a 03 de Setembro de 2012, pela “Armeria Safari”, de Ayamonte, Huelva, Espanha, relativa à compra de uma pistola cujo valor foi de € 118,00 (cento e dezoito euros),que se encontrava acondicionada num pequeno porta documentos que transportava num bolso do blusão que vestia.

30. No dia 19 de Outubro de 2012, pelas 19:30 horas, o arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de Olhão.

31. Onde se encontra preso preventivamente à ordem destes autos.

32. Tendo sido proferido, no dia 29 de Junho de 2012, despacho de acusação no âmbito do inquérito com o NUIPC 230/12.2GBABF (ao qual foram apensos/incorporados os inquéritos com os NUIPCs 589/09.9JA\FAR, 150/10.5JAFAR, 465/10.2JAFAR, 151/11.6GDLLE, 240/11.7JAFAR e 251 /11.2JAFAR), que correu termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Albufeira, imputando ao arguido a prática de sete crimes de Roubo, perpetrados entre Dezembro de 2009 e Fevereiro de 2012, em agências bancárias da região algarvia, em que aquele se logrou locupletar com quantias monetárias que ascendem, no total, a montante superior a € 36.000,00 (trinta e seis mil euros).

33. Ao actuar da forma acima descrita, o arguido fê-lo com o propósito de se apoderar, mediante a ameaça de perigo iminente para a vida e integridade física de MJ e de E, ambas funcionárias da Agência de Boliqueime da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, de toda e qualquer quantia monetária ali existente em caixa.

34. O que conseguiu.

35. Levando consigo o montante global de € 5.608,00 (cinco mil, seiscentos e oito euros), em notas do Banco Central Europeu, e duas notas “isco”, de $ 100,00 (cem dólares americanos) cada, com os números de série DA 18085246 A e AB 17169197 F.

36. As quais foram detectadas entre os pertences do arguido, aquando da busca efectuada, no dia 18 de Outubro de 2012, ao quarto onde aquele se encontrava hospedado.

37. Tendo sido também ali detectadas, na mesma ocasião, a pistola de alarme, de calibre nominal 9 mm, da marca “BBM”, modelo “NEW POLICE”, com o número de série W002841, e o pólo da marca “Doone”, tamanho XL, com riscas horizontais, de cores lilás e roxo, que o arguido utilizou, no dia 06 de Setembro de 2012.

38. Bem sabendo o arguido que não se encontrava autorizado pelas autoridades competentes a deter, guardar, trazer consigo ou a usar a mencionada pistola.

39. Tal pistola, pelas suas dimensões e configuração, assemelha-se em tudo a uma arma real de fogo, tendo sido, por isso, meio idóneo para criar a convicção nas funcionárias da Agência de Boliqueime da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, de que de arma de fogo verdadeira se tratava.

40. Sendo que, ao lhes exigir que colocassem o dinheiro dentro do saco de plástico preto que, para o efeito, lhes entregou, o arguido não necessitou tocar no que quer que fosse, e obstou a que pudessem ser ali recolhidos quaisquer vestígios lofoscópicos, tendentes à sua identificação.

41. Ao conduzir a viatura da marca “MERCEDES”, modelo “VITO”, de cor encarnada, com a matrícula francesa ..., o arguido fê-lo, consciente de que a sua carta de condução caducara no dia 28 de Agosto de 2012.

42. O arguido actuou sempre de forma livre, deliberada e consciente.

43. Com inteira consciência da censurabilidade e proibição das suas condutas.

44. Que sabia proibidas e punidas por lei.

45. O arguido A provém de um grupo familiar aparentemente estruturado e inscrito num contexto socioeconómico modesto.

46. Em termos do percurso escolar formativo, o arguido abandonou os estudos após ter concluído o 4° ano de escolaridade, por condicionantes económicos familiares, na sequência do que terá iniciado percurso laboral como operário fabril no norte do país de onde é originário. Posteriormente e até aos 18 anos, quando cumpriu serviço militar durante dois anos nas ex-colónias portuguesas, terá trabalhado na construção civil como indiferenciado.

47. Após o serviço militar emigrou para França, onde permaneceu até aos 32 anos de idade, desenvolvendo aí actividade como motorista e como operário industrial no ramo da indústria da aviação.

48. Com as alegadas poupanças amealhadas terá emigrado para a Guiné-Bissau, onde segundo refere terá adquirido uma crescente estabilidade sócio económica, como comerciante no ramo da restauração e depois na agricultura, contexto que, em 1997, viria a ser forçado a abandonar e a regressar a Portugal, na sequência de um contexto de guerra naquele país, tendo então fixado residência em Quarteira.

