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ALTERAÇÃO DAS MEDIDAS DE PROTECÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE
Sumário
1 – Viola o princípio do contraditório, e concretamente o art. 85º da LPCJP, a decisão de revisão de uma medida de promoção e protecção tomada sem audição prévia dos progenitores da criança. 2 – Essa irregularidade é manifestamente susceptível de influir no exame e na decisão da questão a conhecer. 3 – Existe por isso nulidade, que acarreta a anulação da decisão e de todos os termos subsequentes que dela dependam absolutamente, por força do art. 195º, n.ºs 1 e 2, do actual CPC.
Sumário do relator
Texto Integral
Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
1.1. Em processo de promoção e protecção referente à criança D..., nascida a 02-02-2004, foi decidido aplicar a medida de acolhimento institucional, pelo prazo de um ano, na Santa Casa da Misericórdia de … (por acordo de promoção e protecção celebrado a 13.05.2011, homologado por decisão proferida a 19.07.2011).
Desde então, a medida tem sido sucessivamente revista e prorrogada.
Tendo lugar nova revisão, nos termos do art. 62º do LPCJP, foi proferido despacho que decidiu mais uma vez manter a medida.
O despacho em causa tem o seguinte teor: “Do relatório de acompanhamento de execução da medida que antecede, resulta que a menor encontra-se bem integrada na instituição e que os progenitores não têm condições para integrar a D... nos respectivos agregados, nem se prevê que venham a reunir tais condições, pois a conduta dos mesmos relativamente à criança tem-se agravado, o que levou inclusivamente ao corte dos contactos com a progenitora e à suspensão das visitas fora da instituição ao progenitor. Considerando a falta de condições e de capacidades parentais de ambos os progenitores e tendo presente que o crescimento em meio institucional prejudica o são desenvolvimento de qualquer criança, uma vez que se encontram comprometidos os laços afectivos essenciais à edificação de uma personalidade estruturada, o projecto de vida passará, de acordo com a equipa técnica da instituição e das técnicas do NIJ da Segurança Social, pela confiança da criança aos padrinhos, A... e L..., residentes na Suíça, com quem conviveu nas férias de Verão, por quem mostra grande afeição e em cujo agregado a criança manifestou vontade de integrar, casal que, tudo indica, nutre também grande afeição e acarinho pela menor, tem boas condições de vida e manifesta interesse em acolher a D... no seu agregado. Porém, até à data não existem elementos que corroborem a situação dos padrinhos por parte dos serviços sociais da Suíça, logo que se encontrem juntos aos autos, será tido em conta. Face ao exposto, e em sede de revisão da medida aplicada e considerando os elementos já coligidos nos autos, nomeadamente, em face do teor do relatório que antecede, não reunindo os progenitores condições para integrar a menor no seu agregado familiar, decido, na salvaguarda do superior interesse da criança, manter a medida de promoção e protecção aplicada (acolhimento institucional) por mais um ano - art. 62°, n° 1 e 3 al. c) LPC].
1.2. O pai da menor, S..., veio então interpor o presente recurso de apelação.
Terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões, que transcrevemos integralmente: “1 - O presente recurso prende-se com a questão do destino da menor D... , objetando o apelante pai da menor outros aspectos da decisão recorrida, 2 - Pretende o apelante que a guarda da menor lhe seja entregue, em lugar da Instituição Santa Casa da Misericórdia, ou ainda aos alegados “padrinhos” da menor, A… e L…, como denomina o tribunal" a quo" e conforme foi decidido. 3 - O despacho recorrido, alegadamente, alicerça-se em relatório de acompanhamento, da qual o progenitor pai, tal como a sua mandatária, não receberam, e execução da medida para assim exercerem o contraditório. 4 - É imputado ao apelante, condutas que tem agravado a relação com a menor. 5 - Com nítida violação do contraditório, uma vez que o apelante disponibilizou-se para a realização de testes e perícias, com vista a dirimir as alegações imputadas, sem ter acolhimento pelo Tribunal "a quo". 6 - O progenitor pai já se encontra proibido de visitar a menor e de acompanhar a infância da criança sem entender qual a razão. 7 - Vendo inclusivamente os contactos, com a menor, sempre supervisionados, ouvindo inclusivamente as conversações telefónicas, sem qualquer legitimidade ou fundamento legal. 8 - A instituição de acolhimento sempre teve a pretensão de entregar a menor a pessoas estranhas do que ao próprio progenitor Pai, 9 - Estes" padrinhos" já informaram o tribunal que não têm qualquer pretensão em ficar com a guarda da menor D…, vejam-se o requerimento redigido por ambos, e que se encontra nos autos principais. 