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EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
SÓCIO
LIQUIDATÁRIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário
I- A extinção de uma sociedade ocorre com o registo do encerramento da liquidação. II- Tendo sido apresentada petição inicial contra uma sociedade que estava extinta, o que só se vem a conhecer aquando da tentativa de citação da mesma, é possível fazer intervir os sócios e/ou liquidatários, em substituição da sociedade, em prol do princípio da economia processual. III- Contudo, compete ao autor, que requer tal substituição, alegar e provar os factos constitutivos do seu direito de obter dos sócios e/ou liquidatários o montante do seu crédito, de harmonia com o disposto no artigo 342º do Código Civil. IV- Se no requerimento de substituição, tal alegação se mostra insuficiente, deve o Juiz do processo, ao abrigo do dever imposto pelo artigo 265º, nº2 do Código de Processo Civil, convidar o requerente a suprir tal insuficiência, que é susceptível de ser suprida e não declarar, de imediato, a extinção da instância por impossibilidade do prosseguimento da lide.
Sumário da relatora
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório L..., com o NIF …, residente …, veio intentar acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra E…, Ldaª, com o NIF … e sede …, pedindo que:
a) o contrato de trabalho em causa nos autos, seja havido como um contrato sem termo, desde o dia 2 de Setembro de 2010;
b) o seu despedimento seja declarado nulo, por ilícito;
c) a ré seja condenada no pagamento à autora das retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença ou, em alternativa, seja a ré condenada a indemnizar a autora, nos termos do disposto no artigo 391º do Código do Trabalho, determinando-se o montante da mesma em valor equivalente a 30 dias de retribuição, face ao grau de ilicitude, indemnização essa que, no caso em apreço, terá de ter em conta o disposto no nº3 deste mesmo artigo;
d) a ré seja condenada a pagar à autora o valor de € 2.789,86, que corresponde a créditos laborais em dívida, a que terá de ser deduzido o valor de € 1.087,14, entretanto pago;
e) a ré seja condenada no pagamento à autora de uma indemnização por danos não patrimoniais, nunca inferior a € 2.000,00;
f) A ré seja condenada no pagamento de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até ao seu integral pagamento.
Alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré, por contrato de trabalho designado “por tempo indeterminado”, em 2 de Setembro de 2010, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de instrutora de condução, mediante retribuição.
Sucede que, em 30 de Dezembro de 2011, foi informada de que iria ser despedida, com efeitos a produzir em 31 de Janeiro de 2012. A ré entregou-lhe um comprovativo da Declaração da situação de desemprego, com a indicação de que o motivo da cessação do contrato de trabalho havia sido “caducidade do contrato a termo”, o que não corresponde à realidade.
Considera a demandante que a declaração da caducidade do contrato, constitui um verdadeiro despedimento ilícito, com as legais consequências, que reclama.
Mais reclama créditos laborais em dívida e o ressarcimento, por via de uma indemnização dos danos de natureza não patrimonial que tem sofrido, em virtude do despedimento.
A fls. 27 dos autos, A…, sócia da sociedade demandada, veio informar que a mesma foi dissolvida e foi efectuado o encerramento da liquidação em 11 de Dezembro de 2012, tendo, na mesma data, sido efectuado o cancelamento da matrícula. Junta Cópia da certidão permanente.
Devidamente notificada, veio a autora requerer a habilitação dos anteriores sócios da ré A… e R…, que deverão ser representadas em juízo por esta última, na qualidade de liquidatária da ré, extinta pessoa colectiva.
Por despacho datado de 1 de Março de 2013, (referência nº 871646), declarou-se extinta a instância por impossibilidade do prosseguimento da lide contra as sócias da extinta sociedade demandada.
Inconformada com tal despacho, veio a autora interpor recurso do mesmo, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. Após propositura da presente acção, a Recorrente veio a ser notificada da extinção da Sociedade (Ré no processo).