49. Em termos afectivos protagonizou relação marital com cidadã da Guiné, de cuja relação teve dois filhos, actualmente com 17 e 20 anos de idade e dos quais esteve afastado até há cerca de quatro anos, na sequência do abrupto regresso a Portugal.

50. Identifica-se o início do segundo relacionamento marital há cerca de 15 anos, que perdurou até à sua reclusão e do qual tem actualmente uma filha com 14 anos de idade.

51. O arguido encontrava-se então, a residir em Quarteira e laboralmente activo como motorista, actividade que manteve de forma contínua até 2009, momento em que por factores de relocalização da empresa “Transportes ...” foi despedido.

52. O despedimento, por não ter beneficiado de subsídio de desemprego, aparentemente despoletou um progressivo processo de desestruturação pessoal.

53. À data dos factos subjacentes ao processo sub judice, o arguido residia com a companheira e a filha menor comum ao casal, em apartamento camarário, sito em bairro social, descrito como detentor condições de habitabilidade compatíveis com um quadro económico relativamente modesto.

54. Após a situação de desemprego, a companheira continuou a desenvolver uma actividade laboral como copeira, intercalada com trabalho doméstico.

55. O arguido atribui a prática dos factos à situação de desemprego e subsequentes necessidades dos seus filhos, nomeadamente as associadas a um grave problema de saúde de filhos residentes na Guiné - problemática desconhecida contudo pela companheira – tendendo, desta forma a legitimar o seu comportamento. Por outro lado, o arguido assume uma atitude crítica e respeito pelos bens jurídicos em causa, no âmbito do presente processo, tendo subsequentes dificuldades em fazer uma análise quanto aos factores que estiveram na génese do desajuste comportamental, face ao qual verbaliza sentimentos de arrependimento e censura pessoal.

Só. No decurso da reclusão tem mantido um comportamento globalmente positivo, quer ao nível do cumprimento das normas e regras institucionais, quer no relacionamento interpessoal.

57. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:

a) O arguido está desempregado desde o ano 2009.

b) À data dos factos, o arguido não possuía qualquer ocupação profissional ou fonte de rendimentos lícita.

c) Nem possuía residência fixa, pernoitando ora no interior da viatura da marca “MERCEDES”, modelo “VITO”, de cor encarnada, com a matrícula francesa ---, ora em pensões.

d) Fazendo, desde o ano de 2009, da prática de factos idênticos aos supra descritos o seu modo de vida.

Motivação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal assentou no conjunto da prova apreciada pelo tribunal de acordo com as regras da experiência comum e no uso da liberdade de apreciação da prova, ao abrigo do disposto no artigo 127º do C.P.P., tendo sido consideradas as declarações do arguido, conjugadas que foram com a seguinte prova:

A) Documental:
- a dos autos, designadamente, de fls.34, 57, 63, 75. 76, 93 a 104, 115, 135, 136, 181 a 195, 198, 200, 211 a 216, 231, 249;
- Reportagens fotográficas de f1s.17 a 21,66 a 74, 78 a 82, 222 a 228, 267;
- Fotogramas de fls.26 a 28;
- Sinopse de fls.32;
- Auto de busca e apreensão de fls.64 e 65;
- Auto de busca e apreensão de veículo de f1s.77;
- Autos de apreensão de f1s.83 e 206;
- Factura de f1s.230;
- Informação prestada pela P.S.P. de fls.269;
- o certificado de Registo Criminal do arguido a fls. 379;
- o relatório social a fls. 390 e segs. quanto às condições pessoais do arguido.

B) Por Reconhecimento
- Autos de reconhecimento fotográfico de fls.36 a 38;
- Autos de reconhecimento de pessoas de f1s.105 a 110.

C) Pericial
- a dos autos, designadamente:
- Auto de exame directo e avaliação de fls.207 e 208;
- Auto de exame directo de fls.221;
- Relatório de exame pericial (Balística) de fls.257 a 261;
- Relatório de exame pericial (Biotoxicologia) de fls.265 e 266.

D) Testemunhal
M. Inspector na Directoria do Sul da Polícia Judiciária.

Análise critica da prova:
Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada e não provada o Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida, conforme se passa a explicar.

Os factos provados basearam-se na circunstância de o arguido ter confessado, embora parcialmente, a factualidade constante da acusação.

Efectivamente, o arguido apenas não confessou a factualidade constante dos pontos 32 e 33, isto é, que quando deu entrada no Estabelecimento Prisional de Olhão, no decurso da revista efectuada aos seus pertences foi encontrada uma munição de calibre 7.65 mm Browning (.32 ACP ou .32 AUTO na designação anglo americana), de marca “GECO”, de origem alemã, com projéctil niquelado.

