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JULGAMENTO EM PROCESSO SUMÁRIO
NULIDADE
DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário
I - As causas de extinção do procedimento criminal encontram-se taxativamente previstas na lei.
II - A declaração de uma nulidade de processo, por mais grave que possa ser, só tem repercussão ao nível estritamente processual, não sendo apta a produzir efeitos de natureza substancial, mormente, a extinção do procedimento criminal em si mesmo.
III – A declaração de nulidade de todo o processado em sede de processo sumário, por alegada falta de acusação, importa a devolução dos autos ao Ministério Público e não extinção do procedimento criminal.
Texto Integral
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I. Relatório
No processo sumário nº 114/13.7GTEVR, distribuído ao Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz, pela Exmº Juiz deste Tribunal, foi proferido, em 6/9/13, o seguinte despacho:
«O Tribunal é competente.
*
Nos presentes autos o Ministério Público, a fls. 13, validou a constituição do arguido A., julgou desnecessário proceder ao respectivo interrogatório ou alterar a medida de coacção prestada, concedeu-lhe prazo para defesa e determinou a sua notificação, do seu ilustre defensor e do autuante para se apresentarem neste Tribunal no dia 18 de Setembro de 2013 pelas 10 horas.
A questão que se coloca, nesta sede e momento processual, consiste em saber se deve ou não receber-se o processo para julgamento.
Com relevo para o caso em apreço importa considerar, de início, as previsões normativas contidas no n.º 3 do art.º 283.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 389.º do Código do Processo Penal. Por um lado, resulta que, sob pena de rejeição, a acusação deve conter, v.g., “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
No caso da tramitação sob a forma sumária, a leitura do auto de notícia – se composto dos elementos suficientes, poderá substituir a apresentação da acusação; se o mesmo mostrar-se insuficiente, pode ser completado por despacho a proferir pelo Ministério Público.
Da análise de fls. 13 pode verificar-se desde logo que não foi expressamente declarada a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia. Por outro lado, não obstante já irrelevante para o sentido da decisão que ora se toma atendendo à falta de acusação tout court, de entre os elementos constantes dos autos não constam factos cuja prova permita ao Tribunal apreciar o elemento subjectivo do crime. Os factos cuja narração se impõe, como condição da aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança, hão-de, necessariamente, integrar a prática de um qualquer ilícito penal legalmente tipificado como tal. E, nessa medida, carece a acusação de conter todos os factos que nela permitam reconhecer, na sua plenitude, os elementos que conferem o recorte típico ao ilícito penal correspondentemente imputado. Isto posto, incorre na prática de um crime previsto e punível pela lei penal quem preenche, com a sua conduta dolosa ou negligente, os elementos objectivos do ilícito penal que esteja em causa.
A apontada omissão da declaração por parte do Ministério Público da substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia e, ademais, a ausência de despacho que, completando-o, cumprisse o previsto no n.º 3 do art.º 283.º do Código do Processo Penal comprometeu, manifestamente, a verificação de um dos requisitos da validade da apresentação a julgamento, que consiste na descrição de um acervo factual capaz de, plenamente, fundamentar a possibilidade de aplicação ao arguido de uma pena. E isto porque o processo criminal assume, por imposição constitucional, uma estrutura acusatória que, no essencial, se revela no facto do julgador se circunscrever dentro dos limites estabelecidos por uma acusação deduzida por um órgão diferenciado.
Percorrendo as normas jurídicas aplicáveis, em primeiro lugar impõe-se citar o art.º 219.º da Constituição da República Portuguesa quando refere que “Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.” Por seu lado, o Estatuto do Ministério Público dispõe que o “Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução de política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática nos termos da Constituição, do presente estatuto e da lei.”. Quanto às regras do Código do Processo Penal com relevo para a questão sub judice são elas as do art.º 48.º “O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º.”; a do art.º 53.º “Compete em especial ao Ministério Público deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento.”. Ainda as contidas no n.º 1 do art.º 118.º “A violação ou a inobservância das disposições da lei processual penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.”; no n.º 1 b) do art.º 119.º “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência.” E no art.º 122.º “As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição.”.
Concluindo e sem necessidade de mais considerações, a apresentação a juízo de processo sem acusação pelo Ministério Público importa a nulidade integral do mesmo, ao abrigo das disposições legais supra citadas.
E resta apenas dizer que, por inexistência de acusação, terá que ser declarado extinto, por inadmissibilidade legal, o procedimento criminal contra o arguido A., ordenando-se o arquivamento dos autos.
Pelo exposto, declaro a nulidade da apresentação em juízo dos presentes autos, por falta de dedução de acusação pelo Ministério Público e, em conformidade, declaro a nulidade de todo o processado com a consequente extinção do procedimento criminal instaurado contra o arguido A.
