Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PARTILHA EXTRAJUDICIAL
IMPUGNAÇÃO
NULIDADE
Sumário
1 – A lei remete os fundamentos da impugnação da partilha extrajudicial, a que se reporta o art. 2121.º do CC, para a teoria geral dos contratos, nomeadamente, para as regras sobre a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico em geral. 2 – Está ferida de nulidade a partilha extrajudicial da herança de um dos membros de um casal se ficou provado que os intervenientes nesse negócio jurídico quiseram e conseguiram por essa via esvaziar a meação e o quinhão hereditário do outro cônjuge, de forma a prejudicar os direitos sucessórios de uma filha deste.
Sumário do relator
Texto Integral
Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório
1.1. A autora, “A”, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra os Réus “B” e mulher “C”, “D”, e “E” e mulher “F”.
Deduziu os seguintes pedidos:
a) A Autora ser declarada herdeira de seu pai “G”;
b) Os RR serem condenados a restituir à herança o valor de € 71.363, 87 e condenados a pagar tal importância à A. para preenchimento da sua quota hereditária;
c) A declaração de que os prédios identificados em 70.º da PI e inscritos a favor dos RR integravam o acervo da herança aberta por óbito do pai da A.;
d) A condenação dos RR a pagar imediata e solidariamente à A. a importância de € 150.390,62, correspondente à sua quota-parte do valor desses imóveis à data das escrituras de compra e venda no caso em que alienaram os bens ou em que os registaram a seu favor, acrescida de juros até à presente data no valor de € 104.443,77 e vincendos sobre o capital em dívida de € 221.754,49 (= 71.363,87 + € 150.390,62) até efectivo e integral pagamento;
e) A condenação dos RR a abrir mão deles a favor do património hereditário ou a procederem ao pagamento à A. do seu valor e na medida da quota hereditária desta;
f) O cancelamento na conservatória do Registo Predial de Palmela dos Registos de aquisição a favor dos RR dos prédios descritos sob os n.ºs …/19990908 Lau, Palmela; 13657, livro B-42, Algeruz, Palmela; …/990908, Marateca, Palmela; …/990908, Lau, Palmela e n.º …/990908, Asseiceira, Marateca, Palmela e, em consequência, qualquer registo que posteriormente seja efectuado sobre tais prédios;
g) A condenação dos RR a pagar a título de sanção pecuniária compulsória a importância de € 125 dia até que devolvam ou os bens ou o valor destes à herança ou à A.;
h) A condenação dos RR a pagar imediata e solidariamente à A. a importância de € 2000,00 a título de danos não patrimoniais.
i) A condenação dos RR a devolverem à herança as quantias que retiraram do depósito bancário de seu pai o falecido “G”, que identifica, ou de outros, caso a sua existência venha a ser apurada.
j) A declaração de nulidade da partilha outorgada no Cartório Notarial de Arraiolos e nulos os subsequentes registos lavrados a partir desta a favor dos RR, supra melhor identificados.
k) Nulas as compras e vendas outorgadas no Cartório Notarial de Setúbal e nulos os subsequentes registos lavrados a partir desta a favor dos RR, supra melhor identificados.
l) Condenados os RR a pagar à A. tudo o que não for possível apurar na presente, a liquidar em sede de execução de Sentença.
Alega a autora, para tanto, o seguinte:
- A Autora nasceu a 20-05-1966, tendo sido registada como filha de “H”.
- Os Réus são filhos de “G” e de “I”.
- O “G” faleceu, no estado de viúvo, no dia 13-11-1999 sem deixar testamento.
- Pela Vara Mista de Setúbal correu termos a acção n.º 408/2000, na qual foi proferida decisão, no dia 23-06-2010, devidamente transitada em julgado, a declarar que a Autora é filha de “G”.
- Do acervo da herança de “G” e de acordo com a relação de bens apresentada pelos Réus junto das Finanças, faziam parte os seguintes bens:
- Espingarda de caça, marca Benelli, número A-…, calibre 12, Número de canos 1 Cano Liso, comprimento 70 cm, livrete n.º 82366, no valor de € 99, 76 (20.000$00).
- 129 vacas aleitantes registadas na DGP sob o n.º de exploração …, com o valor de €3.990, 38 (800.000$00).
- Arma de defesa, marca Star, n.º …, calibre 6, 35 mm, 1 cano, livrete n.º 070602 no valor de € 74, 82 (15.000$00).
- A importância de € 2.039, 68, (quatrocentos e oito mil novecentos e dezanove escudos 408.919$00) que constituía o saldo em capital e juros vencidos até à data do falecimento do autor da herança, da conta de depósitos à ordem constituída junto do Banco Crédito Agrícola, sob o n.º … .
- Viatura ligeira de mercadorias de marca Mitsubishi, matrícula …-EV, de 1995, com bastante uso, no valor de € 1.246, 99 (250.000$00).
- Viatura ligeira de mercadorias de marca Nissan Pick Up, de matrícula GQ-…, de 1987, com bastante uso, no valor de € 399,04 (80.000$00).
