AUTO DE NOTÍCIA
QUEIXA
INJÚRIAS CONTRA AGENTE DA AUTORIDADE
LEGÍTIMA DEFESA
RESISTÊNCIA
Sumário


I - Um auto de notícia por detenção, lavrado por imposição legal e no exercício das respectivas funções, por agentes de autoridade, narrando factos reportados a crimes de natureza semi-pública em que sejam ofendidos, não revela, só por si, uma manifestação inequívoca de desejo de procedimento criminal por parte desses agentes, para que se possa configurar, para os legais efeitos, como queixa criminal.
II - O nosso Código Penal adoptou uma concepção dualista da noção de honra e consideração, na medida em que esta é vista, quer pelo valor pessoal ou interior de cada indivíduo, o juízo valorativo que cada um de nós faz de si mesmo (honra subjectiva), quer pela reputação ou consideração exterior que o mesmo tem na comunidade ou no grupo social em que se insere (honra objectiva).
III – Se o arguido, com o propósito de tentar impedir que o ofendido (agente de autoridade) algemasse o seu irmão, no preciso momento em que aquele se preparava para executar legitimamente tal tarefa, o agarrou pelo pescoço, ao mesmo tempo que lhe dizia para largar o irmão, não se configura actuação justificada em razão de legítima defesa ou de direito de resistência.
IV – Da circunstância do irmão do arguido ter sido absolvido dos crimes que lhe eram imputados não resulta que a intervenção do ofendido sobre o mesmo tivesse sido ilegal ou ilegítima.

Texto Integral


Proc. 1695/09.5GBABF.E1
1ª Sub-Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 1695/09.5GBABF, do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Albufeira, o M.P. deduziu acusação contra os arguidos :
- A, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de injúria agravada, p.p. pelos Artsº 181 nº1 e 184, ambos do C. Penal, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p., pelo Artº 347 do mesmo Código e um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo Artº 25 al. a), por referência à Tabela I-C do D.L. 15/93 de 22/01 ;
- B, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de injúria agravada, p.p. pelos Artsº 181 nº1 e 184, ambos do C. Penal e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p., pelo Artº 347 do mesmo Código ;
- C, pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p., pelo Artº 347 do C. Penal ;
- D, pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p., pelo Artº 347 do C. Penal ;
- E, pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p., pelo Artº 347 do C. Penal.

Efectuado Julgamento, foi a acusação pública julgada parcialmente procedente e em consequência :
Os arguidos A, C, D e E, foram absolvidos da prática dos crimes que lhe eram imputados ;

O arguido B, foi condenado, em autoria material e concurso real pela prática de :
- um crime de injúria agravada, p.p. pelos Artsº 181 e 184, ambos do C. Penal, na pena de 100 ( cento) dias de multa à taxa diária de € 6,00 ( seis euros ), perfazendo o total de € 600,00 ( seiscentos euros ) e
- um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p., pelo Artº 347 nº1 do C. Penal, na pena de 2 ( dois ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão suspensa por igual período, sujeita a regime de prova.

Mais foi condenado a pagar ao demandante F a quantia de € 400,00 ( quatrocentos euros ), a título de indemnização por danos patrimoniais.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido B, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma ( transcrição ) :


