INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário


I- A petição inicial é o articulado em que o demandante propõe a acção, deduzindo certa pretensão jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e os fundamentos respectivos. Quando a petição contiver deficiências de carácter substantivo que irremediavelmente comprometam a sua finalidade, designadamente quando contenha algum dos vícios previstos no artigo 193º, nº2 do Código de Processo Civil, a mesma é considerada inepta.
II- Tendo a demandante alegado que foi admitida ao serviço da primeira ré, em 6/10/2011, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções de empregada de balcão, mediante retribuição e que ocorreu transmissão do estabelecimento onde trabalhava para as outras rés, que impediram a trabalhadora de exercer as suas funções e não lhe pagaram a retribuição e tendo pedido que se declarasse que foi celebrado um contrato de trabalho sem termo, que foi ilicitamente despedida, com as legais consequências, que reclama e que sejam as rés (segunda e terceira) condenadas no pagamento das retribuições vencidas e não pagas, em relação às datas em que sucessivamente assumiam a posição da empregadora, há que considerar que, na petição inicial foi alegada a causa de pedir e foi apresentado o pedido, sendo que as consequências jurídicas que se extraem dos factos alegados, revelam um raciocínio jurídico lógico e perceptível, pelo que inexiste qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido.
III- Tendo as rés, na defesa apresentada, respondido directamente aos factos alegados, invocando, inclusive, a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e tendo-se pronunciado sobre os pedidos formulados, tal significa que tanto a causa de pedir como o pedido, foram perfeitamente compreendidos e interpretados, sendo, por isso, inteligíveis.
IV- Se a autora alega, no seu articulado inicial, que foi admitida ao serviço da primeira ré, na data supra indicada e nas circunstâncias também já referidas, tais factos constituem a causa de pedir para o pedido de declaração do seu contrato de trabalho como celebrado sem termo. E, tendo sido apresentada uma só causa de pedir para este pedido, nunca seria possível o preenchimento da previsão da norma constante da alínea c), 1ª parte, do nº2 do artigo 193º do Código de Processo Civil.
V- Não se pode confundir causa de pedir com argumentação jurídica. E, se a autora justifica o pedido de declaração do seu contrato de trabalho como celebrado sem termo, afirmando que celebrou um contrato de trabalho indeterminado, e justificando quase que por “exclusão de partes”, porque é que o mesmo não pode ser considerado a termo, tal constitui argumentação jurídica, em relação à qual o tribunal não está sujeito às alegações das partes, nos termos previstos pelo artigo 664º do Código de Processo Civil.
VI- Pretendendo a autora que seja reconhecido que celebrou, com a primeira ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que, por força, da transmissão da exploração do estabelecimento onde trabalhava para a terceira ré, esta assumiu a posição de sua empregadora, mas como impediu a autora do exercício das suas funções profissionais, o comportamento assumido configura um despedimento ilícito, com as legais consequências, acrescentando que houve incumprimento da obrigação de pagamento da retribuição à trabalhadora, com reclamação do pagamento em dívida, todos estes pedidos, são substancialmente compatíveis. O ordenamento jurídico admite, em abstracto, a satisfação de todos.

Sumário da relatora

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I.Relatório
T..., residente na …., com o NIF …, veio intentar acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra E..., Lda., com o NIPC … e sede no …., L..., com o NIF …, residente na …, e R..., Lda., com o NIPC …, com sede na …, apresentando, para tanto, a respectiva petição inicial, na qual alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da primeira ré, em 6 de Outubro de 2011, através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções de empregada de balcão de 2ª no estabelecimento explorado por esta na unidade C.H.B.A. … . Sucede que a exploração do aludido estabelecimento foi sucessivamente transmitida, em 1 de Março de 2012, para a segunda ré e, em 4/5/2012, para a terceira ré, que, todavia, impediram a autora de desempenhar as suas funções, pelo que deve ser declarada a ilicitude do seu despedimento. Desde Março de 2012, que a autora não recebe qualquer quantia a título de retribuição. Mais refere que sofreu danos de natureza não patrimonial, que devem ser ressarcidos
Por despacho datado de 17 de Setembro de 2012 (referência nº 685896), convidou-se a autora a apresentar nova petição inicial, por forma a ajustar os pedidos formulados à causa de pedir invocada e concretizar a matéria de facto alegada.
Respondendo a tal convite, veio a autora, em novo articulado, peticionar:
- que seja declarada como celebrada sem termo a sua contratação;
- que seja declarada a ilicitude do seu despedimento;
- que sejam as rés condenadas no pagamento à autora da quantia de € 5.743,46, respeitante a:
i. € 2.112,48, a título de salários devidos pelos meses de Março, Abril (segunda ré), Maio e Junho (terceira ré);
ii. € 195,20, a título de proporcionais de subsídio de férias (terceira ré);
iii. € 240,58, a título de proporcionais de subsídio de natal (terceira ré);
iv. € 195,20, a título de pagamento de férias não gozadas (terceira ré);
v. € 3.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimonias sofridos (terceira ré);
- que seja a terceira ré condenada a pagar à autora a compensação, nos montantes devidos e vencidos, a título de salários, proporcionais dos subsídios de férias e de natal, e férias não gozadas, que mensalmente se vençam até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento;
- a sua reintegração ou, em alternativa, caso a entidade patronal (terceira ré), assim o não entenda, ser indemnizada no montante de € 3.168,72;
- que sobre as quantias em dívida, acresçam os juros de mora vincendos desde a citação e até integral pagamento.