10 - O progenitor pai tem trabalho fixo. 11 - O tribunal" a quo", não beliscou os documentos anexos aos autos bem como não mencionou a herança que o progenitor pai recebeu, após o óbito de um familiar (avô paterno da menor) de cujos elementos já se encontram já na posse do tribunal. 12 - A menor considera o pai como principal figura de suporte e referência. 13 - O recorrente mostra-se motivado para a parentalidade. 14 - O recorrente demonstra adequadas competências para a prestação de cuidados à menor e conhecimentos favoráveis à condução da sua educação. 15 - A menor evidencia grande proximidade afetiva com o progenitor Pai que nunca a deixou de contactar e de demonstrar o interesse para a acolher no seu agregado. 16 - O progenitor Pai da menor D… é responsável. 17 - O progenitor pai da menor é sensato e equilibrado, respeitando a decisão proferida embora dela discordando, por não acompanhar o interesse da sua filha menor. 18 - O progenitor pai vive em casa arrendada; 19 - O progenitor pai reúne condições para integrar a menor no seu agregado familiar. 20 - Tudo elementos que podem ser coligidos pelo tribunal 21- O progenitor pai já teve a guarda da menor entregue pelo tribunal "a quo" e que lhe foi retirada de forma abrupta quando a menor se encontrava na sala de aulas da escola inscrita pelo progenitor pai fora da instituição. 22 - A decisão recorrida enferma de verdadeiro erro de julgamento, sendo injusta a decisão de impedir a menor de ser criada pelo seu Pai, violando o artº 180º da OTM. 23 - O Tribunal não decidiu com base nos interesses da menor, caso contrário não privilegiaria a entrega da menor a terceiros emigrados na Suíça para longe do progenitor pai, (que diga-se que o próprio tribunal "a quo", ainda não sabe as condições sociais, morais e económicas destes terceiros alegados "padrinhos", A… e L...). 24 - O tribunal "a quo” violou claramente o Principio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas no 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959. 25 - O Tribunal a quo ignora a extensa prova produzida nos autos e os constantes alertas do progenitor pai sobre a situação "precária" da menor naquela instituição. 26 - O Tribunal a quo poderia ter optado por uma solução de guarda partilhada, podendo-se equacionar, à luz da nova lei, a possibilidade de determinação de 2 (duas) residências para a menor, permitindo que se estreitem os laços com o progenitor pai da menor D... de igual forma e de forma livre com o progenitor Tio paterno da menor identificado como B…, promovendo laços afectivos familiares à menor. 27- Deve assim a sentença recorrida ser alterada determinando-se que a menor D... seja entregue aos cuidados da seu Pai, ficando com esta a residir e estabelecendo-se um regime convivial para o Tio da menor B… em igualdade de circunstâncias. 28 - Caso assim, não se entenda, o que por mera hipótese académica se equaciona deverá ser ainda mais alargado o regime de convívio com o progenitor Pai e participação na vida da menor, D..., determinando-se um regime de guarda partilhada da menor, semanalmente, passando a menor a ter duas residências estabelecidas, com o progenitor Pai e com o progenitor tio paterno da menor D..., já identificado nos autos como B… . 29 - do poder paternal é-nos facultado pelo artigo 1878.º, n.º 1 do CC, de acordo com o qual: 30- violou o Tribunal "a quo" o plasmado o nº 2 do art. 1409º do CPC, complementado pelo art. 147º-B da OTM 31- A decisão recorrida enferma de verdadeiro erro de julgamento, sendo injusta a decisão de impedir a menor de ser criada pela seu Pai, violando o artº 180º da OTM 32 - O Tribunal ad quem deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, com base no n.º 1 do art. 712º do CPC Pelo exposto requer-se a admissão do presente, e seja o mesmo considerado procedente por provado, e em consequência seja o despacho ora impugnado revogado e substituído por outro de acordo com a pretensão do aqui apelante. ”
O Ministério Público apresentou contra-alegações, para defender a improcedência do recurso.
Cumpre agora conhecer do mérito do recurso.
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2 – Os Factos
A factualidade a ter em conta para conhecimento do recurso é aquela que ficou descrita no relatório que antecede, a qual se nos afigura suficiente para fundamentar a decisão a proferir, sem necessidade de mais indagação factual.
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3 – O Direito
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Importa portanto apreciar o recurso de apelação interposto, tendo presentes as conclusões apresentadas.
Em face dessas conclusões, constata-se que o recorrente pretende ver revogado o despacho que decidiu pelo prolongamento da medida de acolhimento institucional de sua filha, e que a criança lhe seja confiada.