I- Foi realizado o julgamento e proferida douta sentença que condenou o arguido, ora recorrente, como autor de um crime de injúria agravada, p.e p. pelos artigos 181º e 184º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6, perfazendo o montante total de € 600; como autor de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. no artigo 347º nº 1 do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, e foi ainda condenado a pagar ao demandante F a quantia de € 400, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e absolveu todos os restantes arguidos A, E, C e D, da totalidade dos crimes que lhe eram imputados.
II- Sendo o ofendido agente da GNR, em exercício de funções, para que fosse exercido o procedimento criminal por crime semi-público – o de injúria agravada - tornava-se necessário que o ofendido explicitasse ou manifestasse de forma inequívoca a vontade de que pelos factos integrantes de tal crime desejava procedimento criminal e não foi isso que aconteceu nos presentes autos.
III- O auto de notícia por detenção, não vale como denúncia de procedimento criminal por crime de natureza semi-publica – o de injúria agravada- ainda que o ofendido seja também o agente que assinou o auto como testemunha.
IV- O ofendido não apresentou queixa por tal crime contra o ora recorrente.
Ouvido em inquérito, em 27.10.2009, o ofendido nada refere à alegada expressão injuriosa proferida pelo recorrente, B.
V- Inexistindo por parte do ofendido, manifestação inequívoca de vontade de procedimento criminal contra o ora recorrente, pelo crime de injúria agravada, com a alegada expressão injuriosa “filho da puta”, não pode a mesma presumir-se e, por conseguinte não assumindo tal crime natureza pública, não tem o Ministério Público legitimidade para acusar, por tal crime.
VI- A douta sentença recorrida ao condenar o arguido pela prática de um crime de injúrias agravada, sem que o ofendido tenha apresentado queixa violou o disposto nos artigos 181º e 184º do Código Penal.
VII- Mesmo que assim não se entendesse, o recorrente nunca poderia vir a ser condenado pelo crime de injúrias.
O entendimento dominante é actualmente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º do Código Penal, tudo dependendo da intensidade da ofensa ou perigo da ofensa.
VIII- É preciso ter presente que o significado injurioso das palavras tem que ser avaliado no contexto situacional em que as mesmas são proferidas.
XI- E foram proferidas, segundo a matéria de facto dada como provada, “Ao aperceber-se que F se preparava para algemar o irmão, agarrou o pescoço de F ao mesmo tempo que dizia “ larga o meu irmão, seu filho da puta”., no momento em que ora recorrente agarra o pescoço do ofendido quando este agarrou o seu irmão.
X- O arguido tinha o direito de se opor à actuação do ofendido, em defesa do seu irmão – direito de resistência constitucionalmente consagrado no art. 21 da CRP.
XI- Por outro lado, sempre se verificaria a causa de exclusão de ilicitude da sua conduta, conforme previsto no art. 31º e 32º do Código Penal.
XII- Acresce ainda que a expressão utilizada não constitui a imputação de qualquer facto, nem visou ofender a honra ou consideração do referido agente da GNR., trata-se de uma expressão desrespeitosa e nada educada, censurável do ponto de vista moral, não assumindo relevância criminal.
XIII- Pelo que o arguido deve ser absolvido do crime de injúrias agravada, bem como do respectivo pedido de indemnização cível.
XIV- Da acusação e da matéria de facto provada resulta que, não foi dada voz de detenção pelo agente F, antes ou depois, de ter efectuado manobras para algemar o irmão do recorrente, A. Pelo que, não podia obviamente o recorrente ter actuado com a intenção de impedir a consumação da detenção. Nunca poderia o recorrente estar a impedir a consumação do que desconhecia.
XV- Pelo que não se verifica o elemento objectivo do fim da acção levada a cabo pelo arguido, e consequentemente o elemento subjectivo - dolo- o que afasta a verificação do tipo legal.
XVI- Por outro lado, a detenção também foi ilícita, e prova de tal facto é que o seu irmão foi absolvido dos crimes que vinha acusado.
XVII- O arguido tinha o direito de se opor à actuação do agente da GNR – direito à resistência constitucionalmente consagrado no art. 21 da CRP, em defesa do seu irmão.
XVIII- Por outro lado, sempre se verificaria a causa de exclusão de ilicitude da sua conduta, conforme previsto no art. 31º e 32º do Código Penal.
XIX- Acresce ainda que a actuação do recorrente se revela inidónea para afectar a actuação dos dois agentes da GNR.
XX- Tendo em consideração as especiais qualidades dos agentes da autoridade intervenientes, dotados de especiais capacidades e qualidades para gerir/suportar situações de confrontos, preparados física e tecnicamente para combate de prevenção de rua etc, a actuação do arguido, não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os actos funcionais desses militares.
XXI- Tanto mais, sendo o recorrente um jovem de 18 anos de idade, de fraca compleição física, o seu acto foi um acto de desespero em defesa do seu irmão, e verifica-se essa fragilidade na actuação em defesa do irmão, não resultando ofensa ao corpo do agente da GNR.
XXII- Pelo que a decisão recorrida ao condenar o arguido pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário violou o art. 374º do Código Penal.
XXIII- Caso não se entenda absolver o arguido do crime de injúria agravada e do crime de resistência e coacção a funcionário, e do pedido de indemnização, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, requer-se de todo o modo, a diminuição das penas que lhe foram aplicadas.
XIV- A Lei nº 19/2013, de 21/02, veio dar nova redacção ao nº 1 do citado art. 347, aumentando o limite mínimo da moldura penal de 30 dias para um ano, passando a pena de prisão de um a cinco anos.
A redacção do art. 347 nº 1, aplicável nos autos é a redacção anterior à dada pela Lei nº 19/2013 de 21.02, por ser o regime mais favorável, de acordo com o estabelecido no nº 2 do C. Penal, e em vigor à data dos factos.
XXV- A decisão recorrida fixou a pena concreta em 2 anos e seis meses de prisão, o que excede exageradamente o limite mínimo de 30 dias, concluindo-se que apesar de a sentença recorrida referir que é de aplicar aos autos o disposto no nº 1 do art. 347 à data da prática dos factos, por ser o regime mais favorável, não aplicou.
XXVI- A pena de prisão aplicada, mesmo que suspensa, é excessiva e desproporcional. A decisão recorrida violou os princípios da adequação e proporcionalidade das penas, sendo a pena aplicada exagerada, desproporcional e desajustada face às circunstâncias do caso.
XXVII- Uma pena excessiva não cumpre as finalidades de prevenção geral porque intolerável comunitariamente, não realiza as funções de prevenção especial porque o agente não a aceita e tem-na por injusta, não exercendo uma função de emenda cívica, tornando-se um puro desperdício.
XXVIII- À culpa nos termos dos artigos 40º e 71º do Código Penal, não cabe fornecer a medida da pena, mas o limite máximo que, em caso algum pode exceder, funcionando como antagonista da prevenção pois que quaisquer que sejam as necessidades de prevenção, jamais estas poderão superar a medida da culpa.
XXIX- O grau de ilicitude é baixo, como o Tribunal “ a quo” também assim entendeu. A intensidade do dolo também não é elevado.
XXX- À data dos factos o arguido tinha 18 anos de idade. O Tribunal “ a quo” afastou a aplicação do regime especial para jovens, limitando-se a referir que, da atenuação não resultarão vantagens para o arguido, devido à ausência de confissão do arguido, arrependimento e a fraca interiorização da ilicitude da conduta praticada, a que acrescem os antecedentes criminais do arguido.
XXXI- O arguido era muito jovem à data dos factos, está integrado social e laboralmente, a condenação anterior não é pelo mesmo tipo de crime, pelo que não se justifica o afastamento do regime penal para jovens como fez o Tribunal “ a quo”.
XXXII- Por outro lado, a pena aplicada ao arguido é excessiva e desadequada, sendo que há penas de substituição, como a de pena de multa e de prestação de trabalho a favor da comunidade, que se revelam suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial.
XXXIII- Não sendo absolvido dos crimes que vem acusado, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, a única solução equilibrada e justa teria sido fixar a pena de prisão aplicável ao arguido num quantum muito próximo do limite mínimo da moldura penal aplicável, não superior a dois meses, e substitui-la por pena de multa.
XXXIV- A aplicação da pena de substituição, ao arguido, satisfazia plenamente as necessidades de prevenção especial, e satisfazia a função de prevenção geral das penas.
XXXV- Quanto ao crime de injúrias agravada, a pena de multa aplicada também é excessiva. Pelas mesmas razões acima expostas, entende-se que a pena de multa não deve ultrapassar um quarto da moldura penal aplicável, pelo que a pena de multa não deverá ultrapassar 45 dias.
XXXVI- Conforme supra exposto, caso não se entenda absolver o arguido, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, e perante o circunstancialismo do caso concreto, considerando a condição social, pessoal, e económica, assim como as consequências dos factos, sempre se mostraria adequada à culpa do arguido e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois meses, substituída por pena de multa, quanto ao crime de resistência e coacção a funcionário e uma pena de multa não superior a 45 dias, pelo montante mínimo diário, quanto ao crime de injuria agravada, bem como a redução do montante fixado a título de indemnização cível.
XXXVII- A decisão recorrida não é justa de direito, foi violado o disposto no artigo 181, 184, 374º, 31º e 32º do C.P. e art. 21º da Lei Fundamental, bem como violou os princípios básicos de determinação da medida da pena, ao arrepio dos critérios previstos nos artigos 71º, 40º e 41º do Código Penal e do Dec. Lei nº 401/82, de 23/9.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas. como sempre mui doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida com todas as legais consequência, designadamente absolvendo-se o arguido dos crimes que lhe são imputados, e caso assim não se entenda, deve ser reduzida substancialmente as penas aplicadas, conforme supra exposto.
Assim farão V.Exas. a esperada e costumeira Justiça

