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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE
Sumário
I – Ao omitir uma descrição clara e elucidativa dos motivos fundantes da decisão, sendo certo que, in casu, em função das circunstâncias específicas, da natureza e gravidade dos eventos e complexidade do caso concreto, se tornava exigível e indispensável um exame crítico das provas e a explicitação da razão de ciência que a partir delas desse a conhecer, designadamente ao Tribunal ad quem,o processo de formação da sua convicção, incumpriu o tribunal recorrido o dever de fundamentação da decisão de facto.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:
I
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 80/12.6 GTABF, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, mediante despacho de pronúncia, sem precedência de contestação, foi submetido a julgamento o arguido A., filho de..., natural de Marrocos, nascido em 01.01.1981, solteiro, vendedor ambulante e residente..., em Quarteira, e por acórdão proferido em 19.06.2013 e depositado em 20.06.2013, foi decidido:
“(…)
Pelo exposto, decide-se: a) Condenar o arguido, A., pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) Absolver o arguido da prática do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º, nº 1 do DL 15/93, de 22/01, qualificando os factos praticados pelo mesmo como contra-ordenação e determinando que se extraia certidão do apenso, da pronúncia e do presente Acórdão e se remeta a mesma à Comissão de Dissuasão da Toxicodependência.
c) Determinar que se proceda à recolha de ADN ao arguido, nos termos do disposto no art. 8º, nº 2 da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro.
d) Declarar perdida a favor do estado 90% da quantia monetária apreendida, determinando-se a devolução ao arguido de 10% dessa quantia, o qual a deverá reclamar no prazo de 90 dias, sob pena de ter que suportar as despesas com o seu depósito, sendo declarada perdida a favor do Estado caso não seja reclamada no prazo de um ano;
e) Determinar que se entreguem ao arguido os telemóveis apreendidos em poder do mesmo, cartões sim e demais objetos mencionados no auto de apreensão de fls. 71 e 72, o qual a deverá reclamar no prazo de 90 dias, sob pena de ter que suportar as despesas com o seu depósito, sendo declarada perdida a favor do Estado caso não seja reclamada no prazo de um ano;
f) Determinar que permaneçam nos autos os documentos apreendidos a fls.7 a 9, atendendo a que constituem elementos de prova;
g) Determinar a restituição, a quem demonstrar pertencer-lhe, do veículo automóvel, vestuário e óculos, telemóveis, demais objetos e quantia monetária não mencionados nas alíneas supra e que constam do auto de apreensão de fls. 7 a 9, devendo ser afixados editais dando conhecimento dos mesmos e do prazo de 90 dias para serem reclamados, sob pena de terem que suportadas as despesas com o seu depósito, sendo declarados perdidas a favor do Estado caso não sejam reclamados no prazo de um ano;
h) Declaram-se perdidas a favor do Estado, pela sua falta de valor, as beatas de cigarros e pastilhas elásticas apreendidas no interior do RL, ordenando-se a sua destruição, bem como das zaragatoas bucais.
i) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a reduzir a metade, atenta a confissão dos arguidos (art. 8º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa a esse diploma).
j) Declarar perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido e ainda não perdido, ordenando a sua destruição.
Fixar em 1 UC por cada sessão (exceto naquelas em que não teve intervenção, nomeadamente por motivo de greve) os honorários devidos à Srª intérprete pela sua intervenção em audiência.
(…)”.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido A., extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões:
“A) O ora Recorrente vinha pronunciado em autoria material e em concurso efectivo, a um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01 e um crime de consumo, previsto e punido pelo artigo 40º nº 2 do Decreto-lei 15/93 de 22/01, atenta a factualidade descrita no Despacho de pronúncia deduzido nos presentes autos, que se dá integralmente como reproduzida para todos os efeitos legais.
B) Por decisão do douto Tribunal a quo foi decidido: (...)
C) A douta decisão a quo, ressalvando o maior respeito que nos merecem, sustenta-se em erros na apreciação da matéria de facto, na apreciação da prova gravada e na apreciação da matéria de direito. É desse douto Acórdão, que se apresenta o presente recurso, fundamentando-se nas razões que agora se passará a expor.
I - DA CONSIDERAÇÃO COMO FACTO PROVADO OS PONTOS DE 1. A 4 CONSTANTE DO PONTO III - FUNDAMENTAÇÃO CONSTANTE NA PÁGINA 2 DO DOUTO ACÓRDÃO DE QUE ORA SE RECORRE
D) O Douto Acórdão de que ora se recorre, considerou como provado que:
1. "O arguido dedica-se à venda e cedência de estupefacientes, nomeadamente haxixe, que obtém de forma não concretamente apurada.
2. No dia 16 de Janeiro de 2012, pelas 11h00, na Estrada Nacional nº 2, ao km. 724,8, no Sítio dos Machados, Faro, o arguido detinha um fardo de haxixe com o peso de 32.450,33 gramas.
3. Detinha ainda, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, cinco bolotas de haxixe, com o peso de 46,41 e uma placa de haxixe com o peso de 98,640 gramas.
4. Tal estupefaciente era transportado no veículo de matrícula ---RL, de marca Volkswagen, modelo Golf, conduzido pelo arguido."
E) Quanto à Motivação a mesma encontra-se página 5 in fine e ss. que supra se expos e aqui se dá integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
F) Considera o ora Recorrente que a análise da prova feita pelo douto Tribunal a quo, foi incorrecta e mal valorada, parcial, em que foram ignorados elementos e pormenores fundamentais que põem em causa os juízos de valores que se formaram. Tal como o Douto Tribunal a quo, moldou o seu entendimento de forma parcial toda a prova existente, de modo a fundamentar as alegadas alegações.
Senão veja-se:
Das declarações do ora Recorrente:
G) No que respeita às declarações de arguido, confor-se supra se transcreveu e aqui se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais conclui-se que a fundamentação do douto tribunal a quo não tem qualquer sentido e revela claramente um sentido parcial na avaliação das declarações do ora Recorrente, como também, o mesmo não corresponde com a verdade das suas declarações, e foi avaliada erradamente, senão veja-se:
H) Em primeiro lugar, o ora Recorrente não disse que tinha estado no veículo um mês antes da data dos factos, mas sim um mês antes de ter sido preso. Os factos da douta pronúncia datam de 16 de Janeiro de 2013; e o ora Arguido foi detido no dia 25 de Janeiro de 2013. Ou seja nove dias depois da data dos factos. Mais acresce que em momento algum o ora Recorrente afirmou perentoriamente que tinha sido um mês antes, nomeadamente: Perguntado que foi se alguma das vezes em que andou na viatura constante dos autos foi no dia dos factos respondeu que: "Não, um mês antes, não se lembra bem, é que tinha estado no carro, nunca conduziu nunca andou com o carro." [minuto 16:15 da faixa 1- depoimento do Arguido, da prova gravada]. Perguntado que foi; novamente, se tinha sido um mês antes; respondeu que: "Sim. Mais ou menos." [minuto 28:21 da faixa 1 depoimento do Arguido; da prova gravada].
I) Ora o ora recorrente disse ao douto tribunal que não se lembrava muito bem; e que era mais ou menos à um mês. Mas para o douto Tribunal a quo, essa referência foi fatal. De tal forma que coloca em causa todo o depoimento da testemunha, de onde consta que "( ... ) o mesmo faltou à verdade nas suas declarações (...)" e "como por o arguido ter comprovadamente faltado à verdade nas suas declarações quanto ao referido aspecto, não se valorizam positivamente as declarações do arguido ( ... )"; Ora não entende o ora Recorrente tal entendimento, nem tratamento desigual; pois em sentido diverso entendeu o Douto Tribunal a quo quanto à testemunha B, em que considera que "(...) é absolutamente normal que hoje; passado um ano e meio; a testemunha já não tenha memória do arguido; não tendo conseguido em audiência descrever o mesmo, salvo de forma básica." [paragrafo 5, página 12 do Douto Acórdão de que ora se recorre]; Tal facto é demonstrativo de que o Douto Tribunal a quo, com o devido respeito, deu tratamento desigual aos depoimentos, não sendo imparcial na sua análise da prova produzida; Pois, pelo exposto; vislumbra-se que o que o Douto Tribunal a quo, e a experiencia comum do homem médio; considera ser normal, ter a memória "toldada" pelo decurso do tempo, não é aplicável ao ora Recorrente, mas apenas à Testemunha.
Ora é entendimento do ora Recorrente, que, das duas uma, ou ambos os testemunhos são falso, não correspondem à verdade, pois não se recordam com exatidão do que se passou à ano e meio, e nesse sentido o depoimento da Testemunha B. não pode ser valorado, ou então as declarações do arguido são válidas, e o mesmo não faltou à verdade, apenas não se recorda com exactidão da data e isso não pode por em causa o seu depoimento na totalidade.
J) Assim se conclui que o Douto Acórdão decidiu mal ao não valorar o depoimento do ora Recorrente, e decidiu mal ao considerar que o mesmo faltou á verdade nas suas declarações, tal como decidiu mal ao considerar que o ora Recorrente ter comprovadamente faltado à verdade nas suas declarações. Pelo que quanto a esse facto e não obstante se impugnar também estes pontos nos termos do art.º 412.° do CPP, cumprindo os requisitos do referido artigo, os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 410° n.º 2 als, a) e c) do CPP, o que desde já se requer.
Do depoimento da testemunha B:
K) Quanto ao depoimento da testemunha B. que supra se transcreveu e aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais, ora, o ora Recorrente tem consciência que está vedada ao Douto Tribunal de recurso a oralidade e a imediação, mas não lhe está vedada a apreciação da prova gravada face às regras da lógica e da experiência comum.
O depoimento da supra testemunha tem seria lacunas, imprecisões, hesitações e até elementos que não se compaginam com a experiencia comum.
