EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
SEGREDO BANCÁRIO
DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
CONFLITO DE DIREITOS
Sumário


I- O princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade, consagrado no artigo 666º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil, implica o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão apreciada, mas o juiz do processo pode continuar a exercer o poder jurisdicional quanto a questões sobre as quais ainda nada tenha decidido.
II- Tendo o juiz proferido um despacho a deferir um requerimento probatório em que se solicitava que a parte contrária juntasse ao processo documentos que tem na sua posse e, vindo essa parte processual recusar a obediência ao ordenado, por tais documentos estarem sujeitos a sigilo bancário, o juiz tem agora que decidir sobre a legitimidade ou ilegitimidade da recusa e, depois tem de ponderar se se conforma com tal recusa e se abstém de obter tal prova documental ou se considera tais documentos para a boa decisão da causa e faz seguir o incidente de escusa para o tribunal da Relação, a fim de ser apreciada a dispensa do sigilo.
III- Neste segundo despacho, o juiz aprecia uma questão diferente da que foi apreciada no primeiro despacho, pelo que, se decidiu pela legitimidade da recusa e se conformou com a mesma, abstendo-se, agora, de obter a prova documental em discussão, tal não implica violação do princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade.
IV- O segredo bancário é tratado como segredo profissional, que visa salvaguardar quer o bom funcionamento da actividade bancária quer a reserva da vida privada de cada um dos clientes da Banca, sendo este último essencial.
V- Os interesses particulares do direito à reserva da vida privada dos clientes da Banca podem entrar em conflito com os interesses particulares de garantia do acesso ao direito e aos tribunais, para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, da descoberta da verdade e da justa composição do litígio. Em tal caso, prevalece o interesse preponderante.
VI- Estando em discussão a licitude de um despedimento individual, prevalecem os interesses dos clientes do banco réu, terceiros em relação à relação material controvertida, de não serem sujeitos à intromissão não querida na sua vida privada, tanto mais que o processo é público, nos termos previstos pelo artigo 167º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, nº2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.

Sumário da relatora

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I.Relatório
L…, com o NIF …, residente …, veio intentar acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra C…, CRL, com o NIPC … e sede … .
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
O empregador apresentou articulado para motivar o despedimento, acompanhado do processo disciplinar.
O trabalhador contestou e deduziu pedido reconvencional.
O empregador respondeu à contestação/reconvenção.
Foi realizada a audiência preliminar, no âmbito da qual se procedeu ao saneamento do processo, remetendo o conhecimento da defesa por excepção apresentada para a sentença final. Seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Nessa diligência, foi proferido o seguinte despacho, quanto aos meios probatórios requeridos:
“Defere-se o requerido, concedendo-se o prazo de 10 dias após a publicitação da acta devidamente assinada no CITIUS, para que a parte venha indicar os artigos da base instrutória sobre os quais deverá recair a perícia médica e o depoimento de parte do legal representante do empregador.
Igualmente se defere o requerido quanto à junção dos documentos, concedendo-se o mesmo prazo para a parte indicar os artigos da base instrutória sobre os quais requer a sua junção.
Defere-se a gravação da audiência final-artº 68º do CPT.
Por tempestivos, admitem-se aos autos os róis de testemunhas de fls. 42, 43, 122 e 123 dos autos.”
Por via do requerimento probatório com a referência nº 12561859, veio o autor indicar os artigos da base instrutória a que respeitam os documentos a juntar pela ré, que identifica. Mais requer a apensação do processo nº 112/12.8TTEVR, cujo objecto é a “Produção antecipada da prova”, destinada à instrução da presente acção, entre outros requerimentos.
No despacho datado de 14 de Março de 2013, com a referência nº 465623, escreveu-se o seguinte:
“Fls. 356:
Deferido, fique nos autos.
Notifique o trabalhador para dos documentos cuja junção pela empregadora requer, indicar nos autos em 10 (dez) dias se os mesmos estão sujeitos a sigilo bancário e em caso afirmativo obter a dispensa do respectivo sigilo”.
Através do requerimento com a referência nº 13001953, veio o autor responder ao citado despacho referindo que todos os documentos em causa são próprios da ré e todos se encontram na posse desta, pelo que, tendo em atenção o dever de cooperação para a descoberta da verdade que impende sobre ambas as partes, (artigo 519º do Código de Processo Civil), requer:
“1. Deve o A. ser dispensado de indicar dos documentos requeridos quais os que estão sujeitos a sigilo bancário.
2. Ordenando-se à Ré o cumprimento desta específica diligência, se for caso disso e tendo em conta o que adiante se requer;
3. E/ou, em caso afirmativo, ordenando-se que todos os documentos em causa sejam juntos aos autos pela R. com a dispensa do dever de sigilo, o que também desde já se requer, tendo em conta conjugadamente disposto no nº4 do artº 519º do C.P.C. e artigo 135º do Código de Processo Penal, atenta a natureza dos interesses em causa”.
Tal requerimento foi notificado à parte contrária.
Em 24 de Abril de 2013, foi proferido o despacho com a referência nº 473358, com o seguinte teor:
“Atenta a não oposição do empregador notifique nos termos agora requeridos pelo trabalhador, concedendo-se o prazo de 10 (dez) dias”.