- Viatura ligeira de mercadorias da marca Nissan, matrícula JI-…, de 1986, com bastante uso no valor de € 349,16 (70.000$00).
- Tractor agrícola marca Ford, modelo 5600, matrícula DT-…, de 1976, no valor de € 149, 64 (40.000$00).
- Tractor agrícola da marca Massey Ferguson, modelo MF-290, matrícula CU-…, de 1982, no valor de € 199,52 (40.000$00).
- Tractor agrícola da marca Massey Ferguson, modelo MF-298-4 RM, matrícula AQ-…, de 1986, no valor de € 249, 40 (50.000$00).
- Tractor agrícola da marca Massey-Ferguson, modelo MP-399 RM, matrícula SE-…, de 1989, no valor de € 349,16 (70.000$00).
- Reboque de mercadorias, de marca Galucho, modelo 46GAB75, de 1973, matrícula L- …, no valor de € 74, 82 (15.000$00).
- Tractor agrícola, marca Same-60, matrícula EV-…, no valor de € 199, 52 (40.000$00).
-Jazigo construído no Cemitério do Poceirão-Covas n.º … e …, com alvará n.º …, de Janeiro de 1987, no valor de € 299, 28 (60.000$00).
- No passivo as despesas de funeral, € 2.618, 69 e a dívida referente a indemnização de acidente de trabalho, no valor de € 1655, 84.
- Os RR apropriaram-se ainda de quantias monetárias, sonegando-os à herança.
- O valor dos bens declarado pelos RR não corresponde à realidade, o valor à data de uma vaca dessas era de € 500,00 cada, hoje é de € 1.000,00 x 129 = € 129.000,00.
- Os valores reais dos tractores e demais viaturas são os seguintes: o EV - € 56.114, 55; o GQ - € 17.956, 80; o JI - € 15.712, 20; o DT - € 6.733, 80; o CU - € 8.978, 40; o AQ - € 11.223, 00; o SE - € 15.712, 20; o EV - € 8.978, 40;
- O reboque referido no artigo 41.º da p.i, é de € 1.496, 40.
- O valor do jazigo é de €15.000,00.
- Os bens foram declarados com valor inferior ao real com o intuito de lesar a Autora e o Estado.
- A Autora tem assim o direito a requerer que tais bens ou no caso de não ser possível os correspondentes valores voltem à herança e, em consequência, devem os Réus pagar-lhe solidariamente a quantia de € 71.363,87 correspondente à sua quota hereditária.
- No dia 16 de Julho de 1999, no Cartório Notarial de Arraiolos, foi celebrada escritura pública de habilitação e partilha. Nessa escritura pública os Réus conluiados entre si decidiram simular uma falsa partilha com o propósito de prejudicar a Autora e o Estado Português declarando valores que bem sabiam não corresponder à verdade.
Assim, por força da referida escritura os seguintes bens:
1º) Prédio misto sito na freguesia e concelho de Palmela, no sítio de Lau, antes denominado Algeruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número …, já registado a favor de “G”, casado, pela inserção número …, a folhas cento e sessenta e cinco verso do Livro G – quarenta e seis, cuja parte rústica está inserida na matriz sob o artigo … de H, com o valor patrimonial de 198.202$00 e cuja parte urbana está inserida sob o artigo … e tem valor patrimonial de 20.638$00, destes valores resultando para este prédio misto o valor global de duzentos e dezoito mil oitocentos e quarenta escudos.
2º) Prédio rústico sito na freguesia de Marateca, concelho de Palmela, denominado, “Asseiceira”, inscrito na matriz sob o artigo … da secção D, com o valor patrimonial de 31.086$00, descrito na Conservatória de Registo Predial de Palmela sol o número …, a folhas cento e noventa e quatro do Livro B seis, já registado a favor do mesmo dissolvido casal pela inserção número …, a folhas cento e cinquenta e cinco do Livro G – dezasseis.
3º) Prédio rústico sito em Lau – Malhada Alta, freguesia e concelho de Palmela, inscrito na matriz sob o artigo …, com valor patrimonial de cento e vinte cinco mil setecentos e oitenta e dois escudos (125.782$00) descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número …, a folhas cento e trinta e seis do Livro B- quarenta e dois, lá registado a favor do mesmo casal pela inscrição número … a folhas cento e sessenta e sete do Livro G – quarenta e seis.
4º) Prédio rústico denominado Fonte da Barreira de Cima, sito na mesma freguesia de Marateca, inscrito na matriz sob o artigo …, com valor patrimonial de 2.074$00, descrito na Conservatória referida sob o número …, a folhas cento e trinta e seis verso do livro B – quarenta e dois, já registado a favor do mesmo dissolvido casal pela inscrição número …, a folhas cento e sessenta e sete verso do livro G –quarenta e seis.
5º) Prédio rústico sito na denominada Malhada Alta, em Lau, freguesia e concelho de Palmela, inscrito na matriz sob o artigo …, com valor patrimonial de 90.598$00, descrito na mesma Conservatória sob o número …, a folhas sessenta e nove do Livro B – vinte seis, lá registado a favor dos mesmos pela inscrição …, a folhas cento e seis verso do Livro G – vinte sete.