Esclareceu, ainda, que a terceira ré passou a explorar o estabelecimento em 1/5/2012 e que cada uma das rés é responsável pelos salários vencidos e não pagos à data em que detinham a exploração do dito estabelecimento, sendo a terceira ré ainda responsável pelas consequências legalmente previstas para o despedimento ilícito verificado.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.
Contestou a primeira ré (E…), invocando a excepção dilatória da sua ilegitimidade e alegando que a relação laboral que mantinha com a autora cessou em 29 de Fevereiro de 2012, data a partir da qual a exploração do estabelecimento onde esta trabalhava foi transmitida à segunda ré, que, assim assumiu a posição de empregadora da demandante. Mais refere que o acordo que celebrou com a autora consistia num contrato de trabalho por tempo indeterminado, e não num contrato a termo, como incompreensivelmente a autora refere, pelo que o primeiro pedido formulado é manifestamente infundado.
A terceira ré (R…), também apresentou articulado de defesa, alegando que a segunda ré, por motivos estranhos à terceira ré, nunca iniciou a exploração do estabelecimento onde a autora trabalhava, pelo que o local em questão reverteu para o CHBA, que decidiu celebrar, em 19 de Abril de 2012, directamente com a terceira ré, um contrato de concessão de espaço comercial.
Quando o referido espaço foi recebido pela terceira ré, estava desprovido de quaisquer equipamentos, balcões, mesas, cadeiras, utensílios de cafetaria/bar, lavatórios e até torneiras, o que levou a que a terceira ré tivesse ela própria, e a expensas suas de criar as condições para que o espaço pudesse funcionar como um estabelecimento de snack-bar e cafetaria, o que sucedeu a partir de 1 de Maio de 2012. Assim, não lhe foi directamente transmitida a exploração do estabelecimento, por qualquer outra das demandadas, pelo que nunca assumiu a posição de empregadora da demandante, considerando-se, na sequência, parte ilegítima para a presente acção, impugnando, ainda, o alegado pela autora.
A autora apresentou resposta às contestações oferecidas, argumentando pela improcedência das excepções da ilegitimidade passiva invocadas.
Mais desistiu da instância em relação à segunda ré.
Por despacho datado de 17 de Janeiro de 2013 (referência nº 715025), julgou-se válida a desistência da instância apresentada e convidou-se a autora a esclarecer expressamente a incongruência verificada nos seus articulados de apresentação da causa de pedir e do pedido, dado que, por um lado, afirmava que celebrou com a primeira ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado e, por outro lado, veio fundar o seu primeiro pedido, na circunstância de não ter sido apresentada justificação para a contratação a termo. Mais se entendeu que, sendo o único pedido formulado contra a primeira ré (E...), relativo à qualificação do contrato como de trabalho por tempo indeterminado e não havendo conflito sobre esta questão, colocava-se a hipótese de faltar um pressuposto processual inominado- a falta de interesse em agir- o que constituiria matéria nova não debatida pelas partes, pelo que se ordenou a notificação dos litigantes para se pronunciarem sobre tal questão, de harmonia com o disposto no artigo 3º do Código de Processo Civil.
Apenas a primeira ré veio responder, afirmando concordar com a falta do pressuposto processual identificado.
Foi, então proferida decisão final, que julgou inepta a petição inicial apresentada e, consequentemente absolveu as rés da instância.
A fls. 179 dos autos, veio a autora desistir da instância contra a primeira ré, que mereceu a aceitação desta, declarada a fls. 182.
Sobre a referida desistência, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho, datado de 27/2/2013 (referência nº 726764):
«Fls. 178 e ss. (requerimento citius 130083):
Nada a determinar, por ora, tendo em conta a decisão proferida nos autos e o disposto no artigo 666º, nº1, do Código de Processo Civil.»
Inconformada com a decisão de absolvição das rés da instância, veio a autora interpor recurso da mesma, apresentando a finalizar as suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. A ora Recorrente intentou Acção Emergente de Contrato Individual de Trabalho, com Processo Declarativo Comum Contra E..., Lda., L..., e R…, Lda.
2. Com o fundamento de ter uma relação laboral com as Rés, regulada pelo Contrato Colectivo de Trabalho publicado no B.T.E. n.° 24, de 29.06.2004, e Portaria de Extensão publicada no B.T.E. n.° 32, de 29.08.2006, e no que não se encontre definido, ou não seja aplicável, pelo Código do Trabalho.
3. Isto porque foi admitida ao serviço da Primeira Ré em 06 de Outubro de 2011, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, para sob sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de empregada de balcão de 2ª, no estabelecimento explorado pela Primeira Ré na Unidade C.H.B.A. .
4. Com data de 27.02.2012, foi enviada pela Primeira Ré à Autora uma carta registada com aviso de recepção, cujo assunto "transferência de concessionário", com a informação que a 29.02.2012 a Primeira Ré deixaria de prestar os seus serviços no refeitório na UCHP — Café, onde a Autora prestava os seus serviços, uma vez que aquele refeitório seria transferido para outro concessionário.