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma (transcrição):

1. A prova produzida foi correctamente valorada, pelo que não há erro de julgamento da matéria de facto;
2. A sentença recorrida, não violou, assim, qualquer norma legal, não padece de qualquer vício nem merece qualquer reparo;
3. As penas aplicadas ao arguido são justas, equilibradas e foram alcançadas de acordo com os critérios legais previstos do artigo 40.º e 71.º, ambos do Código Penal.
Assim, deverá negar-se provimento ao recurso, mantendo-se inteiramente a sentença do Tribunal a quo, com o que se fará Justiça

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-geral Adjunto, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar do acórdão recorrido considerado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que ao mesmo sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( Artº 410 nº3 do CPP )
Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se, tão só, às conclusões da recorrente, nas quais se solicita a apreciação das seguintes matérias :
1) Inexistência do crime de injúrias
2) Inexistência do crime de resistência e coacção sobre o funcionário
3) Diminuição das penas aplicadas

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte ( transcrição ) :

II.1 - FACTOS PROVADOS:

1. No dia 10 de julho de 2009, cerca das 15h00, na Rua do Estádio, junto à Rotunda dos Relógios, em Albufeira, na sequência de uma abordagem efetuada por G a propósito de uma infração estradal, A dirigiu-se-lhe dizendo "vai-te foder, não te dou documentos nenhuns" e, seguidamente, "estou-me a cagar para vocês, não lhes dou documentos nenhuns";
2. Após, o arguido A saiu do interior do veículo, desferiu dois murros no vidro para-brisas do veículo que conduzia, agarrando de seguida a farda de G pelo peito, sendo imediatamente agarrado por F, que efetuou manobras para o algemar;
3. Ao aperceber-se que F se preparava para algemar o irmão, B agarrou-lhe o pescoço ao mesmo tempo que dizia: "larga o meu irmão, seu filho da puta”, logrando, com tal conduta, paralisar a ação do militar;
4. Ao proferir a expressão “filho da puta” dirigindo-se a F, B quis ofender a sua honra e consideração, sabendo que aquele era militar da GNR e se encontrava no exercício das suas funções;
5. Ao agarrar F pelo pescoço, B pretendeu ofender o corpo do mesmo, que sabia ser militar da GNR no exercício das suas funções, e impedi-lo de deter A e manter a sua detenção;
6. Os arguidos agiram no cometimento dos factos acima descritos, de forma livre, deliberada e consciente;
7. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

Mais se apurou que B:

8. É oriundo de um agregado familiar com um estrato socioeconómico e cultural bastante desfavorecido e com uma dinâmica relacional disfuncional na sequência de um padrão comportamental agressivo por parte da figura paterna - traduzido em maus tratos infligidos ao cônjuge e filhos -, concomitante com o uso de substâncias aditivas por parte de alguns elementos;
9. Teve percurso escolar pautado por comportamentos de absentismo e/ou de agressividade, que acarretaram a intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco;
10. Completou o 5.º ano de escolaridade com cerca de 13 anos de idade, idade em que abandonou o ensino;
11. Autonomizou-se precocemente por via da ambiência conflitual grave com o pai e do desmembramento do agregado familiar, com a ãe a deslocar-se para o norte do país;
12. Com cerca de dezasseis anos de idade, B vivência, um período de prisão preventiva, tendo sido colocado em liberdade em Maio de 2008;
13. Após um período de permanência em Albufeira sem qualquer enquadramento sociofamiliar, emigrou para Inglaterra, com o apoio de C, coarguida no sua namorada à data, cuja mãe residia naquele país;
14. Regressou a Portugal no final de 2011 ou início de 2012, na sequência da rutura do relacionamento marital que mantinha com a referida coarguida;
15. Sem qualquer enquadramento sociofamiliar, foi acolhido por um casal, residente na morada indicada nos autos, face às dificuldades económicas que experimentava;
16. Atualmente, trabalha no MacDonald´s do Centro Comercial da Guia, Albufeira, não tendo sido detetados comportamentos de absentismo e/ou irresponsabilidade laboral, e auferindo € 485 mensais;
17. Patenteia imaturidade no que concerne à elaboração de uma adequada análise crítica do bem jurídico em causa;
18. Minimiza a relevância dos factos praticados nos autos e enquadra-os num contexto circunstancial de reação a uma situação que avaliou como inadequada;
19. Foi condenado por acórdão proferido em 23/04/2008, no processo n.º 831/07.0GCSXL, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Seixal, transitada em julgado em 05/06/2008, pela prática, em 14/07/2007, de 4 crimes de furto qualificado, 2 crimes de furto simples, 1 crime de falsificação, 1 crime de condução sem habilitação legal e 1 crime de evasão, nas penas de 3 anos de prisão suspensa por igual período, e 500 dias de multa à taxa diária de € 5.

*
II.2 - FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provou:
1. Que enquanto G e F tentavam algemar A e B, estes os tenham agredido com empurrões e murros;
2. Que enquanto G e F tentavam algemar A e B, E, D e C tenham puxado e agarrado as fardas dos militares, os tenham agarrado e lhes tenham desferido murros, tentando desta forma impedi-los de algemar aqueles;
3. Que A, C, D e E tenham agarrado, empurrado, arranhado e dado murros a F e G pretendendo ofender o corpo dos mesmos, que sabia serem agentes da GNR, e impedi-los de deterem o A e o B e manterem a sua detenção, sabendo que ali se encontravam no exercício das suas funções;
4. Que A tinha na sua posse uma bolota de canábis com o peso líquido de 3,465 gramas e, sabendo que não podia deter aquela quantidade de substâncias estupefacientes tenha, não obstante, querido e logrado adquiri-la e detê-la;
5. Qual dos arguidos praticou atos que causassem a G ferimentos no punho e junto ao nariz, causando-lhe dor e rasgando-lhe as calças e a camisa da farda no montante total de € 51, e riscando os seus óculos de sol no valor de € 150;
6. Qual dos arguidos praticou atos que causassem a F hematomas nas mãos, pescoço e fonte, causando-lhe dor e rasgando-lhe a camisa que envergava, no valor de € 15, rasgando a pasta de expediente no valor de € 5, e riscando os óculos de sol no valor de € 125;
7. Que A, C, D e E pretenderam ofender o corpo de F e G, que sabiam serem agentes da GNR, e impedi-los de deterem o A e o B e manterem a sua detenção, bem sabendo que ali se encontravam no exercício das suas funções.