6º) Prédio rústico denominado “Valdera” sito na freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, inscrito na matriz, sob o artigo …, com valor patrimonial de 61.025$00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número …, a folhas cento e setenta e uma do Livro B – trinta e três, já registado a favor do mesmo casal pela inscrição número …, a folhas cento e quarenta do Livro G – trinta e cinco.
7º) Prédio rústico denominado “Foros do Trapo”, sito em Santo Isidro de Pegões, concelho do Montijo, inscrito nessa freguesia na matriz rústica sob o artigo … da secção J, com valor patrimonial de 125.563$00, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número … da dita freguesia de Santo Isidro (ficha) e já registado a favor do mesmo casal pela inscrição G-um, transcrita das inscrições …, a folhas cento e sessenta e oito do Livro G – …, a folhas cinquenta e duas verso do Livro G- vinte sete. Este prédio resultou da anexação dos descritos nas fichas números … da dita freguesia de Santo Isidro de Pegões.
Foram adjudicados da forma seguinte:
- O “G” recebe o usufruto vitalício do primeiro prédio, o prédio rústico sito em Lau, Palmela, com o valor patrimonial de duzentos e dezoito mil oitocentos e quarenta escudos…vale o usufruto atribuído a quantia de quarenta e três mil setecentos e sessenta e oito escudos; leva este a menos do que tem direito, pois, a quantia de 365.587$00, que de tornas recebe em dinheiro dos restantes herdeiros.
- O primeiro outorgante “B” (ora R1), recebe o segundo e o terceiro prédios, inscritos na matriz rústica da Freguesia de Palmela, sob os artigos … e …, mais um terço indiviso do primeiro prédio. Valem os prédios atribuídos, respectivamente 31.086$00, 127.782$00 e o terço da nua propriedade do primeiro prédio 58.397$00, resultando o valor global atribuído de 215.225$00. Como o seu quinhão vale 81.871$00, leva a mais a quantia de133.354$00, tornas que paga a seu pai.
- A segunda outorgante “D” (ora 2.ª R), recebe o prédio rústico de Santo Isidro de Pegões, referido em último lugar, com o valor de 125.563$00 e ainda 1/3 da nua propriedade do primeiro prédio, no valor de 58.357$00, pelo que, leva um valor global no valor de 183.920$00. Valendo o seu quinhão 54.581$00, leva a mais a quantia de 129.339$00. Paga a seu pai tornas no valor de cento e dois mil e quarenta e nove escudos.
- O terceiro outorgante fica com os restantes prédios, ou seja, os acima descritos em quarto, quinto e sexto lugares, inscritos na matriz sob os artigos … e … da Marateca e Palmela e … do Pinhal Novo, mais o terço indiviso da raiz do primeiro prédio, ou seja, leva os valores de 2.074$00, 90.599$00, 61.025$00 e 58.357$00, num total de 212.054$00, o que representa um excesso, em relação ao valor do seu quinhão de 130.183$00, tornas que paga a seu pai, em dinheiro.
- Na referida escritura pública os Réus actuaram como procuradores do “G” e ali declararam que este havia já recebido as mencionadas tornas a que tinha direito.
- Posteriormente, como consequência desta partilha, foram lavrados pelo menos os registos seguintes:
Registado a favor do primeiro Réu:
- prédio rústico descrito sob o n.º …/990908, Freguesia da Marateca, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casada que foi com “G”, na comunhão geral,
- prédio rústico descrito sob o n.º 13657, fls. 136, Livro B-42, Freguesia de Palmela, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casado que foi com “G”, na comunhão geral,
- 1/3 prédio rústico descrito sob o n.º …/990908, Freguesia de Palmela, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casada que foi com “G”, na comunhão geral
Registado a favor de segunda Ré :
-1/3 prédio rústico descrito sob o n.º 09086/990908, Freguesia de Palmela, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casada que foi com “G”, na comunhão geral.
Registado a favor de terceiro Réu:
- prédio rústico descrito sob o n.º …/990908, Freguesia da Marateca, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casada que foi com “G”, na comunhão geral,
- 1/3 do prédio rústico descrito sob o n.º …/990908, Freguesia de Palmela, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casada que foi com “G”, na comunhão geral.
- prédio rústico descrito sob o n.º …/990908, Freguesia de Palmela, Concelho de Palmela, aquisição inscrita a favor deste por partilha hereditária de “I”, casada que foi com “G”, na comunhão geral.
- A “I” faleceu no estado de casada em comunhão geral com o “G”, daqui resultavam direitos para este que os RR procuraram na falsa partilha minimizar ao máximo, tendo em vista ainda prevenir qualquer reivindicação dos seus direitos pela Autora.