2. Dentro do prazo, a Recorrente (Autora) apresentou novo articulado;
3. Nesse novo articulado também se pode ler o seguinte: No caso em apreço existem responsabilidade dos sócios, seja por via do disposto no artigo 163° do Código das Sociedade Comerciais, seja por via do disposto no 158.º do mesmo Diploma - «Os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados.»
4. Mesmo tendo em conta as variadíssimas decisões proferidas por Tribunais Superiores que defendem que, nestes casos e, naquela fase (da petição inicial), não compete ao Autor da acção o ónus de alegar o recebimento de bens advenientes da partilha do património social da primitiva Ré;
5. Ainda assim, a verdade é que a Recorrente não deixou de alegar que, à data da extinção e liquidação da Ré, os seus sócios bem sabiam da existência de créditos por liquidar à Autora e que, ainda assim, não se coibiram de atestar a inexistência de passivo.
6. A Recorrente alegou ainda culpa da Recorrida, assim como dos seus sócios relativamente ao não pagamento do seu crédito.
7. A Recorrente requereu que a acção prosseguisse para que se apurasse responsabilidade dos sócios da mesma, de entre os quais o liquidatário da Ré / Recorrida, quer nos termos do disposto no artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, quer nos termos do disposto no artigo 158º do mesmo Diploma, sobretudo nos termos desta norma.
8. O Tribunal a quo entendeu declarar extinta a instância, decisão essa com a qual a Recorrente não se pode conformar.
9. Ora, mesmo que se defenda a posição defendida pelo douto Aresto de 7/2/2013, citado pela Douta Julgadora do Tribunal a quo, a verdade é que a Recorrente incidiu o seu novo articulado sobre a culpa da Recorrida (Ré), assim como dos seus sócios, quando declarou a inexistência de passivo da extinta sociedade, bem sabendo que tal não correspondia à verdade.
10.A Recorrente alegou culpa da Recorrida e dos seus sócios, de entre os quais se encontra o seu liquidatário.
11. Assim sendo, entende a Recorrente que outra decisão não deveria ter sido tomada que não o prosseguimento dos Autos, nos termos em que o foi requerido pela Recorrente, fazendo intervir os sócios da extinta Sociedade e o seu liquidatário (ex-sócia).
12. Face ao supra exposto, entende a Recorrente que foram violadas as seguintes normas: artigos 158º e 163º do Código das Sociedades Comerciais, bem assim como os artigos 371º, nº 2 do CPC, artigo 287º, alínea e) do CPC e artigo 1º, nº 2 do CPT.
TERMOS EM QUE:
A) Deverá ser revogado do Douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo;
B) Deverá ser decretado o prosseguimento dos Autos, chamando-se a intervir nos mesmos quer os anteriores sócios, quer a liquidatária da Recorrida, conforme requereu a Recorrente no seu articulado.
Assim se fará justiça!».
O tribunal de 1ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foi fixada à acção o valor de € 8.777,66.
Neste tribunal, pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida qualquer resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto do Recurso
É consabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, a única questão que importa apreciar nos autos é a de saber se interposta a acção contra uma sociedade, após o registo da sua dissolução e encerramento da liquidação, e tendo tal registo sido apenas conhecido, na tentativa de citação da demandada, havia fundamento para declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos em que o foi na presente acção.