Por requerimento apresentado em 10 de Maio de 2013 (referência nº 13355469), a ré veio opor-se à junção dos documentos sujeitos a sigilo bancário, nos termos do artigo 519º, nº3, alínea c) do Código de Processo Civil, justificando que só agora deduz tal oposição porque ficou a aguardar o despacho prévio do Meritíssimo Juiz , a deferir ou não essa notificação, conforme os factos que a parte pretende provar tenham ou não interesse para a decisão da causa, de harmonia com o disposto no nº2 do artigo 528º do referido código.
Sustenta a favor da sua postura processual que o tribunal deveria ter facultado à parte contrária, a possibilidade de se pronunciar, querendo, no prazo de dez dias, o que efectivamente não aconteceu, preterindo-se o disposto no aludido artigo 528º, nº2. Além disso, o requerimento junto pelo autor, entre outros vícios, foi extemporâneo, o que obriga a despacho prévio, nos termos deste último preceito legal referido.
Acrescenta que os documentos que o autor pretende que a ré junte ao processo, estão, na sua maioria, a coberto do dever de sigilo, pois contém nomes, números de conta, activo e passivo de clientes conhecidos na praça de Évora, devendo, nessa medida, ficar protegidos da natureza pública do processo.
Em 14 de Maio de 2013, foi proferido o seguinte despacho, com a referência nº 476915:
“Fls. 395:
A possibilidade de exercício do contraditório face ao requerido pelo trabalhador já havia sido concedida ao empregador que apenas agora veio pronunciar-se.
Não obstante entendo assistir razão ao empregador, indeferindo, o solicitado pelo trabalhador por ser legalmente inadmissível e susceptível de violar direitos de terceiros os depositantes clientes do empregador.
Notifique”.
Inconformado com este despacho, veio o autor interpor recurso do mesmo, apresentando a finalizar as suas alegações, as seguintes conclusões:
«I – Antes da propositura da presente acção veio o ora Recorrente requerer no Tribunal do Trabalho de Évora, ora “a quo”, mediante o Processo nº 112/12.8 TTEVR, a “Produção Antecipada de Prova” destinada à instrução (prova) da presente acção o qual, aliás, se mantém ativo, tendo ainda o respectivo pedido sido reiterado no Requerimento Probatório formulado nesta acção a fls… - referência Citius – nº 123419, sobre a Produção de Prova (cfr… Parte B – ainda os documentos próprios da Ré e em poder desta)
II – Sobre esse Requerimento Probatório foi proferido o douto despacho no sentido de o ora Recorrente, quanto aos documentos
indicar nos autos se os mesmos estão sujeitos a sigilo bancário e em caso afirmativo obter a dispensa do respectivo sigilo
III – Em cumprimento deste douto despacho, o Recorrente veio requerer dispensa
“de indicar dos documentos requeridos quais os que estão sujeitos a sigilo bancário, ordenando-se à Ré o cumprimento dessa específica diligência,
e/ou, em caso afirmativo, ordenando-se que todos os documentos em causa sejam juntos pela R. com a dispensa do dever de sigilo bancário”
IV – Notificada, a R. ora Recorrida, nada disse (nada opôs) e, assim, foi-lhe ordenado, pelo despacho de fls… Refª 473358 vir aos autos tudo cumprir
“…nos termos agora requeridos pelo trabalhador…”
V – Notificada, veio a Recorrida requerer, aliás impertinente e extemporaneamente:
“legitima a recusa da R. em juntar documentos sujeitos a sigilo profissional: el
“caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio seja fixado à R. para a requerida junção”.
VI – Face ao requerido o Tribunal “a quo” entendeu e decidiu
“…assistir razão ao empregador indeferindo o solicitado pelo trabalhador por ser legalmente inadmissível e susceptível de violar os direitos de terceiros os depositantes clientes do empregador” (sic)
mediante o despacho de fls…Referência nº 476915, de que ora se recorre.
Com efeito
VII – O douto despacho recorrido traduz uma flagrante e frontal violação do princípio da imodificabilidade ou da sua irrevogabilidade , consagrado no artigo 666º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
Tal princípio implica o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão apreciada, obstando a que, fora das condições expressamente previstas na lei (cfr. 667º do C.P.C.), o juiz a altere.
VIII – A nosso ver, salvo melhor opinião, proferido o despacho a admitir a produção de prova pelo meio solicitado no acima identificado Requerimento Probatório de fls… não pode o juiz ulteriormente sobrestar em tal despacho, decidindo em contrário ao antes decidido e denegando a prova requerida agora com outro fundamento que aliás não explana nem esclarece em detalhe.
IX – Tal entendimento tem sido, aliás, regular e pacificamente seguido pela jurisprudência nesta matéria como se alcança do Acórdão da Relação de Lisboa, de 13.5.1999; BMJ, 487º - 359 e, bem assim do Acórdão deste mesmo tribunal da Relação de Évora, de 27.5.1999 no mesmo B.M.J., 487º- 375 que a propósito decidiu que “Tendo sido proferido despacho através do qual o juiz deferiu um requerimento para alteração ao rol de testemunhas, apresentado extemporaneamente, entretanto transitado em julgado, não é legalmente possível, ao mesmo juiz, proferir novo despacho revogando o anterior, porque o que está em causa não é qualquer lapso manifesto, ou erro material, que carecesse de rectificação, nos termos dos arts. 666º, nºs2 e 3, 667º, nº 1, do Cód. Proc. Civil”.
X - O referido douto despacho recorrido deve ser revogado e substituído por Acórdão deste venerando Tribunal da Relação de Évora que ordene a produção de prova nos termos requeridos pelo Recorrente no aludido Requerimento Probatório.