- Os RR agiram de má fé e o negócio é simulado no seu valor, pois, nas escrituras de compra e venda que outorgaram respectivamente em 21-02-2001 no Cartório Notarial de Setúbal, na escritura lavrada de fls. 24 a fls. 25 do livro 423-A, vd. Doc. N.º 19 e fls. 26 a fls. 27- v do Livro 423-A, vd. Doc. n.º 20, referentes aos imóveis sitos em Lau, Palmela, descrição n.º0986 o valor atribuído foi de 3.000.000$00 (cerca de € 15.000) e de 2.000.000$00 (cerca de € 10.000), ou seja, 10 a 15 vezes superior ao declarado na partilha.
- O terceiro Réu adquire parte do imóvel em causa do segundo Réu para o vender a uma sociedade sua participada.
- E o R3 vende outra parte do imóvel em causa a R1. E a R2 vendeu a sua parte a R1 e a R3.
- A referida partilha foi um negócio simulado e outorgado de má-fé com o único propósito de prejudicar a Autora
- Devendo ser declarado nulo e de nenhum efeito e declarados também nulos os registo efectuados a partir desta.
- De igual modo as compras e vendas devem ser declaradas nulas e os bens restituídos à herança ou pelo menos o seu valor.
- De resto, quando os Réus outorgaram as compra e vendas fazendo aí a verdadeira partilha já por valores reais já haviam sido citados para a acção de investigação de paternidade e seus termos, pelo que sabiam (desta vez por fonte judicial) que existia uma outra irmã e uma outra herdeira, a sua má fé é manifesta.
Assim, deverão restituir à herança os imóveis supra descritos e /ou o correspondente valor caso já os tenham alienado.
- De resto tendo a esposa do “G” falecido em 1986 só em 1999 e a uns meses da morte deste os RR se decidiram a efectuar a partilha, quando este já nem estava capaz.
Assim, além de simularem o valor dos bens, o negócio é também simulado por esta via.
- Nulo também porque com aquela simulação de valor afectaram intencionalmente o quinhão do “G”.
Com efeito só uma das propriedades, a de maior área que foi adjudicada a R1 em 1/3,tendo este depois adquirido aos demais o remanescente, foi avaliada em 1986 por € 580.000.
Assim, o património imobiliário do qual os RR se apropriaram e sonegaram intencionalmente à herança, ascende ao valor de € 962.500,00.
- Valor estimado com base no valor do preço por metro quadrado naquela zona (€ 150) e em face da dimensão das propriedades das quais os RR se apropriaram, o prédio n.º 1357 – 33.500 metros quadrados, o n.º 13.657 – 16.000 metros quadrados, o n.º 9.086 – 14.750 metros quadrados, o n.º 9.087 – 15.000 metros quadrados, o n.º 1356 – 33.500 metros quadrados, tudo num total de 113.000 metros quadrados que os RR fizeram seus, algumas delas com parte urbana e rústica.
- Deste valor os RR sempre teriam direito a € 120.312,50, cada um, por parte de sua mãe.
- No mais o “G”, atento o regime de casamento e a sua condição de meeiro e herdeiro, teria direito a ½ + ¼, ou seja, € 601.562, 50.
- Deste património ao qual concorrem agora os RR e a A., resulta para esta uma quota hereditária de € 150.390, 62.
Os Réus retiraram ainda valores das contas bancárias.
- Apesar de ser voz comum no povo não evitaram insinuar que a mãe desta era pessoa pouco séria para colocarem em causa os laços de sangue.
Na acção de investigação de paternidade tentaram em tudo evitar o exame biológico.
- Interpelados extrajudicialmente e através de notificação judicial avulsa nunca deram a Autora, sua irmã, aquilo que era seu de direito.
- Os RR agiram desta forma não só para prejudicar patrimonialmente a A. o que conseguiram até hoje, como para a vexarem e humilharem causando-lhe desgosto e dor e gerando danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito.
- Afastaram a Autora daquilo que também é seu por direito por mais de 10 anos.
- Por causa disto a A. passou por uma crise nervosa.
- A A. teve noites de sono sem dormir.
- Causou-lhe angústia e sofrimento.
- Pelo que a título de danos não patrimoniais requer a condenação solidária dos RR a este título em € 2000,00.
- Os RR não ignoram que o património que fizeram seu também pertence por direito a sua irmã.
- Assim, só os RR gozaram e fruíram desses bens.
- Só aos RR aproveitaram as suas rendas e frutos.
- Nesta conformidade, devem os RR ser condenados a sanção pecuniária compulsória à taxa de € 150 dia até efectiva e integral devolução dos bens em seu poder.
*
1.2. Citados regular e pessoalmente, os Réus não apresentaram contestação.
Foi cumprido o disposto no art. 484º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.