Pois em primeiro lugar, a testemunha apresenta um trajecto linguístico impreciso, nervoso e pouco seguro, e com grandes oscilações, tendo grandes certezas quanto a uns factos e nenhumas quanto a outros.
L) Muito embora, o ora Recorrente, tenha consciência de que a ida a tribunal pode causar às testemunhas algum nervosismo, temos que analisar esse facto do homem médio, com a experiencia comum, mas adaptado à ora testemunha, nunca podendo olvidar o facto do mesmo ser militar da GNR, e já ter testemunhado por diversas vezes em muitos outros julgamentos de diversa natureza.
Ora pelo que não se poderá simplesmente acreditar que seria um nervosismo normal, do homem médio comum.
Mais acresce que muitas vezes as respostas dadas pela testemunhas são vagas, e fogem a pergunta efectuada, como por exemplo perguntado que foi a que distancia estava do colegas, responde que: “O conhecimento que tenho deles o terem mandado parar foi uma conversa nossa. Eu não vi. Estava com o radar no controlo de velocidade. Ele foi mandado parar mais abaixo no Coiro da Burra." [minuto 02:18 da faixa 2 - depoimento da testemunha B, da prova gravada];
Mas ainda assim, e quando as perguntas são feitas de forma exaustiva, a testemunha tem dificuldade em responder, como é o exemplo perguntado que foi, à testemunha B., em que momento é que reparou no veiculo e no individuo a conduzir o veículo, o que é que estava a fazer quando viu o veiculo em excesso de velocidade, e se quando viu que o veiculo vinha em excesso de velocidade se viu que o arguido lá estava dentro do veículo, respondeu que: "Exactamente! Portanto é uma técnica, dei de, identificar o condutor no serviçal especialmente, quando vai mais do que uma pessoal porque por vezes eles alegam que trocaram de condutor.” [minuto 03:25 da faixa 2 - depoimento da testemunha Á., da prova gravada].
M) E muito embora pudesse o Douto Tribunal a quo considerar, como uma circunstância normal esse falto, outras imprecisões no depoimento não poderia ter sido ignoradas.
A testemunha garante que tem uma técnica especial do serviço de identificar o condutor, alegando que por vezes alegam que trocaram de condutor.
Ora tal facto ou antes técnica de serviço, é reconhecida e valorada pelo Douto Tribunal a quo: "Refere não ter tido quaisquer dúvidas no reconhecimento do arguido, cujas feições fixou, referindo ser habitual utilizar a técnica de fixação dos condutores em excesso de velocidade, em face da negação que por vezes ocorre por parte dos mesmos desse ato." [parágrafo 4r página 7 do Douto Acórdão de que ora se recorre);
É de estranhar tal valoração por vários motivos, e por isso desde já se impugnar em primeiro a alegada técnica especial de serviço de que nunca se ouviu falar. Mais fortalece tal teoria, como iremos ver mais à frente, que o militar da GRN, e testemunha C, desconhece tal técnica.
O que á luz da experiencia comum não podia o Douto Tribunal a quo desconsiderar tal factor acrescido de que se por um lado a testemunha B. foi apanhada quase de surpresa, por um veiculo que circulava a uma velocidade de 76 km/h e alegadamente teve tempo e destreza para fixar o condutor, porque que motivo, com ou sem técnica especial de serviço, o seu colega e testemunha C., que foi avisado atempadamente, atento á distancia que se encontrava da testemunha B, não foi capaz de visualizar e fixar o condutor, dado que já o esperava.
Ora tal facto não pode ser ignorado e considerado.
Mais acresce que a ora testemunha muito embora garanta com todas as certezas que não tem duvidas sobre o condutor, deixa em aberto inúmeros elementos que à luz da experiencia comum não poderia ser esquecidos tão facilmente.
Pois se decorou a fisionomia do condutor [vide perguntado que foi, à testemunha B., se não tinha duvidas nenhumas de que era esse o individuo devido á fisionomia, respondeu que: "Sim, Sim, Sr. Dr., Sim, sim, Sr. Dr." [minuto 04:32 da faixa 2 - depoimento da testemunha B, da prova gravada]; Perguntado que foi, à testemunha B., se uma das características que decorou foi o facto de o arguido ser mais escuro, o mesmo respondeu que: "Talvez a parte de entrada assim da testa mas não estou assim bem certo porque já lá vai algum tempo …." [minuto 17:42 da faixa 2 depoimento da testemunha B., da prova gravada]. Perguntado se tinha reparado na cor, reponde: "Talvez a fisionomia”];
Se diz ter conseguido decorar o condutor e reconhece-lo.
Se diz exactamente a quanto quilómetros por hora seguia a viatura [vide Perguntado que foi, à testemunha B, se tinha dito que o veículo ia em excesso de velocidade, tem noção de que velocidade, respondeu que: "Salvo erro 76 km/h." [minuto 05:51 da faixa 2 - depoimento da testemunha B., da prova gravada].]
Se diz que estava junto ao radar [vide Perguntado que foi, à testemunha B., para precisar, que estava na outra faixa de rodagem, junto ao aparelho, radar, respondeu que: "Sim. Exactamente." [minuto 05:43 da faixa 2 depoimento da testemunha B., da prova gravada].]
Era pois suposto que o mesmo se lembrar de qual o radar é que estava a usar. Pois se o mesmo garante estar junto ao radar e que confirmou no radar a velocidade do veiculo.
Mas perguntado que foi, à testemunha B./ onde o radar se situava, neste caso em concreto, em que a sua viatura se encontrava estacionada, e montado o radar, se fica à frente ou atrás, respondeu que: "Depende do radar. Eu penso que esse era mesmo o radar que estava incorporado no veículo, e estaria a controlar de frente. Estaria a controlar de frente." [minuto 08:00 da faixa 2 - depoimento da testemunha B., da prova gravada]. Acrescentando que perguntado que foi, à testemunha B./ se não se lembrava qual o radar que estava a ser utilizado, respondeu que: "Se, Se ... também consta dos autos. Penso que é o MR6FD. Consta ai, na parte superior da fotografia está o radar." [minuto 08:16 da faixa 2 - depoimento da testemunha B., da prova gravada]. Mais disse "Temos dois, o MR e o Move. O MR incorporado no veículo e o Move pode ser incorporado ou não." [minuto 08:29 da faixa 2 - depoimento da testemunha B., da prova gravada].
N) Ora tais elementos não podem ser ignorados, pois á luz da experiencia comum, as circunstâncias em que a testemunha diz ter visualizado o condutor tornam tal evidencia muito difícil.
O) Pois estado o radar no interior da viatura, projectado para a frente, estando a testemunha junto ao radar, a mesma testemunha tinha obrigatoriamente de se encontrar dentro da viatura, virado para a frente. Ou seja, o veículo automóvel apresentou-se pelas costas da ora testemunha. Acresce ainda, que não se entende a necessidade de decorar o condutor que a testemunha diz existir. Pois é de conhecimento comum, que não interessa quem era o condutor, e que a multa segue sempre para o proprietário da viatura que deve, querendo, indicar o condutor, ou pagar a respectiva coima. Não é credível, á luz da experiencia comum, que a teoria de trocar de condutor seja relevante para estes casos como a testemunha teve a necessidade de justificar. Pois bem se sabe que este tipo de contra-ordenação, existindo o fotograma com a matrícula da viatura e a velocidade comprovada, tem prova suficiente para fundamentar a coima. E mais, à luz da experiencia comum, e dos tribunais, considerar que a troca de condutor para impugnação de uma coima de excesso de velocidade comprovada por fotograma de radar é algo que não pode ser considerado normal
P) Por fim, e não menos importante encontra-se o reconhecimento efectuado pela testemunha, feito 12 dias após a alegada fixação do condutor do veículo. Ora para além do lapso temporal, e dos critérios dos registos nmésicos, conforme melhor explicados pela testemunha T, apresentam-se as declarações da testemunha quanto a essa linha de reconhecimento. Em primeiro lugar quanto à discrição dos figurantes, pois identifica-os como sendo todos caucasianos, uns baixos, e outros altos, sendo certo que não se recorda muito bem dos pormenores. E de relevar que quando lhe foi perguntado se reconhecia os figurantes de outras situações, atento ao facto de que todos eles eram funcionários da polícia judiciária, a testemunha diz "Pois, é possível que sim. Mas ... Não me consigo lembrar.” [minuto 15:30 da faixa 2 - depoimento da testemunha B, da prova gravada]. Ora deixa aqui em aberto uma possibilidade. Deixa a ora testemunha um elemento que foi completamente ignorado, ou antes desconsiderado e distorcido. Pois face à resposta da testemunha e face à fundamentação do Douto Tribunal a quo, encontra-se uma posição diversa. Ora considerou o Douto Tribunal a quo que “( … ) não obstante a qualidade profissional dos elementos que integram a linha de reconhecimento além do arguido e do reconhecedor, este afirmou que não conhecia qualquer dos referidos elementos, desconhecendo, assim, tal qualidade dos mesmos. De resto, tal não é de estranhar, atendendo a que integram duas forças policiais absolutamente distintas (Polícia Judiciária e GNR)" [paragrafo 1º página 12 do Douto Acórdão de que ora se recorre]; Ora tal fundamentação não é coerente com a resposta da testemunha quando diz "Pois, é possível que sim. Mas não ... Não me consigo lembrar." [minuto 15:30 da faixa 2 - depoimento da testemunha B., da prova gravada]. Mais ainda não se pode fazer crer que as duas forças policiais embora distintas sejam completamente desligadas. Pois à luz da experiencia comum, todos temos conhecimento das acções concertadas entre as diversas policias. Nomeadamente quando a Polícia Judiciária de Faro, pertence a todo o Distrito, tendo atuação no concelho em que a testemunha desempenha funções. No mínimo fica aqui a dúvida, se em todos os anos de carreira da testemunha, em que disse ter já visitado as instalações da PJ e trabalhado em conjunto, conheceu ou não esses agentes que integraram a linha de reconhecimento. Pois uma coisa é certa, a testemunha identificou que os figurantes da linha de reconhecimento tinham diversas características diferentes do ora Recorrente. Bem, e é da experiencia comum, que é mais fácil distinguir coisas diferenças do que coisas semelhanças.