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, destacando-se, no essencial, o seguinte:
1-Em 23 de Janeiro de 2013, foi apresentada, via citius, a petição inicial apresentada contra a sociedade E…, Lda.;
2- Esta sociedade foi dissolvida, tendo a sua dissolução e encerramento da liquidação sido registados em 11/12/2012;
3- Eram sócias da sociedade demandada, A… e R…, assumindo esta última a qualidade de liquidatária;
4- A autora veio requerer a habilitação das anteriores sócias da sociedade demandada, que deverão ser representadas pela liquidatária;
4- É o seguinte o teor do despacho recorrido, que se transcreve: «Nos termos do art. 160.°, n.° 2, do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade considera-se extinta pelo registo do encerramento da liquidação, sem prejuízo do disposto nos arts. 162.° a 164.°. A extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte, considerando-se esta substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação. Sucede que a acção foi proposta em data posterior ao registo na competente Conservatória do Registo Comercial da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade demandada e ao cancelamento da respectiva matrícula, ou seja, não estamos perante uma acção em que a sociedade seja parte, porquanto esta já não tinha existência jurídica, personalidade jurídica e judiciária, no momento em que foi demandada. Assim, no entender do tribunal, não haverá lugar à referida substituição pela generalidade dos sócios, para intervirem em substituição da sociedade extinta. O regime previsto nos arts. 162.° a 164.° do Código das Sociedades Comerciais, aplica-se, tão-só, às acções pendentes, ou seja, àquelas em que a extinção da sociedade ocorre em momento posterior à propositura da acção. Acresce que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (art. 163.° do .CSC), incumbindo ao autor, por se tratar de facto constitutivo do seu direito, alegar e provar que houve lugar a partilha pelos sócios, pois que o seu direito sobre estes depende da existência dessa partilha. Veja-se, neste sentido, com o qual concordamos, o Acórdão do Proc N° 58/13 2TTSTB Supremo Tribunal de Justiça de 07/02/2013, relatado por Bettencourt de Faria. Ora, a A. não alegou, no requerimento em apreço, que houve lugar a partilha pelos sócios do património da sociedade extinta, não podendo, portanto, vir a fazer prova de tal facto, ou seja, não podendo vir a demonstrar o seu direito contra as sócias da sociedade demandada. Face ao exposto, indefere-se a substituição da sociedade E…, Lda., pela generalidade das suas sócias, representadas pela respectiva liquidatária. Em consequência, carecendo a sociedade demandada de personalidade jurídica e judiciária e não podendo a acção prosseguir contra as suas sócias, torna-se impossível o prosseguimento da lide, pelo que, nos termos do art. 287.°, al. e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1.°, n.° 2, do Código de Processo do Trabalho, declara-se extinta a instância. Custas pela A. (art. 450.°, n.° 3, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da isenção de que beneficia por ser representada em juízo pelos serviços jurídicos do sindicato a que pertence. Notifique e desconvoque a audiência de partes agendada.»
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IV. Enquadramento jurídico Conforme foi referido supra, a questão que constitui o objecto do recurso é a de saber se interposta a acção contra uma sociedade, após o registo da sua dissolução e encerramento da liquidação, sendo que tal registo apenas foi conhecido na tentativa de citação da demandada, havia fundamento para declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos em que o foi na presente acção.
Para a apreciação de tal questão, mostra-se relevante salientar aqui, ainda que resumidamente, em que é que consiste a dissolução e a extinção de uma sociedade e quais as suas consequências.
A dissolução é uma mera modificação da situação jurídica da sociedade que se caracteriza pela sua entrada em liquidação, mantendo, porém, a sociedade a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação. A dissolução constitui, pois, uma modificação, e não a extinção da sociedade.
Como refere Raúl Ventura, em “Sociedades e Empresas Comerciais”, pág. 631, em sentido restrito, a dissolução de uma sociedade é o acto pelo qual se determina a extinção da sociedade. Num sentido amplo e que é o mais corrente, é todo o período que vai desde o acto que determina a extinção das sociedades até ao seu completo desaparecimento, que ocorre com o final da partilha.
Operada a dissolução, segue-se a liquidação, competindo aos liquidatários ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (cfr. artigo 152º, nº3 do Código das Sociedades Comerciais).
Feita a liquidação, os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação, nos termos previstos pelo nº1 do artigo 160º do mencionado código.
É, então com este registo, que a sociedade se considera extinta, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciárias (cfr. artigo 160º, nº2 do Código das Sociedades Comerciais).
Não obstante esta extinção da sociedade, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, conforme resulta do teor dos artigos 162º a 164º do mencionado compêndio legal.