Sem efeito a data anteriormente designada para a audiência de discussão e julgamento.
Fixo a taxa de justiça em 1 (uma) UC, de acordo com o art.º 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
Notifique.
Após trânsito arquive os presentes autos».
Do despacho proferido o MP interpôs recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos foi pela Mmª Juiz a quo declarada a nulidade da apresentação do arguido a julgamento sob a forma de processo sumário, com a consequente extinção do procedimento criminal.
2. Contudo, a consequência da nulidade insanável prevista na al. b) do nº 1 do artº 119º do Código de Processo Penal não é a extinção do procedimento criminal.
3. Com efeito, as causas de extinção do procedimento criminal encontram-se taxativamente previstas.
4. Mais determina o legislador que, como consequência da nulidade insanável supra referenciada, seja pela Mmª Juiz a quo ordenada a repetição do acto inválido.
5. Pelo exposto, foi violado o disposto no nº 2 do artº 122º do Código de Processo Penal.
6. Pelo que a decisão só nesta parte merece censura.
7. Nestes termos, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público de Reguengos de Monsaraz, para promoção do processo penal.
O recurso interposto foi admitido com subida imediata e nos próprios autos.
A motivação do recurso foi notificada ao arguido, que não exerceu o seu direito de resposta.
Pela Digna Procuradora-Geral Adjunta em funções desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito do recurso, pugnando pela sua procedência.
O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de sobre ele se pronunciar, nada tendo dito.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões da Digna Recorrente, resume-se à pretensão de reversão da declaração de extinção do procedimento criminal e determinação do arquivamento dos autos, nela formuladas na sequência da declaração da nulidade insanável prevista na al. b) do art. 119º do CPP.
Se bem compreendemos, a motivação do recurso não põe em causa o juízo de verificação da referida nulidade e a consequente invalidação do processado, antes os tendo aceitado, implicitamente, na medida em que peticionou a devolução dos autos aos Serviços do MP junto da comarca de Reguengos de Monsaraz, o que implica a preterição do prosseguimento do procedimento criminal na sequência imediata da apresentação do arguido para julgamento em processo sumário.
Abreviando razões, diremos desde já que se nos afigura que não pode deixar de ser reconhecida razão à Digna Recorrente quanto à concreta questão, que constitui o único objecto do recurso.
O despacho recorrido apresenta-se devidamente fundamentado, de fato e de direito, na parte relativa à verificação da nulidade insanável nele declarada, mas mostra-se omisso quanto à base legal da declaração da extinção do procedimento criminal e consequentemente determinação do arquivamento do processo, não vislumbrando nós qual possa ter sido.
Na verdade, conforme se salienta nas conclusões da motivação do recurso, as causas de extinção do procedimento criminal encontram-se taxativamente previstas na lei.
Assim, para além da causa por assim dizer natural de extinção qualquer procedimento criminal, que reside no trânsito em julgado da decisão conheça do seu objecto, a lei reconhece idêntico efeito extintivo à prescrição, tratada nos arts. 118º a 121º do CP, à morte do agente e à amnistia, a que se referem os nºs 1 e 2, respectivamente, do art. 128º do CP, mas não à declaração de nulidade do processado.
Pelo contrário, sobre os efeitos da declaração de nulidade dispõe o art. 122º do CPP:
1- As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
II - A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
III - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.
O normativo legal agora transcrito não deixa dúvidas de que a declaração de uma nulidade de processo, por mais grave que possa ser, só tem repercussão ao nível estritamente processual, não sendo apta a produzir efeitos de natureza substancial, mormente, a extinção do procedimento criminal em si mesmo.
Por conseguinte, falecia ao Tribunal «a quo» razão para ter declarado, nos termos em que o fez no despacho recorrido, a extinção do procedimento criminal e ordenado o arquivamento dos autos.
Pelo contrário, deveria o Tribunal ter determinado, uma vez declarada a nulidade e invalidado o processado, que o processo aguardasse o trânsito em julgado dessa decisão e, após a verificação deste, fosse devolvido ao MP dele titular.
Dado que o MP ou outra entidade para o efeito legitimada não interpôs recurso do despacho impugnado, na parte relativa à declaração da nulidade e à invalidação do processado, tal decisão mostra-se transitada em julgado, estando o processo em condições de ser, desde já, devolvido ao MP.
Impõe-se, por isso, a procedência do recurso.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na parte em que declarou a extinção do procedimento criminal e determinou o arquivamento dos autos, substituindo-o por outro que determine a devolução do processo ao MP junto da comarca de Reguengos de Monsaraz.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 18/02/2014 (processado e revisto pelo relator)