Q) Ora pelo que se conclui, que face às circunstâncias em que ocorreram os factos; Se a testemunha se encontrava dentro do veículo, junto ao radar e a controlar o mesmo; Se a viatura automóvel vinha na direcção contrária à posição da testemunha, o que o mesmo estava de costas para a mesma; Se a viatura circulava a 76 km/h, uma velocidade, quando se aproximou e passou pela testemunha; Se o reconhecimento foi apenas feito 12 dias depois dos factos;
R) Se a testemunha não se lembra das características que o ajudaram ao reconhecimento; Se a testemunha identifica os figurantes presentes no reconhecimento, como diferentes do ora Recorrente, caucasianos, uns mais altos outros mais baixos; Se a testemunha deixa em aberto a possibilidade de já ter privado com esses mesmos figurantes atenta a sua qualidade de agentes da polícia judiciária; Então não se pode considerar que o testemunha prestado seja completamente fiável e suficiente para dar como provado os factos de que o ora Recorrente vinha pronunciado. Assim se conclui que o Douto Acórdão decidiu mal ao valorar o depoimento da Testemunha B. do modo como o fez, e decidiu mal ao considerar que o mesmo reconheceu sem margem para dúvida o ora recorrente como o condutor da viatura, não analisou todos os factores à luz da experiencia comum, nem as circunstancias de tempo modo e lugar em que os factos ocorram, tendo encontrado certezas num depoimento que tem diversas falhas e circunstancias que contrariam o depoimento do ora Recorrente e que por si só face ás circunstancias de facto e experiencia comum não pode ser valorizadas do modo como foram. Pelo que quanto a esse facto e não obstante se impugnar também estes pontos nos termos do art.° 412.º do CPP, cumprindo os requisitos do referido artigo, os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 4100 n.º 2 als. a) e c) do CPP, o que desde já se requer. Devendo o depoimento não ser valorado do modo como foi, e não se considerar que a testemunha tenha identificado o arguido, ora Recorrente como sendo o condutor do veículo e em consequência não se podem dar como provados os pontos 1. a 4. Dos factos dados como provados do Douto Acórdão de que ora se recorre.
Do depoimento da testemunha C:
S) Quanto ao depoimento da testemunha C. que supra se transcreveu e aqui se dá como integralmente reproduzido, o Douto Tribunal a quo, ignora diversos elementos do depoimento da testemunha, considerando apenas que "A testemunha C., também militar da GNR, encontrava-se na mesma operação de fiscalização da anterior testemunha, não junto ao radar, mas mais à frente, na paragem dos veículos que circulavam em excesso de velocidade. Esta testemunha recebeu a comunicação da anterior testemunha de que o veículo descrito na pronúncia circulava em excesso de velocidade, tendo dado ordem de paragem ao mesmo, ordem que não foi acatada pelo seu condutor (sendo que no veículo circulavam dois indivíduos do sexo masculino, de tez escura, mas não negros, mas cujas características físicas não fixou de forma a conseguir identificar), tendo seguindo no ancalço do veículo, que viria a ser localizado junto das bombas de abastecimento de combustível da Galp, cerca de 500 metros à frente, com as portas abertas e sem ocupantes no seu interior, tendo sido encontrados no seu interior os objectos e o produto estupefaciente descritos no auto de apreensão de fls. 7 a 10, da sua autoria, sendo que os documentos se encontravam no porta-luvas da viatura." [paragrafo 2 da página 8 do Douto Acórdão de que ora se recorre). Ora do depoimento da testemunha resulta claro que a testemunha foi avisada com antecedência de que se dirigia à sua direcção um veículo em excesso de velocidade e que o mesmo teria de dar ordem de paragem o que assim o fez. [minuto 01:37, 02:55, 03:30 todos da faixa 3 - depoimento da testemunha C., da prova gravada]. Mas que a viatura não acatando a sua ordem de paragem, ultrapassou os outros veículos e passou por si bruscamente [minuto 02:55 e 03:30 ambos da faixa 3 - depoimento da testemunha C., da prova gravada sendo que não consegui visualizar os condutores apenas identificando os mesmos como dois indivíduos de tez escura não negros, mas que aparentavam ser marroquinos [minuto 03:40 da faixa 3 - depoimento da testemunha C., da prova gravada].
T) Ora analisando a prova em conjunto, e perante as regras da experiencia comum, contrapondo os depoimentos das testemunhas B e a ora Testemunha C., não se entende, como é que a primeira testemunha garante ter visualizado e fixado o condutor e a testemunha C. não. Pois se, atento a que são dois elementos da GNR, têm as mesmas técnicas especiais de serviço; Se enquanto a testemunha B. foi surpreendida pelo veículo, estando esta no interior da viatura junto ao radar, sendo que o radar se encontrava virado para a frente e o veiculo se apresentou pelas costas; Se a testemunha B. refere que a viatura circulava a 76 km/h, bem sabendo esse facto pois estava junto ao radar; Se avisou a testemunha C. que essa viatura com essas características se dirigia a si, e tinha que dar ordem de paragem; Se a testemunha C. estava à espera da viatura, para lhe dar ordem de paragem, e que a mesma não acatando a ordem, passou bruscamente por si; Não se entende nem se pode aceitar, face as regras da experiência comum e o homem médio com os conhecimentos dos agentes, que uma testemunha que é surpreendida e nas circunstâncias em que estava a testemunha B. possa visualizar e fixar o condutor, e a testemunha C. em circunstâncias previgiliadas não o tenha conseguido fazer. Mais ainda quando a testemunha C. que embora a viatura tenha passado por si bruscamente, e não tenha conseguido visualizar e fixar os ocupantes, tenha retido que os mesmos eram "marroquinos", coisa que a testemunha B. diz não identificar; Ora perante tal, à luz da experiencia comum não faz sentido. E resulta claro que a testemunha B. estava a faltar à verdade. Pois, segundo os critérios da experiencia comum, e do homem medio, com o conhecimento do agente nas circunstancias em que o mesmo se encontrava, não lhe era possível ficar e identificar o condutor do veículo. Pois em melhores circunstâncias a testemunha C. não o conseguiu fazer. Mais acresce que a testemunha relata que desde o primeiro momento se levantaram suspeitas contra o arguido, ora Recorrente. Aliás foi ele próprio que considerou o mesmo como suspeito, referindo que existia documentação com o nome do arguido, ora Recorrente na viatura [minuto 07:50, 09:15, 11:55, 12:39 da faixa 3 - depoimento da testemunha C., da prova gravada]. Ora por muito estranhar a testemunha garante que foi ele e no momento da apreensão que se levantou suspeita contra o arguido, ora Recorrente, contudo de estranhar é que dos autos, o arguido, ora Recorrente, apenas tenha sido ligado ao processo, devido ao facto de ter sido detido e na sua posse se encontrar uma chave duma viatura marca Volkswagen, e pelo facto de no interior do veiculo se encontrar um documento com referencia ao seu nome. Ora em verdade, e conforme resultam dos autos, essa suspeita apenas aparece a fls. 50 do presente processo, a 25 de janeiro de 2012. Até então em momento algum é levantada qualquer suspeita contra o arguido, ora Recorrente, conforme resultam dos autos de notícia a fls. 3 a 45 do presente processo. Ora é de estranhar esta necessidade da testemunha garantir ao Douto Tribunal a quo que tinha sido desde o início a levantar-se suspeita sobre o arguido, ora Recorrente, e que foi ele mesmo a levantar essa suspeita devido à diversa documentação com o nome do arguido, ora Recorrente. Mais estranhar é que a documentação existente, e que a testemunha refere apenas consta o nome do arguido no documento da transferência, ao passo que o nome que do individuo que o arguido, ora recorrente identificou como sendo o proprietário do veículo consta num maior número de vezes, e diversos documentos.
U) E para finalizar, de maior relevo é, que o Douto Tribunal a quo, tenha, para alem de ignorar esses factos, prova produzida em tribunal, tenha ainda impedido a testemunha de responder sobre essas mesmas suspeitas, impedido que se fizesse prova quanto a factos que foram relatados no depoimento da testemunha, e mais grave desvalorizando os mesmos [minuto 16:44 da faixa 3depoimento da testemunha C., da prova gravada. Pelo que resulta claro a necessidade da testemunha em implicar o arguido, ora recorrente, nem que fosse faltando com a verdade. Tal como resulta que o Douto Tribunal a quo, não foi imparcial na sua analise da prova produzida, ao simplesmente ignorar esses factos, e ainda impedir a investigação, violando assim o disposto no artigo 410º nº 2 al, a) e c) do CPP, o que desde já se invoca.