Por exemplo, nas acções em que a sociedade era parte, a mesma é substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, não sendo sequer necessária suspensão ou habilitação, conforme disposto no artigo 162º do referido código. O que significa, que a substituição da sociedade pelo conjunto de sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação.
Todavia, embora a lei determine o que acontece nas acções pendentes em que a sociedade era parte, nada diz sobre as acções que sejam interpostas após o registo do encerramento da liquidação (em que a sociedade já está extinta), vindo a saber-se, muitas vezes, desse registo na tentativa de citação da sociedade (como aconteceu nos presentes autos).
Alguma jurisprudência dos tribunais superiores tem defendido que, em tal situação, haverá que aceitar a habilitação dos respectivos sócios, dentro do princípio da economia processual que está subjacente ao normativo inserto no nº2 do artigo 371º do Código de Processo Civil.
A título de exemplo, transcrevemos um excerto do Acordão da Relação do Porto, de 4/12/2008, P. 0836939, disponível in www.dgsi.pt: «Ora, a situação dos autos é precisamente a do artº 371º, nº 2 do Código de Processo Civil, ou seja, constatado no processo documentalmente que ao citar-se a sociedade que a mesma se encontra dissolvida, deve notificar-se o autor dessa situação e daí decorrerá que, nos termos dos artºs 276º, nº 1, e 277º, nº 1, do Código de Processo Civil (preceitos que já mencionam, expressamente, o falecimento ou extinção), se tenha de ordenar a suspensão da instância, pois não há dúvida que findo o período de liquidação de uma sociedade dissolvida nos termos legais, ela terá, forçosamente, de ser considerada extinta. Segundo Lebre de Freitas, e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, pág. 633, neste caso, o tribunal só deverá decretar a suspensão da instância se a habilitação for requerida após notificação ao autor do resultado negativo da diligência. Assim, o autor terá de requerer a respectiva habilitação incidental dos sócios da executada para com eles prosseguir na execução. E é com a habilitação incidental (que se distingue da habilitação principal e da habilitação legitimidade [cfr. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 1980, AAL, págs. 236/237 e Eurico Lopes Cardoso, obra citada, pág. 287 e segs., o primeiro dos quais se refere expressamente à situação de extinção de pessoa colectiva do seguinte modo: “Ora, esse incidente pode ser de dois tipos diferentes, consoante resulte da sucessão por morte ou nos bens duma pessoa colectiva extinta …”] que constitui um dos meios de modificar a instância quanto à pessoas e substituir uma das partes - artº 270º, al. a) do Código de Processo Civil, que o processo principal poderá voltar a prosseguir.
Portanto, no caso em apreço, não estamos em presença de caso de aplicação do artº 162º do CSC, porque não se tratou de extinção da sociedade executada na pendência da acção, mas sim de situação de aplicação do disposto no artº 371º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Como tal, extinta a sociedade com o registo do encerramento da liquidação, mas conhecido no processo apenas quando se procedia à sua notificação, haverá que aceitar a habilitação dos respectivos sócios, dentro do princípio de economia processual que presidiu ao que dispõe o nº 2 do artº 371º do Código de Processo Civil.».
No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 18/6/2009, P. 555/05.3TBSTC-A., disponível na mesma base de dados, em que se escreveu: «Mas o facto de ter ocorrido a extinção da sociedade em data anterior à propositura da acção, facto que só foi conhecido da demandante, durante a tramitação processual, implica, desde logo, que se decrete a absolvição da instância da demandada, sem que antes se providencie, até porque foi requerido, pela habilitação dos seus sucessores. A resposta não poderá deixar de ser negativa. A lei permite que se realize a habilitação de sucessores no âmbito do incidente de habilitação previsto no CPC, mesmo que no decorrer da tramitação processual da acção se venha a reconhecer que a causa que gera a habilitação tenha ocorrido em data anterior à propositura da acção e não só nos casos da mesma ocorrer já no decurso da acção (cfr. artº 371º n.º 2 do CPC).