Todavia, a este respeito, o tribunal não irá conhecer desse facto, como referido previamente.

Os restantes factos provaram-se pela conjugação dos meios de prova supra enumerados com a confissão do arguido.

Foi ainda valorado o certificado de registo criminal do arguido quanto aos factos vertidos no ponto 59° da matéria provada, de harmonia com o preceituado no artigo 169.° do C.P.P. Apesar de terem sido deduzidas acusações contra o arguido e ainda que se encontre já a decorrer o julgamento, o certo é que o arguido beneficia da presunção de inocência, pelo que o tribunal considerará apenas a este respeito que o arguido não tem antecedentes criminais.

Quanto às suas condições pessoais, o tribunal considerou as declarações do arguido, que conjugou com o relatório social.

Declarou o arguido que ficou sem trabalho em 2008/2009, e que desde então tem apenas feito alguns trabalhos ocasionais como motorista e mecânico, em Portugal e também em França.

Em Agosto de 2012 ficou sem trabalho em França, pelo que, trouxe a carrinha de Ayamonte, onde comprou a arma, veículo que pertencia ao seu empregador e que não lhe pagou os seus serviços.

Esclareceu que, por decisão sua, e sem o conhecimento da família, atenta a difícil situação económica decidiu fazer este assalto.

E, em declarações finais declarou-se arrependido e pediu desculpa.

Ante o exposto se deram por provados os factos imputados ao arguido constantes da acusação que supra se enumeraram.

Por último, uma vez que, das declarações do arguido conjugadas com o teor do relatório social resulta que o arguido tem vínculos familiares e que trabalhou ocasionalmente em “biscates” desde 2009, razão por que se deu por não provada a factualidade descrita nos factos não provados.

Analisada a globalidade da matéria de facto, perante o exame crítico que a prova mereceu, é manifesto que não padece de qualquer vício que a inquine, além de que não se divisa que o acórdão não tenha devidamente acatado as legais exigências no âmbito da operada fundamentação.

Por isso, dispensando outras considerações, a matéria de facto tem-se por assente.

Apreciando, então, conforme definido:

A) - do enquadramento dos factos atinentes ao crime de roubo:
Não se colocando em questão o preenchimento objectivo e subjectivo dos elementos que integram o tipo legal do crime de roubo, descrito no art. 210.º, n.º 1, do CP, os quais ficaram, aliás, explicitados no acórdão, reportados à conduta do aqui recorrente de apropriação ilegítima, com violência, de valores existentes na agência bancária, a questão suscitada prende-se com o entendimento sufragado pelo tribunal de que, tendo sido usada a aludida pistola de alarme, com as apuradas características, o comportamento tenha sido configurado como subsumível ao n.º 2 daquele preceito, por referência à alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP (“Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta”).

Preconiza o recorrente que a “arma” se tratava tão-só de uma imitação, não de um revólver verdadeiro, que não pode ser entendida como tal para o efeito do art. 4.º do Dec. Lei n.º 48/95, de 23.02, citando, em abono da sua tese, jurisprudência no sentido de que é o perigo efectivo da utilização de arma que justifica a agravação por via dessa circunstância, havendo a arma de ser eficaz e, assim, em detrimento da posição tomada no acórdão.

Neste, fundamentou-se:

«Quanto ao uso de arma aparente ou oculta apurou-se efectivamente que o arguido usou uma pistola de alarme durante a execução do assalto.

Quanto à definição do conceito de «arma», coexistem duas teses, sendo que para a tese objectivista a arma será qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim e outra, subjectivista, para a qual o roubo será qualificado pelo uso de arma, sempre que a vítima se intimide com o objecto utilizado.