Assim se conclui que o Douto Acórdão decidiu mal ao não avaliar a prova na sua globalidade, e ignorar o depoimento da testemunha C. face ao depoimento da testemunha B. Não tendo verificado que o depoimento da testemunha B. é débil, e que face ao depoimento da testemunha C. e face ás regras da experiencia comum, o mesmo não pode garantir sem marguem para duvida, da forma como fez, que era o arguido, ora recorrente o condutor do veiculo apreendido. Tal como deveria ter o Douto Tribunal a quo, analisado a prova na sua globalidade, e verificado a inconsistência dos depoimentos prestados, por se contradizerem, por serem hostis e por faltarem deliberadamente com a verdade. Mais acresce que o Doutro Tribunal a quo, não foi imparcial, impedindo deliberadamente que se produzisse prova ao impedir a testemunha de responder a uma pergunta sobre factos que por ela foram relatados. Pelo que quanto a esse facto e não obstante se impugnar também estes pontos nos termos do art.º 412.° do CPP, cumprindo os requisitos do referido artigo, os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 410° n.º 2 als. a) e c) do CPP, o que desde já se requer. Devendo os depoimentos das testemunhas B. e C., não ser valorado do modo como foi, e não se considerar que as testemunhas tenha dito a verdade, e que face aos dois depoimentos! concluído que era muito difícil à testemunha B. ter identificado o arguido, ora Recorrente como sendo o condutor do veiculo, atento o depoimento da testemunha C., e as regras da experiencia comum e em consequência não se podem dar como provados os pontos 1. a 4. Dos factos dados como provados do Douto Acórdão de que ora se recorre.
Do depoimento da testemunha D. V) Do depoimento da testemunha D., que supra se transcreve e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, conclui-se que, durante a longa discrição dos factos feita pela testemunha, e até mesmo de factos em que o mesmo não teve conhecimento directo, a testemunha deixa patente um sentimento de desdém para com o ora Recorrente, moldando o seu depoimento, sentido constantemente a necessidade de referir que "tinha fortes suspeitas", "na minha opinião" e ainda mais grave não se coibiu de trazer para o tribunal factos, e historias das quais não constam em momento algum nos autos, de forma a fazer crer a veracidade da sua historia. Nomeadamente quando refere que a proprietária da viatura tinha tido um relacionamento amoroso com o ora Recorrente. Ora é de estranhar que tal informação que confirmava pois a ligação entre o ora recorrente e a proprietária do veículo em primeiro lugar tenha sido completamente omitida na investigação, não constando em momento algum no processo, e em segundo que provenha de recolha de informação de que não se sabe precisar as fontes. Pois não se sabe precisar porque tais não existem. A testemunha tentou sempre desviar a conversa quando sentia que o assunto fugia à história que acabava de contar, nomeadamente quando se fala do individuo E., em que prontamente a testemunha diz: "Mas aqui o que interessa é o A. e o H, que não sei se eles não terão ligações familiar para além de serem amigos." [minuto 20:20 da faixa 4 - depoimento da testemunha D., da prova gravada]. Mais acrescenta que "Efectivamente existe uma transferência da Westernunion remetida pelo tal E.. Mas não sei qual é a relevância desse. Ora conforme resulta dos autos, a fls. 31 e 32, não existe uma, mas duas transferências feita por esse individuo. E nessas duas, tem o documento de identificação do individuo e o número de telefone, e muito embora esse factos tenham sido suficiente para a testemunha afirmar, no que respeita ao documento, fls. 15 dos presentes autos, onde constam os mesmos dado do ora Recorrente, que esses dados contem indícios suficientes para a forte suspeita contra o mesmo, [minuto 31:20 da faixa 4 - depoimento da testemunha D., da prova gravada] ao que parece no que respeita a E. não tem relevância.
W) Em todo o processo nada e em momento algum é feito, diligenciado, investigado quanto aos outros indivíduos. Em todo o processo e mesmo até pelo depoimento da testemunha resulta claro que o objectivo era e sempre foi moldar a investigação por forma a fortalecer as fortes suspeitas contra o ora Recorrente.
Alias a testemunha até sente a necessidade de dizer em tribunal, mesmo sem que lhe tivesse perguntado que "Ao contrário do que algumas pessoas pensam, nós não direcionamos a investigação. Não direcionamos a investigação para determinados suspeitos. Nos abrimos sempre a possibilidade de outras pessoas puderem intervir" [minuto 33:20 da faixa 4 - depoimento da testemunha D. da prova gravada]. Ora se assim fosse, porque é que não investigaram todos os outros elementos e indivíduos que constavam nos documentos apreendidos.
Quanto aos vestígios lofoscópícos, para além de serem coerentes com as declarações do ora Recorrente, também vai de encontro com os esclarecimentos, prestados pelo tribunal a quo de que se não constarem no sistema da polícia pois que não há qualquer resultado. É de estranhar que o documento da transferência onde consta o arguido seja tao importante e dois outros iguais com outro nome tenha sido simplesmente ignorado. Ainda mais quando esse igualmente tem um documento de identificação espalhol. Mas entendeu a Policia Judiciária não efectuar qualquer tipo de investigação.
X) Mais reforça que a testemunha tem ainda a necessidade de falar do estado de espírito do arguido, quando o mesmo foi detido, dizendo que o mesmo estava tranquilo, e calmo, considerando isso um indício de quem está conformado. Ora não seria igualmente de esperar de um individuo que nada fez, a mesma calma e tranquilidade? Não seria de esperar que o mesmo estivesse confiante na justiça e que de facto nada daquilo seria sério, pois o mesmo não era o condutor do veiculo? Contudo mais uma vez para a testemunha é uma nota que sente a necessidade de realçar as suas convicções. Face à experiencia comum, facilmente se denota ressentimento e hostilidade da testemunha para com o ora Recorrente, o que se veio a revelar no decurso da investigação, quando ignoraram todos os indícios que não tinham ligação com o ora Recorrente.
Y) Pelo que se conclui que a testemunha é hostil, e com a qualidade de Inspector responsável pela investigação, teve sempre o propósito de levar a cabo a acusação contra o ora Recorrente, ignorando todos os outros elementos e limitando a própria investigação. Resulta claro que a investigação padece de certezas e contem diversas opções que não foram exploradas, não sendo investigadas, nem foram tidas em consideração e que poderia certamente ter mudado o rumo da mesma. A investigação por si é insuficiente, contem erros, e não é imparcial. Deixando assim claro que há margem suficiente para se considerar que existe dúvida razoável quanto a outras possibilidade se a investigação tivesse sido correctamente dirigida. Face a todos esses factos o Douto Tribunal a quo simplesmente ignora-o violando assim claramente o seu dever de apurar a verdade. Mais ignora a insuficiência da prova para a boa decisão da causa quanto à decisão da matéria de facto provada.
Z) Existe pois, claramente, uma duvida razoável que determina a impossibilidade da formação de uma convicção positiva sobre a realidade e autoria dos factos, atento a que a investigação é incompleta e insuficiente. Esta duvida séria e razoável resulta da apreciação exaustiva e critica dos meios de prova relevantes em conformidade com os critérios legais da produção e valoração de prova que foram ignorados pelo Douto Tribunal a quo. E assim, o Douto Tribunal a quo, violou claramente o disposto no artigo 410º nº 2 al. a) do CPP e violou igualmente o principio do in dúbio pro reu.
Quanto aos vestígios lofoscópícos e ADN:
AA) Quanto à factura com os vestígios, o arguido declarou e referiu que não tinha conhecimento desse documento, que provavelmente o individuo que o ora Recorrente reconhece como sendo dono da viatura, o tenha deixado lá por descuido, atento que os mesmos partilhavam o carro quando costumavam fumar haxixe juntos no estacionamento do bar onde se encontravam. Ora no que respeita à beatas de cigarro, pastilhas elásticas e palheta de café, muito embora tenha sido encontrado numa e sublinhe-se apenas uma beata os vestígios de ADN do ora Recorrente, nas restantes quatro tal não aconteceu. Então se o ora Recorrente diz já ter estado no interior da viatura, nomeadamente quando se junto com E. para fumar haxixe, é normal que tenha lá fumado um cigarro e tenha lá ficado a beata. Alias há que analisar à prova de forma critica, e há que considerar que não é normal para o dono de uma viatura não ter qualquer outro vestígios na mesma que não uma beata de cigarro.
BB) Ora se foram analisadas cinco beatas de cigarro, uma garrafa de iogurte, uma garrafa de agua, um par de óculos, cabelos do banco do condutor, quatro pastilhas elásticas, um lenço de papel, uma palheta de café e em apenas uma beata de cigarro são encontrados vestígios do ADN do ora arguido, devia o douto tribunal a quo ter analisado esses factos e elementos e concluído que era impossível o ora Recorrente ser o condutor da viatura quando em tantas possibilidade apenas existe um pequeno vestígios. Ora face à experiencia comum, era de esperar que se o ora Recorrente estivesse na viatura naquele dia e hora; tivesse certamente deixado vários vestígios, o que não aconteceu. Ainda mais quando e conforme foi explicado; não se encontrando no sistema os dados de ADN não é possível fazer uma comparação. Pois e atenta às falhas da investigação; nada impede de levantar a duvida razoável de que; conforme resulta das declarações do ora Recorrente; viessem a ser encontrados vestígios nesses elementos que foram alvo de perícia do E.;
CC) Mais acresce que as considerações e conclusões que o douto tribunal a quo retira da interpretação do documento a fls. 826 é completamente inadmissível, [Primeiro paragrafo de página 14 do Douto Acórdão de que ora se recorre]. Pois da analise correcta desse documento, que se trata de um contrato de aluguer de viatura, claramente se vê que nas observações conta a indicação “2º condutor”. Ora é do conhecimento comum; e face às regras da experiencia comum; que estes contratos de aluguer contem sempre estas possibilidade de ser indicado um segundo condutor que não o individuo que está a alugar a viatura. Contudo, daí a concluir, omitindo o “2º”, que o condutor indicado no contrato é diverso que não o ora recorrente é algo que não corresponde à verdade, é que representa seria falha na analise da prova produzida.
DD) Pelo que se conclui, face a análise critica de toda a prova produzida decidiu mal o douto tribunal violando o do art.º 412.º do CPP incumprindo os requisitos do referido artigo, sendo que os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 410º. n.o 2 als. a) e c) do CPP, o que desde já se requer. Não tendo o doutro tribunal os elementos suficientes para que pudesse decidir quanto à matéria de facto dada como provada e havendo um erro notório da apreciação da prova, tal como violou o principio do in dubio pro reu. Pelo que deve o presente acórdão ser revogado e substituído por outro que considere como não provados os factos constantes da pronuncia e em consequência deve ser o ora Recorrente absolvido.