XI – Quando assim se não entender deve considerar-se que os autos demonstram que a Recorrida veio invocar o seu dever de sigilo profissional (bancário) mediante uma estratégia mediante a qual obviamente apenas pretende obter sob a égide de uma decisão judicial o ilegítimo, injusto e ilegal incumprimento do seu dever de cooperação para a descoberta da verdade.
XII – A par das disposições legais que previnem e garantem o sigilo profissional bancário estabelecidos no artigo 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Dec.-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro é o próprio artigo 519º. do Código de Processo Civil que define as situações em que a recusa daquela colaboração é legítima, designadamente quando a obediência importe a violação do sigilo profissional, determinando, então, que no caso de ser deduzida escusa com esse fundamento, é aplicável, com adaptações, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do sigilo invocado.
XIII - Ora, nos termos do artigo 135º nº 3 do Código de Processo Penal, a quebra do sigilo profissional poderá ser autorizada sempre que se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante e a necessidade de protecção dos bens jurídicos em causa.
XIV - A jurisprudência sobre esta matéria é pacífica e uniforme e, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 08.07.2004, publicado na Col. Jur. IV/04, pág. 71, decidiu que “inexistindo qualquer disposição legal que expressamente exclua as entidades bancárias do dever de cooperação com os tribunais, o segredo bancário terá que cessar perante justa causa, visando a salvaguarda de interesses manifestamente superiores, como o direito do acesso à justiça e o direito de todos a receberem igual tratamento da lei e do Estado”.
XV – Do que se trata é de fazer respeitar o interesse público de uma boa administração da justiça, que se tem como preponderante sobre o interesse privado tutelado pelo sigilo bancário – a reserva da intimidade da vida privada (artº 26 nº 1 da CRP) -, que aqui se justifica restringir (artº 18º nº2 da CRP).
XVI – Em suma, resulta dos citados normativos legais que o dever de sigilo bancário, que é um dever de segredo profissional, não constitui um limite absoluto ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, já que pode ser quebrado sempre que tal se mostre justificado segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante.
XVII – Na presente acção encontram-se juntos elementos documentais daquela natureza sobre os quais a Recorrida, podendo, nada disse e nada opôs e até por sua iniciativa aos mesmos juntou e até veio reforçar expressamente a qualidade probatória de vários desses documentos.
XVIII – A própria formulação do requerimento da Recorrida, a este respeito, é inconclusiva e dubitativa quanto aos respectivos propósitos e claramente não se opõe a tal junção nem especifica quais os documentos que considera sujeitos a tal sigilo.
XIX - No caso dos autos, a informação constante dos documentos em poder da Recorrida é necessária para a prova dos factos vertidos na base instrutória, os quais se mostram relevantes para a decisão de causa, apurando-se em função deles da verificação do conceito de justa causa para o despedimento perpetrado pela Recorrida contra o ora Recorrente.
XX – Se a Recorrida não for dispensada do dever de sigilo ficará seriamente afectado o direito do Autor, ora Recorrente, à descoberta da verdade e à justa composição do litígio, pelo que deve entender-se que, no caso, deve prevalecer o interesse do Autor, ora Recorrente, sobre o interesse da Ré, ora Recorrida.
XXI – No caso, mostra-se justificada a quebra de sigilo bancário, face às normas e princípios aplicáveis, nomeadamente, o direito ao acesso à justiça, o dever de cooperação e a prevalência do interesse preponderante da boa administração da justiça, nos termos do conjugadamente disposto nos artigos135º, nº 3 do Código de Processo Penal e artigo 519º nº 4 do Código de Processo Civil.
Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exªs não deixarão de suprir
deve ser revogado o douto despacho recorrido e decretar-se o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos documentais probatórios requeridos pelo Autor autorizando-se a que a Ré – Recorrida preste as informações pretendidas pelo Autor e junte aos autos os documentos em apreço, ou seja os indicados no Requerimento Probatório de fls… dos autos, para se fazer a habitual JUSTIÇA».
Contra-alegou a recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
«I.- O Recorrente não se conforma com a rejeição dos meios de prova, com fundamento na violação do principio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade e ainda por o mesmo constituir violação do principio da prevalência do interesse preponderante da boa administração da justiça sobre o interesse privado do sigilo bancário.
II.- Para tanto, refere que “ainda antes da propositura da presente acção veio o ora Recorrente requerer no Tribunal do Trabalho de Évora, ora “a quo”, mediante o processo n.º 112/12.8TTEVR solicitar a “Produção Antecipada de Prova” destinada à instrução (prova) da presente acção”
III.- Ora, o Recorrente aqui apelante recorreu de uma decisão no âmbito do processo n.º 214/12.0 TTEVR e não de uma decisão no processo n.º 112/12.8TTEVR, pelo que a referência e este processo é manifestamente injustificada e destituída de sentido.
IV.-Assim apenas nos podemos cingir ao processo n.º 214/12.0 TTEVR sob pena de se recorrer de um processo e se decidir no âmbito de outro que não foi objecto de recurso.
V.- Referiu o Meritíssimo Juiz a quo “A possibilidade de exercício do contraditório face ao requerido pelo trabalhador já havia sido concedida ao empregador que apenas agora veio a pronunciar-se…”(cfr. despacho com a referencia n.º476915)
VI.- No caso aqui em recurso a recorrida aguardou despacho prévio do Meritíssimo Juiz, a deferir ou não essa notificação, conforme os factos que a parte pretende provar tenham ou não interesse para a decisão da causa. (cfr. art. 528.º n.2 do CPC)
VII.- E, fê-lo tempestivamente porque aguardou despacho a deferir ou não o requerimento de prova, conforme os factos que a parte pretendesse provar tivessem ou não enquadramento legal.
