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ARROLAMENTO COMO PRELIMINAR DE DIVÓRCIO
REQUISITOS
Sumário
1 - No arrolamento previsto no art. 409º do CPC não é exigível a alegação de que os bens a arrolar estão sob a administração do cônjuge requerido se indiciariamente os factos descritos pelo requerente apontarem para a natureza comum desses bens. 2 – Os requisitos para o decretamento da providência cautelar em causa não incluem também a demonstração do chamado "periculum in mora", pelo que basta a existência indiciária do direito alegado (o “fumus bonis juris”) e a circunstância de estar iminente a dissolução pelo divórcio do casamento existente entre as partes.
Sumário do relator
Texto Integral
Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório
1.1. Ao abrigo do disposto no artigo 409º do Código de Processo Civil, o requerente “A” intentou contra “B”, sua mulher, a presente providência cautelar de arrolamento especial, como incidente da acção de divórcio que esta instaurou e que se encontra pendente.
Pede que se decrete o arrolamento do bem imóvel que identifica na petição inicial, o qual se encontra registado a favor da requerida, como sendo apenas um terreno, mas que corresponde na realidade à casa de habitação do casal, ali construída por ambos e que a ambos pertence.
Juntou prova documental.
Sobre o requerimento veio a recair despacho que indeferiu liminarmente o pedido, com base na consideração de que o requerente nada alegou relativamente à administração do outro cônjuge sobre o bem (entendido como bem próprio) o que obstaria ao preenchimento do requisito previsto no art. 409º n.º 1 do CPC quando este se refere a “bens próprios que estejam sob administração do outro”.
1.2. O requerente veio então interpor o presente recurso, que foi admitido como de apelação.
A terminar as suas alegações, concluiu o seguinte:
1 - O requerente afirmou no art° 25 e seguintes do requerimento inicial que o imóvel em questão estava sob administração do outro cônjuge, designadamente ao afirmar e provar que era este o titular inscrito no registo (sendo no estado solteira como dele consta) contrariamente ao que diz a Mma. Juiz na decisão recorrida, que assim violou o disposto nos arts. 409 n.º 1, e 590°, n° 1 do CPC.
2 - O art. 409º citado, n.º 3, diz que não é aplicável aos arrolamentos previstos nos números anteriores o disposto no n.º 1 do artigo 403°, mas mesmo nestes arrolamentos especiais, pode-se provar justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, e requerer o arrolamento deles independentemente da qualidade ou da titularidade e administração dos bens arrolados Pelo que resultaram também violados os art°s. 409 n.º 3 e 403 n.º l do CPC.
3 - A construção realizada no terreno poderá entender-se ser um bem comum ...
4 - Pelo que aí estaria mesmo o requerente dispensado de alegar, e provar, que o bem estaria sob administração do outro cônjuge ... pelo que ao não considerar tal alegação e indeferir in limine a providência cautelar a decisão recorrida violou os artigos 409º n.º 1 , e 590°, n° 1 do CPC.
5 - Sendo certo também e por via disso que a Mma. Juiz a quo ao arrepio do disposto no art° 660º n.º 2 do CPC não se pronunciou sobre tal matéria o que nos termos do disposto no art° 668 n.º 1 alínea d) implica a nulidade da decisão o que se argui.
6 - Impor-se-ia ao tribunal a quo, caso entendesse insuficiente a alegação de facto ou a respectiva prova do preenchimento de um requisito da providência cautelar, um convite ao Apelante no sentido do aperfeiçoamento da providência cautelar por imposição dos princípios da economia processual, do inquisitório e cooperação, como impõe o art° 590º n° 3 e 4, e os art°s 411º e 417º do CPC, que todos, assim resultaram violados.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida e admitir-se a providência requerida, ou se convide ao requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial.”
1.3. Cumpre agora conhecer do mérito do recurso de apelação que vem interposto.
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2 – Os Factos
A factualidade a ter em conta para conhecimento do presente recurso é a que resulta do relatório que antecede, para o qual se remete.
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3 – O Direito
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Importa portanto apreciar o recurso de apelação interposto, tendo presentes as conclusões apresentadas.