Proferida sentença, foi julgada a acção parcialmente procedente, e decidido, na parte aqui relevante:
a) Reconhecer a qualidade da autora como herdeira de “G”.
b) Declarar a anulabilidade do negócio jurídico de partilha formalizado através da escritura pública celebrada no dia 21.02.2001, no Cartório Notarial de Arraiolos e consequentemente ordenar o cancelamento dos registos prediais efectuados com base na mesma.
c) Declarar a anulabilidade dos negócios jurídicos de compra e vendas formalizados através das escrituras públicas celebradas no Cartório Notarial de Setúbal, ordenando, em consequência, o cancelamento dos registos prediais efectuados com base nas mesmas relativamente aos prédios descritos sob os n.ºs …/19990908 Lau, Palmela; …, livro B-42, Algeruz, Palmela; …/990908, Marateca, Palmela; …/990908, Lau, Palmela e n.º …/990908, Asseiceira, Marateca, Palmela (à excepção do registo de constituição de hipoteca sob o prédio descrito sob o nº. …/990908).
d) Condenar os Réus na restituição dos bens ao acervo da herança de “G”.
e) Condenar os Réus na restituição ao acervo da herança de “G” do valor da venda – ou seja €14.963,94 - de metade indivisa do prédio descrito na CRP de Palmela sob o nº. …/990908.
*
1.3. A ré “D” veio então interpor o presente recurso, que foi admitido como de apelação.
Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem, para melhor compreensão): “ 1- Com o presente recurso parcial da douta sentença pretende a recorrente que seja considerada a questão da anulabilidade das escrituras de partilha outorgada em 16 de Julho de 1999 no cartório Notarial de Arraiolos e de compra e venda, essas sim outorgadas em 21.02.2001 (já que há um erro de escrita na decisão na alínea b) da decisão recorrida) no Cartório Notarial de Setúbal e consequente cancelamento dos registos prediais. 2 - E ainda a questão acerca dos efeitos da revelia dos RR ao não contestarem nos termos do artigo 484º do CPC e respectivos efeitos dessa declaração judicial. 3 - Em 16 de Julho de 1999 é lavrada e outorgada uma escritura de habilitações e partilha no cartório Notarial de Arraiolos em que se partilha a herança por morte da falecida “I” falecida esposa do “G”, a Autora vem depois a ser reconhecida filha deste último, mediante uma acção judicial de investigação da paternidade interposta em 2000 e que corre termos pela Vara Mista de Setúbal sob o nº 408/2000 na qual foi proferida decisão, no dia 23.06.2010, devidamente transitada em julgado, a declarar a que a Autora é filha de “G” . 4 - A Autora pede a anulação da partilha de 16.07.1999, e das escrituras de compra e venda outorgadas em 2001, será que devem ser anuladas. 5 - Só os herdeiros podem requerer a partilha nos termos dos artigos 2101 do CC, como pessoas directamente interessadas na partilha que são o cônjuge meeiro da falecida e os herdeiros e em consequência só estes podem impugnar a partilha. 6 - Nesta linha de raciocínio estipula o artigo 65º da Lei 29/2009 de 20 de Junho que “a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou ma fé seja quanto a preterição seja quanto ao modo como a partilha foi preparada”. 7 - Ora a Autora era filha só do “G” e logo legitimária deste cuja herança ainda não tinha sido aberta, porque o mesmo era ainda vivo e esta nem era reconhecida ainda. Por isso, a autora não só não poderia participar na partilha, como também não tem legitimidade para impugnar a partilha e muito menos para deduzir qualquer questão de dolo e má fé dos RR, que quando outorgam nem sequer sabem da sua existência e nem mesmo a revelia destes pode alterar este facto. 8 - E se de facto o dolo e a má fé tornam impugnável não a partilha judicial mas a partilha extrajudicial no caso em apreço não podendo legalmente ter-se como verificados tais elementos conforme referido. 9 - Pelo que inexiste fundamento legal para por esta via impugnar e anular a partilha nos termos dos art 2121 e 285 ambos do CC. 10 - E como tal não pode a revelia dar como provados ou confessados factos que a própria lei exclui. 11 - A partilha extrajudicial é um verdadeiro contrato “só é impugnável nos casos em que sejam os contratos” por disposição legal 2121 do CC, daí a remissão para a teoria geral dos contratos, designadamente 285º CC. 12 – Andou bem a douta sentença quando afastou a existência de qualquer simulação, na sua fundamentação a Meritissima Juiz diz que, cita-se “… no caso em apreço não estão verificados os factos integradores deste requisito (simulação) susceptíveis de determinar a nulidade na medida em que não há simulação quanto à natureza do negócio mas apenas a simulação de valores e mesmo quanto à simulação de valores tratando-se de um negócio particular, a partilha diz a Meritíssima Juiz – “há-de corresponder à vontade que certamente manifestaram.” 13 - Na escritura em causa, levanta-se a questão dos valores matriciais constantes da escritura de partilha e dois anos depois em 21.02.2010 os RR vendem os imóveis e estipulam um outro valor, vendo nisto a sentença uma situação de dolo. 14 - A escritura de partilha respeitou a legislação aplicável, a atribuição dos valores matriciais pertence aos usos e costumes notariais, como também a base de licitação são os valores matriciais, não podendo ser visto neste facto qualquer dolo ou má fé, e porque foi respeitada toda a legislação não pode esta escritura ser anulada. 