Tal previsão contempla os casos em que o demandante intenta a acção contra determinada pessoa singular ou colectiva, pensando que ela não é falecida (singular), nem se encontra extinta (colectiva).
Trata-se de uma situação anómala em que “releva o accionamento de quem não tinha personalidade jurídica e, consequentemente, sem personalidade judiciária, na qual não há, em rigor, modificação subjectiva da relação processual, porque ela se constitui ab initio com os sucessores do réu falecido ou da pessoa colectiva extinta.” No caso dos autos, tendo ocorrido extinção da ré sociedade em data anterior à propositura da acção não há que chamar à colação a aplicação ao caso do disposto no artº 162º do Cód. das Sociedades Comerciais, já que o mesmo só tem aplicação no caso da extinção ocorrer na pendência da causa, pelo que relevarão os normativos relativos ao incidente de habilitação previstos no CPC.»
Finalmente, destaca-se, também, o entendimento manifestado no Acordão da Relação do Porto, de 14/7/2008, P. 0833387, acessível também no site da dgsi, em que se escreveu: «No caso vertente, foi no desenvolvimento das diligências para citação da sociedade executada que veio a ser conhecido que a mesma fora dissolvida e que o encerramento da liquidação foi registado em data anterior à da propositura. Ora, não tendo a extinção do ente societário ocorrido durante a pendência da acção, não é aplicável o disposto no artigo 162º do CSC, que prevê que, havendo acções pendentes em que a sociedade seja parte continuam, as mesmas após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5 e a instância (nº2) não se suspende nem é necessária habilitação. A situação dos autos é a do art. 371º nº 2 do CPC. Muito embora a letra deste preceito sugira que refere apenas a pessoas singulares, ou físicas "(se, em consequência das diligências para a citação do réu, resultar certificado o falecimento deste (...)", por identidade de razão, constatado no processo documentalmente que ao citar-se a sociedade que a mesma se encontra dissolvida, deve ordenar-se tenha a suspensão da instância, nos termos dos art. 276º nº 1, al. a) e 277º, nº 1 do CPC (preceitos que já mencionam, expressamente o falecimento ou extinção), notificando-se o autor dessa situação, para que requeira as providências necessárias ao levantamento da suspensão da instância. Sendo assim, o autor terá de requerer a respectiva habilitação incidental dos sócios da ré, para contra eles prosseguir a acção, assim se operando uma modificação subjectiva da instância, com a substituição da parte primitiva pelos seus sucessores, como vem expressamente previsto no art.º 270º al. a) do CPC. Haverá, em conformidade, que suspender a instância na acção e, uma vez autuado o requerimento por apenso e, sendo caso disso, juntos os necessários duplicados, ordenar o prosseguimento de processamento do incidente de habilitação nos termos do art. 372º do CPC.”
A jurisprudência citada, porém, não é pacífica. Por exemplo, no Acordão da Relação, também do Porto, de 28/4/2009, P. 1886/06.0YYPRT.D.P1 (com acesso na identificada base de dados), escreveu-se o seguinte: «Não deixa, porém, de se tratar de acção instaurada após a liquidação e extinção da sociedade. E se a lei exige que, neste caso, sejam demandados os antigos sócios que tenham recebido bens na partilha para responderem até ao montante que receberam (art. 163.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais), então não havia lugar a qualquer incidente de habilitação, mas tão só fazer seguir a acção contra as pessoas a quem a lei confere essa legitimidade.