Em face dessas conclusões, constata-se que as questões colocadas ao tribunal de recurso traduzem-se em primeiro lugar na arguição da eventual nulidade do despacho de indeferimento proferido e em segundo lugar na impugnação da decisão, por desconformidade com os imperativos legais, atentos os pressupostos a considerar.
Alega o recorrente que, ao não ter em conta que ele invocou expressamente a natureza comum do bem cujo arrolamento pede, o despacho impugnado omitiu o conhecimento de questão que lhe cumpria decidir, pelo que incorreu em nulidade (o apelante cita a este respeito o disposto nos arts. 660º, n.º 2, e 668º, n.º 1, al. d), do CPC, referindo-se obviamente ao diploma agora revogado; mas idênticas disposições persistem, actualmente, nos arts. 609º, n.º 2, e 615º, n.º 1, al. d), do CPC em vigor).
Diga-se antes do mais que ao receber o recurso (despacho de fls. 79) o juiz da instância recorrida não deu cumprimento ao disposto no art. 641º, n.º 1, do CPC, não fazendo qualquer referência à nulidade invocada.
Porém, não se afigura indispensável a baixa do processo, nos termos previstos no n.º 5 do art. 617º, apenas para efeitos de tal pronúncia; ao contrário, apresenta-se como desnecessariamente dilatória essa diligência, e como reunindo toda a conveniência processual a imediata decisão sobre a questão, ao que nada obsta.
Com efeito, não existe a nulidade alegada. Aquilo que a lei comina como nulidade é a omissão de decisão (o julgador não decidir questão que lhe foi colocada e que estava obrigado a decidir), o que não se confunde com a desconsideração de um ou outro argumento das partes ou a não valoração de um ou outro facto invocado.
O erro no julgamento não é nulidade da decisão; e no caso o juiz decidiu a questão que lhe era posta, indeferindo o pedido de arrolamento formulado. Mesmo que tenha laborado em erro de direito, isso não torna a decisão nula.
Indefere-se, pois, a nulidade arguida.
Resta, portanto, apreciar da conformidade do decidido com as disposições legais pertinentes.
Diremos antes do mais que o despacho em apreço, tal como refere o recorrente, não fez uso da faculdade de indeferimento liminar do pedido em termos consentâneos com os princípios processuais vigentes.
Com efeito, o art. 590º, n.º 1, do CPC, reserva a possibilidade de indeferimento liminar a casos extremos, ao mencionar, designadamente, o caso de se tratar de um “pedido manifestamente infundado” ou ocorrerem “exceções dilatórias insupríveis”. Na utilização do advérbio “manifestamente” como na qualificação de “insupríveis” para as excepções revela-se bem a natureza excepcional dessa figura do indeferimento liminar.
Não ocorrendo tão apertadas circunstâncias, e nomeadamente quando a petição enferma de insuficiências ou imprecisões, deve o juiz proceder como indica o n.º 4 do mesmo artigo, convidando a parte ao suprimento dessa insuficiência ou imprecisão. Seria esse o procedimento adequado, atentos designadamente os princípios da economia processual, do inquisitório e da cooperação, tal como refere o apelante, se o juiz entendesse, na sua apreciação liminar do requerimento apresentado, que este não esclarecia cabalmente qual dos cônjuges estava na administração do bem em causa e estar-se aqui perante matéria relevante para a boa decisão do pedido.
Porém, diga-se, temos este aspecto como secundário face a outra observação que se nos impõe: é que, atento o conteúdo do requerimento apresentado, ressalta a insistência do requerente na demonstração da natureza comum (ao menos comum) do imóvel em questão. Segundo se compreende do seu relato, estamos inicialmente perante um terreno que a requerida comprou, sendo ainda solteira; e de seguida o casal (casado em comunhão de adquiridos) tratou de construir ali a casa de morada da família, a expensas do dinheiro do requerente.