EE) O Douto Acórdão de que ora se recorre, considerou como provado que:
5. No dia 25 de Janeiro de 2012, em Loulé, e no interior do veiculo que conduzia, o arguido detinha € 16.165 euros, dos quais pelo menos 90% constituem remuneração obtida pela vende de estupefacientes a que se dedica e ainda 0,829 gramas de cocaína.
6. Por fim refira-se que ao arguido, dias depois dos factos foi apreendida avultada quantia monetária (mais de €16.15).
7. É certo que o arguido referiu que tal quantia monetária provinha de negocio de venda de roupa que o seu progenitor lhe enviava de Itália. Porém, os documentos referente ai envio de roupa que juntou ao autos (fls. 828), além de apenas em número de dois, datam de Julho e Setembro de 2011, sendo assim insuficientes para que se conclua que a quantia monetária aprendido provinha exclusivamente ou principalmente dessa actividade, que não se pões em causa que o arguido também desempenhasse, de venda de roupa. Tal actividade seria porem uma fonte de rendimento secundária do arguido. De resto, o arguido não apresentava qualquer declaração de rendimentos, nem juntou aos autos qualquer documento comprovativo de venda a terceiros da totalidade ou sequer parte dessas roupas. Por outro lado, contraria as regras da experiencia comum o facto de sendo proveniente da venda de roupa , o arguido trazer consigo , num veiculo automóvel tão avultada quantia monetária.
8. Considerando tudo isto, a quantidade de produto estupefaciente apreendida (um fardo de haxixe) e as regras da experiencia comum , conclui-se que pelo menos 90% da quantia monetária apreendida ao arguido seria proveniente da atividade de venda de estupefaciente
FF) Considerando o supra alegado em sede do presente recurso, e considerando que os pontos Da Consideração como Facto Provado os Ponto l a 4 constante do Ponto III - Fundamentação constante na Página 2 do Douto Acórdão de Que ora se recorre que não devem ser dados como provados, deve todos os bens apreendidos ser devolvidos ao ora Recorrente, Mas ainda que assim não fosse, o ora recorrente fez prova documental junta aos autos (fls. 828), de que se dedica ao comercio de roupa; A prova documental apresentada, conforme apreciação feita pelo Tribunal é apenas em número de dois, e datada de 20/07/2011 e 16/09/2007; Afirma ainda quo Douto acórdão de que ora se recorre que o recorre não fez prova cabal da sua actividade comercial, pois nem tão pouco apresentou declarações de rendimentos, Atentos a esta realidade e considerado as informações constantes das facturas apresentados;
GG) Podemos concluir o seguinte a actividade comercial do ora recorrente é para efeitos fiscais em Itália. O ora recorrente afirmou ser vendedor ambulante, conforme resulta das suas declarações. A atendendo a esta realidade a prova a ser feita da sua actividade comercial no caso em apreço, e ao facto de o próprio tribunal considerar que a actividade de vendedor de roupa ambulante seria actividade secundária do ora recorrente;
HH) A convicção do julgador, foi suficiente para considerar que o ora recorrente tem como actividade secundária a venda de roupa. Considerando que à data da última factura até á detenção do ora recorrente passaram 4 meses; É possível que o ora recorrente tenha vindo ao longo desses meses a vender a mercadoria, d acordo com o mercado; Também e legitimo considerar que estando o ora recorrente em situação irregular em território nacional não lhe tenha sido possível ser titilar de conta bancaria junto nenhum instituição bancaria; Também é legitimo considerar que o produto da venda da roupa estivesse em sua posse e em montante superior a uma percentagem de apenas 10%. Considera-se o que de 90% do montante apreendido é alegadamente proveniente da venda de estupefacientes é excessivo;
II) E é excessiva porque a lei estabelece forma de chegar a um patamar patrimonial anterior e posterior à pratica de um crime. Foi feita prova perante o tribunal a quo da actividade comercial do ora recorrente. Tanto foi feita prova que aquele tribunal considerou que o ora recorrente teria como actividade secundária a venda ambulante de roupa, e declarou que as facturas apresentadas não foram as ultimas que não tinha na sua posse as mais recentes [faixa 10 da prova gravada - Declarações de Arguido] Tanto foi feita prova que o ora recorrente questionado sobre os seus rendimentos, declara que os mesmos variavam consoante os meses e a procura;
JJ) Ora considerando o diploma, ao património médio da actividade de vendedor ambulante do ora recorrente deveria ter sido considerado para efeitos da aplicação da percentagem do montante declarado perdido a favor do estado; Ou seja considerando a actividade secundária do ora recorrente e os montantes de mercadoria adquirida nos últimos quatro meses; E considerando que o mesmo venderia a mercadoria por montante superior ao que a adquirir; Nunca poderia o tribunal considerar que apenas 10% do montante apreendido proviria dessa actividade secundária; Ora ficou o tribunal convicto de que existia uma actividade secundária; Ou seja o ora recorrente tem uma actividade; O seu património não é apenas constituído pelo montantes que alegadamente auferia na venda de estupefacientes; A existência de facturas prova que o existe um registo, publico fiscal, ainda que oriundo de pais terceiro; Facturas essas cuja validade como prova não foi posta em causa pelo tribunal. Facturas essas que apenas não serviram ao tribunal pela datas nelas apostas; Mas cuja veracidade não foi posta em causa. Facturas essas que comprovam que num dado momento o ora recorrente desenvolvia uma actividade comercial, momento esse anterior aos factos. Momento esse que se prolonga no tempo para efeitos comercias;
KK) E mais o ora Recorrente declarou existirem outras facturas que não tinha na sua posse, ainda mais tendo em conta que o mesmo se encontra em prisão preventiva e não pode simplesmente procura-las. E ainda que assim não fosse não seria o facto do ora recorrente ter adquirido quatro meses antes da detenção aproximadamente 2000 mil peças de roupa; Considerando que a venda de 2000 mil peças de roupa não acontece em 4 meses na actividade de vendedor ambulante. É licito entender que mais de 10% do património do ora recorrente era constituído pelo fruto da venda das peças de roupa; Considerando que o ora recorrente se encontrava e encontra em situação irregular em território nacional também é licito entender que o mesmo não seria titular de conta bancaria em Portugal. Também é ilícito e fruto da experiencia comum que quem de dedica a esta actividade em regra é sempre portador de quantias avultadas de dinheiro. E não basta que exista uma património avultado para que o mesmo se considere proveniente de actividade criminosa, que no nosso entender não pode ser dada como provada. Mas porque não 100%
LL) A afirmação de que eram 90%, ainda que dentro do âmbito da livre apreciação do julgador é excessiva. Considerar que 90% porcento do valor apreendido com ora recorrente é proveniente da alegada venda de estupefaciente, sem qualquer. A Lei 5/2002, estabelece o regime perda de bens a favor do Estado, relativa aos crimes de Tráfico de estupefacientes. Nos termos deste regime é necessário que se preencham determinada presunções para que se possa chegar ao montante a ser declarado perdido a favor do estado. Presunções essas que não forma tidas em consideração pelo Douto acórdão de que ora se recorre;
MM)Pelo que se conclui, que decidiu mal e sem fundamento o douto tribunal ao considerar que 90% do dinheiro apreendido tivesse provindo de actividade ilícita violando o disposto no art.° 412.° do CPP incumprindo os requisitos do referido artigo, sendo que os mesmos padecem dos vícios constantes do art. 410° n.º 2 als. a) e c) do CPP, o que desde já se requer. Não tendo o doutro tribunal os elementos suficientes para concluir que tal valor não tivesse vindo da actividade profissional do ora Recorrente, nem apresentando fundamentação e prova suficientes para defender a sua tese. Pelo que deve o presente acórdão ser revogado e substituído por outro que considere que o valor apreendido proveio da actividade profissional do ora Recorrente e em consequência deve o mesmo ser devolvido ao ora Recorrente.
NN) Decidiu o Tribunal a quo aplicar ao ora Recorrente uma pena de 5 anos e seis meses de prisão, Com os fundamentos constantes de páginas 20 e 21 do douto acórdão de que ora se recorre e que aqui se dá integralmente reproduzido.
OO) Ora atenta à exposição de impugnação de matéria de facto fica claro o ora Recorrente deve ser absolvido do que vem acusado. Contudo a assim não entender o Douto Tribunal de Recurso, a pena aplicada não se mostra adequada por não ser proporcional à conduta e grau de culpa do ora Recorrente. Pois na fixação da pena concreta, deve ter-se em conta, para além da culpa, o grau de ilicitude do facto a intensidade do dolo, a situação pessoal e a anterior conduta dos arguidos e, enfim todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Deste modo, a ausência de antecedentes criminais do ora Recorrente. O facto do ora Recorrente estar integrado, familiar e profissionalmente; PP) A quantidade e tipo de produto que foi apreendido. As penas que tem vindo a ser aplicadas em desembarques com quantidades astronómicas de estupefacientes.
QQ) Devia o Douto Tribunal ter condenado numa pena mínima o ora Recorrente, de quatro anos e suspensa na sua execução. Tal como o tribunal a quo não considerou, a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, nem fundamentou que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizaria ou não de forma adequada e suficiente as finalidade da punição para o arguido, para determinar a não aplicação do artigo 50º nº l do Código Penal. São pois esses pressupostos que são indicados no artigo 50º do Código Penal;
RR) O ora Recorrente tem nacionalidade marroquina, conforme resulta da sua identificação nos presentes autos. Pois destes considerandos, resulta que a personalidade da vida do Recorrente, as condições de sua vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do mesmo denotam que o tempo de sujeição a prisão preventiva e uma pena de suspensa realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
SS) Acresce ainda outros o facto do haxixe não ser considerado um droga “dura” e que o mesmo não é prejudicial à saúde como outras, sendo até considerado um droga legal em diversos países comunitários;
TT) E ainda considerar o valor e a importância da reintegração social do ora Recorrente, pois pese embora a importância do castigo é necessário mediar o mesmo de acordo com a reabilitação e retorno deste á sociedade Pelo que apenas e somente uma pena suspensa pode ser considerada adequada.