VIII. - Ora, o Tribunal a quo devia ter facultado à parte contrária aqui recorrida a possibilidade de se pronunciar, querendo, no prazo de dez dias.
IX. – Não o fazendo preteriu o disposto no art. 528 n.2 do CPC, cuja a vicissitude não pode ser imputável à recorrida.
X.- Ora não se olvide que o requerimento de prova junto pelo recorrente foi entre outros vícios extemporâneo e existe obrigação de despacho prévio nos termos do art. 528.º n.2 do CPC.
XI.- Contudo o despacho que aqui se recorre não atribui nem retira direitos a qualquer das partes, sendo thema decidenduum a protecção de terceiros depositantes ao sigilo bancário.
XII.- Os documentos que em sede requerimento probatório o recorrente pretende que a empregadora junte aos autos estão a coberto do dever de sigilo.
XIII.- O segredo profissional a que estão sujeitas as instituições de crédito e as sociedades financeiras rege-se pelo disposto nos art. 78.º a 84.º do DL n.º 298/92, de 31-12 na sua redacção actual.
XIV.- A recorrida é uma cooperativa dedicada ao crédito, que se encontra naturalmente sujeita ao dever de respeitar e proteger o sigilo bancário. (cfr. art. 33 n.º 3 do Código Cooperativo)
XV.- Sendo que o legislador não foi alheio a essa garantia dos clientes bancários ao contemplar que os “membros dos órgãos da administração ou de fiscalização instituições de crédito os seus empregados e outras pessoas que lhes prestem serviços a titulo permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre os factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo o conhecimento lhe advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços” (cfr. art. 78.º n.1 do Dec-lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro) (NEGRITO NOSSO)
XVI.-Por seu turno, o n.º 2 do art. 78.º do Dec-lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro consagra expressamente que “estão designadamente sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”
XVII.- E, “o dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços” (cfr. art. 78.º n.3 do Dec-lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro)
XVIII.- A titulo de mero exemplo no requerimento probatório de 21 de Fevereiro de 2013 o Recorrente não se furta de pedir a titulo de prova
· “…Processo de crédito…”
· “…Análise de processo de crédito e subsequente….”
· “…Análise de propostas de crédito….
· “…Carteira de clientes Particulares vs habitantes…
· “…Propostas de crédito produzidas…
· “…relatórios/mapas detalhados e completos que contém todas as anomalias verificadas….processos de crédito.
· “Todos os exames, auditorias e relatórios…
· “ Relatório de auditoria …
· “todas as proposta de crédito…
· “Contas D.O. Paradas…
· “Movimentos nas Contas D.O. Materialmente relevantes…
· “Verificação de contas completas e de contas negócios…
XIX - Os documentos que o recorrente pretende que a recorrida junte aos autos contém nomes, números de conta, activo e passivo de clientes conhecidos na praça de … .
XX - O Tribunal não pode no âmbito de um processo de natureza civil permitir a invocada violação de sigilo bancário. (cfr. art.º 79 do Dec-lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro)
XXI - O dever de sigilo bancário traduzindo-se numa obrigação de facto negativo, não assume natureza absoluta já que não prevalece, permanentemente, sobre qualquer dever que com ele se mostre conflituante.
XXII - Bem sabemos que os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
XXIII Fora deste caso, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados;
- Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
- À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições
- Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores no âmbito das respectivas atribuições;
-Às autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal;
- À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
- Ou quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo;
XXIV.- Assim, em face do novo regime legal das excepções ao sigilo bancário, concretamente do citado artigo 79.°, n.° 2, ai. d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção dada pela Lei n.º 36/2010 de 2 de Setembro passou a constar que os factos ou elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal. (NEGRITO NOSSO)
XXV.- O processo ora sub judice é cível com natureza pública (cfr. art. 167.º n.s 1 e 2 do CPC).
XXVI.- A publicidade implica o direito de exame e consulta do processo na secretaria, a obtenção de cópias e certidões de quaisquer peças nele incorporadas, não só pelas
partes como por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.
XXVII.- O espirito do legislador foi apenas de permitir junção de documentos contendo matérias de natureza sigilosa, fosse exclusivamente dentro do processo penal.
XXVIII.- Acolhemos o entendimento do Tribunal a quo ao considerar legalmente inadmissível o levantamento do sigilo bancário numa acção judical para averiguação da licitude do despedimento.
XXIX.- Recorde-se a este propósito o ac. RP, de 21.10.1996: Col.Jur., 1996, 4.º-268 onde se lê: “Em processo laboral, o sigilo bancário tem de prevalecer sobre o dever geral de colaboração com a justiça na descoberta da verdade, estabelecido no art.519.º do Cód. Proc. Civil. II- No domínio dos processos laborais, não tem qualquer aplicação, em matéria probatória, o principio de “in dubio pro operário” .III – Numa acção de impugnação de despedimento, recai sobre o Autor-trabalhador o ónus da prova dos elementos integradores do contrato de trabalho. IV- Tal ónus não ofende qualquer preceito constitucional…”
XXX.- Tanto mais que o Tribunal não pode esquecer o dever de segredo que as pessoas ou entidades a quem os documentos respeitam têm de verem preservada a sigilosidade das matérias neles contidas, da natureza pública do processo em causa.