Quando se trata de definir armas parece então que tudo, ou quase tudo, cabe na noção de arma. Há, por conseguinte, que estabelecer bases firmes de ponderação, se bem que normativas, de modo a evitar, não só flutuações de critérios, mas também, o que é pior, a intromissão de uma ideia de desigualdade no juízo judicativo penal. Assim, e dentro da tónica que se acaba de enunciar, perguntemo-nos sobre o que é arma. Uma resposta simples aflora de imediato: todo o instrumento que por si só, ou a partir de si, é, objectivamente, apto a ferir ou a matar, se bem que a sua finalidade primacial possa nada ter a ver com o desvalor da ofensa à integridade física ou à própria vida. Assim, um machado tem como fim primeiro ser instrumento adequado ao rachar lenha mas, nem por isso, deixa também de ser uma arma desde que empregue como Instrumento cortante perfurante ou contundente. Por outro lado, consideramos que uma compreensão baseada na ideia de que arma é todo o objecto ou instrumento eficaz de agressão (MAIA GONÇALVES, Código Penal, Anotado, 13ª ed., 1999, 647) é demasiado lata tendo em conta o âmbito de protecção da norma. Com efeito, um enorme pedregulho é, e de que maneira, um objecto eficaz de agressão e não vemos como ele possa ser usado de modo a integrar a circunstância-elemento de que nos ocupamos. Da mesma forma um varapau, um chuço não podem, sem mais e à partida, ser tidos como armas. Um feirante que ao mercar se faz acompanhar do seu enorme cajado não se pode dizer que passeie pela feira armado. Quem assim ajuizasse estava a desvirtuar o sentido normal e comum das palavras. Estava a degradar, pro domo sua, aquilo que representa uma atitude normal e comezinha de um acto cultural. De sorte que, para se estar perante uma arma, dever-se-á ir um pouco mais além e mais fundo. Ninguém questiona que certos objectos são armas: uma pistola, uma navalha de ponta e mola, uma matraca. Eis, alguns exemplos comezinhos que, sem dúvida, todos representam como armas. No entanto, uma seringa com agulha, desde que se faça saber que provém de um seropositivo, é, em nosso entender, também uma arma. Contudo, o trazer, mas sobretudo o utilizar tal arma, parece não desencadear um furto qualificado mas antes um roubo, porquanto a seringa com agulha só ganha o estatuto de arma se se anunciar que foi anteriormente empregue por alguém seropositivo, logo, a partir desse momento, há uma ameaça e, então, estaremos caídos nos domínios do roubo," (José de Faria Costa - op. cit. vol. II, p. 80).

Na jurisprudência, veja-se a este propósito o sumário do Ac. do S.T.J. de 13.12.07 (Proc. 07P3210, Relator: por Raul Borges, in www.gdsi.pt):

I - O art. 4.º do DL 48/95, de 15/03 [Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim} mantém actualidade, não obstante a entrada em vigor, em 22-08-2006, da Lei 5/2006, de 23-02, que visa a regulamentação do regime jurídico das armas, definindo o que deve entender-se sobre os 45 tipos de armas que enumera e a regulamentação da aquisição, detenção, uso e porte das mesmas, mas que não revogou aquela disposição.
(…)
V - A propósito da qualificativa dos crimes de furto e de roubo «porte de arma aparente ou oculta» têm-se desenhado na jurisprudência duas correntes.

VI - Uma, actualmente e desde há cerca de uma década, apresentando-se como dominante, que considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E, sendo assim, é irrelevante, para efeitos da existência dessa qualificativa, o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira.

VII - Na concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgotando-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa, pois, como se refere no CP Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos (1996,2. o vol., pág. 443), «o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota»

VIII - A jurisprudência tem dado por afastada essa qualificação, em variados enquadramentos factuais, relativamente a pistolas de alarme, tidas como facto atípico para efeitos de actuar como qualificação, consideradas apenas como requisito bastante para integrar a ameaça de perigo a que se refere o n.º 1 do art. 210. º do CP.

IX - Igualmente em outros casos se tem considerado que o roubo é apenas agravado pela utilização de arma quando o agente emprega algo que possa ser utilizado como instrumento eficaz de agressão: réplica de pistola, pistola de plástico, pistola isqueiro, simulação de arma enrolada em casaco, esferográfica a simular navalha, pistola simulada (objecto com configuração de arma de fogo), objecto não definido, pensando a vítima tratar-se de revólver, pistola de calibre 6,35 de características não concretamente apuradas, daqui não se extraindo que estivesse municiada ou sequer em condições de funcionalidade, pistola de características não apuradas, objecto similar a arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada, objectos que aparentem ser armas de fogo ou arma verdadeira, objecto não apurado, e objecto metálico.

X - Para outra corrente, para se verificar a agravante qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, basta que a arma tenha a virtualidade de o homem médio ou comum pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente. Nesta concepção a qualificativa é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.

XI - Nesta linha insere-se o acórdão de 27-06-1996 (CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 201, e BMJ 458.º/196, citado no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 81), e, dez anos volvidos, o acórdão do STJ de 25-10-2006 (Proc. n.º 3042/06 - 3. j, onde, seguindo aquele, se refere: «Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa. A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada.»

XII - Acolhendo esta orientação podem ver-se vários arestos deste STJ, em que estava em causa a utilização de pistola de alarme, pistola que não estava em condições de disparar, isqueiro em forma de pistola, pistola de fulminantes, pistola cujas características não foram apuradas, facas, spray, arma de pressão de ar, objecto com lâmina cortante e perfurante em tudo semelhante a outro, retratado nos autos, pistola não municiada encostada à cabeça, sendo os mais recentes os Acs. de 23-02-2005, Proc. n. 04443/04-3, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06-3. já referido, e de 10-01-2007, Proc. n.º 4082/06-3.