Com efeito, o incidente de habilitação destina-se a proceder à substituição de uma parte que faleceu ou se extinguiu na pendência da causa (art. 371.º, n.º 1, do CPC). A extinta sociedade demandada nunca chegou a ser parte na acção, porque já não existia à data da sua instauração. Logo, não havia que proceder à sua substituição como parte que não era e nunca foi. O que havia a fazer, uma vez constatada a extinção da sociedade em data anterior à instauração da execução, era requerer que esta prosseguisse contra os antigos sócios, representados pelos respectivos liquidatários, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais. Como se estes fossem demandados ab initio. E era nesse requerimento que o exequente teria que justificar os motivos da demanda dos antigos sócios, por forma a demonstrar a verificação dos pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, que, aquando do encerramento da liquidação da extinta sociedade, esta possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados na execução (cfr., a propósito de situação similar, o ac. do STJ de 26-06-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B1184).».
Deste modo, apesar da divisão da jurisprudência quanto ao meio processual a adoptar para fazer prosseguir a acção contra os sócios, nos termos do artigo 163º, ou contra os liquidatários nos termos do artigo 158º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, quando se vem a demonstrar que a sociedade contra a qual se interpôs uma acção foi extinta anteriormente à apresentação da petição inicial no tribunal, é possível fazer intervir os sócios e/ou liquidatários, em substituição da sociedade, o que contraria um dos argumentos utilizados pelo tribunal a quo para indeferir a substituição concretamente requerida.
Quanto ao mecanismo processual concretamente utilizado para a visada substituição, não nos iremos pronunciar, uma vez que a decisão recorrida não indeferiu o requerimento de habilitação, assente no seu formalismo.
Iremos, sim, apreciar o segundo segmento ou argumento utilizado para indeferir o requerido e que respeita à considerada falta de alegação dos pressupostos exigidos para a intervenção das sócias/liquidatária.
Analisemos a questão.
E, desde já se adianta que é nosso entendimento que, seja por via de um incidente de habilitação, seja por via de um articulado superveniente, o demandante que, aquando da tentativa de citação da sociedade demandada, toma conhecimento que esta se extinguiu antes da propositura da acção e que quer aproveitar o processo instaurado, para demandar os sócios/liquidatário, no âmbito de responsabilidades especificamente previstas pelo Código das Sociedades Comerciais, deve alegar e provar os pressupostos legais em que se baseiam tais responsabilidades.
Expliquemos melhor, com referência às normas invocadas pela autora na fundamentação do incidente de habilitação deduzido
O artigo 163º, estipula que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada.
O artigo 158º, prevê a responsabilização pessoal dos liquidatários que, com culpa, indiquem falsamente que inexiste passivo da sociedade, que todos os direitos dos credores se encontram satisfeitos ou acautelados, fazendo-se a partilha dos bens da sociedade. Neste caso, ficam responsáveis pelos créditos que não tenham sido satisfeitos ou acautelados.
Ora, perante tais normativos, que podem justificar o prosseguimento de uma acção contra os sócios e liquidatários, em função das responsabilidades que a lei lhes atribui, em relações jurídicas de que a sociedade extinta era titular ou por força de uma actuação culposa, importa que o autor que requer a intervenção dos sócios/liquidatários alegue e prove, os factos constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito (neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26/6/2008, P. 08B1184 e de 2/7/2013, P. 9787/03.8TVLSB.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Só com tal alegação e prova, haverá possibilidade e utilidade no prosseguimento da lide, com aproveitamento do processo (cfr. artigo 276º, nº3 do Código de Processo Civil).
No fundo, tal exigência, mais não é do que a aplicação do preceituado no artigo 342º, nº1, do Código Civil: “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
E, como obviamente, tal alegação não foi feita na petição inicial, dado que acção começou por ser intentada contra a sociedade, tem, necessariamente de ser feita no articulado superveniente ou no requerimento de incidente de habilitação (que foi o mecanismo processual utilizado, no âmbito dos presentes autos), em que se requer a intervenção dos sócios/liquidatários.
Reportando-nos agora ao caso concreto, verificamos que a decisão recorrida entendeu que [o]ra, a A. não alegou, no requerimento em apreço, que houve lugar a partilha pelos sócios do património da sociedade extinta, não podendo, portanto, vir a fazer prova de tal facto, ou seja, não podendo vir a demonstrar o seu direito contra as sócias da sociedade demandada”. Na sequência, indeferiu “a substituição da sociedade E…, Lda., pela generalidade das suas sócias, representadas pela respectiva liquidatária”.