UU) Termos em que e nos demais de Direito, deverão V. Exªs julgar procedente o presente recurso e nessa sequencia aplicar ao ora Recorrente uma pena mínima de quatro anos suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Deve, pois, ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência serem dados como não provados os factos constantes da pronúncia e daí tirando as devidas consequências legais, tal como deve ser modificado o douto acórdão de que ora se recorre nos termos supra indicados, sendo em consequência o ora Arguidos absolvido dos crimes de que vinha acusado e demais invocado.
Vossas Excelências, porém, melhor decidirão como for de JUSTIÇA! ”.
Admitido o recurso e notificado o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, em síntese conclusiva, respondeu ao recurso interposto pelo arguido nos termos seguintes:
“1 – Os factos imputados ao arguido encontram-se exuberantemente demonstrados, conforme resulta de fls. 938 a 951, do douto acórdão, aqui dadas por reproduzidas para todos os efeitos legais;
2 – A pena em que o arguido foi condenado mostra-se criteriosa e judiciosamente fixada, de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 71º e 70º, do Código Penal;
3 – Não se verifica nenhuma das violações legais mencionadas pelo recorrente;
4 – Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na integra o douto acórdão recorrido.
MAS VEXAS. FARÃO, COMO SEMPRE,
JUSTIÇA!”.
Remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer alegando, em suma que, “(…) Da análise da motivação e despectivas “conclusões”, parece-me claro que, embora a pretexto de uma pretensa impugnação da decisão proferida em matéria de fato, o que o recorrente pretende impugnar é o processo de formação da convicção do tribunal “a quo” que levou à fixação da matéria de fato dada como provada nos pontos que especifica (…) e no sentido em que o foi pelo Tribunal, esquecendo que nos termos do disposto no art. 127º do CPP, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador”. (…) atalhando , diremos, que toda a matéria de facto impugnada deve, pois, persistir, afigurando-se que, no acórdão sob censura, se procedeu, adequadamente, ao exame crítico de toda a prova, com cabal explicitação das razões que presidiram ao raciocínio subjacente à fixação dos fatos e, assim, à respectiva convicção, não se vislumbrando que tivessem sido violados os limites da livre apreciação, pois que esta obedeceu a critérios de experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. O recorrente acena também que o tribunal violou o princípio da presunção da inocência e tendo como corolário o princípio “in dúbio pro reo”. Também por aqui não colhe razão a argumentação do recorrente. (…). Por último o recorrente questiona a pena de 5 anos e 6 meses de prisão por entender que a mesma é excessiva e que lhe deva ser fixada uma pena de 4 anos de prisão, pugnando ainda que a mesma seja suspensa na sua execução. Também neste aspeto não me parece que possa assistir razão ao recorrente. (…).”.---
E, em consequência, conclui no sentido de que o recurso interposto não deve merecer provimento.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.
Foi realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir. II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
Vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que as questões suscitadas são as seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):
(i) -Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de exame crítico das provas, nos termos do estatuído nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal;
(ii) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto dada como provada, nos termos do preceituado no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (entendendo o recorrente que o acervo factual constante dos pontos nºs 1 a 5 deve ser julgado como não provado);
(iii) - Se a decisão recorrida padece dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, designadamente os prevenidos nas alíneas a) e c) do citado comando legal;
(iv) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no tocante à dosimetria da pena de prisão aplicada ao recorrente (entendendo este que a pena fixada é excessiva, em violação do disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal, devendo ser fixada em quatro anos de prisão);
(v) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito porquanto a pena imposta (ou a impor) deverá ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50º, do Código Penal.
III
Com vista à apreciação das suscitadas questões, o acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (que se transcrevem):
“(…) * III - FUNDAMENTAÇÃO Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. O arguido dedica-se à venda e cedência de estupefacientes, nomeadamente haxixe, que obtém de forma não concretamente apurada.
2. No dia 16 de Janeiro de 2012, pelas 11h00, na Estrada Nacional n.º 2, ao km. 724,8, no Sítio dos Machados, Faro, o arguido detinha um fardo de haxixe com o peso de 32.450,33 gramas.
3. Detinha ainda, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, cinco bolotas de haxixe, com o peso de 46,41 gramas e uma placa de haxixe com o peso de 98,640 gramas.
4. Tal estupefaciente era transportado no veículo de matrícula ----RL, de marca Volkswagen, modelo Golf, conduzido pelo arguido.
5. No dia 25 de Janeiro de 2012, em Loulé, e no interior do veículo que conduzia, o arguido detinha € 16.165 euros, dos quais pelo menos 90% constituem remuneração obtida pela venda de estupefacientes a que se dedica e ainda 0,829 gramas de cocaína.
6. O arguido detinha ainda 9 telemóveis.
7. Na sequência destes factos, o arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, que se encontra a cumprir no Estabelecimento Prisional de Faro.
8. No dia 18 de Março de 2012, pelas 19h20, no interior da camarata que ocupa no referido estabelecimento prisional (camarata 7), o arguido detinha 3 bolotas de haxixe com o peso líquido de 29,565 gramas e com grau de pureza não concretamente apurado.
9. O estupefaciente havia sido entregue ao arguido, naquele estabelecimento, por pessoa não concretamente identificada, pretendendo o arguido proceder ao seu consumo.
10. O arguido queria, como conseguiu, deter substâncias que sabia serem estupefaciente.
11. Agiu sempre de forma livre, consciente e deliberada, sabedor da censurabilidade penal das suas condutas.
12. A. nasceu em Marrocos há 31 anos, inserido numa família de parcos recursos económicos – pai vendedor ambulante e mãe doméstica -, constituída por 7 elementos, tendo o seu processo de crescimento e socialização decorrido em moldes qualificados como ajustados.
13. O seu percurso escolar surge como normativo, tendo concluído 7 anos de escolaridade no seu país de origem quando tinha 13 anos de idade, altura em que emigra para Itália, juntamente com os pais e irmãos, tendo todo o agregado familiar se dedicado/continuado a exercer a atividade de vendedores ambulantes de vestuário.
14. Em termos de comportamentos aditivos regista-se o início, ainda na adolescência, de consumos de estupefacientes e álcool.
15. A. nunca iniciou qualquer relação marital consistente, apesar de terem sido referidas várias ligações afetivas.
16. Há cerca de 2 anos, com intenção de melhorar a sua situação económica deficitária, resultante da conjuntura económica e social desfavorável que começou a existir em Itália, desloca-se para Portugal, tendo-se radicado em Quarteira, em casa de um amigo da mesma nacionalidade, que detinha a mesma atividade profissional - vendedor ambulante.
17. À data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido residia em Quarteira, num apartamento partilhado com um amigo, com adequadas condições de habitabilidade, contribuindo com cerca de 150€/mês para pagamento da renda.
18. Em termos económicos vivenciava uma situação precária, dependente das receitas auferidas provenientes da venda de produtos de vestuário, manifestamente insuficiente para as despesas do quotidiano, dependendo em muitas ocasiões do apoio de indivíduos da mesma nacionalidade e que desempenhavam a mesma atividade.
19. A. não detinha em Portugal qualquer enquadramento familiar, sendo referido apenas uma relação de namoro com uma cidadã portuguesa, mantendo apenas contactos com o agregado de origem, via telefone.
20. Segundo o arguido, apesar de referir consumos esporádicos de estupefacientes e álcool, nunca recorreu a apoio médico e medicamentoso.
21. A. não tem mantido em meio prisional, um comportamento estável e equilibrado, existindo um registo de posse de estupefaciente, registando uma sanção disciplinar de 15 dias de cela disciplinar.
22. Tem recebido visitas de amigos e da namorada.
23. Em termos de competências pessoais, o arguido não apresenta, aparentemente, capacidade de descentração, nem de analisar e prever as consequências dos actos, situação tanto mais agravada com o registo de sanção disciplinar no Estabelecimento Prisional e de não deter qualquer apoio familiar.
24. O presente processo é vivenciado pelo arguido com alguma expectativa a par de uma visão distorcida dos valores jurídicos em causa, registando-se alguma ligeireza de pensamento, desculpabilização comportamental e uma acentuada relativização dos factos.
25. A um outro nível, o arguido denota incapacidade de análise crítica relativamente aos factos subjacentes ao processo, não reconhecendo o bem jurídico em causa e a irresponsabilidade dos seus actos, admitindo, ainda assim neste contexto, a legitimidade do sistema legal.
26. Da análise dos dados disponíveis, afigura-se-nos que o arguido beneficiou de enquadramento familiar adequado, tendo mantido ao longo do seu processo de crescimento e até à fase final da sua adolescência um percurso de vida estável ao nível sócio-familiar e laboral.
27. Contudo, a precariedade dos rendimentos auferidos pelo seu trabalho, resultantes da conjuntura económica e social desfavorável que se verificava em Itália, mostraram-se manifestamente insuficientes para suprir as suas necessidades do quotidiano, tendo optado pela emigração para Portugal, onde manteve o mesmo modo de vida, assim como as dificuldades ao nível económico, o que se constituiu como um factor de risco comportamental, tanto mais agravado pela ausência de qualquer suporte familiar.