No caso dos autos, quer seguindo a tese objectivista quer a tese subjectivista, a pistola de alarme, de calibre nominal 9 mm, da marca "BBM", modelo "NEW POLICE", com o número de série W002841, utilizada pelo arguido poderá integrar o conceito de arma, para efeito de qualificativa do crime de roubo, porque foi adequada a intimidar a vítima que a tomou por uma arma de fogo real e se encontra actualmente definido no regime jurídico das armas e munições, aprovado pela Lei 5/2006, de 23.2, e porque foi adequada a deixar as vítimas na impossibilidade de resistir.

No que diz respeito ao tipo subjectivo de ilícito, trata-se de um crime doloso, tendo o agente de revelar um conhecimento correcto de toda a factualidade típica. É suficiente que o agente tenha consciência que a violência ou a ameaça empregues são adequadas a constranger à entrega do bem ou a levar à tolerância da subtracção do bem, ainda que o agente assuma apenas uma atitude conformista com tal resultado.

No caso em apreço nos autos, verificam-se os elementos do crime de roubo, já que o arguido usou uma pistola de alarme e proferiu as expressões que conseguiram intimidar as funcionárias do banco colocando-as numa situação de impossibilidade de agir, levando-as a entregar ao arguido a quantia de € 5.608,00.

No que respeita ao tipo subjectivo, o arguido decidiu livremente levar a cabo a sua conduta, tendo pleno conhecimento de que se estava a apropriar de bens alheios, e que a ameaça através do uso da arma por si utilizada era meio adequado a conseguir realizar tal apropriação, como efectivamente o foi, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.

Actuou, assim, o arguido com dolo directo - art.º 14.°, n.º 1 do C. Penal.

Pelo exposto, constitui-se o arguido autor material de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210°, n.º 1 e n.º 2, al. b), com referência ao artigo 204°, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal.».

Sobre a matéria em questão, têm-se desenhado, efectivamente, duas correntes jurisprudenciais, designadamente no STJ, uma, considerando que a arma tem de revestir um perigo objectivo da sua utilização, tornando irrelevante o receio subjectivo da vítima em poder vir a ser lesada na sua integridade física e, outra, acentuando a vertente da arma ter a virtualidade de levar o homem médio ou comum a pensar que o agente está na posse de uma verdadeira arma, independentemente das características desta.

De uma forma ou de outra, dúvida não há de que a circunstância em causa tem a sua razão de ser, conforme Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, dirigido por Figueiredo Dias, Coimbra, 1999, tomo II, pág. 79, no potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente, tendo como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode encetar.

Em abono da perspectiva marcadamente subjectiva, como afloramento da doutrina da impressão, tende-se para que a verificação da circunstância se basta com a vertente do acréscimo de fragilidade na defesa, desencadeada pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou matar, mormente, segundo o acórdão do STJ de 27.06.1996, in BMJ n.º 458, pág. 196, que refere que «O propósito da lei, ao fazer a mencionada referência a armas, aparentes ou ocultas, não é o de limitar a sua previsão às armas que se encontrem em condições de efectivo exercício, ou, inclusivamente, sejam ou venham a ser usadas na subtracção, mas sim o de considerar como factor demonstrativo de uma maior antisocialidade do dito agente, e, como tal, de uma maior culpa deste, a circunstância de o mesmo, trazer consigo qualquer objecto que sirva ou possa servir como arma (proibida ou não), mesmo que, na sua actuação concreta, a não utilize, e que, ou que, ela se considere escondida» e, mais adiante, «E arma, para os fins dos referidos artigos (204º -2 - f) e 210º) é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes, um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva utilização, na sua integridade física, mesmo que, de facto, e sem que elas o saibam, não possa cumprir cabalmente tal função, designadamente por falta de partes componentes que, nas armas de fogo ou suas imitações, sejam susceptíveis de provocar o disparo».

Nesse sentido também se pronunciou o aludido acórdão do STJ de 25.10.2006, no proc. n.º 06P3042, in www.dgsi.pt: Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de ser lesada, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa. A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada.

Mais recentemente, em sentido idêntico, o acórdão do STJ de 29.04.2009, in CJ Acs, STJ ano XVII, tomo I, pág. 243, onde, em nota de rodapé, se elenca a jurisprudência mais significativa, cuja reprodução aqui se dispensa.

Sem a preocupação de exaustividade, apontam-se, na orientação designada de “objectiva”, os acórdãos do STJ de 21.03.2007 e de 13.12.2007, respectivamente, nos procs. n.ºs 06P1943 e 07P3210 (www.dgsi.pt), resultando deste último que «a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem que revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que “o que está na base da agravação prevista na alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E sendo assim é irrelevante para efeitos da existência dessa qualificativa o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira».