Ora, analisando o requerimento de habilitação deduzido pela autora, sobre a temática em discussão, refere-se o seguinte:
«4º
Como se refere no Douto Aresto da Relação de Lisboa, de 19/10/2010 (www.dgsi.pt), não compete nesta fase à Autora o ónus de alegação de que os habilitantes tenham recebido bens advenientes da partilha do património social da Ré;
5º
Ainda assim, sempre se dirá que, à data da extinção e liquidação da Ré, os seus sócios bem sabiam da existência de créditos por liquidar à Autora, ainda assim, não se coibiram de atestar a inexistência do passivo.
6º
A Autora, na sua acção, alegou culpa da Ré relativamente ao não pagamento do seu crédito, assim como violação da Lei.»
Ora, em face de tal alegação, não se pode concluir que a autora para sustentar o seu direito mencionou que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados pelos sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito, para efeitos da responsabilidade prevista no artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais.
Também nada foi alegado no que respeita à circunstância de a liquidatária R…, ter indicado falsamente que todos os credores da sociedade estavam satisfeitos e acautelados, por forma a ser pessoalmente responsabilizada, nos termos previstos pelo artigo 158º do aludido Código.
Deste modo, há que concluir que no requerimento de habilitação apresentado, a autora não alegou os factos constitutivos do direito reclamado, tal como é exigido pelo artigo 342º do Código Civil.
Obtida esta conclusão, pode-se questionar se, em nome da prevalência da justiça material sobre a justiça formal, deveria a Meritíssima Juíza a quo ter convidado a autora a suprir a sua insuficiência de alegação, no âmbito do dever imposto pelo artigo 265º, nº2 do Código de Processo Civil, como foi defendido no Acordão da Relação do Porto de 28/4/2009, supra identificado.
O convite ao aperfeiçoamento justifica-se, à semelhança do que acontece com a reacção judicial perante a apresentação de uma petição inicial, quando a mesma apresente irregularidades ou deficiências susceptiveis de comprometer o êxito da acção (cfr. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/11/1986, in BMJ nº361, pág.456).
Ora, no caso dos autos, a incompletude do requerimento de habilitação, corresponde praticamente a uma situação de, pelo menos, insuficiência de causa de pedir, que é susceptivel de ser suprida.
Assim, consideramos que perante a insuficiência detectada pelo tribunal de 1ª instância, o mesmo deveria ter exercido o dever oficioso previsto no artigo 265º, nº2 do Código de Processo Civil, por forma a dar à autora a possibilidade de suprir tal deficiência, tanto mais que a alegação dos factos constitutivos do direito invocado para prosseguimento da acção contra as sócias/liquidatária, constitui matéria que divide a jurisprudência (veja-se o acórdão indicado pela autora da Relação de Lisboa, de 19/10/2010, P. 2630/07.0TMSNT.A.L1-7).
Logo, não havia fundamento para declarar, de imediato, a extinção da instância por impossibilidade do prosseguimento da lide.
Destarte, impõe-se a revogação do despacho recorrido que deve ser substituído por outro que convide à correcção do requerimento de habilitação apresentado, com vista a fazer intervir as sócias e a liquidatária na presente acção.
Mostra-se, assim procedente o recurso, embora por fundamento diverso.
Custas pela parte vencida a final.
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IV. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente embora por diferente fundamento legal e, em consequência, revogam a decisão recorrida, ordenando-se que seja substituída por outra que convide a autora a corrigir o requerimento de incidente de habilitação apresentado, no que respeita à falta de alegação dos factos atinentes à verificação dos pressupostos referidos pelos artigos 163º e 158º, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
Custas a cargo da parte vencida a final.
Notifique.
Évora, 28 de Novembro de 2013
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)