Pelo tribunal recorrido, foi assim justificada a motivação da decisão de facto ( transcrição ) :

II.3 - MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

O Tribunal fundou a sua convicção com base na globalidade da prova produzida e analisada em audiência, globalmente considerada e criticamente analisada, à luz de critérios de normalidade e experiência comum, nomeadamente, nos termos infra especificados.
Consideraram-se, nomeadamente, as declarações de A e B, os depoimentos de F e G, os fotogramas a fls. 40 a 43, 44 a 48, 49 a 50, e 361 a 363, o auto de apreensão a fls. 53, e o relatório pericial a fls. 109.
Analisando criticamente a prova, credibilizaram-se, integralmente, os depoimentos de F e G, que descreveram os factos de forma calma, serena, espontânea e, não escondendo o natural desagrado pela atuação dos arguidos, não revelaram animosidade quanto às pessoas dos mesmos.
Acresce que, quando foram perguntados sobre o grosso da factualidade em julgamento que bem sabiam, atentas as funções que exercem, ser penalmente relevante, e que das respostas que deram resultaria não se lograr apurar os autores dela, com a mesma calma que a outras questões tinham respondido afirmativamente, a estas responderam negativamente.
Tal comportamento evidencia imparcialidade e desinteresse no destino dos autos e, dessa forma, credibiliza para além de dúvida razoável os depoimentos em causa.
Inversamente, as declarações dos arguidos não mereceram credibilidade alguma. A defendeu-se com uma versão pobre dos factos, fazendo dos guardas os ofensores, chegando a declarar que teve medo deles. Todavia, não conseguiu esconder o profundo desprezo que tem por eles, não se percebeu se enquanto indivíduos ou enquanto agentes de autoridade, revelando uma personalidade totalmente compatível com o comportamento que as testemunhas descreveram e, nessa medida, credibilizando-as.
B alinhou pelo mesmo diapasão, com discurso muito pobre e descrição simplista dos factos, desculpando-se com falta de memória quando lhe eram pedidos pormenores e declarando que o irmão, já roxo com falta de ar por estar a ser estrangulado por um dos guardas, lhe pediu auxílio, motivando tal pedido a sua intervenção.
Sucede que um ser humano, já roxo por via de estrangulamento que ainda esteja em curso, é incapaz de articular linguagem, para além de que fica, se sobreviver, com pronunciados hematomas no pescoço, que ninguém referiu, sendo certo que quem junta fotos de peças de veículos e escoriações ligeiras – cfr. fls. 361 a 363 -, não deixaria de juntar ilustrações de tais leões.
Assim, os pontos 1 a 5 dos factos provados fundaram-se, primacialmente, nos depoimentos de F e G.
Os pontos 6 e 7 foram retirados por ilação, em face de critérios de normalidade e experiência comum, dos demais factos provados, em face da globalidade dos elementos probatórios considerados.
A factualidade não provada resultou, inversamente, de falta de prova da sua verificação, seja por as testemunhas não terem confirmado a ocorrência dos factos, seja por não terem conseguido identificar os autores dos mesmos o que, não se imputando na acusação nem decorrendo da prova que os arguidos tenham agido no âmbito de acordo prévio, e não se sabendo quem fez o quê nem se podendo retirar por ilação que todos intervieram, tinha que se considerar como não provados os factos que mereceram assento nos pontos 1 a 3 e 6 a 7 da factualidade não apurada.
Os pontos 3 e 4 dos factos provados não provados resultam do dissídio entre o constante no auto de apreensão de fls. 53 e o depoimento de G a respeito dos factos descritos no auto, a lançar dúvida insanável sobre os factos descritos no dito auto.
Merece específica menção o facto de se ter considerado não provado que A quis ofender o corpo de G quando lhe agarrou a farda pelo peito na medida em que este declarou que não sentiu qualquer dor e não se logrou apurar com a necessária exatidão como ocorreu o movimento corporal do arguido e que contacto houve, se algum, com o militar.
Não se tendo apurado com a necessária exatidão a ação objetivamente realizada, afigura-se-nos temerário presumir que o arguido a realizou enquanto parte, ou a totalidade, de um plano que pretendesse atingir corporalmente o guarda para lhe causar dor, sendo certo que, mesmo quem desse tal salto, rapidamente se debateria, em nosso ver, com a questão de saber se o plano tinha ou não sido concretizado, atenta a sobredita dúvida sobre se existiu, ou não, contacto corporal, e quais os caracteres do mesmo.
As condições económicas e sociais de B resultam das suas declarações e do relatório social a fls. 334 a 338 e os seus antecedentes criminais derivam do certificado de registo criminal de fls. 368 a 369.

Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente :

B.1. Do preenchimento do crime de injúria ;

Invoca o recorrente os seguintes argumentos para defender a inexistência do crime de injúria e consequentemente, pugnar pela sua absolvição do mesmo :
Sendo o ofendido agente da GNR, em exercício de funções, o crime em causa, de injúria agravada, reveste natureza semi-pública, pelo que se torna necessário, para o exercício do respectivo procedimento criminal, a inequívoca demonstração de vontade do ofendido de que desejava procedimento criminal, o que não acontece nos presentes autos, na medida em que o auto de notícia por detenção não vale como denúncia de procedimento criminal, ainda que o ofendido o tenha assinado como testemunha.
Nessa medida, ter-se-á de considerar que não existe, nos autos, queixa do ofendido contra o ora recorrente, pela prática dos factos que

consubstanciam o crime de injúria agravada, carecendo o M.P. de legitimidade para acusar por este ilícito.
Mesmo que assim não se entendesse, entende o recorrente que nunca poderia vir a ser condenado pelo crime de injúrias, na medida em que a ofensa em causa, considerando o contexto situacional em que foi proferida, não tem significado injurioso, nem visava atingir a honra ou consideração do agente da GNR, antes se tratando de uma expressão desrespeitosa, censurável do ponto de vista moral, mas que não assume relevância criminal.
Por fim, sempre se verificaria a causa de exclusão de ilicitude da sua conduta, nos termos dos Artsº 31 e 32 do C. Penal, tendo em conta que a mesma foi utilizada pelo arguido quando se apercebeu que o ofendido se preparava para algemar o irmão, havendo assim que concluir que o arguido tinha o direito de se opor à actuação do ofendido, em defesa do seu irmão, no âmbito do direito de resistência constitucionalmente consagrado no Artº 21 da CRP.
Importa, antes de mais, atentar no que, a tal propósito, se escreveu na decisão recorrida ( transcrição ) :