Nesta concepção de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgotando-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa, pois como se refere no Código Penal Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos, 1996, 2º volume, p. 443, o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota.

Nesses mesmos acórdãos, reflecte-se a jurisprudência sobre a posse e a utilização de objectos que mais dúvidas têm suscitado para o efeito em análise.

Optar, sem mais, por uma solução que atenda unicamente a uma das vertentes sublinhadas poderá conduzir a orientação que descure, na apreciação, a ilicitude e a culpa do agente, condicionantes que não deixarão de presidir a uma adequada ponderação, na medida em que o que se discute é, no fim de contas, uma agravação da conduta.

Por isso, afigura-se-nos que essas posições, em rigor, se não autonomizam, nem contradizem, uma vez que os fundamentos da agravação têm de estar presentes, ainda que com diversa acentuação tónica, havendo, pois, a opção decisória de passar de um plano teórico para o crivo da análise do caso concreto e seus específicos contornos, levando, então, não raras vezes, até a solução que combina os aspectos salientados por uma e outra.

Sem prescindir dos importantes contributos por elas trazidos, a apreciação concreta deverá lograr fornecer a medida em que a posse da arma – cuja definição legal resulta do art. 4.º do Dec. Lei n.º 48/95, de 15.03 (qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim) – não se confina, não se esgota, na violência característica do crime de roubo, para, além disso, ter aquela virtualidade de potencial de ataque e de diminuição de defesa, justificativa da aludida agravação.

Desde já, note-se que a argumentação do recorrente não colhe, quando se refere a arma imitada, não verdadeira.

Provado está que exibiu a pistola de alarme, cujas características ficaram perfeitamente definidas, o que se reveste do significado bastante de “arma” enquanto meio de agressão que, conforme resulta patente do relatório do respectivo exame pericial, de fls. 257/261, pela sua configuração, e como se provou, era meio idóneo para criar a convicção nas pessoas por si abordadas de que era uma pistola real e, assim, capaz de ferir ou matar.

A arma é verdadeira, cabendo na definição legal do art. 2.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, como sendo o dispositivo com a configuração de uma arma de fogo destinado unicamente a produzir um efeito sonoro semelhante ao produzido por aquela no momento do disparo, cuja detenção e o seu uso, nos termos do art. 11.º, n.º 6, da mesma Lei, só são permitidos em certas condições, que, de todo, não se divisam no caso “sub judice”.

Se assim é, porém a sua virtualidade de servir como arma de fogo estará afastada, o que colocará reservas postas pelo acento tónico da adequação objectiva da arma para produzir lesões.

O argumento contende, contudo, com a maior ilicitude e o grau de culpa relevante, intrínsecos à acção, a que essa qualificação como “arma”, ainda que com aquela especificidade, não pode ser alheia.

Na verdade, tratando-se de pistolas, e verdadeiras, como a que está em causa, não se envereda pela perspectiva de que, para eventual subsunção à qualificativa em apreço, tenham de ser armas de fogo.

Tendemos, pois, a considerar que, em concreto, vista a acção na sua real ponderação valorativa, a percepção daquelas pessoas visadas deva prevalecer, em sintonia com a doutrina da impressão, aqui sufragando Faria Costa, ob. cit., pág., 81, quando refere “Temos (…) mais facilidade em acompanhar todos aqueles que centram a característica essencial da noção de arma na capacidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes medo ou justo receio de poderem vir a ser lesadas no corpo ou na vida através do seu emprego; (…) inclinamo-nos para uma tal posição sobretudo porque entendemos que a qualificação em causa resulta (…) de um acréscimo de fragilidade na defesa; fragilidade essa que pode ser desencadeada, justamente, pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou de matar”.

E certo é que essa fragilidade de defesa não era desconhecida e foi procurada pelo recorrente.

Bem andou, pois, o tribunal recorrido ao entender verificada a apontada circunstância, prevista no art. 204.º, n.º 2, alínea f), do CP.

B) – da medida da pena aplicada relativamente a esses factos:
O recorrente pugna pela aplicação, no que respeita ao crime de roubo, de pena não superior a três anos de prisão.

Sem prejuízo de que, mantendo-se a condenação pelo tipo legal com a aludida agravação, a pena preconizada se situaria no mínimo legal, analisam-se os argumentos que apresentou.

Refere, então, que confessou integral e espontaneamente os factos, não produziu perigo para as funcionárias, não causou ofensas físicas, a quantia foi recuperada na totalidade e assumiu uma atitude crítica, além de que não tem antecedentes criminais, contava sessenta anos à data dos factos e tem mantido bom comportamento em reclusão.