Antes do mais, importa observar que as referências a uma decisão de confiança ao casal mencionado no despacho recorrido, com vista a eventual adopção, tal como surgem nas conclusões, estão manifestamente equivocadas: o despacho em causa decidiu simplesmente prorrogar por mais um ano a medida de acolhimento institucional já decretada, junto da Santa Casa da Misericórdia de … .
Não decidiu nada em relação a essa outra medida, que vem falada, aludindo apenas a diligências em curso para averiguar da conveniência e viabilidade de concretização dessa hipótese, sugerida pelos serviços de acompanhamento. A decisão tomada consiste apenas em “manter a medida de promoção e protecção aplicada (acolhimento institucional) por mais um ano - art. 62°, n° 1 e 3 al. c) LPC].”
Recorde-se que nos termos do art. 62º da LPCJP a medida antes aplicada tem que ser objecto de revisão periodicamente. E, de acordo com o n.º 3 do artigo citado, a decisão de revisão pode determinar a cessação da medida de promoção e protecção sempre que a sua continuação se mostre desnecessária (alínea a) do n.º 3 e n.º 4), a substituição da medida por outra mais adequada (alínea b)), a continuação ou a prorrogação da execução da medida (alínea c)) ou a verificação das condições de execução da medida (alínea d)).
O despacho recorrido entendeu que, de acordo com os elementos disponíveis (relatório social e informação da instituição) mantinham-se inalteradas as circunstâncias que determinaram a intervenção do tribunal e a aplicação de medida de promoção e protecção a favor da menor, sendo que inclusivamente o comportamento do progenitor ora recorrente tinha vindo a agravar-se no período temporal mais recente em consideração.
O recorrente começa por basear a sua impugnação da decisão recorrida atribuindo-lhe o vício de violação do princípio do contraditório.
Com efeito, diz, o referido despacho alicerça-se em relatório de acompanhamento, onde se imputam ao apelante condutas que têm agravado a sua relação com a menor, mas não lhe foi dada a possibilidade de exercer o contraditório.
Na verdade, como se verifica do dito despacho, este começa por apoiar-se no conteúdo do relatório social elaborado pela Segurança Social, e, tanto quanto os autos permitem verificar, este não terá sido notificado ao recorrente.
E o mesmo acontece com a informação da instituição de acolhimento, que de igual modo precede aquela decisão.
Todavia, e mais decisivamente, não se mostra efectuada qualquer notificação ao recorrente (ou a outrem) para que se pronunciasse sobre a decisão em tomar em sede de revisão da medida em execução.
Ora assim sendo é forçoso reconhecer que não foram respeitadas normas imperativas que no caso são a concretização do aludido princípio do contraditório.
Diga-se aliás que o Ministério Público nas suas alegações, defendendo o acerto da decisão, por razões substantivas, nada diz quando ao desrespeito do contraditório alegado pelo recorrente.
Na realidade, o art. 85º da LPCJP estabelece a obrigatoriedade de audição dos titulares do poder paternal para efeitos de revisão de medidas de promoção e protecção: “os pais, o representante legal e as pessoas que tenham a guarda de facto da criança ou do jovem são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e protecção.”
Este preceito constitui um afloramento neste caso particular do princípio consagrado agora expressivamente no art. 3º do Código de Processo Civil, e que constitui trave mestra do nosso direito processual civil. Como se pode ler no respectivo n.º 3: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direitoou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Não estando sequer referida a existência de uma situação de “manifesta desnecessidade”, sempre existiria uma directa violação da norma do art. 3º do CPC; porém, depara-se-nos muito mais concretamente a omissão de um acto que, em homenagem ao princípio do contraditório, a lei processual estabeleceu como obrigatório para este caso.
É certo que estamos em sede de processo de jurisdição voluntária, que não é um processo de partes, e onde o princípio do inquisitório predomina no que respeita à investigação dos factos e à recolha das provas (cfr. art. 986º, n.º 2, do CPC) mas, como se constata nomeadamente desse art. 85º, dele não foi afastado o princípio do contraditório, no que toca a decidir (cfr. aliás o disposto no art. 4º, al. i), da mesma LPCJP).
Deste modo, ao decidir sem a prévia audição imposta pelo art. 85º da LPCJP, cometeu-se uma irregularidade processual – omissão de um acto que a lei prescreve – obviamente susceptível de influir no exame da questão a decidir e na decisão a proferir.
Consequentemente, a decisão proferida está ferida de nulidade, nos termos do art. 195º, n.º 1, do CPC, o que implica a sua anulação, bem como de todos os termos subsequentes que dela dependam absolutamente.
Em conclusão, a apelação apresenta-se como procedente, nos termos expostos, impondo-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que não enferme dos vícios apontados.
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4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e em revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra, que satisfaça as exigências legais supra referidas.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 5 de Dezembro de 2013
(José Lúcio)
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)