Do crime de injúria agravada:

Vêm os arguidos A e B acusados da prática do crime em causa.
Nos termos do artigo 181º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de injúria “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração”, pelo que será punido com pena de prisão até 3 meses ou multa até 120 dias.
Nos termos do artigo 184.º, por referência ao artigo 132º, n.º 2, al. l), tal crime é agravado se a vítima for agente das forças de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas, caso em que a medida da pena será agravada em metade nos seus limites mínimo e máximo.
O bem jurídico tutelado pelo crime de injúria é a honra e consideração das pessoas. Com tal incriminação o legislador visa proteger esses direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados (cfr. artigos 26.º, n.º1 e 27.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa), contra ataques, por palavras ou gestos, cometidos por outrem e suscetíveis de ofenderem os mesmos.
Reconduz-se, por conseguinte, a injúria a um comportamento lesivo da honra e da consideração de alguém, constituindo a honra o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a retidão, isto é, a dignidade subjetiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objetiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública – cfr. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal, volume II,p. 317 e Ac. da RL de 6/02/1996, CJ, ano XXI, t. I, p. 156.
Para que o referido tipo legal seja preenchido é necessário, por um lado, que a imputação de factos, as palavras proferidas ou os gestos efetuados, sejam objetivamente injuriosos face aos padrões médios de valoração social e, por outro lado, que o sejam subjetivamente, tendo em conta a sensibilidade e suscetibilidade pessoal do ofendido, as quais, como se sabe, variam de pessoa para pessoa em função dos mais diversos fatores como sejam o do meio social em que se inserem, os graus de instrução, de educação, de cultura, etc. – Cfr., entre outros, os Ac. da Relação de Coimbra de 9 de Março de 1998, in CJ, XIII, t. II, p. 84.
Para que o tipo subjetivo seja preenchido basta que, uma vez verificado o carácter injurioso dos factos imputados, se atue com a consciência de que aquilo que se imputa é de molde a ofender a honra e a consideração da pessoa visada, não sendo, portanto, necessária a existência de dolo específico, bastando apenas o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas, previstas no artigo 14.º do Código Penal – Cfr., entre outros, o Ac. da Relação do Porto, de 30/11/1988, in CJ, Ano XIII, t.V, p. 221, e Ac. da Relação de Coimbra de 15/03/1989, in CJ, Ano XIV, t. II, p. 84.
No entanto, no caso concreto, o dolo do arguido há-de, ainda, repostar-se à qualidade do agente contra quem as ofensas são perpetradas, sob pena de não lhe poder ser aplicada a agravação a que se reporta o artigo 184.º do Código Penal.
Do exposto não resultam dúvidas de que B, ao dirigir-se a F e, do modo descrito no ponto 4 dos factos provados, chamar-lhe “filho da puta”, preencheu objetiva e subjetivamente o tipo criminal em causa pelo qual irá, a final, na ausência de causas de justificação ou desculpa, condenado.
Primeiramente e no que concerne à questão suscitada pelo recorrente de que inexistiria qualquer manifestação de vontade expressa do ofendido, F, no sentido de pretender contra o arguido procedimento criminal, dir-se-á que mal se entende essa afirmação, tendo em conta o constante do auto de notícia de Fls. 3/6, onde, nesta última, a dado passo, se diz que « O participante e a testemunha desejam procedimento criminal contra todos os arguidos e que lhes sejam pagas as despesas resultantes dos Danos sofridos ».
Ora, figurando o ora ofendido como testemunha desse auto de notícia, é evidente que por aquela expressão está, inequívoca e expressamente afirmada a sua vontade de proceder criminalmente contra o ora recorrente pelos factos constantes do dito auto de notícia, entre os quais se inclui os que levaram à condenação deste pelo crime de injúria agravada.
Tem o recorrente inteira razão quando afirma - na esteira, aliás, de vária jurisprudência nesse sentido - que um auto de noticia por detenção, lavrado por imposição legal e no exercício das respectivas funções, por agentes de autoridade, narrando factos reportados a crimes de natureza semi-pública em que sejam ofendidos, não revela, só por si, uma manifestação inequívoca de desejo de procedimento criminal por parte desses agentes, para que se possa configurar, para os legais efeitos, como queixa criminal.
Simplesmente, no auto de notícia de Fls. 3/6, o ora ofendido, cristalina e linearmente, manifesta o desejo de procedimento criminal contra o arguido, vontade que aliás reiterou aquando da sua inquirição em sede de inquérito a Fls. 98/99, não sendo aqui relevante que, nesta data, se não tenha referido à expressão injuriosa em causa, na medida em que a mesma já constava do aludido auto de notícia e foi reafirmada em Audiência de Julgamento.
Assim sendo, esse desejo de procedimento criminal tem, como é evidente, de ser entendido como o exercício, por parte daquele, do direito de queixa contra o arguido pelo crime de injúria agravada, exigido pelas disposições combinadas dos Artsº 181 nº1, 184 e 188 nº1 al. a), todos do C. Penal, pelo que, e ao contrário do afirmado pelo recorrente, nenhum problema se coloca quanto à legitimidade do M.P. para acusar por esse ilícito, nos termos dos Artsº 48 e 49 do CPP.
No que respeita a saber se a expressão proferida pelo arguido em relação ao ofendido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar apuradas, revestem dignidade penal, ou seja, se foram proferidas em condições e com o intuito de atingir, de modo penalmente censurável, a honra ou a consideração deste, ou, dito de outra forma, o seu bom nome ou a sua reputação, que são, como se sabe, os valores protegidos pela incriminação do Artº 181 do C. Penal, a resposta não pode deixar de ser positiva.
Sendo conceitos, ambos, largamente dissecados, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, apenas se dirá, na esteira dos ensinamentos de Beleza dos Santos ( RLJ, 3152-142 ), que a honra, é a essência da personalidade humana, referindo-se à probidade, rectidão, carácter e a consideração, é o valor atribuído por alguém ao juízo do público, isto é, do apreço ou, pelo menos, da não desconsideração que os outros tenham por ele.
É sabido que o nosso Código Penal adoptou uma concepção dualista da noção de honra e consideração, na medida em que esta é vista, quer pelo valor pessoal ou interior de cada indivíduo, o juízo valorativo que cada um de nós faz de si mesmo ( honra subjectiva ), quer pela reputação ou consideração exterior que o mesmo tem na comunidade ou no grupo social em que se insere ( honra objectiva ).
Daqui se infere uma enorme relatividade na definição destas noções, pelo que importa cotejar o circunstancialismo concreto de cada situação para podermos concluir se uma determinada expressão é, ou não, susceptível de ser injuriosa para a honra ou consideração de terceiro.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende-se que a expressão, filho da puta, dirigido pelo arguido ao ofendido, é, objectiva e subjectivamente, ofensiva da honra deste.
Se tivermos em conta, como pretende o recorrente, o circunstancialismo em que foi proferida - ao mesmo tempo que o arguido o agarrava pelo pescoço e quando aquele se preparava para algemar o seu irmão – então todas as dúvidas que pudesse existir sobre o tom injurioso da ofensa se dissipam, tão evidente é o propósito do arguido em atingir a honra do queixoso, tendo usado para tanto, uma expressão que, objectivamente, obtêm esse resultado, como aliás é reconhecido pela comunidade.
Como bem diz o M.P. na sua resposta « …a expressão proferida … contém, em si, um conteúdo desvalioso da honra e consideração dos militares da GNR, principalmente, porque actuavam no exercício das funções e a expressão foi proferida por causa delas. »
Na verdade, sendo a injúria, como ilícito criminal, algo mais do que a indelicadeza ou a grosseria, protegendo-se no tipo, coisa diferente da simples susceptibilidade pessoal, é manifesto que a expressão em causa se traduz numa ofensa à honra do queixoso, pois desenha, em si própria, um juízo de valor em relação à pessoa daquele, socialmente tido como depreciativo.
Por fim e em relação a um hipotético direito de defesa do arguido em relação à conduta do ofendido para com o seu irmão, mal se compreende a sua alegação, na medida em que em nenhum facto da matéria apurada se pode concluir que a intervenção do ofendido se configurava como ilegal ou ilegitimamente violadora dos direitos, liberdades e garantias do irmão do recorrente.
Trata-se de matéria que o arguido teria de concretizar para que se pudesse configurar o alegado direito de resistência, o que o recorrente não fez, nem, em boa verdade, o poderia fazer, tendo em conta a secura do que, a este nível, foi dado como provado.
Nessa medida, tal como em relação a uma eventual causa de justificação ou exclusão da ilicitude, o recurso carece de invocação fáctica que possibilitasse o desenho de qualquer um desses institutos, sendo evidente, atenta a factualidade provada, a ausência dos requisitos a que aludem os Artsº 31 e 32 do C. Penal.
Em conclusão, bem andou o tribunal a quo ao considerar que a expressão utilizada pelo arguido preenche a previsão normativa do estatuído nos Artsº 181 nº1 e 184, ambos do C. Penal, havendo assim fundamento factual e de direito para que o recorrente tenha sido condenado por este ilícito, não podendo o recurso deixar de improceder nesta parte.