5. Foi ainda a Autora informada que o seu contrato de trabalho se manteria.
6. No entanto tal não ocorreu (o seu contrato de trabalho se manter-se), e pese embora a Autora se continuasse a apresentar no seu local de trabalho, não foi aceite pela nova entidade exploradora, a Segunda Ré, nem posteriormente pela Terceira Ré.
7. De imediato a Autora contactou com a Primeira Ré, que se limitou a considerar a posição do novo concessionário inaceitável.
8. Continuou a Autora a apresentar-se no local de trabalho, tomando posteriormente, em 04.05.2012 que a entidade exploradora do seu local de trabalho era, actualmente a Terceira Ré (doc. 9).
9. Dispões a cláusula 54.° do C.C.T. referido, no seu capítulo VII, que regula a cessação do contrato entre a concedente e a concessionária, sob a epigrafe "cessação do contrato entre a concedente e a concessionária", no seu n.° 1 que "em caso de transmissão de exploração ou de estabelecimento ou, ainda, de parte do estabelecimento que constitua uma unidade económica, qualquer que seja o meio jurídico por que se opere, ainda que seja por concurso ou concurso público, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores, que se encontrem ao serviço da exploração, estabelecimento ou parte dele, há mais de 90 dias, salvo quanto aos trabalhadores que não pretendam a manutenção dos respectivos vínculos contratuais, por motivo grave e devidamente justificado".
10.Nem a Segunda, nem a Terceira Ré aceitaram, em momento algum que a Autora desempenhasse as suas funções, pese embora aquela, no seu horário de trabalho se tenha apresentado para o efeito.
11.É a Autora, agora, trabalhadora da Terceira Ré.
12.Pelo que, peticionou:
a) os salários devidos pelos meses de Março, Abril, Maio, e Junho, no montante total de € 2.112,48.
b) Acrescidos dos proporcionais devidos a título de subsidio de férias no montante total de € 195,20, e
c) dos proporcionais a título de subsídio de natal, no montante de C 240,58.
d) E ainda a férias, não gozadas, devendo receber por aquelas € 195,20.
13.Tem, assim, a Autora, a receber o total de C 2.743,46, a título de salários devidos pelos meses de Março, Abril, Maio, e Junho, acrescido dos proporcionais dos subsídios de férias e natal, e férias não gozadas.
14.Mais peticionou uma indemnização nos termos do disposto no artigo 389.°, n.° 1, al. a), pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados,
15.Uma vez que a situação com que se deparou, a ausência de pagamento dos seus salários, ser impedida de prestar o seu trabalho, determinou que a Autora, nesses períodos, sentisse dificuldades em fazer face aos encargos pessoais e familiares, tendo, efectivamente, de se desfazer de bens pessoais, para fazer face a despesas básicas.
16.Nos termos do disposto no artigo 390.° do C.T., a Autora peticionou direito a receber as retribuições que deixou de auferir, até ao trânsito, as quais salários, proporcionais dos subsídios de férias e natal, e férias não gozadas, que mensalmente se vençam.
17.Bem como, nos termos do disposto no artigo 389.°, n.° 1, al. b), peticionou a reintegração, como consequência da ilicitude do seu despedimento. (E caso a Terceira Ré se opusesse reintegrá-la peticionou ser indemnizada nos termos do artigo 392.° do C.T., em montante equivalente a seis meses de retribuição, i.é., € 3.168,72).
18.Por despacho de 17.09.2012, veio o tribunal "aquo" elencar o pedido da Recorrente:
"a) Ser declarada como celebrada sem termo a contratação da Autora;
b) Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora, e ser a Autora reconhecida como trabalhadora, contratada através de contrato sem termo, das Rés; e actualmente da Ré que explore o estabelecimento;
c) Serem as Rés condenadas a pagar à Autora a quantia de €5.743,46:
i. €2.112,48 a título de salários devidos pelos meses de Março, Abril, Maio e Junho;
ii. €195,20 a título de proporcionais de subsídio de férias;
iii. €240,58 a título de proporcionais de subsídio de natal;
iv. €195,20 a título de pagamento de férias não gozadas;
v. €3.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
d) Deverão as Rés ser condenadas a pagar à Autora a compensação, nos montantes devidos e vencidos a título de salários, proporcionais dos subsídios de férias e natal, e férias não gozadas, que mensalmente se vençam até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento; e) Ser a Autora reintegrada; ou, em alternativa, caso a entidade patronal, Ré, assim não o entenda, ser indemnizada no montante de €3.168,72."
f) A todas as quantias em dívida deverão acrescer juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento".
19.Apresentou a Primeira Ré Contestação, na qual, em sumula, peticou que "fosse declarada totalmente procedente a excepção de ilegitimidade da 1ª R. e, consequentemente, absolvê-la da instância, nos termos e para do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 288.º do CPC.
Caso assim não se entenda, deverá presente acção totalmente improcedente provada quanto à 1ª R., absolvendo pedidos”.
20.A Recorrente, nos termos do disposto no artigo 287.°, al." d), do Código do Processo Civil, desistiu da instância contra a Segunda Ré L..., pelo que se requereu, que em conformidade, fosse julgada extinta a quanto a esta Ré.