Em conclusão, o Recorrente não tem pejo de recorrer contra a sã justiça,
Nestes Termos e com o douto suprimento de Vossas Excelências , deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se o douto despacho recorrido, como é de JUSTIÇA».
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação.
Foi fixada à acção o valor de € 58.504,42.
O processo foi remetido à 2ª instância.
Por despacho da Relatora, considerando que o recurso interposto sobe em separado, com efeito meramente devolutivo, foi ordenado que se extraísse certidão de todo o processado, com vista ao prosseguimento do conhecimento do recurso e ordenou-se a devolução do processo original à 1ª instância.
Tendo sido dado cumprimento ao preceituado no nº3 do artigo 87º do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso, embora por fundamentação diferente da apresentada pelo recorrente.
Não foi oferecida qualquer resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*
II. Objecto do Recurso
É consabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, são as seguintes as questões que importa apreciar:
1ª da invocada violação do princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade, consagrado no artigo 666º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil;
2ª da invocada violação do princípio da prevalência do interesse preponderante da boa administração da justiça sobre o interesse privado do sigilo bancário.
Importa ainda analisar a fundamentação apresentada no parecer do Ministério Público que, em seu entender, justifica a procedência do recurso, por o Merítissimo Juiz a quo não ter dado seguimento ao incidente de escusa de junção dos documentos suscitado pela ré.
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.
*
IV. Enquadramento jurídico
1.Da invocada violação do princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade
Em sede de recurso, o apelante argumenta que o despacho recorrido constitui uma flagrante e frontal violação ao princípio da imodificabilidade ou da sua irrevogabilidade, consagrado no artigo 666º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil.
Por sua vez, a recorrida considera que tal princípio não se mostra violado porque não atribui nem retira direitos a qualquer das partes, sendo thema decidendum a protecção de terceiros depositantes ao sigilo bancário.
Cumpre apreciar.
De harmonia com o normativo inserto no nº1 do artigo 666º do Código de Processo Civil (versão anterior, que é a aplicável aos presentes autos), “[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la nos termos legalmente previstos (nº2 do preceito indicado).
A extinção do poder jurisdicional e as suas limitações, previstas nos nºs 1 e 2 do aludido artigo 666º, aplica-se até onde seja possível aos próprios despachos.
No caso dos autos, a recorrente entende que o princípio subjacente ao normativo foi violado porque o tribunal a quo, na sequência de um requerimento por si apresentado, no sentido de ser ordenado à ré que apresentasse documentos que identificou, com a dispensa do dever de sigilo, primeiro, deferiu tal requerimento. Mas, posteriormente, por via do despacho recorrido veio indeferir o requerido pelo trabalhador, utilizando outro fundamento.
Efectivamente o princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade, consagrado no artigo 666º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, implica o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão apreciada, não permitindo que a mesma seja alterada, pelo juiz, fora das situações previstas no nº2 do normativo.
Contudo, esta intangibilidade da decisão, é, naturalmente, limitada ao objecto apreciado e conhecido, isto é, a extinção do poder jurisdicional apenas se verifica relativamente às questões sobre que incidiu a decisão.
O que significa que o juiz pode continuar a exercer no processo o poder jurisdicional quanto a questões que não tenham integrado o objecto sobre que incidiu a decisão.
Recordando os ensinamentos (sempre actuais) do Professor Alberto dos Reis, sobre esta matéria, escreveu o mesmo, o seguinte:
“O artigo começa por enunciar este princípio: Proferida a sentença (ou despacho § único), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Qual o alcance e justificação do princípio ?
O alcance é o seguinte: O juiz não pode, por sua iniciativa , alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela, um todo incindível.
Convém atentar nas palavras «quanto à matéria da causa». Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se. Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu (…)
A justificação do princípio a que nos referimos, é fácil de descobrir. O princípio justifica-se cabalmente, por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática.
Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever- o dever jurisdicional- que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado, fica em posição semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. (…)
A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior, possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.
Claro que, em julgamentos futuros, o magistrado pode sustentar e adoptar doutrina jurídica diferente da que tenha estabelecido. Mas, no mesmo processo, a decisão que proferir vincula-o”, (cfr. Código de Processo Civil anotado, Vol. V, págs. 126 e 127).
Reportando-nos agora ao caso concreto, dos elementos dos autos, resulta que, por via do requerimento probatório com a referência nº 13001953, apresentado pelo autor, foi solicitado que:
- o autor fosse dispensado de indicar dos documentos requeridos quais os que estão sujeitos a sigilo bancário, ordenando-se à ré o cumprimento dessa específica diligência, se for caso disso;
- que o tribunal ordenasse que todos os documentos indicados pelo autor fossem juntos pela ré, com dispensa do dever de sigilo, tendo em conta conjugadamente o artigo 519º, nº4 do Código de Processo Civil e o artigo 135º do Código de Processo Penal.
No fundo, o autor requer a notificação da ré para juntar ao processo documentos que estão na sua posse e, desconhecendo o autor quais os que estão sujeitos a dever de sigilo bancário, solicita que seja a ré a identificar tal situação, caso a mesma se verifique e, na eventualidade de ser apresentada escusa fundamentada no dever de sigilo bancário, requer que dispensado o dever de sigilo, nos termos previstos pelos referidos artigos 519º, nº4 do Código de Processo Civil e 135º do Código de Processo Penal.