B.2. Do preenchimento do crime de resistência e coacção sobre o funcionário ;

Nesta sede, e para concluir pela inexistência do crime de resistência e coacção sobre funcionário e consequentemente, para reclamar a sua absolvição do mesmo, defende o recorrente que não tendo sido dada voz de detenção por parte do ofendido ao seu irmão antes de o algemar, não poderia o arguido estar a impedir a consumação de algo que desconhecia, nem ter actuado com esse propósito, pelo que não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do Artº 347 do C. Penal.
Por outro lado, a referida detenção foi ilícita, como se demonstra pelo facto do seu irmão ter sido absolvido dos crimes que vinha acusado, pelo que o arguido tinha o direito de se opor à actuação do ofendido, em defesa daquele, ao abrigo do já mencionado direito à resistência constitucionalmente consagrado no Artº 21 da CR.
Por fim, apesar da sua conduta estar ilicitamente justificada, ao abrigo do disposto nos Artsº 31 e 32 do C. Penal, sempre a mesma se revela inidónea para afectar a actuação dos dois agentes da GNR, tendo em consideração as especiais qualidades destes e o facto do recorrente ser um jovem de 18 anos de idade e de fraca compleição física, da mesma não resultando qualquer ofensa no corpo do ofendido.
A este nível, disse-se na decisão recorrida ( transcrição ) :

Do crime de Resistência e coação sobre funcionário:

Dispõe o artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na redação que lhe deu a Lei n.º 59/2007, de 4/9 que “Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até 5 anos”.
A norma foi alterada, após a data da prática dos factos, pela Lei n.º 19/2013, que, mantendo a tipificação inalterada, aumentou o limite mínimo da moldura penal de 30 dias para um ano.
Na medida em que, em concreto, tal constitui um agravamento da responsabilidade criminal que só pode se desfavorável ao arguido, aplicar-se-á, atento o disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 2.º do Código Penal, a redação da norma em vigor à data da prática dos factos.
O interesse que a lei visa proteger com esta incriminação é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade de atuação do seu funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, e não, diretamente, os bens jurídicos pessoais ligados aos mesmos. Assenta assim na proteção de um bem jurídico que tem o seu escopo na autonomia intencional do Estado.
O meio de execução do crime é a violência ou ameaça grave, compreendendo assim a coação moral, sendo a gravidade da mesma aferida pela seriedade com que é feita e pela potencialidade para produzir o efeito querido.
Relativamente à violência não tem a mesma de ser grave e nem sequer tem de consistir em agressão física, bastando que exista uma simples hostilidade, idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima das autoridades – Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 29/03/1995, CJ XX, Tomo 2, p. 232, e Ac. STJ de 17 de Maio de 2001, proc. N.º 946/01-5.ª; SASTJ, n.º 51,91.
Já no tocante à ameaça grave está a mesma verificada sempre que a ação afete a segurança e a tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido – cfr. Ac. do STJ de 17 de Maio de 2001, proc. N.º 946/01-5.ª; SASTJ, n.º 51, 91.
No caso dos autos não podemos deixar de considerar que a conduta de B, ao agarrar o pescoço de F para evitar que este procedesse auxiliasse G na detenção de A, constituiu utilização de violência, no caso, mediante a perpetração duma ofensa corporal.
Assim, se entendemos que, para ser penalmente relevante, o nível de violência utilizado tem que ser idóneo para perturbar a liberdade de ação do funcionário, apelando-se, para determinar tal idoneidade, quando necessário, ao critério objetivo-individual – cfr., a este respeito, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2001, Tomo III, pág. 341 – no caso dos autos tal apelo não se revela, sequer, necessário, posto que, com o emprego de tal meio, o arguido logrou, efetivamente, paralisar a conduta de F.
Assim, tendo a ação violenta sido levada a cabo com o propósito alcançado de impedir a prática de ato relativo às funções do militar, do modo descrito no ponto 5 dos factos provados e dolosamente, a conduta de B preenche, objetiva e subjetivamente, o tipo criminal em apreço, pelo que dúvidas não subsistem de que este arguido praticou, também, este ilícito penal, pelo qual irá, a final, na ausência de causas de justificação ou desculpa, condenado, com a alteração da qualificação jurídica resultante da revisão da norma ocorrida em 2007.
Diz-se no Artº 347 do C. Penal, na redacção em vigor à data dos factos, que “Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até cinco anos. ”
Trata-se assim, como se sabe, de um crime de perigo, de execução vinculada, em que o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado, em que se pretende evitar que os cidadãos comuns coloquem entraves à livre execução das tarefas dos funcionários do Estado e em que do tipo objectivo fazem parte, quer o fim visado pela acção criminosa (opor-se ao exercício das funções da autoridade pública), quer o meio utilizado, que se terá de consubstanciar em violência ou ameaça desta, que se mostrem suficientes, atento o caso concreto, para perturbar a liberdade de acção do funcionário.
Ora, atenta a factualidade provada, torna-se indiscutível o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos deste tipo legal de crime.
Na verdade, o arguido, com o propósito confesso de tentar impedir que o ofendido algemasse o seu irmão, no preciso momento em que aquele se preparava para executar tal tarefa, agarrou-o pelo pescoço, ao mesmo tempo que o dizia para largar o irmão.
Nessa medida, torna-se evidente que o arguido actuou com a intenção clara e explicita de impedir que o seu irmão fosse algemado pelo ofendido, sendo irrelevante que não se tenha provado que sobre o mesmo recaiu voz de detenção, na medida em que o arguido bem se apercebeu do exercício de autoridade que o ofendido iria exercer sobre o seu irmão e agiu do modo descrito visando impedir essa actuação de um agente do Estado.
Por outro lado, não faz sentido a alegação do recorrente em relação à inexistência de ofensa no corpo do ofendido em consequência da sua conduta e ao meio inidóneo por si utilizado para perturbar a acção do militar.
O simples acto de agarrar o pescoço de alguém é, em si mesmo, uma ofensa sobre o corpo de quem é agarrado, sendo totalmente inócuo, para o preenchimento do tipo, a existência de dor em consequência dessa actuação.
Por outro lado, a melhor prova que o meio escolhido pelo arguido para impedir a actuação do ofendido se revelou de uma perfeita idoneidade, é que aquele, através do mesmo, logrou atingir os seus propósitos, na medida em que, como resulta da factualidade apurada, ao agarrar o agente de autoridade pelo pescoço conseguir paralisar a acção que este pretendia desenvolver.
Nessa medida, torna-se claro que a violência exercida pelo arguido sobre o queixoso – agarrá-lo pelo pescoço – se mostrou suficiente para o coagir, impedindo-o de exercer as suas funções, que, naquele momento, se cristalizavam em tentar algemar o irmão do recorrente.
Por fim, valem aqui, mutatis, mutantis, as considerações atrás expendidas sobre o fracasso das alegações de recurso relativas à existência de um direito de resistência por parte do arguido, ou de qualquer causa de justificação ou exclusão da ilicitude, sendo claro que da circunstância do irmão do arguido ter sido absolvido dos crimes que lhe eram imputados não resulta que a intervenção do ofendido sobre o mesmo fosse ilegal ou ilegítima.
Conclui-se assim, à evidência, que o arguido cometeu o crime de resistência e coacção sobre funcionário que lhe era imputado, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida nesta parte.
Razão pela qual, também aqui, o recurso improcede.

B.3. Medida das penas

Por fim, solicita o arguido a diminuição das penas que lhe foram aplicadas, por ambos os crimes, bem como, da pena única que lhe foi fixada, por todas elas se mostrarem exageradas e desproporcionadas às circunstâncias do caso, tendo em conta o baixo grau de ilicitude, a diminuta intensidade do dolo e o facto de o arguido ser muito jovem na altura do cometimento dos crimes, com apenas 18 anos de idade o que justifica a aplicação do regime penal para jovens porquanto a sua condenação anterior não é pelo mesmo tipo de crime.
Nessa medida, solicita que lhe seja aplicada, no que respeita ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, uma pena de prisão não superior a dois meses e substituída por multa e ao ilícito de injúria agravada, uma pena de multa que não ultrapasse os 45 dias, reduzindo-se também o montante fixado a título de indemnização cível.
Sobre esta matéria, escreveu-se na sentença sindicada ( transcrição ) :

II.5 - ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA:

Do crime de injúria agravada:
Consubstanciando a conduta de B, no que às injúrias concerne, a prática de um crime punível em alternativa com pena de prisão e pena de multa, importa agora escolher a pena aplicável e determinar a sua concreta medida.
No que toca à escolha da pena, sempre que o crime seja punível em alternativa com pena privativa e pena não privativa da liberdade, a lei penal dá preferência à aplicação de penas não privativas da liberdade sempre que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 70º e 40º, n.º 1, do Código Penal.
Neste âmbito há que ter em conta o efeito normalmente pernicioso que muitas vezes tem a aplicação de penas de prisão de curta duração, não só pelos riscos de “contaminação” do condenado mas também ausência de efeitos reeducativos, pelo que, tendo em conta que o arguido não tem antecedentes criminais pela prática do crime em causa e inicia agora um tímido percurso de integração social e laboral, considero que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade realiza de forma adequada aquelas necessidades de punição.