28. A. não aparenta capacidade de análise crítica, tendo já registado uma sanção disciplinar no Estabelecimento Prisional, em consequência do seu comportamento desadequado.
29. Não são conhecidos ao arguido antecedentes criminais em território nacional.
* 2. Factos não provados:
Com relevo para a discussão da causa, não se provou o seguinte facto constante da pronúncia:
1- Os nove telemóveis que o arguido detinha eram utilizados pelos mesmos para ser contactado e contactar pessoas relacionadas com o tráfico de estupefacientes a que se dedica.
* 3. Motivação da decisão de facto:
O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade.
Concretamente, revelaram-se fundamentais para criar a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, os seguintes meios de prova:
O arguido prestou declarações, nas quais confessou o consumo de estupefacientes nos termos em que o mesmo lhe é imputado na pronúncia, referindo que era consumidor de cocaína e haxixe. Quanto à quantidade consumida, referiu periodicidade semanal ou quinzenal, até passar à situação de reclusão e, a partir daí e até ter sido intercetado, a quantidade diária de sete a oito cigarros contendo haxixe, pelo que a quantidade apreendida lhe daria para um consumo de 5 a 6 dias.
Já quanto aos demais factos que lhe são imputados na pronúncia, o arguido negou a sua prática, nomeadamente ter circulado no veículo automóvel descrito na pronúncia no dia dos factos, dia em que refere ter alugado para si um outro veículo automóvel (juntou aos autos, no decurso da audiência, documentos referente ao aluguer da viatura – fls. 826).
A este respeito, o arguido referiu ter por cerca de duas a três vezes circulado no veículo indicado na pronúncia, tendo por condutor um conhecido seu, E., de nacionalidade marroquina, o qual habitualmente se apresentava no exercício da condução desse veículo.
No que respeita aos documentos referentes às transferências bancárias (fls. 20) contendo a indicação do seu nome, o arguido referiu ter sido esse seu conhecido a solicitar-lhe que efetuasse as transferências bancárias para um terceiro indivíduo, alegando não ter consigo os documentos de identificação bancária pessoais, tendo os documentos referentes às transferências bancárias ficado, por isso, no veículo automóvel e tendo-se o arguido identificado com o documento de identificação supostamente emitido na Bulgária (cfr. fls. 20).
No que concerne ao documento referente à reparação do veículo automóvel, no qual foram encontradas impressões digitais do arguido (fls. 722), mencionou o mesmo não se recordar desse documento, mas poder tê-lo tocado, aí deixando os seus vestígios lofoscópicos.
No mais, referiu que se dedica à atividade de vendedor ambulante de artigos de vestuário que o seu progenitor lhe envia de Itália para Sevilha, cidade onde se desloca para a recolher, sendo a quantia monetária apreendida proveniente dessa atividade de compra e venda de artigos de vestuário a outros indivíduos de nacionalidade marroquina. Referiu não dispor de documentos comprovativos das vendas ou apresentar declarações de rendimentos, mas apresentou em sede de audiência documentos referentes à expedição para Portugal pelo seu pai de artigos de vestuário (cfr. docs referentes ao envio de roupas que o arguido juntou aos autos no decurso da audiência de discussão e julgamento – fls. 827 e 828). Não obstante tais documentos se mostrarem em nome diverso daquele que nos autos consta como sendo o pai do arguido, o mesmo apresentou explicação quanto à forma de composição dos nomes em Marrocos, a qual foi confirmada pelo ofício do Sr. Cônsul junto do consulado de Marrocos em Portugal (fls. 865).
Reconhece como seus oito dos telemóveis apreendidos, referindo que apenas 3 se encontravam em funcionamento, sendo que os adquiria habitualmente a preço reduzido, com chamadas incluídas.
Refere como tendo estado pela última vez no veículo, o período aproximado de um mês antes da data dos factos, sendo que conhecera o seu condutor cerca de 4 meses antes da sua reclusão em bares habitualmente frequentados por indivíduos de nacionalidade marroquina.
A testemunha B., militar da GNR de Faro, encontrava-se numa operação de fiscalização de trânsito com uso de meios de controlo da velocidade à distância, tendo no exercício dessas funções e à distância de cerca de 4 a 5 metros, presenciado o veículo descrito na pronúncia a circular a uma velocidade de 76 km/h, tendo-se apercebido que no veículo circulavam dois indivíduos nos bancos dianteiros, tendo, no entanto, apenas centrado a sua atenção no condutor do veículo, que viria a identificar como sendo o arguido em diligência de reconhecimento levada a efeito em sede de inquérito e cujo auto consta de fls. 103 e 104 dos autos. Refere não ter tido quaisquer dúvidas no reconhecimento do arguido, cujas feições fixou, referindo ser habitual utilizar a técnica de fixação dos condutores em excesso de velocidade, em face da negação que por vezes ocorre por parte dos mesmos desse ato. Não obstante já não recordar hoje as características do indivíduo que viu e reconheceu, tal não acontecia na ocasião do reconhecimento, em que tinha bem presentes tais características. Quanto aos demais elementos que integraram a linha de reconhecimento, não obstante serem inspetores da Polícia Judiciária, refere que nunca os havia visto e que desconhecia essa qualidade.
Relativamente ao tipo de radar referiu os dois tipos habitualmente usados nas operações de fiscalização de trânsito em que participa, mas não recordar em concreto o que se encontrava a ser utilizado na ocasião, mas que o mesmo se mostra indicado, bem como a data e hora no fotograma recolhido pelo mesmo e que consta de fls. 18, cujo conteúdo confirmou, esclarecendo que tal tipo de equipamento se encontra incorporado no veículo.
A testemunha C., também militar da GNR, encontrava-se na mesma operação de fiscalização da anterior testemunha, não junto ao radar, mas mais à frente, na paragem dos veículos que circulavam em excesso de velocidade. Esta testemunha recebeu a comunicação da anterior testemunha de que o veículo descrito na pronúncia circulava em excesso de velocidade, tendo dado ordem de paragem ao mesmo, ordem que não foi acatada pelo seu condutor (sendo que no veículo circulavam dois indivíduos do sexo masculino, de tez escura, mas não negros, mas cujas características físicas não fixou de forma a conseguir identificar), tendo seguido no encalço do veículo, que viria a ser localizado junto das bombas de abastecimento de combustível da Galp, cerca de 500 metros à frente, com as portas abertas e sem ocupantes no seu interior, tendo sido encontrados no seu interior os objetos e o produto estupefaciente descritos no auto de apreensão de fls. 7 a 10, da sua autoria, sendo que os documentos se encontravam no porta-luvas da viatura.
A testemunha D., inspetor da Polícia Judiciária, teve a seu cargo a investigação no âmbito dos presentes autos, após a detenção do arguido pelo SEF, por permanência irregular em território nacional, tendo deposto quanto às diligências levadas a efeito no âmbito do inquérito e que resultam, no essencial, da consulta do mesmo. Nomeadamente, referiu os objetos (telemóveis) e quantia monetária que se encontravam em poder do arguido aquando da sua detenção e que viria a ser apreendida à ordem dos presentes autos.
Mais esclareceu que num telemóvel que foi apreendido no interior do veículo Golf se encontrava indicado um número do arguido.
A testemunha T (psicóloga, pós-graduada em medicina legal e mestre em psicoterapia), autora do parecer que foi junto aos autos no decurso da audiência (fls. 830 e ss), depôs no essencial quanto ao conteúdo desse parecer, explicitando o seu conteúdo, nomeadamente e em termos globais a forma de funcionamento do registo nmésico e a sua afetação por fatores externos (nomeadamente o decurso do tempo, considerando que para o efeito 12 dias é um período longo) e internos (nomeadamente o estado de calma ou nervosismo, as expetativas pessoais, o estado de humor), concluindo não serem em seu entender as memórias um registo fiável dos eventos e, portanto, o valor das testemunhas presenciais cada vez menor.
Por fim, considerou terem sido os indicadores nmésicos fornecidos pela testemunha B. no auto de reconhecimento vagos. Por outro lado, mencionou os indicadores raciais associados à criminalidade, atendendo a que o arguido é magrebino, sendo os demais elementos que integravam a linha de reconhecimento de raça caucasiana. Reconheceu, no entanto, a existência de caucasianos de tez morena e traços semelhantes aos que apresenta o arguido, bem como que um acontecimento importante ocorrido imediatamente após o registo nmésico pode constituir um importante fator de manutenção por mais tempo desse registo.
Por fim, indicou ela própria os traços distintivos do arguido que a própria teria indicado no reconhecimento (lábios grossos, olhos redondos, cabeça redonda, tez morena).
