REQUISITOS
EXTORSÃO
Sumário

1. São requisitos do crime de extorsão:
a) O emprego de violência ou ameaça ou a colocação de outra pessoa na impossibilidade de resistir.
b) O constrangimento daí resultante a uma disposição patrimonial que cause prejuízo para alguém.
c) Intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
2. Trata-se de crime de processo típico, no sentido de que os meios para a sua realização estão taxativamente referidos na lei «por meio de violência ou de ameaça com mal importante».
3. Tendo elementos típicos comuns a vários outros crimes, as maiores afinidades são com o crime de coacção pois todos os elementos integrantes da factualidade típica deste crime fazem também parte do crime de extorsão, especializando-se este, em relação àquele, apenas pela exigência de a conduta coagida se traduzir num prejuízo injusto para o sujeito passivo (que tanto pode ser a vítima como outra pessoa) e num enriquecimento ilegítimo para o agente ou para terceiro.

Texto Integral

Acordam os Juízes da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO :
Tribunal Judicial de Braga

RECORRENTE :
J… (arguido)

RECORRIDO :
Ministério Público

OBJECTO DO RECURSO :
Por sentença de 4/12/2008 (fls. 143 a 160) foi decidido, além do mais:
a) Julgar a acusação totalmente procedente, por provada, e condenar o arguido J… pela prática de um crime continuado de extorsão, p.p. pelos artºs 223º, nº 1 e 30º, nº 2, do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada por igual período, condenando-se assim o arguido J… na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, na condição do arguido pagar ao ofendido M… a quantia de €1500,00 (mil e quinhentos euros), no prazo máximo de um mês após o trânsito em julgado da presente sentença, devendo fazer prova nos autos da entrega desta quantia, sendo este pagamento, se efectuado, descontado no montante global da indemnização civil fixada na presente sentença.
c) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo A. M…, condenando o R. J… ao pagamento ao A. das quantias de €1.613,92 (mil seiscentos e treze euros e noventa e dois cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e juros moratórios, contados à taxa legal anual de 4%, desde 11/10/2006 até 03/08/2008, e €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, no montante total de €3.313,92 (três mil trezentos e treze euros e noventa e dois cêntimos).
Inconformado com o assim decidido veio o arguido J… interpor recurso, apresentando para tal as seguintes Conclusões:
(…)

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Admitidos os recursos, aos mesmos respondeu o magistrado do M.P.º na 1.ª instância, nos termos de fls. 245, sustentando a sua improcedência.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em sentido concordante com a posição do magistrado do M.P. na 1.ª instância

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Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
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Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, nada obstando ao conhecimento da causa.
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Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Assim, as questões suscitadas são as seguintes:

(…)


