PLANO DE RECUPERAÇÃO
CRÉDITO FISCAL
Sumário


1 – Dado o disposto no art. 30º, n.os 2 e 3, da LGT, com a sua actual redacção, não é legalmente possível homologar um plano de revitalização de empresa que implique redução, extinção ou moratória de créditos fiscais sem que a Fazenda Pública o tenha votado favoravelmente.
II - O plano de revitalização que preveja redução de créditos tributários, e que tenha merecido voto contrário da Autoridade Tributária, implica violação não negligenciável de normas respeitantes ao mesmo crédito, devendo determinar a recusa da sua homologação, nos termos do art. 215º, n.º 1, do CIRE.

Sumário do relator

Texto Integral


Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório
O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, interpôs o presente recurso de apelação da decisão que homologou o plano de revitalização da requerida “S..., Lda.”
A dívida reclamada nos autos pela Fazenda Nacional, reconhecida pelo Exmo. Sr. Administrador, ascende ao total de €985.153,25, correspondente a débitos de IVA, IRC, coimas e juros.
O plano de revitalização apresentado foi aprovado pelos credores representando 75,63% dos créditos, não estando de acordo apenas o credor Banco … e a Fazenda Nacional, representando 19,04% de votos desfavoráveis.
A credora Fazenda Nacional votou desfavoravelmente o plano de recuperação apresentado por o mesmo “defender a redução dos créditos fiscais, porquanto prevê o perdão da totalidade dos juros vencidos e das coimas; prever um regime de pagamento prestacional ilegal e não prever a constituição de garantias idóneas e suficientes.”
Apreciando o plano, o tribunal decidiu-se pela sua homologação, justificando a sua posição, no aspecto aqui controvertido, da seguinte forma:
“Igualmente, no que concerne aos créditos fiscais, após alteração sugerida pelo tribunal, que fez com que as coimas passassem a integrar o capital, a reembolsar na totalidade (tal como acontece com os demais credores), cremos que fica salvaguardada a igualdade substancial de posições entre os credores e, bem assim, o pagamento de montantes que se traduzem em dívidas de carácter substantivo, decorrentes de tributos ou sanções, em detrimento de dívidas de carácter processual (como serão as derivadas de custas, pese embora aqui também haja uma vertente tributária, que todavia só surgem por estar a decorrer um processo, não se prendem com uma obrigação autónoma e substantiva).”
Continuando a entender que o plano em causa não podia ser homologado, recorreu então a Fazenda Nacional, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que recuse a homologação do plano de revitalização apresentado.
Termina as suas alegações de recurso, delimitando o objecto deste, com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da douta sentença que homologou o plano de revitalização da ora recorrida, no que concerne à regularização dos créditos fiscais.
2. A Fazenda Nacional reclamou €985.153,25, reconhecido como crédito tributário privilegiado e votou desfavoravelmente ao PER apresentado pela requerente S..., Lda., por o mesmo contender com as regras imperativas no que concerne à regularização dos créditos fiscais.
3. Não obstante, por sugestão do próprio tribunal a quo, ter sido alterado o Plano de Recuperação, no sentido de integrar as coimas no capital reclamado, no essencial, manteve-se igual ao original.
4. Com efeito, o plano homologado continua a defender a redução dos créditos fiscais, porquanto prevê o perdão da totalidade dos juros vencidos e das coimas, bem como a não prever a constituição de garantias idóneas e suficientes, porquanto são de duvidosa cobrança.
5. Face às modificações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, na Lei Geral Tributária, não são eficazes em relação à Fazenda Pública as modificações dos créditos tributários resultantes do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores, com oposição do Estado.
6. Desde o dia 1 de Janeiro de 2011, data de entrada em vigor da supra citada Lei 55-A/2010, de 31.12, depende do acordo do Estado a redução ou extinção dos seus créditos fiscais e/ou a concessão de moratória, créditos que não podem ser afectados contra a sua vontade pelo plano de insolvência, aliás de harmonia com a doutrina do Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/11/2012, Relator: Olindo Geraldes, Proc. nº 86/11.1TYLSB-G.L1-6, disponível in www.dgsi.pt:
7. Acresce, ainda, que não são eficazes em relação à Fazenda Pública as garantias de pagamento de créditos tributários resultantes do plano de recuperação, no âmbito do PER, ainda que aprovado pela maioria de 2/3 dos credores, sem a prévia concordância do Estado, porquanto a LGT prevalece sempre sobre qualquer legislação especial, incluindo o CIRE.
8. E não se diga que tal indisponibilidade dos créditos fiscais em face do CIRE é inconstitucional, porquanto sobre tal assunto já se debruçou o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.06.2012, Relator: Oliveira Vasconcelos, Proc. 506/10.3TBPNF-E.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt, cuja assertividade e acerto dos seus argumentos, dispensa a elaboração de demais considerandos.
9. Nesta conformidade, tendo a douta sentença recorrida violado as disposições legais constantes dos artigos 30.º, n.º 3, e 36.º, n.º 2, da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, 196.º, n.º s 3 e 6, e 199.º, n.º s 1,2,6,7 e 9, do CPPT, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não homologue o PER requerido pela S..., Lda..
Contra-alegando, veio a requerida “S..., Lda., Lda.” responder para defender que o recurso deve improceder, confirmando-se a homologação do plano, de forma a viabilizar a revitalização da empresa, objectivo último da legislação a aplicar e que não pode ser afastado pelas normas tributárias invocadas.