É certo que o requerente disserta no final sobre a eventualidade de se considerar bem próprio dele o imóvel em questão, falando em “acessão industrial imobiliária”, quanto ao todo, ou em “benfeitorias”, no caso de se considerar separadamente o edificado e o terreno original; mas estas dissertações jurídicas não vinculam o tribunal (aliás afigura-se que serão matéria a discutir no processo de inventário subsequente ao divórcio), e não podem fazer esquecer o essencial: o requerente diz expressamente ser “este bem o de maior valia do casal”, e que a requerida pretende ser a única dona do imóvel “o que o requerente obviamente não aceita”, e que estima em € 90.000 o valor de metade do imóvel, prejuízo esse que procura evitar com o arrolamento, por recear a venda do mesmo (recordando que ele está registado apenas em nome da requerida). Fala o requerente muito claramente “na parte que caberá à requerida na partilha post divórcio”, e nos seus próprios “direitos relativamente ao imóvel”, computando-os nos já referidos € 90.000 (avalia o imóvel em € 180.000, como também explica no requerimento).
Em suma: visto o teor do requerimento inicial, designadamente os artigos 25º a 27º, torna-se impossível não concluir que está alegada, primacialmente, a natureza comum do bem imóvel cujo arrolamento vem pedido.
Assim sendo, reconhecendo o despacho recorrido que a documentação junta demonstra, com a segurança exigível em sede de procedimentos cautelares, a existência do direito ao requerente, devia a providência ter sido decretada.
Com efeito, não era sequer exigível, no caso concreto, a alegação de que o bem a arrolar esteja sob administração do outro cônjuge.
Como menciona o despacho recorrido, decorre do disposto no artigo 409º, n.º 1, do Código de Processo Civil, norma em que o requerente baseia o seu pedido, que, "como preliminar ou incidente da acção de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob administração do outro".
Ou seja, a verificação dos requisitos legalmente previstos para a providência especial em causa conferem a qualquer dos cônjuges o poder potestativo de requerer o arrolamento dos bens mencionados no art. 409º, n.º 1, do CPC.
Sendo o objecto do arrolamento bens comuns do casal, e verificando-se que está pendente entre as partes, casados entre si, o respectivo processo de divórcio, nada mais é exigível para o arrolamento especial em causa, nomeadamente que esses bens estejam sob a administração do cônjuge requerido (este requisito só é exigível quando se trate de bens próprios do requerente).
Por outro lado, de acordo com o preceituado no n.º 3 do mesmo artigo, o arrolamento dos bens comuns do casal ou próprios que estejam sobre a administração do outro cônjuge, requerido com base no disposto nesse preceito, não depende dos requisitos mencionados no número 1 do artigo 403º do mesmo Código.
O mesmo é dizer que não se impõe a alegação de factos indiciadores do justo receio do extravio ou dissipação dos bens, nem de fazer prova sumária desses factos, uma vez que esse receio é presumido juris et de jure, bastando o simples facto de estar iminente ou pendente qualquer daquelas acções.
Neste termos, estando indiciariamente demonstrada a natureza comum dos bens a arrolar (os documentos atestam que a casa foi construída na vigência do casamento), e sendo o requerimento apresentado na pendência do processo de divórcio, mostram-se preenchidos todos os requisitos do arrolamento pedido, não se mostrando pertinente a objecção utilizada no despacho recorrido como fundamento para o indeferimento decidido.
Face à factualidade considerada assente, e tendo em conta as razões expostas, entende-se que devia a sentença impugnada ter concluído pela procedência do pedido do requerente.
Nesse sentido se decide, portanto.
1 - No arrolamento previsto no art. 409º do CPC não é exigível a alegação de que os bens a arrolar estão sob a administração do cônjuge requerido se indiciariamente os factos descritos pelo requerente apontarem para a natureza comum desses bens.
2 – Os requisitos para o decretamento da providência cautelar em causa não incluem também a demonstração do chamado "periculum in mora", pelo que basta a existência indiciária do direito alegado (o “fumus bonis juris”) e a circunstância de estar iminente a dissolução pelo divórcio do casamento existente entre as partes. 4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação, e, em consequência, revogar o despacho recorrido, ordenando a realização, ao abrigo do art. 409º, n.º 1, do CPC, do arrolamento que vem requerido.
Ao abrigo dos arts. 405º, n.º 3, e 408º, do CPC, nomeia-se depositária do imóvel a requerida “B”, e nomeia-se avaliador para o acto aquele que vem indicado pelo requerente.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 30 de Janeiro de 2014
(José Lúcio)
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)