Entende que as finalidades da punição não foram respeitadas, pecando a pena por excesso, aludindo a violação do disposto nos arts. 40.º, 71.º, 72.º e 73.º do CP.

No essencial, resulta do acórdão:
«O crime de roubo qualificado na forma consumada é punido com pena de três a quinze anos de prisão, (art. 210°, n.º 1 e 2, al. b) do Cód. Penal, com referência à al. f) do nº 2 do artigo 204°).

Nos termos do artigo 40°, n.º 1, do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade “.

Nos termos do n.º 1 do artigo 71.° do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro da moldura penal fixada na lei, deverá fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

É princípio basilar do Código Penal, que toda a pena tem de ter sempre como suporte axiológico-normativo a culpa concreta, o que resulta desde logo do artigo 13° do C. Penal. a princípio da culpa, contido no n.º 1 do artigo 72° do C. Penal, encerra uma dupla ideia: não há pena sem culpa, e esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, o que é aceite mesmo pelos autores que põem a tónica na prevenção geral quanto aos fins das penas, sem dúvida que o citado n.º 1 do artigo 72° do Cód. Penal, elege a culpa do agente como causa final da determinação da pena assim se decidindo por um sistema ético-retributivo, sem prejuízo da consideração dos fins de prevenção geral e especial. A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado á culpa) determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e prevenção especial - dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal, págs. 4 e 113). Finalmente, há que ter na devida consideração o n.º 2 e suas alíneas do mencionado artigo 72° do Código Penal, no qual se fixam os factores do doseamento da pena, ou seja, os elementos com recurso aos quais a mesma se deverá graduar, fazendo-o o legislador de forma exemplificativa.

Segundo o Prof.° Figueiredo Dias: “A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo Juiz em função da culpa e da prevenção é perfeitamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável às exigências de prevenção” (Figueiredo Dias, Direito Penal

Português, As consequências jurídicas do crime, Notícias Editorial, pág. 215).

Em suma, a pena deverá ser determinada, dentro da moldura de prevenção geral positiva, pelas considerações de prevenção especial, não ultrapassando nunca a medida da sua culpa.

No que respeita à prevenção geral, há que atender à criminalidade crescente no que se refere a ambos os crimes, o qual tem por consequência deixar em sobressalto a sociedade, contribuindo para fomentar um sentimento de insegurança e para a diminuição da confiança da comunidade na ordem jurídica vigente. Neste sentido, veja-se o sumário do acórdão do S.T.J. proferido no Proc. 2780/00 da 3ª secção in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “O crime de roubo, pela extrema frequência com que vem sendo praticado e pelos traços de insuportável violência de que geralmente se reveste, é daquelas infracções que causam maior alarme social, contribuindo, claramente, para aumentar o sentimento geral de insegurança em que vive a sociedade portuguesa dos nossos dias, insegurança que tem sido acelerada pela manifesta brandura das nossas leis penais e de processo penal
.
Revertendo ao caso concreto, as exigências de prevenção deste tipo de crime, nomeadamente de prevenção geral, são muito elevadas, atendendo a que se trata de um tipo de crime que aparece, cada vez com mais frequência.

Quanto ao crime de roubo há a considerar a ilicitude que emerge da conduta do arguido atento o meio empregue. O dolo é directo, porquanto quis agir como fez. O modo de execução do ilícito não foi, atenta a natureza deste crime, dos mais graves pela ausência de sequelas físicas na ofendida.

A favor do arguido considere-se a recuperação da quantia, ainda que sem a colaboração do arguido e a circunstância de não ter antecedentes criminais.

A favor do arguido milita o seu modesto estatuto económico-social e sobretudo o arrependimento e a confissão, ainda que parcial.

Ponderados todos aqueles factores, julga-se adequada a fixação da pena a condenação do arguido na pena de 6 (seis) anos de prisão.».

Todas as considerações expendidas no acórdão, fundamentando a cominação da pena, são pertinentes e justificadas, divisando exigências de prevenção geral e especial não reduzidas, antes pelo contrário, inevitavelmente merecendo punição que reflicta o elevado desvalor da acção, que não se compadece com a aplicação de pena no mínimo legal.

É sabido que, constituindo finalidades da punição, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena), conforme Figueiredo Dias, in ”Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, pág. 214.

Em qualquer caso, a culpa é o verdadeiro suporte axiológico da pena, no sentido de que o seu grau constitui limite inultrapassável da medida daquela (art. 40.º, n.º 2, do CP).

No dizer de Fernanda Palma (“As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, AAFDL, pp.25-51, e Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral,

Ainda, segundo, também, Figueiredo Dias in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 3, 2.º a 4.º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.