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2 – Os Factos
Os factos a considerar na decisão são os que ficaram expostos no relatório que antecede, para o qual se remete.
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3 – O Direito
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Importa portanto apreciar o presente recurso de apelação tendo presente a questão colocada pelo recorrente, que vem a ser apenas a da legalidade da homologação do plano de revitalização quando haja voto contrário da Fazenda Nacional, por estar prevista a redução de créditos classificados como fiscais.
Vejamos então a questão levantada.
Como é sabido, tal questão tem sido amplamente debatida na nossa jurisprudência, e na doutrina pertinente, antes e depois da publicação e entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31.12), que veio alterar o art. 30º da Lei Geral Tributária de forma que se apresenta decisiva para o caso.
Desde então (a partir de 1 de Janeiro de 2011), o citado art. 30º passou a dispor o seguinte:
1 - Integram a relação jurídica tributária:
a) O crédito e a dívida tributários;
b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;
c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;
d) O direito a juros compensatórios;
e) O direito a juros indemnizatórios.
2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.
Como se pode constatar, fazem parte do crédito fiscal não só os montantes do capital, correspondentes aos impostos em dívida, mas também quaisquer prestações acessórias a essas dívidas originais, como é o caso das coimas ou das custas que surjam no decurso da vida dessas, e dos juros compensatórios e moratórios respectivos.
Por conseguinte, afigura-se que a lei não permite subscrever o raciocínio exposto na fundamentação da decisão impugnada, quando ali se faz uma distinção entre “dívidas de carácter substantivo” e “dívidas de caracter processual”, distinção essa que é rejeitada na lei tributária e consequentemente não pode ser criada “ex novo” para efeitos de aprovação do plano de revitalização (tornando irrelevantes, vg., os perdões de juros ou custas).
Por outro lado, importa chamar a atenção para o n.º 3 do artigo, introduzido pela citada Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e que proclama de forma enfática a prevalência do princípio da indisponibilidade consagrado no n.º 2 sobre “qualquer legislação especial”.
Com efeito, este aditamento legislativo tem sido interpretado como implicando a rejeição das posições jurisprudenciais anteriores que se apoiavam no carácter especial das normas relativas à insolvência e à recuperação de empresas para afastar no âmbito destas a imperatividade que parecia decorrer do n.º 2 do mesmo preceito – de modo a viabilizar a homologação de planos de revitalização em situações como a presente.
A entrada em vigor desta nova formulação legislativa provocou a inflexão da orientação jurisprudencial, que até então se inclinava para a admissibilidade de tal homologação, mesmo sem o acordo da Fazenda Nacional, e passou a proclamar generalizadamente a posição oposta.
Diga-se a propósito que as consequências práticas de tal orientação legislativa, de que decorrem as correspondentes posições jurisprudenciais, tem sido largamente criticada por todos aqueles que desejariam ver o Estado-credor mais compreensivo para os seus devedores e mais colaborante na viabilização das empresas, que proclama sempre como desejável mas que frequentemente impossibilita por essa via.
Porém, mesmo os críticos dessa normatividade concordam em que é esse o seu significado (e por isso mesmo a criticam):
I - Após a alteração introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, ao art.º 30.º da LGT, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de revitalização que contemple redução, extinção ou moratória de créditos fiscais sem que o Estado o tenha votado favoravelmente.
II - O plano de revitalização aprovado que preveja redução de crédito tributário, sem que tenha merecido o voto favorável da Autoridade Tributária, obriga a concluir que o respectivo conteúdo integra violação não negligenciável de normas respeitantes ao mesmo crédito e à prolação de sentença de recusa da sua homologação.
(Ac. Rel. Guimarães, 28-06-2013, in www.dgsi.pt)
No mesmo sentido leia-se o Ac. Rel. Porto de 17-06-2013, publicado no mesmo local.
De igual forma se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, analisando o regime legal que temos vindo a referir, designadamente por arestos de 14-06-2012 (Oliveira Vasconcelos) e de 10-05-2012 (Álvaro Rodrigues), também disponíveis em www.dgsi.pt .
Consequentemente, no nosso caso, verificando-se que o plano em apreço previa a redução dos créditos fiscais, com perdão de prestações acessórias, e o pagamento prestacional da dívida chamada de capital, tendo merecido o voto contra da Fazenda Nacional, não podia o mesmo ser judicialmente homologado.
Deste modo, concluiremos que, tendo em conta a fundamentação da sentença recorrida e as conclusões do recorrente, e em face das normas pertinentes, o recurso se apresenta como procedente.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão homologatória impugnada e substituindo-a por outra que recuse a pretendida homologação.
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4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso em apreço, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, recusando a homologação do plano de revitalização em apreço.
Notifique.

Évora, 19 de Setembro de 2013
(José Lúcio)
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)