15 - Ora a falta de contestação deve ser entendida como uma mera declaração genérica que deve ser conjugada com a admissibilidade da confissão face aos factos nos termos da lei. Entende-se que devam ser excluídos da confissão entre outros os factos articulados da petição que sejam provados por documentos. 16 - Ora no caso em apreço, nenhum dolo ou má fé ou outra violação ocorreu, com a celebração das escrituras pelas razões enunciadas, não podendo as escritura em causa ser objecto de qualquer censura, nomeadamente da anulabilidade, nem mesmo a confissão dos factos articulados resultante do 484 nº1 do CPC pode destruir o que a lei validamente constituiu. 17 - Pelo que sendo válida e eficaz a escritura de partilha outorgada em 16 Julho de 1999 no Cartório Notarial de Arraiolos, os bens imóveis não pertencem ao acervo de bens de “G”, que com a morte se instaura uma nova relação jurídica. E por conseguinte, os RR podiam ter celebrado as respectivas escrituras de compra e venda por serem os únicos donos e legítimos possuidores dos bens, dando aos imóveis os valores que acordaram no âmbito da compra e venda, portanto de nenhum vício padecem as escrituras de compra e vendas não podendo ser anuladas. 18 - Logo e em consequência não devem ser cancelados os registos da titularidade por serem válidos e eficazes. 19 - A decisão recorrida violou assim os artigos 2102 nº 1, 2121º, 285º 2101º, 2133º, 2139º, 2157º, 2159º e art. 65º da Lei 29/2009 de 20 de Junho. Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de vossas excelências, deve a sentença parcialmente recorrida ser revogada, e em consequência, serem as escrituras outorgadas consideradas válidas e eficazes, com as demais consequências, e assim se fará sã, serena e objectiva justiça.”
A autora/apelada não apresentou contra-alegações.
Cumpre agora conhecer do mérito do recurso.
*
2 – Os Factos
Na primeira instância foi julgada provada a matéria de facto contida na petição inicial, tendo em conta os documentos juntos e a falta de contestação dos réus, nos termos do art. 484º do Código de Processo Civil.
*
3 – O Direito
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Importa portanto apreciar o recurso de apelação interposto pela ré Graciete, tendo presentes as conclusões por ela apresentadas.
Em face dessas conclusões, constata-se que a recorrente centra a sua discordância quanto às decisões que impugna essencialmente no facto de a autora não ser herdeira de “I”, e por esse motivo, não sendo interessada, não poder impugnar a partilha da herança desta (os outros negócios jurídicos invalidados, de compra e venda de bens adquiridos em consequência dessa partilha, foram-no por consequência da invalidade do primeiro, e a determinação de cancelamento dos registos decorre também da invalidade declarada das aquisições registadas).
Tentando sintetizar a questão, resumimos a factualidade relevante, tal como ela foi fixada na primeira instância.
A autora é filha de “G” e de “H”, tendo a paternidade sido reconhecida por sentença datada de 23 de Junho de 2010.
Os réus “B”, “D” e “E” são filhos do mesmo “G” e de sua mulher “I”, com quem ele foi casado no regime de comunhão geral de bens.
“I”, mãe dos réus e mulher de “G”, faleceu a 29 de Dezembro de 1986.
“G” faleceu a 13 de Novembro de 1999.
Entretanto, no dia 16 de Julho de 1999, no Cartório Notarial de Arraiolos, foi celebrada pelos réus escritura pública de habilitação e partilha da herança de “I”.
Nessa escritura pública os réus conluiados entre si decidiram realizar uma partilha com o propósito de prejudicar a autora.
Como “I” faleceu no estado de casada em comunhão geral com “G”, daqui resultavam direitos para este que os RR procuraram nessa partilha minimizar ao máximo, tendo em vista ainda prevenir qualquer reivindicação dos seus direitos pela autora.
Os imóveis partilhados tinham e têm valores muito superiores aos indicados na escritura.
Foi intenção dos réus ao realizarem o referido negócio a de prejudicarem patrimonialmente a autora, o que conseguiram.
Nessa altura, a alguns meses da sua morte, “G” já não estava capaz.
Na referida escritura pública os réus actuaram em nome próprio e como procuradores de “G” e ali declararam que este já havia recebido as tornas a que tinha direito.
Nessa escritura os prédios em questão, pertencentes ao casal formado pelo pai da autora e por “I”, foram adjudicados aos réus, filhos do casal, ficando “G” com o usufruto de um dos prédios e o direito a tornas a pagar pelos filhos.
Na sequência da adjudicação dos imóveis, os réus praticaram posteriormente entre eles, já a 21 de Fevereiro de 2001, os outros negócios de compra e venda referidos, tendo por objecto partes indivisas dos mesmos imóveis.
Analisando a factualidade disponível, a sentença recorrida concluiu que existia invalidade nos negócios questionados, e por via disso também dos registos a que se refere o dispositivo.