21.Apresentou a Terceira Ré Contestação, na qual, em sumula, peticou que fosse julgada: "procedente a exceção de ilegitimidade da 3ª. Ré, e consequentemente absolve-la da instância, com todas as consequências legais.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, o que só por mera hipótese académica de admite, deverá a presente ação ser declarada improcedente por não provada, quanto à 3ª. Ré, absolvendo-a do pedido.
22.Respondeu a Autora que "em caso de transmissão de exploração ou de estabelecimento ou, ainda, de parte do estabelecimento que constitua uma unidade económica, qualquer que seja o meio jurídico por que se opere, ainda que seja por concurso ou concurso público, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores, que se encontrem ao serviço da exploração, estabelecimento ou parte dele, há mais de 90 dias, salvo quanto aos trabalhadores que não pretendam a manutenção dos respectivos vínculos contratuais, por motivo grave e devidamente justificado".
23.A Recorrente, nos termos do disposto no artigo 287.°, al. d), do Código do Processo Civil, desistiu da instância contra a Primeira Ré L..., pelo que se requereu, que em conformidade, fosse julgada extinta a quanto a esta Ré.
24.Decidiu o tribunal "aquo" que é inepta inepta a petição inicial apresentada e, consequentemente, absolveu os réus da instância.
25. Ora, não pode o tribunal ignorar o peticionado, tanto assim o é que o reproduz por mais que uma vez.
26.Não pode, portanto, assim, decidir que a petição não é clara e suficiente quanto ao pedido (e à causa de pedir que não é posta em causa).
27.Prescreve o artigo 206.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, "se nulidades a que se referem os artigos 193.° e 199.° são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado", mas de facto, estas questões foram apreciadas, pois que foram pedidos esclarecimentos à Autora, que os prestou.
28.Ainda que a concretização factual não tenha sido suficiente, não se pode confundir o peticionado com os factos e a sua concretização.
Neste sentido vide:
"(i) A contradição entre o pedido e a causa de pedir que conduz à ineptidão da petição inicial pressupõe que não é perceptível nem ao Réu nem o tribunal ao que deve ater-se: trata-se de uma contradição intrínseca e insanável, que implica que se torne de todo incompreensível o articulado de petição inicial; [...]
(iii) A contradição entre o pedido e a causa de pedir não se confunde com a insuficiência de factos para o reconhecimento do direito da Autora, ou até com a manifesta improcedência da sua pretensão.", in Ac. TR Évora, Proc.° 55/11.2T2SNS.E1, de 27-09-2011.
29.Além de que, não pode ocorrer ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, pois que a Ré em questão, a Terceira Ré, interpretou convenientemente a petição, tendo-se defendido no peticionado na mesma.
30.A petição, como já se deixou entender, foi julgada inepta com base no disposto no art. 193.° n.° 2, al. a) do C.P.C.. e a Ré absolvida da instância.
31.No entanto, tal diz aquele dispositivo que a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
32.A este propósito, de referir o Alberto dos Reis (Comentário do Código de Processo Civil (vol.2ª págs. 372/373) que se pronunciou pela seguinte forma:
"Importa, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas à parte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos e circunstâncias necessárias para o direito do autor, não pode taxar-se de inepta".
33.Não se verifica, portanto, a ineptidão da petição inicial por falta de pedido e de causa de pedir, tanto que, como referido, a Ré não a arguiu no seu articulado e na defesa, tendo, deste feita demonstrado interpretar convenientemente o sentido daquele primeiro articulado, e do esclarecimento.
Por todo o exposto, e pelo mais que V. Exas. mui doutamente, suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e revogada a sentença recorrida.
Decidindo assim, farão V. Exas. a Costumada Justiça!»
Contra-alegou a terceira ré (R...), apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1°. - O MM° Juiz elaborou a aliás douta sentença corretamente, com sabedoria, equilíbrio e boa administração da Justiça, devidamente alicerçada na matéria de facto existente nos autos e aplicação dos preceitos legais adequados ao caso Sub Judice.
2°. - O MM°. Juiz faz constar da douta sentença todos os elementos essenciais e constando igualmente da mesma os factos articulados com o Direito aplicado ao caso, fundamentado em pleno e sem contradição na sua decisão.
3°. - Considerou então o MM.° Juiz “a quo” em sede de despacho saneador existir ineptidão da petição inicial porquanto, refere o mesmo, que a petição será inepta -quando se cumulem caudas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis", conforme resulta de forma cristalina do artigo 193º n.° 2 alínea c) do Código do Processo Civil.
4°. - No caso em apreço o pedido inicial formulado pela Autora de que se declare como celebrada sem termo a contratação da Autora, para que proceda, implica que sejam introduzidos factos que possam conduzir a essa conclusão.
5°. - Acontece que no presente caso, apresenta-se factualidade contraditória, colocando-se o Tribunal na posição de desconhecer qual, afinal, o pensamento da Autora, entrando-se assim na hipótese prevista no artigo 193° n.° 2 alínea a) do CPC.
6°. - O Tribunal deve conhecer da nulidade que daí decorre, o que fez — artigo 206° n.° 2 do CPC.