Esse requerimento foi notificado à parte contrária, nos termos dos artigos 229º-A e 260º-A, ambos do Código de Processo Civil.
Em apreciação do requerido, foi proferido o despacho com a referência nº 473358, com o seguinte teor:
“Atenta a não oposição do empregador notifique nos termos agora requeridos pelo trabalhador, concedendo-se o prazo de 10 (dez) dias”.
Deste modo, por via deste despacho, a questão que se mostra apreciada e conhecida é o deferimento da notificação à parte contrária (a ré) para apresentar os documentos indicados pelo autor que estão em seu poder, devendo, se for caso disso, identificar quais os que estão sujeitos a sigilo bancário e, eventualmente, querendo, apresentar escusa, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artigos 519º, nº4 do Código de Processo Civil e 135º do Código de Processo Penal.
Ou seja, o Meritíssimo Juiz a quo, defere a requerida notificação da parte contrária para juntar ao processo os documentos indicados pelo autor, que estão em seu poder, mas salvaguarda a possibilidade da vir a ser suscitada a questão de alguns deles (ou todos) estarem sujeitos a sigilo bancário, questão essa que, caso viesse a ser colocada, teria que ser, naturalmente, apreciada.
Ora, na sequência do despacho supra citado, a ré, através do requerimento com a referência nº 13355469, veio opor-se à junção dos documentos sujeitos a sigilo bancário, nos termos do artigo 519º, nº3, alínea c) do Código de Processo Civil, justificando que só agora deduz tal oposição porque ficou a aguardar o despacho prévio do Meritíssimo Juiz, a deferir ou não essa notificação, conforme os factos que a parte pretende provar tenham ou não interesse para a decisão da causa, de harmonia com o disposto no nº2 do artigo 528º do referido código.
Por via deste requerimento, veio a ré recusar-se a cumprir o ordenado, justificando que o cumprimento do dever de cooperação importa violação do dever de sigilo bancário, ao qual está obrigada.
Em face desta recusa, fundamentada na alínea c) do nº3 do artigo 519º do Código de Processo Civil, competia ao tribunal de 1ª instância avaliar, em primeiro lugar, da legitimidade da escusa e fundamentos invocados, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artigos 519º, nº4 do Código de Processo Civil e 135º do Código de Processo Penal.
Tendo dúvidas sobre a legitimidade da escusa, poderia proceder às averiguações necessárias e pertinentes ao esclarecimento da dúvida suscitada, por forma a poder, depois, concluir sobre a legitimidade ou ilegitimidade da escusa em fornecer os elementos solicitados.
No caso dos autos, o Meritíssimo Juiz a quo não procedeu a quaisquer averiguações, o que leva à interpretação que o mesmo não teve dúvidas sobre a legitimidade ou ilegitimidade da escusa.
E, de imediato profere o despacho recorrido, com o seguinte teor:
“Fls. 395:
A possibilidade de exercício do contraditório face ao requerido pelo trabalhador já havia sido concedida ao empregador que apenas agora veio pronunciar-se.
Não obstante entendo assistir razão ao empregador, indeferindo, o solicitado pelo trabalhador por ser legalmente inadmissível e susceptível de violar direitos de terceiros os depositantes clientes do empregador.
Notifique”.
Implícita na decisão proferida está, naturalmente, a considerada legitimidade da escusa, uma vez que se entende “assistir razão ao empregador”.
Perante esta reconhecida legitimidade da recusa, o tribunal de 1ª instância poderia tomar uma de duas decisões:
(i) considerar que os documentos a coberto do segredo de justiça se mostram indispensáveis para os fins do processo e, nesse caso, teria que suscitar ou promover que fosse suscitado, o incidente de quebra do dever de segredo, para o qual é competente o tribunal superior (Relação de Évora, neste caso)- neste sentido, vejam-se, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Justiça de 6/2/2003, P.03P159 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/2/2006, P. 4359/05, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e, finalmente, o acórdão uniformizador de jurisprudência nº2/2008, publicado no D.R., 1ª série, nº63, de 31/3/2008;
(ii) considerar que, na ponderação dos interesses em conflito, não se justifica suscitar a quebra do dever de segredo e, aceita a recusa, abstendo-se de obter a prova documental controversa.
Atento, o teor do despacho recorrido, torna-se claro que o Juiz da 1ª instância, decidiu pela segunda possibilidade indicada., pois, indeferiu “o solicitado pelo trabalhador por ser legalmente inadmissível e susceptível de violar direitos de terceiros os depositantes clientes do empregador”.
A questão que agora se coloca é a de saber se a decisão tomada no despacho posto em crise altera ou modifica a decisão proferida no despacho com a referência nº 473359 (datado de 24/4/2013), pois só tal alteração ou modificação é susceptível de violar o princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade previsto no artigo 666º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil.
Desde já se adianta que a resposta a tal questão, em nosso entender, tem de ser negativa.
Passemos a explicar porquê.
No primeiro despacho proferido, o despacho com a referência nº 473359, o juiz conheceu do requerimento probatório apresentado pelo autor, solicitando a notificação da ré para juntar os documentos indicados.
Apreciado este requerimento e a sua pertinência em face dos factos que a parte se propunha provar com tais documentos, o Meritíssimo Juiz a quo ajuizou ser de deferir tal requerimento probatório. Esgotou assim, a sua apreciação sobre o requerimento probatório apresentado pelo demandante.
No despacho recorrido, o mesmo magistrado aprecia nova questão: conhece da legitimidade da recusa da ré em praticar o acto para a qual foi notificada e decide se se justifica ou não a junção da prova documental em discussão.