Nomeadamente, por considerar demonstrado que os réus ao praticarem os negócios em questão, designadamente o primeiro, que abriu caminho aos segundos, sabiam da existência da autora, sua irmã, e pretenderam, como fizeram, provocar-lhe prejuízo patrimonial, fazendo a partilha dos bens deixados por sua mãe (que eram comuns, do casal formado por ela e pelo pai dos réus e da autora) de forma tal que a meação e o quinhão do cônjuge ficasse esvaziado, de modo a frustrar os direitos da autora sobre a herança do pai.
Sublinha-se que esta factualidade, relativa ao animus dos réus, resultou necessariamente provada por força da sua revelia, já que a ausência de contestação em relação a eles é inequivocamente operante, dado o disposto no art. 484º, n.º 1, do CPC.
Isso mesmo foi realçado na sentença revidenda, e mostra-se determinante na solução do pleito – e por isso a ré apelante se insurge, sem razão, contra a declaração de provado em relação aos falados dolo e má fé (na realidade não foram o dolo e a má fé, em termos conclusivos, que ficaram provados por confissão, mas sim os factos subjectivos e objectivos que conduzem a essa qualificação da conduta dos réus).
Como se diz na sentença: “Passemos, agora, à análise de alegado dolo e má-fé com que os Réus terão agido na própria preparação da partilha. O dolo e má-fé na partilha podem verificar-se, por variados modos, nomeadamente, pela ocultação do exacto valor da herança ou pela realização de manobras tendentes a fazer crer no baixo ou alto valor de certos bens partíveis. Importa referir que a Autora alegou e logrou demonstrar - já que os factos estão confessados pelos Réus - que estes procederam a uma partilha intencionalmente dolosa e determinada por má-fé, pois, na escritura pública atribuíram aos imóveis valores irrisórios (que eram e são no valor de muitos milhares de euros) para diminuir a meação no casal e o quinhão hereditário, recebendo tornas e usufrutos com as quais preencheu o seu direito, - o pai da Autora ficou com dinheiro que é o bem mais facilmente dissipável – com adjudicação de todas as verbas aos Réus; por sua vez, no negócio da partilha entre os Réus atribuíram os valores reais que nada tinham a ver com os valores declarados e apondo nas escrituras de compras e vendas o valor real por forma a entregarem as tornas realmente devidas para preenchimentos dos respectivos quinhões. Efectivamente, esta factualidade é caracterizadora de uma situação de dolo e má-fé por parte do Réus e determinantes da anulabilidade da escritura de partilha. Logo a existência de tal vício acarreta também a anulabilidade dos negócios subsequentes em relação aos mesmos bens. A anulação tem efeitos rectroactivos, art.º 285° n.º 1 do Cód. Civil. Significa este regime que tudo se deve passar como se o acto não existisse, pelo que em regra, são destruídos “ab initio”, isto é, desde o momento da celebração, todos os efeitos que se hajam produzidos.”
Efectivamente, não se pode defender outra conclusão (ressalva-se o pormenor de ter sido referido o art. 285º, n.º 1, querendo citar-se evidentemente o art. 289º, n.º 1, do CC, sobre os efeitos retroactivos da declaração).
A solução da problemática jurídica colocada tem que ser encontrada na conjugação do art. 2121º do Código Civil, segundo o qual “A partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos”, com as disposições pertinentes dos arts. 285º e seguintes do Código Civil.
Aliás, esta é a posição assumida no Acórdão do STJ de 30-11-2010, disponível em www.dgsi.pt, que numa situação similar decidiu pela improcedência do pedido da autora por falta de prova dos elementos subjectivos que aqui ficaram provados: a intencionalidade das condutas, o intuito de prejudicar que aqui foi dado como assente, em factualidade que tem que considerar-se definitivamente fixada.
Idêntica orientação se detecta no Acórdão da Relação do Porto de 13-05-2013 (também em www.dgsi.pt) em que de igual modo se frustrou a pretensão do autor por lhe caber o ónus da prova dos requisitos da invalidade e não ter sido feita prova dos tais elementos subjectivos, que sobejam no nosso caso.
Importa recordar que a intenção constitui matéria de facto, embora facto de natureza psíquica, mas como tal é susceptível de prova, nomeadamente por confissão, que no caso surgiu da ausência de contestação da factualidade alegada.
Porém, ao mesmo resultado da invalidade dos actos praticados chegamos também se configurarmos a presente acção como uma acção de petição de herança, regulada nos arts. 2075º e segs. do CC, em que é pedido o reconhecimento de que a autora é herdeira de seu pai, e a restituição dos bens em causa a essa herança, por estes terem sido indevidamente integrados pelos réus, na sua totalidade, na herança da mãe destes, com o intuito alcançado de os subtrair à sucessão do pai (deles e da autora), assim lesando os direitos desta e logrando apoderar-se dos mesmos.
Nesta perspectiva, os pedidos de declaração da invalidade dos negócios jurídicos de partilha e de compra e venda, que consumaram a subtracção à herança do pai da autora dos seus direitos sobre os prédios em causa (por conluio dos réus, consumado quando aquele já não estava capaz – cfr. factos provados) representam pedidos instrumentais da pretensão de restituição, e o pedido de cancelamento dos registos constitui um pedido acessório.