7°. - Sendo inepta a petição, é nulo todo o processo. nos termos do artigo 193° n.° 1 do CPC.
8°. - Pelo que, não existe qualquer fundamento para prosseguir o processo, com conhecimento dos restantes pedidos.
9°. - Do facto da 3º Ré ter contestado o pedido da Autora, não pode esta querer retirar a conclusão de que a 3ª. Ré compreendeu e aceitou em termos de inteligibilidade tudo o vertido na P.I.
10°. - Efetivamente, ao arguir a sua ilegitimidade como parte no processo, a 3ª. Ré apenas tinha que cuidar de argumentar qual a motivação para se considerar parte ilegítima no processo,
11°. - Não tendo necessidade de cuidar se o vínculo laboral inicial ou as vicissitudes da relação laboral ocorridas em momento anterior àquele que iniciou a exploração do estabelecimento, padeciam de qualquer vicio ou não.
12°. - É que a 3ª Ré entende ser totalmente estranha a uma relação laboral que envolva a Autora, seja qual for a classificação ou caracterização dessa mesma relação.
13°. - Face a estas posições e demais nos autos e preceitos legais aplicáveis, o MM°. Juiz decidiu julgar inepta a petição inicial e consequentemente absolver todos os Réus da instância.
14°. - Não existe pois qualquer motivação para a Autora peticionar a revogação da Douta Sentença como alega.
15°. - Não pode pois assim prevalecer a tese da Apelante.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, deverá ser negado provimento ao presente Recurso e em consequência ser mantida a aliás Douta Sentença, com o que farão V. ExªS a tão costumada JUSTIÇA!!!»
O tribunal de 1ª instância, admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo os autos subido a este tribunal, foi ordenada a sua descida para que fosse fixado valor à acção.
Foi, então, fixada à causa o valor de € 8.281,20.
Remetido, de novo, o processo à Relação, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho, na sequência do qual foi emitido parecer pelo Ministério Público, no sentido da procedência do recurso, ainda que por fundamentação diversa do despacho recorrido.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta das partes.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*
II. Objecto do Recurso
É consabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, a única questão que importa apreciar consiste em saber se se verifica ou não a ineptidão da petição inicial.
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, salientando-se, porém, mais pormenorizadamente, em face dos elementos dos autos, os seguintes factos:
1- A autora pediu que seja declarada como celebrada sem termo, a sua contratação;
2- No artigo 5º da petição inicial, alega a autora: “A Autora foi admitida ao serviço da primeira Ré em 06 de Outubro de 2011, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, para sob sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de empregada de balcão de 2ª, no estabelecimento explorado pela Primeira Ré na Unidade C.H.B.A. …”;
3- Sob o título “Contrato Sem Termo”, alega nos artigos 9º a 11º da petição inicial, o seguinte:
“9.Ora, tal contrato encontra-se ferido, porquanto, a contratação a termo incerto só é válida para as situações referidas nas alíneas a) a c) ou e) a h), do nº2, do artifo 140º. do Código de Trabalho.
10.O contrato celebrado não faz qualquer referência a uma justificação.
11. Assim, nos termos do disposto no artigo 147º. do Código do Trabalho, o contrato deve considerar-se sem termo, sendo este o vínculo entre a Autora e as Rés.”;
4- Na decisão recorrida, que julgou inepta a petição inicial, afirmou-se o seguinte:
“Veio a autora T... instaurar a presente acção contra “E... Portugal – Sociedade Europeia de Restaurantes, Lda.”, L... e “R..., Lda.”, terminando com o seguinte pedido:
“a) Ser declarada como celebrada sem termo a contratação da Autora;
b) Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora, e ser a Autora reconhecida como
trabalhadora, contratada através de contrato sem termo, das Rés; e actualmente da Ré que explore o
estabelecimento;
c) Serem as Rés condenadas a pagar à Autora a quantia de €5.743,46:
i. €2.112,48 a título de salários devidos pelos meses de Março, Abril, Maio e Junho;
ii. €195,20 a título de proporcionais de subsídio de férias;
iii. €240,58 a título de proporcionais de subsídio de natal;
iv. €195,20 a título de pagamento de férias não gozadas;
v. €3.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
d) Deverão as Rés ser condenadas a pagar à Autora a compensação, nos montantes devidos e vencidos a título de salários, proporcionais dos subsídios de férias e natal, e férias não gozadas, que mensalmente se vençam até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento;
e) Ser a Autora reintegrada; ou, em alternativa, caso a entidade patronal, Ré, assim não o
entenda, ser indemnizada no montante de €3.168,72.”
f) A todas as quantias em dívida deverão acrescer juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento”.
Muito em suma, diz que o estabelecimento em que exercia a sua actividade (cafetarias/bar do Hospital do …) foi transmitido pela 1ª ré. A 1ª ré deixou de explorar o estabelecimento em 29/02/2012 (artigo 12º da petição inicial). A 3ª ré inicia a exploração (em 4 de Maio de 2012) e a 2ª e a 3ª rés impedem a autora de desempenhar funções. Desde Março de 2012 que não lhe foi paga qualquer quantia a título de vencimento.
