CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONTRAPROVA
Sumário


I - O exame de contraprova, a que alude o art. 153.º do Código da Estrada, tem de ser efectuado em aparelho diverso daquele em que foi realizado o 1.º exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

II - Tendo o exame de contraprova sido levado a efeito fora das condições impostas por lei, a mesma é inválida, por ilegal, não podendo, por tal, ser valorada, nem repetida.

Texto Integral


Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

No Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, com o n.º 1026/07. 9GBLLE, a correr termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A,, ..., nascido em 22102/59, natural de Northampton - Inglaterra, divorciado, canalizador, com residência...., Loulé;

Imputando-lhe factos susceptíveis de integrar a prática, em autoria material, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292°, n.º 1, e 69°, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

O arguido apresentou contestação, cfr. fls. 184 e segs.

Procedeu-se a Julgamento com observância do ritualismo legal exigido, vindo-se, no seu seguimento, a prolatar pertinente Sentença, onde se Decidiu: (sic)

A) Condenar o arguido A. como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 300,00 (trezentos euros);

B) Mais o condenar na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias pelo período de 3 (três) meses, nos termos do artigo 69°, n." 1, al. a), do Código Penal.

Inconformado com o assim decidido, recorre o arguido A., formulando as seguintes conclusões:
(...)
Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem.

Das conclusões formuladas pelo aqui recorrente duas são as questões colocadas a decisão deste Tribunal, a saber:

- Se o teste de pesquisa de álcool no sangue foi, ou não, realizado com aparelho aprovado e respectivas consequências, em termos de prova;

- Se o exame de contraprova pode, ou não, ser realizado no mesmo aparelho em que foi realizado o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

Por esta última questão iniciaremos a análise do presente recurso.

Duas posições se perfilam no caso em análise, de um lado, a Sentença revidenda que considerou nada obstar a que o exame de contraprova possa ser realizado no mesmo aparelho em que foi levado a efeito o exame de despistagem de álcool; do outro lado, o arguido e aqui recorrente a defender entendimento diametralmente oposto, no que é secundado pela Ex.ma Procuradora Geral-Adjunta.
Para dilucidar tal questão importa, de pronto, fazer intervir o que se diz na Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio – que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

Desde logo, o seu art.º 1.º que, ao versar sobre a detecção e quantificação da taxa de álcool, vem estatuir, no seu n.º 1, que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.

No seu n.º 2 que a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

E no seu n.º 3 que a análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

Por sua vez, o art.º 2.º, da citada Lei, ao tratar do método de fiscalização, vem dizer - n.º 1 -, que quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.

Referindo-se no seu n.º 2 que para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.

O art.º 3.º, ao tratar sobre a contraprova, estatue que os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n.º 3 do artigo 153.º do Código da Estrada.

Normativo onde se diz - seu n.º1 – que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

Sendo que se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo – seu n.º2.

Devendo a contraprova referida no número anterior ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue. (n.º3).

E que no caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado (n.º4).

Importa, antes do mais, reter o que se visa com o recurso à contraprova. Como é bom de ver, a contraprova destina-se a infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

Pretendendo-se, desta via, lançar no espírito do julgador a dúvida, séria, acerca da veracidade dos factos que forma objecto da prova.

É, aliás, este o objectivo que a lei – cfr art.º 346.º, do Cód. Civ., - visa com a realização da contraprova, ao dizer que à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos…

O que leva os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela a constatar que a contraprova não é a prova do contrário, pois com ela apenas se cria a dúvida acerca da verdade dos factos.[1
]
Sendo vários os fundamentos que podem determinar o examinado a solicitar a realização da contraprova, entre os quais se inscreve o erro de procedimento na utilização e manipulação do aparelho por parte do agente da autoridade, avaria do aparelho, que leva ao seu deficiente funcionamento relativamente às medições que efectua.[2]

O que parece, prima facie, impor a conclusão de que a contraprova deverá ter lugar em aparelho distinto daquele em que foi realizado o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

Pois, se o que se quer é colocar em dúvida o exame realizado por um determinado aparelho de medição, seria um contra-senso que o novo exame tivesse lugar no mesmo aparelho, objecto de contestação.

Para lá de com uma tal actuação se estar a negar a possibilidade de realização da contraprova, porquanto tudo não passaria da repetição do exame anteriormente realizado.

O mesmo é dizer que se estava a negar a possibilidade do exercício de defesa em que o novo exame se traduz (contraprova) ou, dito de outra forma, recusava-se a possibilidade de demonstrar o defeito do aparelho que realizou a prova e no qual se não confiou[3].