Da medida das penas a aplicar
A pena a aplicar terá como limite a culpa do arguido, revelada nos factos por si praticados e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial - artigos 40º, n.ºs 1e 2, e 71º, n.º 1, do Código Penal.
Para determinar a concreta medida da pena deve o julgador ter em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena - artigo 71º, n.º 2, do Código Penal.
No caso concreto, quanto ao crime de injúria agravada, há assim que ponderar:
- O grau de ilicitude do facto, que se afigura mediano;
- O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo direto;
- As condições pessoais do arguido e a sua situação económica, que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, sendo de atentar a inexistência de antecedentes criminais do arguido por factos semelhantes, por um lado, mas na falta de interiorização da ilicitude da conduta, pelo outro.
As necessidades de prevenção geral são elevadas atenta a frequência com que são praticados crimes desta natureza, e as de prevenção especial fazem-se sentir com acuidade atentos os antecedentes do arguido e a sua falta de interiorização da ilicitude da conduta.
Assim, tudo ponderado, atenta a moldura penal de 15 a 180 dias - cfr. artigos 47.º, n.º 1, 181, n.º 1, e 184.º do Código Penal - , concluo ser adequada a aplicação da pena de 100 dias de multa cujo quantitativo diário, em face das condições económicas do arguido e do disposto no n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal, fixo em € 6.
*
Do crime de resistência e coação sobre funcionário:
O crime em causa admite apenas pena de prisão, que vai de 1 a 5 anos – cfr. artigo 47.º do Código Penal.
Do regime penal especial para jovens:

Dispõem os artigos 1.º e 4.º do DL n.º 401/82, de 23/9, que aos jovens que pratiquem um facto qualificado como crime depois de completarem 16 anos de idade e antes de completarem 21, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do CP, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A aplicação deste regime penal dos jovens não constitui uma faculdade, mas antes um poder dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, deve aquele considerar no seu juízo de prognose positiva imposto tanto a atuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, o que implica conhecer da sua personalidade, das suas condições pessoais, da conduta anterior e posterior ao crime
No caso, a ausência de confissão, de arrependimento, e a fraca interiorização da ilicitude da conduta praticada, a que acrescem os antecedentes criminais do arguido, apontam claramente no sentido de que da atenuação não resultarão vantagens para o arguido, razão pela qual se não aplicará o mesmo.
Assim, considerando a acima indicada moldura penal do crime, há que ponderar:
-O grau de ilicitude do facto, que se afigura baixo, atento o meio empregue;
- A baixa gravidade das consequências;
- O dolo direto;
- As condições pessoais do arguido, que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, sendo de atentar a na existência de antecedentes criminais, com aplicação de pena de prisão suspensa, por crimes entre os quais se conta o de evasão que, pese embora proteja, primariamente, a segurança da custódia oficial, se reposta à proteção do bem jurídico mais lato que é a autonomia intencional do Estado, ou seja, o mesmo que protege o crime de resistência e coação sobre funcionário.
Por outro lado há que ter em conta que as necessidades de prevenção geral são prementes, atenta a crescente dissolução do respeito pelo bem jurídico violado, e que as de prevenção especial se afiguram agravadas pelos antecedentes criminais do arguido e pela falta de interiorização da ilicitude da conduta e de arrependimento.

Assim, tudo ponderado, concluo ser adequada a aplicação da pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
*
Da substituição da pena de prisão por pena não privativa da liberdade:
Dispõe o artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Acrescenta o n.º 2 do preceito que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
No caso dos autos, atendendo a que o arguido inicia agora tímido percurso de integração social e laboral, era muito jovem à data da prática dos factos e não há nos autos notícia de que tenha praticado outros, considera-se ainda possível formular um juízo de prognose positiva a respeito da suficiência da censura do facto e ameaça da prisão para evitar a prática de futuros crimes a qual, atenta a idade do arguido à prática dos factos e o disposto no n.º 3 do artigo 53.º, do Código Penal, será sujeito a regime de prova a elaborar pela DGRS.
*
Não há lugar ao cúmulo jurídico das penas aplicadas atenta a sua distinta natureza, sendo a pena a aplicar a final a que resulte do cúmulo material das aplicadas a cada um dos crimes.
Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs :
« As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada ;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena ( Artº 18 nº2 da CRP ) e do principio constitucional da dignidade da pessoa humana ( consagrado no nº1 do mesmo comando )
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena »
Importa ainda ter em conta que :
« A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade - cf. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182» – Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07 - 5ª »
Ora, cotejando estes critérios com o decidido pela instância recorrida, entende-se, salvaguardando o devido respeito por opinião contrária, que não assiste razão ao recorrente e que as penas ali fixadas se mostram adequadas e proporcionais às exigências de prevenção geral e especial que no caso concorrem, bem como, às finalidades punitivas que supra se plasmaram.
Na verdade, o tribunal recorrido, sopesou, na sua devida conta, todos os factores em jogo, incluindo os que agora são reclamados pelo recorrente, quer desfavoráveis, quer favoráveis, nomeadamente, o grau da ilicitude, a intensidade do dolo, a inserção profissional do arguido, as condições de vida, a sua idade, o desvalor social da acção delitiva, o juízo de censura susceptível de ser formulado, os antecedentes criminais do arguido, a gravidade das condutas e as circunstâncias em que as mesmas ocorreram.
Finda tal operação, fixou, de forma criteriosa, as penas parcelares aplicáveis, tendo por referência a dimensão média das respectivas molduras penais, bem como, a pena única resultante do necessário cúmulo jurídico, configurando-se, todas elas, como proporcionais àqueles vectores e à tutela dos bens jurídicos em concreto.
Mesmo na ponderação sobre a aplicabilidade do Regime Penal Especial para Jovens, o tribunal recorrido avaliou, para além, naturalmente, da juventude do arguido, a sua postura processual – da qual não decorre qualquer arrependimento ou interiorização da ilicitude – e seus os antecedentes criminais, particularmente relevantes se tivermos em conta, quer a sua idade, quer a natureza dos mesmos, de alguma gravidade, de delitos contra o património e onde consta, curiosamente, um crime onde, ainda que indirectamente, se protege – como na resistência e coacção sobre funcionário – a autonomia intencional do Estado, como é, o ilícito de evasão.
Por tais motivos, entendeu – e bem – o Tribunal a quo, que a aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes não traria quaisquer vantagens para o arguido, razão pela qual não o aplicou, por não se mostrar preenchida a previsão normativa do Artº 4 do D.L. 410/82 de 23/09.
Também aqui não existe motivo para censurar a decisão recorrida, tal como na fixação da pena de multa e do seu quantitativo diário, a qual, como é sabido, tem de implicar para o condenado algum sacrifício económico, sob pena do mesmo nem a sentir como punição pelo crime cometido.
Conclui-se assim que as penas aplicadas pela instância recorrida não merecem qualquer censura, por isso fracassando, ainda aqui, o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.

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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o mesmo foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
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Évora, 07 de Janeiro de 2014

Renato Damas Barroso
António Manuel Clemente Lima