Após o convite dirigido à autora por despacho de fls. 49, que foi aceite e concretizado a fls. 54 e ss. e desistência da instância já homologada quanto à ré L..., ficou a subsistir, contra a primeira ré “E..., Lda.”, apenas um pedido: que se declare como celebrada sem termo a contratação da autora.
No entanto, para fundamentar este pedido (lendo em conjugação a petição inicial e a alegação posterior de fls. 54 e ss.), verifica-se que a autora diz, por um lado, no artigo 5º da petição inicial que celebrou com a primeira ré, em 6/10/2011, um contrato de trabalho por tempo indeterminado e por outro lado, nos artigos 9º e 10º da mesma peça vem dizer, para fundar esse mesmo pedido, que tal contrato se encontra ferido, pois “a contratação a termo incerto só é válida para as situações referidas nas alíneas a) a c) ou e) a h) do nº 2, do artigo 140º, do Código de Trabalho” e que “o contrato celebrado não faz referência a uma justificação”.
Convidada a autora a esclarecer essa incongruência na alegação (despacho de fls. 158 e ss.) nada disse.
Fica, pois, sem se saber qual a alegação que pretende manter: se a que consta do artigo 5º da PI, se a que consta dos artigos 9º e 10º.
Poder-se-ia dizer que, com recurso ao documento apresentado, estaria o Tribunal (e as partes contrárias) em condições de avaliar o pensamento da autora, mas a verdade é que esta foi convidada a dizer, expressamente, qual a alegação que pretendia manter e nada disse.
Não será, pois, lícito optar-se por uma delas.
E a verdade é que as causas de pedir, quanto a este singelo pedido (e único que é dirigido contra uma das partes), aparecem como incompatíveis (por um lado alega-se tratar-se de um contrato por tempo indeterminado e, por outro, alega tratar-se de um contrato a termo cuja falta de justificação tornaria nula tal cláusula).
O “pedido” é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor.
Sendo certo que o “objecto da acção” – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva do caso julgado – é precisamente identificado através do pedido e da causa de pedir.
Na petição inicial deve o autor formular o pedido determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou de um interesse que afirma materialmente protegido (Lebre de Freitas in "Introdução ao Processo Civil", Coimbra Ed., 1996, pág. 53).
Assim, de acordo com o que prescreve o artigo 193º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil, a petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, ou seja, quando nela não seja indicada, ou por meio dela não puder descobrir-se, qual a espécie de providência que o autor se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que se propõe obter por via da acção.
Mas a petição será, igualmente, inepta “quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”, conforme resulta de forma cristalina do artigo 193º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
Define o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 360 e ss.) o pedido como sendo a “providência que o autor solicita ao tribunal”. Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido. Este consiste, em última análise, no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção e concretiza-se na espécie de providência que o autor quer receber do juiz.
O pedido de que se declare como celebrada sem termo a contratação da autora, para que proceda, implica que sejam introduzidos factos que possam conduzir a essa conclusão.
Acontece que, no presente caso, apresenta-se factualidade contraditória (ainda que, no final, possa conduzir à mesma solução), colocando-se o Tribunal na posição de desconhecer qual, afinal, o pensamento da autora. Entra-se, pois, na hipótese prevista no artigo 193º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
E, assim, o tribunal deve conhecer da nulidade que daí decorre.
Conforme prescreve o artigo 206º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “As nulidades a que se referem os artigos 193º e 199º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado. Se não houver despacho saneador, pode conhecer delas até à sentença final”.
E sendo inepta a petição é nulo todo o processo, nos termos do artigo 193º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que não existe qualquer fundamento para prosseguir o processo com o conhecimento dos restantes pedidos (e tornando, naturalmente, inútil o conhecimento das restantes excepções deduzidas – como a mais evidente que se destaca da falta de interesse em agir na demanda da ré “E...”).
Enquanto excepção dilatória (cf. 288º e 494º, alínea b) do Código de Processo Civil), é fundamento, nesta fase, para a absolvição da instância, nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Decidindo.
Por tudo o exposto, decide-se julgar inepta a petição inicial apresentada e, consequentemente, absolver os réus da instância.”
*
IV. Enquadramento jurídico
Conforme se referiu supra, em função das conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se se verifica ou não a ineptidão da petição inicial.
Apreciemos, então, a questão.
É consabido que a petição inicial é o articulado em que o demandante propõe a acção, deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e os fundamentos respectivos (cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pag. 110 e Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, 1982, pag.189).
Tal articulado tem uma importância fundamental no desenvolvimento do processo. Em primeiro lugar, porque sem a petição não pode haver processo, uma vez que a tutela jurisdicional não é oficiosa. O processo pode subsistir sem outros articulados, mas nunca sem a petição. Em segundo lugar, é através da petição que o réu toma conhecimento do exacto conteúdo do pedido contra ele formulado.
Os requisitos da petição inicial, mostram-se enumerados no anterior artigo 467º do Código de Processo Civil (aplicável aos presentes autos).
Entre as indicações mais importantes devem constar da petição inicial: (i) a identificação das partes; (ii) a narração dos factos e a exposição das razões de direito que servem de fundamento à acção; (iii) a formulação do pedido.