O recorrente, não o dizendo expressamente, invoca a aplicação da faculdade de atenuação especial da medida da pena, prevista no indicado art. 73.º do CP, a qual tem por base a existência de circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Tal como acentua Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit. pág. 305, princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção, tratando-se da consagração de circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas.

Visa, então, casos que revestem uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena e, como se lê no acórdão do STJ de 29.04.1998, respectivo sumário, in CJ Acs. STJ, ano VI, tomo II, pág. 191, A atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídos. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes, reclama, manifestamente, uma pena inferior, o que se impõe em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade.

O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, condicionada àquela acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.

Ponderados tais aspectos, manifesto é que não existe fundamento para que o recorrente deva beneficiar dessa atenuação extraordinária.

Com efeito, nem o alegado sustenta diferente perspectiva, pese embora a confissão, que foi parcial, algum arrependimento, mas não demonstrado para além da verbalização que fez em audiência, e a recuperação da quantia de que se apropriara, sem a sua contribuição para tanto.

Não confluem, de modo algum, para atenuante específica, de modo a que a medida abstracta aplicável deva reflecti-las.

Nem mesmo o comportamento anterior do recorrente e as suas condições de vida apontam para diverso sentido, ainda segundo a ponderação das exigências de prevenção que se fazem sentir.

Mantendo-se, pois, os limites legais previstos para o tipo legal, e agravado (3 a 15 anos de prisão), de qualquer modo, por respeito à salvaguarda da dignidade humana, como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

Ainda, conforme Figueiredo Dias, in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, em “Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal”, págs. 65 a 111, o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do CP, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso - e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

Esse juízo de culpa, que na realidade é o suporte axiológico-normativo da punição, reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168).

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e, o máximo, que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Definidos todos estes parâmetros, a necessidade da pena respeitar a referida proporcionalidade constitui exigência que resulta, além do mais, do princípio que decorre desse art. 18.º, n.º 2, da CRP, só assim se harmonizando com o Estado de direito democrático.

Esse princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: a) princípio da adequação; b) princípio da exigibilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Gomes Canotiilho/Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 2007, págs. 392 e seg.) impõe a proibição do excesso, no sentido de dever prevalecer a intervenção menos gravosa, mas ainda assim idónea e estritamente necessária para as finalidades em vista.

Em concreto, as exigências de prevenção geral são bem elevadas, não só pela perturbação e alarme social causados pela conduta, como também pela frequência crescente desse tipo de comportamento.
A consciência comunitária manifesta a necessidade de devidamente dissuadir e punir tal criminalidade.

Se bem que as exigências de prevenção especial possam não assumir dimensão equivalente, não ficam distantes da necessidade de imposição de pena superior, em alguma medida, ao limite mínimo legal, ainda que o recorrente não tenha antecedentes criminais, ponderados ainda a sua vivência e os motivos que terá apresentado para o seu comportamento.

È de atentar nas circunstâncias atenuantes que lhe foram atribuídas, sendo que, porém, a aludida confissão foi apenas parcial, a sua atitude crítica e de arrependimento se limitou a uma verbalização, não confirmada por elementos adjuvantes, e a aplicação de penas alegadamente inferiores no processo cujo acórdão foi junto (desconhecendo-se aliás se já transitou em julgado) nenhum relevo tem aqui como parâmetro de aferição da pena adequada, nem, por seu lado, o seu comportamento prisional pode considerar-se elemento a valorar.

Aferido na globalidade o grau de culpa revelado pelo ora recorrente, sem esquecer as finalidades de prevenção, afigura-se então que, todavia, no sentido de uma proporcionalidade mais consentânea, a pena cominada ainda comporta alguma redução, mas de modo não excessivo.

Crê-se que a pena de 5 anos de prisão melhor servirá todos os desideratos a atingir, sopesado o juízo de culpa, em que se integram, na sua dimensão abrangente, designadamente, o modo de execução dos factos e a personalidade revelada, esta conjugada com as suas condições pessoais.

Por tudo quanto ficou expendido, é manifesto que as finalidades da punição não se satisfazem com a suspensão da execução dessa pena, embora em medida que formalmente a admitiria (art. 50.º, n.º 1, do CP).

3. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se:

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência,
- no tocante à prática do crime de roubo, substituir a pena aplicada, condenando-o em 5 (cinco) anos de prisão;

- no mais, manter o acórdão recorrido.

Sem custas (art. 513.º, n.º 1, do CPP).

Elaborado e revisto pelo relator.

Évora, 17 de Setembro de 2013-09-23

(Carlos Berguete Coelho)

(João Gomes de Sousa)