Também a letra da lei aponta no sentido de a contraprova dever ter lugar em aparelho distinto do originariamente utilizado, veja-se o art.º 153.º, n.º 3, al.ª a), do Cód. Est., ao referir-se a novo exame, a realizar através de aparelho aprovado (para o efeito); caso contrário, a inutilidade de uma tal menção seria evidente.

Depois, a letra do n.º 4, do art.º 153.º, do mesmo diploma legal, parece apontar no mesmo sentido, quando refere que no caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.

Ora se fosse intenção do legislador que o novo exame se realizasse no aparelho em que foi efectuado o anterior exame- que se encontra no local, para lá de se tratar de aparelho devidamente aprovado -, não impunha que o condutor fosse conduzido a outro lugar para o realizar, quando podia aí ter lugar- tudo a supor a existência de um só aparelho no local.

O que nos leva a concluir no sentido de ter de existir um novo aparelho, distinto do anterior, para que possa ser levada a efeito a contraprova.

Depois, importa ter em linha de conta que nem sempre assim se entendeu, como bem decorre do que se dispõe no art.º 3.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, onde se dizia que a contraprova a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 159.º do Código da Estrada é feita em analisador quantitativo, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste, podendo, para o efeito, ser utilizado o mesmo analisador, caso não seja possível recorrer a outro no mesmo prazo.

O Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, que entrou em vigor a 15 de Agosto de 2007, veio, no seu art.º 2.º, revogar o antedito Decreto Regulamentar.

Inexistindo norma idêntica na nova Lei sobre esta matéria, somos levados a concluir no sentido de a contraprova não dever ser levada a cabo no mesmo aparelho em que foi efectuado o exame de pesquisa de álcool no ar expirado- exame quantitativo.

Como decorre da Sentença revidenda, a contraprova foi levada a efeito no mesmo aparelho em que teve lugar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado- exame quantitativo.

Que consequências retirar de uma tal actuação.

Tendo a contraprova sido levada a efeito fora das condições impostas por lei, a mesma é inválida, por ilegal, não podendo, por tal, ser valorada, nem repetida.

Assim o entendeu o Acórdão desta Relação supra citado e bem assim o Acórdão da Relação de Coimbra, de 10-03-2010, no Processo n.º 97/09.8GBTCS.C1, em cujo sumário se pode ler:

1. A contraprova destinada a infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado não pode ser efectuada pelo mesmo alcoolímetro, aquele que fez o primitivo exame.

2. O novo exame, tendo sido efectuado no mesmo analisador quantitativo, traduz-se em prova inválida na medida em que não foi respeitado o direito à contraprova, não podendo por tal razão ser valorada.

O mesmo vemos no Acórdão da Relação de Guimarães, de 15-10-2012, no Processo n.º 1610/08.3PBGMR.G1, onde se entendeu que tendo o novo exame sido efectuado no mesmo analisador quantitativo, foi desrespeitada a forma vinculada de realização da contraprova, ou seja, tratou-se da prática de um acto fora das condições legais, o que conduz à sua invalidade e como tal a prova não pode ser valorada.

No mesmo sentido aponta o ensinamento do Prof. Germano Marques da Silva quando refere que as provas obtidas mediante a violação de direitos não podem ser levadas em conta no processo, mesmo que assim seja sacrificada a obtenção da verdade material[4].

Ora, não apurado o valor da contraprova, não se pode ter como assente o valor do exame inicial, porquanto a contraprova visa confirmar o valor deste e até sobrepor-se, donde, não ficar provada a TAS com que o arguido exercia a condução automóvel.

Assim sendo, dúvidas não existem de que o aqui recorrente se não deve ter por incurso na prática do crime pelo qual veio a sofrer condenação, por falta do preenchimento de um dos elementos objectivos do tipo, impondo-se a sua absolvição.

Face à conclusão alcançada, inútil o pronunciamento sobre a restante questão colocada no recurso.

Termos são em que Acordam, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a Sentença recorrida, absolvendo o arguido A. prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, do Código Penal, pelo qual foi condenado.

Sem custas, por não devidas.
(texto elaborado e revisto pelo relator).

Évora, 28 de Janeiro de 2014

José Proença da Costa
Sénio Alves
__________________________________________________
[1] Ver, Código Civil Anotado, Vol. I, págs. 310.

[2] Ver, entre o mais, o Ac. Relação de Coimbra, de 16-05-2012, no Processo n.º 191/11.5PAPBL.C1.

[3] Ver, Acórdão desta Relação, de 10-12-2009, no Processo n.º 22/09.6PTEVR.
[4] Ver, Curso de Processo Penal, Vol. II, págs. 102.