Quando a petição contiver deficiências de carácter substantivo, que irremediavelmente comprometam a sua finalidade, designadamente quando contenha algum dos vícios indicados no artigo 193º, nº2 do Código de Processo Civil, a mesma é considerada inepta (cfr. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pag. 244 e Manuel de Andrade, obra citada, pag. 111).
As causas de ineptidão da petição inicial mencionadas no referido artigo 193º, nº2, são as seguintes:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Na decisão sob recurso, fundamenta-se a considerada ineptidão da petição inicial na alínea a) do nº2 do aludido artigo 193º, muito embora se faça referência à existência de uma contradição de causas de pedir, o que nos deixa na dúvida se não terá ocorrido um lapso material na indicação da norma aplicada para se concluir pela ineptidão da petição inicial.
Contudo, como este tribunal irá apreciar o caso concreto, à luz de todas as situações geradoras da ineptidão da petição inicial, mostra-se irrelevante a dúvida suscitada pelo texto da decisão posta em crise.
Principiemos, então, por analisar se existe falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir.
O pedido é a pretensão deduzida pelo autor, isto é, o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial. No fundo, é o efeito jurídico pretendido pelo autor (artigo 498º, nº3 do Código de Processo Civil).
A causa de pedir é o acto ou facto jurídico donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (artigo 498º, nº4 do Código de Processo Civil).
“A causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e significado de uma conclusão: a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão” - Alberto dos Reis, Com. CPC, 2º, p.381).
Reportando-nos agora ao caso dos autos, afigura-se-nos que existe pedido (aliás, existe uma cumulação de pedidos). A autora pretende que a relação que estabeleceu com a primeira ré seja qualificada como contrato de trabalho por tempo indeterminado, peticiona a declaração da ilicitude do seu despedimento, as consequências legalmente previstas para tal ilicitude e a condenação da terceira ré, ainda, no pagamento de alguns créditos laborais que alega estarem em dívida.
O pedido formulado é perfeitamente inteligível, isto é, compreensível e tanto assim é que:
. a primeira ré, na defesa apresentada veio afirmar ser verdade que celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a autora e argumentar que por tal motivo o primeiro pedido formulado por esta se revelava manifestamente infundado, para além de invocar a sua ilegitimidade passiva, por ter deixado de assumir a qualidade de empregadora da autora em 29/02/2012, não se considerando, assim, responsável por qualquer dos outros pedidos formulados;
. a terceira ré, também invocou a excepção da sua ilegitimidade, negando a transmissão (sucessiva) da posição do empregador, no âmbito do contrato de trabalho alegadamente celebrado com a primeira ré, impugnando o despedimento e todos os créditos laborais peticionados.
Deste modo, os pedidos formulados pela autora, nomeadamente o primeiro, foram convenientemente compreendidos pelas demandadas, que manifestaram a sua posição quanto aos mesmos.
Em suma, no caso em apreciação, não se verifica a falta ou ininteligibilidade do pedido.
Dirigimos agora a nossa atenção sobre a causa de pedir, por forma a apurar se há falta ou ininteligibilidade da mesma.
E o que verificamos é que na petição inicial (completada pelo esclarecimento prestado posteriormente), a demandante alega que foi admitida ao serviço da primeira ré, em 6 de Outubro de 2011, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de empregada de balcão de 2ª, num estabelecimento por esta explorado, recebendo, em contrapartida a quantia mensal de € 528,12, a título de retribuição. Sucede que a primeira ré, apenas explorou o referido estabelecimento até 29/2/2012, tendo a partir daí o estabelecimento sido explorado, sucessivamente pela segunda ré (em relação à qual já foi apresentada desistência da instância) e pela terceira ré que, por força de tal transmissão, teriam sucessivamente assumido a posição de empregadora da autora. Contudo, estas impediram a autora de exercer as suas funções, o que consubstancia, no entender da autora, um despedimento ilícito, acrescentando, ainda, que está sem receber retribuição desde Março de 2012.
Esta alegação, constitui a causa petendi, ou seja, a autora alegou os factos donde emerge o seu pedido.
Destaca-se que, mesmo em relação ao primeiro pedido (que está na origem da declarada ineptidão da petição), o que constitui causa de pedir, é alegação de que a autora foi admitida ao serviço da ré, na data referida e nas circunstâncias descritas. A afirmação de que existe um contrato de trabalho por tempo indeterminado, não integra a causa petendi, pois constitui a conclusão de direito ou a qualificação jurídica que a autora reclama, por via do primeiro pedido apresentado, para a situação factual por si alegada.
E, pelas mesmíssimas razões que apresentámos para justificar a inteligibilidade do pedido, para as quais se remete, não resta outra alternativa que não seja considerar que a causa de pedir, foi perfeitamente compreendida e interpretada pelas primeira e terceira rés, que dela se defenderam claramente, não invocando sequer qualquer deficiência ou obscuridade na concretização da matéria de facto alegada.
Inexiste, pois, falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.
Haverá, então, contradição entre o primeiro pedido formulado e a causa de pedir (alínea b) do nº2 do supra referido artigo 193º)?
A contradição entre a causa de pedir e o pedido pressupõe que não é perceptível nem para ao réu nem para o tribunal, aquilo sobre que se devem pronunciar, porque um contradiz o outro.