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Uma última palavra quanto á insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocada pelo recorrente.
Sustenta o recorrente que “Não sobrevem na actuação do recorrente, o preenchimento dos elementos do crime de extorsão de que o arguido vem condenado na douta sentença, porquanto, o tribunal a quo não provou. Termos em que concluímos que nenhum dos elementos do tipo legal de crime analisados se encontram preenchidos, pelo que o tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de extorsão na forma continuada, p. e p. no art. 233° e, art..30 n.º 2 do Código Penal. O tribunal a quo decidiu tendo por base factos, que para além de não provados, nem sequer foram alegados, tomando-se evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
Ocorrerá insuficiência para a decisão da matéria de facto provada?
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a) do n.° 2 do art. 410. do C. P. P. ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força do referido relevância para a decisão (Ac. do STJ de 03-07-2002, Proc. n.° 1748/02 – 3.ª secção, em que foi relator o Conselheiro Armando Leandro).
Comete o crime de extorsão quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo.
Como requisitos para a verificação desse crime temos: a) o emprego de violência ou ameaça ou a colocação de outra pessoa na impossibilidade de resistir; b) o constrangimento daí resultante a uma disposição patrimonial que cause prejuízo para alguém; c) intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
O crime de extorsão é um crime de processo típico, no sentido de que os meios para a sua realização estão taxativamente referidos na lei “por meio de violência ou de ameaça com mal importante”.
É certo que a extorsão tem muitos elementos típicos comuns a vários outros tipos de crime, nomeadamente aos de coacção (art. 154), roubo (art. 210) e burla (art. 217).
No entanto as maiores afinidades são com o crime de coacção pois todos os elementos integrantes da factualidade típica deste crime fazem também parte do crime de extorsão, especializando-se este, em relação àquele, apenas pela exigência de a conduta coagida se traduzir num prejuízo injusto para o sujeito passivo (que tanto pode ser a vítima como outra pessoa) e num enriquecimento ilegítimo para o agente ou para terceiro.
Sujeito passivo deste crime (o extorquido) é o titular do interesse patrimonial prejudicado.
Como diz Taipa de Carvalho em Comentário Conimbricense, Tomo II, pág. 343, “Geralmente, o sujeito passivo coincidirá com a pessoa vítima da acção de coacção, mas não tem de ser necessariamente assim, pois pode o agente exercer a violência ou a ameaça de mal importante sobre uma terceira pessoa como meio de constranger o sujeito passivo á disposição patrimonial”.
Quer o meio de constrangimento seja a violência quer a chantagem (a ameaça), é necessário que entre ele (contra quem recaia a violência ou a ameaça com mal importante sobre a pessoa que haja de realizar a disposição patrimonial ou sobre uma outra pessoa que pertença ao círculo existencial daquela) e o acto de disposição patrimonial haja uma relação de adequação.
O art. 223 do C. Penal visa garantir a liberdade de disposição patrimonial.
Assim, o bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e acção (Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, T. II, pág. 343).
Estão em causa situações em que alguém se aproveita de circunstância de uma pessoa se encontrar debilitada física, psíquica e/ou mentalmente, para forçar esta a um acto de disposição patrimonial, injustamente prejudicial para esta ou para terceiro e ilegitimamente vantajoso para o agente ou para terceiro.
Ora, lendo a decisão em recurso e proferida nos autos, dúvidas não há que o Tribunal a quo se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão da causa, sendo os dados como assentes suficientes para a aplicação do direito.
Efectivamente resultou provado que “o arguido decidiu exigir do M… uma comissão por esta venda a que bem sabia não ter qualquer direito”, que “Para tanto, no dia 19 de Maio de 2006, o arguido estabeleceu um contacto telefónico com o M… a exigir-lhe tal “comissão”, que este recusou pagar objectando que não sequer o conhecia e não fizera com ele qualquer acordo para mediação imobiliária”, que “O arguido afirmou, então, que este ia ser “entalado”, o que fez o visado recear pela sua vida”, que “Em finais de Junho de 2006, cerca das 9h da manhã, o arguido voltou a contactar telefonicamente M… a insistir pelo pagamento da sobredita “comissão” e perante nova recusa deste, disse-lhe “ou me dá um cheque … ou leva um estouro na cabeça, que não se mexe mais do sítio”, que “Atemorizado, M… acedeu a encontrar-se com o arguido numa pastelaria junto à Rotunda de Real, em Braga, onde satisfez a exigência feita pelo mesmo do pagamento de €5.000,00, através de três cheques post-datados, um para o dia 1 de Outubro de 2006, no valor de €1.500,00, outro para o dia 1 de Novembro de 2006, no valor de €1.500,00 e o ultimo para o dia 1 de Dezembro de 2006, no valor de €2.000,00, que sacou sobre a conta n° …, do Montepio Geral”, que “Posteriormente, M… deu ordem ao Banco sacado para não pagar tais cheques”, que “Não tendo logrado levantar nenhum dos referidos cheques, o arguido voltou a contactar M… e levou este a encontrar-se com ele no dia 6 de Outubro de 2006, no posto de abastecimento de combustíveis da marca “BP”, sito nas Parretas, em Braga, onde solicitou a emissão do cheque com o n° 4123399292, da mesma conta do Montepio, no valor de €1.500, com a exigência de que não daria nova ordem ao banco sacado para não o pagar”, que “M…a, ao entregar o cheque, encontrava-se atemorizado ainda com as palavras do arguido descritas nos números 9. e 10 dos factos provados”, que “Este cheque acabou por ser pago pela instituição bancária sacada em 11 de Outubro de 2006, “que “O arguido manteve sempre grande ascendente físico e poder intimidatório sobre M… e este sentiu sempre muito medo dele” e que “O arguido agiu com o intuito de obrigar o ofendido a pagar uma comissão a que bem sabia não ter direito, o que logrou concretizar através da intimidação e da ameaça de violência, constrangendo este a emitir aqueles cheques, contra a sua vontade” (transcrição em itálico de nossa autoria).
Verificados estão assim os requisitos do crime de extorsão, ou seja a) o emprego de violência ou ameaça de um mal importante; b) o constrangimento daí resultante a uma disposição patrimonial que cause prejuízo para alguém, neste caso ao ofendido; c) a intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, neste caso para o próprio arguido.
Entendemos assim que a matéria de facto provada é suficiente para a decisão de direito que foi tomada pelo que não ocorre esse vício.
Improcede assim, na totalidade, o recurso, sendo certo que não se vislumbra que tenha sido violado qualquer preceito constitucional, muito menos o de presunção de inocência, previsto no n.º 2 do art. 32 da Constituição da República Portuguesa.
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DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
O arguido pagará a taxa de justiça de 8 (oito) UCS.
(Processado em computador e revisto pelo primeiro signatário art. 94°, n.º 2 do CPP).
Guimarães, 12/10/2009.