A matéria apreciada ou o thema decidendum são diferentes.
Não está em causa dar o dito por não dito. O que o juiz teve de resolver foi uma nova questão ou incidente, derivado da dinâmica processual, em que, obviamente, muitas matérias têm estreitas ligações, mas não se podem confundir.
Repare-se que é o próprio ordenamento jurídico processual, que admite que a parte contrária seja notificada para juntar documentos que estão na sua posse, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 528º e 519º, ambos do Código de Processo Civil, mas que, também, admite que a parte a quem foram solicitados os documentos venha recusar-se a obedecer, nomeadamente por estar em causa a violação do segredo profissional (no caso, bancário). E, caso tal suceda, a lei obriga a que o juiz, aceitando a legitimidade da recusa pondere agora se se deve abster ou não de obter a prova em causa.
No primeiro despacho decidiu-se sobre o requerimento probatório; no segundo despacho (o recorrido), decidiu-se sobre a legitimidade da recusa e a conformação ou não com a mesma.
E, perante estes objectos de decisão distintos, não se verifica qualquer violação do princípio da imodificabilidade da decisão ou da sua irrevogabilidade, inserto no artigo 666º, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Civil.
Improcede, assim, o primeiro dos fundamentos de recurso apresentados.

2. Da invocada violação do princípio da prevalência do interesse preponderante da boa administração da justiça sobre o interesse privado do sigilo bancário
Nas alegações e conclusões de recurso apresentadas, o recorrente, manifesta a sua discordância com o decidido no despacho recorrido, por entender que os documentos que estão a coberto do sigilo bancário são relevantes para a boa decisão da causa, para a descoberta da verdade material, para a justa composição do litígio e para a boa administração da justiça, pelo que, os interesses em causa no processo devem prevalecer sobre o dever de segredo bancário, devendo ser ordenada a junção dos documentos em discussão, com o levantamento do sigilo bancário.
A recorrida discorda do entendimento defendido pelo apelante, argumentando que a junção de documentos contendo matérias de natureza sigilosa, apenas é exclusivamente justificada no âmbito de uma acção de natureza penal. Assim, num processo de natureza civil, como é o caso da presente acção da averiguação da licitude do despedimento, que é público, nos termos previstos pelo artigo 167º do Código de Processo Civil, é legalmente inadmissível o levantamento do sigilo bancário.
Cumpre apreciar.
O segredo profissional a que estão sujeitas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, rege-se pelo disposto nos artigos 78º a 84º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.
Estipula o artigo 78º do referido diploma legal:
“1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre fatos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços”.
Por sua vez, o artigo 79º do referido decreto-lei, prevê excepções ao dever de segredo. É a seguinte a redacção do preceito legal:
“1- Os fatos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os fatos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respetivas atribuições;
d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.(…)”.
O dever de segredo regulado nestes preceitos é, pois, tratado como segredo profissional que visa a salvaguardar quer o bom funcionamento da actividade bancária quer a reserva da intimidade da vida privada de cada um dos clientes da Banca (cfr. acórdão uniformizador de jurisprudência de 2/2008, supra referido).
Contudo, o bem jurídico tutelado pela protecção do segredo bancário, é, em primeira linha, o da confiança dos clientes na discrição dos seus interlocutores relativamente ao seu património pessoal.
O segredo bancário surge como um meio de protecção do direito constitucional à reserva da vida privada, consagrado no artigo 26º, nº1 da Lei Fundamental da Nação.
No acórdão do Tribunal Constitucional nº442/2007, de 14/8/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, explicita-se mesmo que: “[d]as três manifestações em que se fracciona o conteúdo do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar – direito à solidão, direito ao anonimato e autodeterminação normativa- é esta última a sua expressão cimeira e mais relevante e aquela que particularmente nos interessa quando está em causa o estatuto constitucional do sigilo bancário”.
“Por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da vida privada”.
Contudo, o segredo bancário não constitui um direito absoluto, dado que pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Em caso de conflito de direitos impõe-se um juízo de prevalência entre os interesses em conflito.
Tal juízo, por regra, corresponde ao juízo que compete ao tribunal superior fazer no âmbito do incidente de escusa supra mencionado, quando o tribunal onde tal incidente é suscitado considera legítima a recusa, mas pretende fazer uso do meio probatório coberto pelo segredo profissional, havendo assim necessidade de dispensa do segredo.
No caso dos autos, o Meritíssimo Juiz a quo conformou-se com a invocação do segredo, abstendo-se de suscitar o incidente e de obter a prova a coberto de tal segredo.
Daí que, a única hipótese que a parte que se considera prejudicada por tal decisão tem para reagir processualmente contra a decisão judicial, é por via do recurso, que, necessariamente implicará que o tribunal de 2ª instância faça um juízo de prevalência entre os interesses em conflito semelhante ao que faria no âmbito do incidente de escusa.
E, no caso concreto a recorrente contrapõe ao interesse protegido pelo segredo bancário, o interesse da boa administração da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais (artigos 20°, nºs 1, 4 e 5, e 202°, nºs. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa).
E, efectivamente na presente situação temos que ter em consideração que, por um lado, temos os interesses particulares do direito à reserva da vida privada (artigo 26º da Constituição da República Portuguesa); por outro lado, temos os interesses particulares de garantia do acesso ao direito e aos tribunais, para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, sendo expectável que o tribunal da causa realize todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, nomeadamente por via do princípio da cooperação (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e artigos 265º, nº3 e 266º, ambos do Código de Processo Civil).