O que é indubitável é que por essa forma, e através desses negócios, foram frustrados os direitos sucessórios da autora, como herdeira de seu pai (cfr. art.s. 2132º, 2133º, al. a) e 2139º, ambos do Código Civil).
Assim sendo, provada que foi a condição de herdeira da autora e a pertença dos imóveis em questão ao património hereditário do pai dela (e da mãe dos réus, obviamente) teria que ser declarada a invalidade dos negócios em causa e dos consequentes registos. Tais negócios violaram disposições legais que, no caso, protegiam o direito da autora.
Em suma, ficou provado que a escritura de partilha formalizada em Arraiolos se traduziu na divisão entre os réus dos bens que faziam parte do património do casal formado pela sua mãe e pelo seu pai, e não apenas da herança dela, lesando propositadamente o quinhão hereditário e a meação do pai no casal, com a intenção, alcançada, de frustrar os direitos da autora, herdeira legitimária, sobre a herança do progenitor comum.
Verificam-se, portanto, a nosso ver, os pressupostos legais determinantes da nulidade da escritura de partilha, por violação dos princípios da ordem pública decorrentes de normas imperativas da sucessão legitimária, nos termos do art. 280º, n.º 2, do CC.
Recorde-se que por ordem pública designa-se o “conjunto dos princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas” (Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 306). Tais são, sem dúvida, as regras sobre a sucessão legitimária.
Neste sentido, da nulidade dos negócios questionados, como vinha pedido pela autora, deve ser entendido o dispositivo que declarou parcialmente procedente a acção e a seguir diz “declarar a anulabilidade” dos referidos negócios. Como se compreende, “declarar a anulabilidade” constitui uma imprecisão de linguagem, visto que aquilo que se declara é a nulidade, quando exista (e era o que vinha pedido); no caso de existir causa de anulabilidade determina-se sim a anulação, consequência jurídica de ter sido validamente accionada essa anulabilidade.
Por outro lado, a condenação dos réus na “restituição dos bens ao acervo da herança de “G”” tem que ser compreendida em harmonia com os factos provados sobre a pertença desses bens ao casal formado pelo “G” e por sua mulher “I”, com quem era casado em comunhão de bens, pelo que a determinação de restituição dos bens à herança deste não pode significar a integralidade desses bens. A nulidade do negócio jurídico concretizado na partilha implica que os bens regressam à sua situação anterior, por força da retroactividade dessa nulidade.
O que significa que passam a ser de novo considerados bens do casal, como efectivamente eram, pelo que não podem ser restituídos na íntegra à herança de um dos seus membros. Para compor o quinhão e a meação de um não pode deixar de respeitar-se o que pertence ao outro.
Há que corrigir esse segmento da decisão, tal como a data da escritura mencionada, que foi a 16 de Julho de 1999, no Cartório Notarial de Arraiolos.
Nestes termos, o recurso apresenta-se como parcialmente procedente, nessa parte que referimos; mas no restante deve a sentença manter-se.
Dito isto, acrescenta-se ainda que a exacta definição dos direitos da autora e dos réus passará inevitavelmente, a não surgir acordo entre todos, por um processo de inventário (cumulativo, para partilha da herança do casal que foi formado por “G” e “I”); e regressando ao recurso de que nos compete conhecer, decidiremos em conformidade com o que ficou exposto e fundamentado nos considerandos anteriores.
*
4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, consequentemente, em alterar o decidido, na parte recorrida, substituindo esse dispositivo pelo seguinte:
b) Declarar a nulidade do negócio jurídico de partilha formalizado através da escritura pública celebrada no dia 19.07.1999, no Cartório Notarial de Arraiolos, e consequentemente ordenar o cancelamento dos registos prediais efectuados com base no mesmo.
c) Declarar a nulidade dos negócios jurídicos de compra e venda formalizados através das escrituras públicas celebradas no Cartório Notarial de Setúbal, a 21.02.2001, ordenando, em consequência, o cancelamento dos registos prediais efectuados com base nos mesmos relativamente aos prédios descritos sob os n.ºs …/19990908 Lau, Palmela; …, livro B-42, Algeruz, Palmela; …/990908, Marateca, Palmela; …/990908, Lau, Palmela e n.º …/990908, Asseiceira, Marateca, Palmela (à excepção do registo de constituição de hipoteca sob o prédio descrito sob o nº. …/990908).
d) Condenar os Réus na restituição de tais bens ao património hereditário comum do casal que foi formado por “I” e “G”, ainda a partilhar.
No mais, ou seja as alíneas a) e e), em que constam condenações dos réus, o dispositivo da sentença recorrida não foi impugnado, pelo que transitou, tal como acontece com a al. f), onde consta a absolvição dos réus em relação ao mais que era pedido.
Custas por apelante e apelada, em partes iguais, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Notifique.
Évora, 19 de Dezembro de 2013
(José Lúcio)
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)