Sobre esta temática, debruçou-se este Tribunal no Acordão de 27/9/2011, proferido no Processo nº 55/11.2T2SNS.E1 e disponível na base de dados do ITIJ, onde se escreveu:
“A contradição entre o pedido e a causa de pedir pressupõe, ao fim e ao resto, que não é perceptível nem ao Réu nem ao tribunal quanto ao que devem ater-se, pois um contradiz o outro: trata-se de uma contradição intrínseca e insanável, que implica que se torne de todo incompreensível o articulado da petição inicial”.
Não vislumbramos qualquer razão para alterar o entendimento defendido, anteriormente, por este tribunal.
No caso dos autos, em face da causa de pedir e do primeiro pedido formulado, a petição inicial é perfeitamente compreensível.
Os factos jurídicos donde emerge o direito invocado são claros e as consequências jurídicas que se extraem, num raciocínio lógico dos mesmos, que consubstanciam depois o pedido, são perceptíveis.
Inexiste pois qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido.
Resta apreciar se há cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, nos termos previstos pela alínea c) do nº2 do artigo 193º do Código de Processo Civil.
O Meritíssimo Juiz a quo entendeu que “o pedido de que se declare como celebrada sem termo a contratação da autora, para que proceda, implica que sejam introduzidos factos que possam conduzir a essa conclusão. Acontece que, no presente caso, apresenta-se factualidade contraditória (ainda que, no final, possa conduzir à mesma solução), colocando-se o Tribunal na posição de desconhecer, qual afinal, o pensamento da autora”.
E, num outro ponto da decisão recorrida, afirma-se: “e a verdade é que as causas de pedir, quanto a este singelo pedido (e único que é dirigido contra uma das partes), aparecem como incompatíveis (por um lado alega tratar-se de um contrato por tempo indeterminado e, por outro lado, alega tratar-se de um contrato a termo cuja falta de justificação tornaria nula tal cláusula).”.
Ora, salvo o devido respeito, e que é muito, afigura-se-nos que as afirmações citadas revelam alguma confusão entre o que é a causa de pedir apresentada e a argumentação jurídica fundamentadora do primeiro pedido apresentado.
Como referimos supra, com referência ao pedido de que se declare como celebrada sem termo a contratação da autora, a causa de pedir apresentada é tão só a alegada admissão da autora ao serviço da primeira ré, em 6 de Outubro de 2011, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de empregada de balcão de 2ª, num estabelecimento por esta explorado, recebendo, em contrapartida a quantia mensal de € 528,12, a título de retribuição.
Com base neste acontecimento concreto, pretende a autora que lhe seja reconhecido um determinado direito: que se declare como celebrado sem termo o contrato de trabalho. Esta pretensão é a tutela jurisdicional que se busca, com génese nos factos alegados.
A argumentação jurídica fundamentadora de tal direito apresentada na petição inicial pode estar ou não correcta. Contudo, o tribunal, na decisão que venha a proferir não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 664º do Código de Processo Civil).
Certo é que na génese do identificado pedido, não existe cumulação de causas de pedir. Tornando-se pois, impossível, o preenchimento da previsão da norma constante da alínea c), 1ª parte, do nº2 do artigo 193º do Código de Processo Civil.
Também não se verifica qualquer incompatibilidade substancial de pedidos (nem tal é invocado).
Conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2008, P. 08A966: “a incompatibilidade de pedidos, enquanto vício gerador da petição inicial, só justifica colher tal relevância, determinando a anulação de todo o processo, quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir, por confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto, irrelevando, para o efeito, o antagonismo que ocorra no plano legal ou do enquadramento jurídico” (disponível em www.dgsi.pt).
Também Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, I, 2ª edição, pág. 131, escreve (citando Rodrigues Bastos, “Notas ao CPC”, VOL. I, pág. 388), que a expressão “pedidos incompatíveis” tem o significado de não poderem ser ambos acolhidos sem admitir uma contradição interna na ordem jurídica.
Ora, no caso a que se reporta o processo, a autora pretende que seja reconhecido que celebrou, com a primeira ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que, por força, da transmissão da exploração do estabelecimento onde trabalhava para a terceira ré, esta assumiu a posição de sua empregadora, mas como impediu a autora do exercício das suas funções profissionais, o comportamento assumido configura um despedimento ilícito, com as legais consequências. Acresce que, como a terceira ré incumpriu a sua obrigação de pagamento da retribuição à trabalhadora, tornou-se devedora desta, reclamando o pagamento em dívida.
Ora, todos estes pedidos, são substancialmente compatíveis. O ordenamento jurídico admite, em abstracto, a satisfação de todos.
Em suma, também não se verifica qualquer incompatibilidade substancial entre os pedidos formulados geradora da ineptidão da petição inicial.
Procedem, assim, as conclusões de recurso, pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida, a fim de ser substituída por outra que admita liminarmente a petição inicial, devendo os autos prosseguir os seus normais termos.
Concluindo, mostra-se procedente o recurso interposto. Custas pela parte vencida a final.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que admita liminarmente a petição inicial, devendo os autos prosseguir os seus normais termos.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
(Em conformidade com o disposto no artigo 713º, nº7 do Código do Processo Civil anterior, elaborou-se sumário em folha anexa)
Évora, 14 de Novembro de 2013
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)