Está, assim, patente um verdadeiro conflito de direitos ou interesses.
Qual deles é prevalente?
A nível jurisprudencial, em situações de natureza laboral, pelo que conhecemos, a solução nem sempre tem sido uniforme.
No acórdão da Relação do Porto, de 21 de Outubro de 1996, in colectânea de jurisprudência, ano XXI, tomo IV, págs 268 e segs, referido, aliás, nas contra-alegações da recorrida entendeu-se que “I-Em processo laboral, o sigilo bancário tem de prevalecer sobre o dever geral de colaboração com a justiça na descoberta da verdade, estabelecido no artº 519º do C.P.Civil. II- No domínio dos processos laborais, não tem qualquer aplicação em matéria probatória, o princípio de «in dúbio pro operário».
Escreveu-se nesse aresto:
“Tem sido entendido que o dever de sigilo se sobrepõe ao dever geral de cooperação com a justiça que, nos termos do artº 519º do C.P.Civil, impede sobre todas as pessoas sejam ou não partes (acs. do STJ de 10/4/80, 21/5/80, 4/11/81, 20/10/88, 8/2/90, 10/4/95, respectivamente nos BMJ nº 296/190, 297/207, 311/267, 380/492, 394/417, e Col. Jur.acs. STJ, tomo II, pág. 37; ac. Rel. Porto, de 6/5/93, Col Jur. tomo III, pág. 195; Pareceres da PGR de 30/11/78 e de 5/4/84, no BMJ nº 286, pág. 156 e 342, pág. 55, respectivamente).
Não há razões para alterar tal orientação, face à natureza especial dos preceitos do Dec.- Lei 298/92 relativamente ao artº 519º do C.P.Civil e face ao que o próprio artº 519º, no seu nº3, dispõe quanto à legitimidade da recusa de colaboração, em várias situações, nomeadamente quando a obediência à solicitação do tribunal importar a violação do sigilo profissional. Quer isto dizer que o dever geral que a todos é imposto de cooperação com a justiça, para a descoberta da verdade , sofre de limitações várias, sendo uma delas a relativa ao segredo profissional.”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2004, P. 04S1284, disponível na base de dados da dgsi, que apreciou um recurso de uma acção de impugnação de despedimento, com processo comum, entendeu-se que “[p]onderando neste caso os interesses e valores jurídicos colidentes nos termos do art. 335º, n.º2 do CC, é de considerar que o interesse público na administração da justiça, o princípio constitucional da tutela judicial efectiva e os interesses em que radica o direito disciplinar da instituição de crédito, designadamente os ligados ao direito bancário (em parte coincidentes com os próprios interesses subjacentes ao segredo bancário e de que são também titulares os titulares do direito ao segredo) assumem maior peso jurídico e justificam o sacrifício do segredo bancário em prol do direito a produzir prova dos factos invocados em fundamento da justa causa para o despedimento do trabalhador gerente”.
Admitimos que a questão é controversa.
Todavia, afigura-se-nos que, no caso concreto em que está em discussão a licitude de um despedimento individual fundamentado em justa causa, cujo ónus da prova da verificação da invocada justa causa recai sobre o empregador, deve prevalecer como interesse preponderante o sigilo bancário legitimamente invocado pelo empregador.
Na nossa sociedade actual, em que a exposição do privado, do íntimo se vulgarizou, (basta ver o exemplo das redes sociais), entendemos que há que fazer uma distinção importantíssima entre aqueles que querem partilhar a sua vida privada e aqueles que não querem.
Aliás, esta distinção ou fronteira é consagrada no nº1 do artigo 79º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, que estabelece como uma excepção ao dever de segredo bancário a autorização do cliente transmitida à instituição bancária para a divulgação de factos ou elementos que ao cliente respeitam.
No caso dos autos, a divulgação dos documentos em discussão (com dispensa do sigilo), implicaria que diversos clientes da ré, terceiros em relação à relação material controvertida, ficassem sujeitos à intromissão não querida na sua vida privada.
Tanto mais, que a presente acção é pública, nos termos previstos pelo artigo 167º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, nº2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Ora, os direitos à reserva da vida privada destes clientes têm de prevalecer, à luz do nº2 do artigo 335º do Código Civil.
Deste Modo, consideramos que bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo ao abster-se de obter a prova a coberto do segredo bancário.
Nenhuma censura, pois, nos merece o despacho recorrido, quanto à questão agora analisada.

3. Da questão suscitada no Douto Parecer do Ministério Público
No Parecer emitido pelo Ministério Público, junto deste tribunal, defendeu-se que o despacho recorrido deveria ser revogado por o Meritíssimo Juiz a quo não ter seguido o procedimento do incidente de escusa no tribunal superior.
Salvo o devido respeito, e que é muito, em face do que referimos supra, uma vez que o tribunal de 1ª instância considerou legítima a recusa de colaboração por existência de segredo profissional e conformou-se com a invocação desse segredo, abstendo-se de obter a prova a coberto de tal segredo, não havia razão para que suscitasse o incidente de escusa, junto do tribunal da Relação, para obter a dispensa do dever de sigilo invocado.
Logo, não há fundamento para revogar o despacho recorrido pelo motivo indicado no Douto Parecer.

Concluindo, o recurso interposto mostra-se improcedente.
Custas pelo recorrente (artigo 527º do Código de Processo Civil).
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, 28 de Novembro de 2013
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)