Além destas declarações e depoimentos, foram ainda valorados, além dos já supra referidos, os seguintes documentos: auto de apreensão de fls. 7 a 9 e termo de entrega de fls. 37; auto de apreensão do veículo a fls. 10; testes rápidos de fls. 12 a 16; impressão da titular registral do veículo, a fls. 17; fotogramas de fls. 18 retirados do sistema de radar; fotograma do veículo apreendido e do conteúdo da respetiva bagageira, a fls. 19; documentos referentes às transferências bancárias, a fls. 20 e 29, sendo que o primeiro se encontra em nome do arguido e nele se faz referência a um nº de passaporte emitido na Bulgária, que o arguido trazia em seu poder aquando da sua detenção pelo SEF e que determinou essa detenção; documentos referentes ao seguro do veículo, a fls. 21 e 30; livrete do veículo, a fls. 25; foto do arguido, a fls. 55 e 56; documento referente à procura do arguido através do Sistema Schegen a fls. 59; auto de busca pelo SEF a fls. 66; dinheiro apreendido pelo SEF a fls. 67; autos de apreensão pelo SEF a fls. 71 a 73; guia de entrega pelo SEF à Polícia Judiciária, de fls. 68 e 69; fotografias do interior do veículo aquando da detenção do arguido pelo SEF, a fls. 70 e do produto estupefaciente apreendido nessa ocasião, a fls. 76 e 77; teste rápido a fls. 75; cópia de passaporte e de cartão de identidade a fls. 84 e 85; auto de reconhecimento do arguido a fls. 108 a 110; certidão do processo instaurado pelo SEF e que pende no Tribunal de Loulé, a fls. 197 a 232; termo de entrega do produto estupefaciente (haxixe), a fls. 242; ficha de recluso do indivíduo para o qual em nome do arguido foi efetuada uma transferência bancária, a fls. 301 e 414 a 432; fotograma do RL, a fls. 366 a 375; lista dos vestígios recolhidos no interior do RL, a fls. 376 e 377; fotogramas referentes à recolha de vestígios e no interior do RL, a fls. 378 a 406; papéis que se encontravam no interior do porta-cartões de napa, a fls. 428 a 432, ficha de registo automóvel do RL, a fls. 475 e 476, a venda a dinheiro examinada e onde foram recolhidos vestígios lofoscópicos do arguido, a fls. 772, o relatório social do arguido, a fls. 819 a 820 (este quanto aos factos atinentes ao percurso de vida e personalidade do arguido) e o certificado do registo criminal do arguido, de fls. 915, quanto à ausência de antecedentes criminais do mesmo.
Foi ainda valorada a seguinte prova pericial: autos de exame do produto estupefaciente a fls. 362, 488 a 489 e 524 dos autos principais e a fls. 84 do apenso (este quanto ao haxixe encontrado no EP), auto de exame direto dos objetos referidos no auto de apreensão a fls. 11, a fls. 409 a 410; auto de exame direto dos objetos referidos no auto de apreensão a fls. 111, a fls. 426 a 427; exame pericial aos telemóveis e seu conteúdo, a fls. 433 a 465, relatório pericial referente à recolha de vestígios lofoscópicos do arguido na venda a dinheiro emitida pela empresa Chaveca e Janeira, a fls. 468 a 472; auto de exame direto ao Golf RL, a fls. 473 e 482 a 484; a fls. 409 a 410; auto de exame direto dos objetos referidos no auto de apreensão a fls. 7-9, 11 e 37-38, a fls. 521 a 523; exame DNA a fls. 690 a 693.
*
Ora perante esta prova produzida, terá de se concluir pela prova dos factos que na pronúncia são imputados ao arguido.
Com efeito, desde logo nos autos existe um auto de reconhecimento positivo do arguido pela testemunha B. (fls. 108 a 110), tendo tal prova por reconhecimento decorrido de acordo com o formalismo imposto pelo C. P. P. (art. 147º).
O arguido tentou abalar a validade deste reconhecimento, nomeadamente em virtude de os outros elementos que integraram a linha de reconhecimento serem inspetores da Polícia Judiciária, sendo a testemunha/reconhecedor militar da GNR e, por outro lado, tendendo a demonstrar a dificuldade de memorização por parte da testemunha, atendendo a que a pessoa a reconhecer apenas foi vista pela testemunha a circular no interior de um veículo automóvel, que se deslocava a 76 km/h.
Quanto ao primeiro aspeto, desde logo se refira que compareceram em audiência os elementos que integraram a linha de reconhecimento juntamente com o arguido (sendo que parte das características físicas dos mesmos se mostram descritos nos documentos de fls. 908 a 910 e na ata de fls. 912), sendo que pelo menos um deles apresenta características físicas semelhantes às do arguido, não sendo possível, a qualquer homem médio e perante ambos, concluir desde logo pela diferente raça de ambos. Com efeito, o arguido não apresenta características físicas que o distingam de muitos homens portugueses, de raça caucasiana, de tez morena, olhos escuros e rosto comprido, como de resto é visível nos fotogramas do mesmo que se mostram juntos aos autos (fls. 55 e 56).
Quanto ao segundo aspeto, não obstante a qualidade profissional dos elementos que integraram a linha de reconhecimento além do arguido e do reconhecedor, este afirmou que não conhecia qualquer dos referidos elementos, desconhecendo, assim, tal qualidade dos mesmos.
De resto, tal não é de estranhar, atendendo a que integram duas forças policiais absolutamente distintas (Polícia Judiciária e GNR).
Quanto aos aspetos que se prendem com a memória da testemunha, de referir que a mesma explicou o motivo pelo qual fixou o rosto do condutor do veículo (o mesmo circulava em excesso de velocidade, sendo que muitas vezes os condutores negam essa qualidade, sendo importante a fixação, para o caso de se vir a verificar a impugnação judicial da contra-ordenação).
De resto, os acontecimentos que ocorreram após (o veículo ter sido mandado parar, não ter acatado a ordem e ter sido abandonado pelos seus ocupantes num posto de abastecimento de combustível, encontrando-se no seu interior um fardo de haxixe), são de molde a que a testemunha se esforçasse no sentido da manutenção do registo nmésico da imagem por si presenciada, sendo que o reconhecimento ocorreu apenas decorridos 12 dias sobre os factos. A própria testemunha T., que referiu a forma rápida pela qual se degrada tal registo, em particular em casos como o dos autos, em que o período de contacto visual foi curto, acabou por reconhecer que a ocorrência de acontecimentos posteriores pode contribuir para uma manutenção desses mais clara desse registo.
Por outro lado, é absolutamente normal que hoje, passado um ano e meio, a testemunha já não tenha memória do arguido, não tendo conseguido em audiência descrever o mesmo, salvo de forma básica.
Quanto às características físicas indicadas por Álvaro Rodrigues no auto de reconhecimento, refira-se que inexistindo sinais claramente distintivos de um indivíduo, é manifesta a dificuldade na descrição desses aspetos, para além dos que foram indicados pela testemunha B. A própria testemunha T., que referiu a pobreza dos sinais distintivos indicados no auto de reconhecimento, na descrição que lhe foi pedida que efetuasse do arguido em audiência, referiu aspetos que não correspondem à descrição física do arguido.
Mas, além do reconhecimento do arguido, refira-se que no veículo em que se encontrava o produto estupefaciente foi encontrada uma beata contendo DNA do arguido, uma fatura referente à reparação do veículo contendo registos lofoscópicos do mesmo e um documento referente a uma transferência bancária em nome do arguido e com indicação de documento de identificação do mesmo (que se indicia ser falso, tendo sido o motivo da sua detenção pelo SEF).
A este respeito, o arguido referiu que conhecia a pessoa que habitualmente conduzia o veículo, um outro indivíduo de nacionalidade marroquina, o qual lhe solicitou que efetuasse a referida transferência bancária, alegando não ter consigo documentos de identificação e que o documento referente à reparação do veículo, lhe pode ter tocado quando andou no veículo com o referido indivíduo.
Também referiu que a última vez que circulou no veículo foi cerca de um mês antes da data dos factos.
Ora, não só a versão apresentada pelo arguido não é credível, como o mesmo faltou à verdade nas suas declarações, já que o documento referente à transferência bancária data do dia 12 de Janeiro de 2012, ou seja, quatro dias antes da data dos factos e não de um mês antes.
Assim sendo, não só porque inverosímeis, como por o arguido ter comprovadamente faltado à verdade nas suas declarações quanto ao referido aspeto, não se valoram positivamente as declarações do arguido, quanto à explicação por si apresentada para o facto de o seu DNA e os seus registos lofodcópicos se encontrarem, respetivamente, numa beata e numa venda a dinheiro que se encontravam no veículo, bem como para o facto de um dos documentos encontrados no interior do veículo se encontrar em seu nome.
É certo que o arguido juntou aos autos um documento referente ao aluguer de um outro veículo automóvel na data da prática dos factos (fls. 826). Porém, tal como resulta do documento referente ao aluguer, a pessoa indicada como condutor do veículo é diversa do arguido, ou seja, o veículo destinava-se a ser conduzido por um terceiro e não pelo próprio arguido, pelo que tal aluguer em nada impede o arguido de ter conduzido o veículo dos autos (sendo que tal impedimento também se não verificaria, mesmo que o mesmo tivesse sido indicado como condutor do veículo).
Por fim, refira-se que ao arguido, dias depois dos factos, foi apreendida avultada quantia monetária (mais de € 16.165).
É certo que o arguido referiu que tal quantia monetária provinha do negócio de venda de roupa que o seu progenitor lhe enviava de Itália. Porém, os documentos referentes ao envio de roupa que juntou aos autos (fls. 828), além de apenas em número de dois, datam de Julho e Setembro de 2011, sendo assim insuficientes para que se conclua que a quantia monetária apreendido provinha exclusivamente ou principalmente dessa atividade, que não se põe em causa que o arguido também desempenhasse, de venda de roupa. Tal atividade seria porém, uma fonte de rendimento secundária do arguido. De resto, o arguido não apresentava qualquer declaração de rendimentos, nem juntou aos autos qualquer documento comprovativo da venda a terceiros da totalidade ou sequer parte dessas roupas. Por outro lado, contraria as regras da experiência comum o facto de, sendo proveniente da venda de roupa, o arguido trazer consigo, num veículo automóvel, tão avultada quantia monetária.
Considerando tudo isto, a quantidade de produto estupefaciente apreendida (um fardo de haxixe) e as regras da experiência comum, conclui-se que pelo menos 90% da quantia monetária apreendida ao arguido seria proveniente da atividade de venda de estupefaciente.
Já quanto aos telemóveis apreendidos, não se pode concluir que eram todos utilizados ou quais eram utilizados para estabelecer contactos com pessoas ligadas ao tráfico de estupefacientes.
É normal que pelo menos alguns fossem, mas desconhece-se, nomeadamente, qual a posição que o arguido ocuparia na cadeia de venda e distribuição do produto estupefaciente, inexistindo também registo nos telemóveis de quaisquer contactos relacionados com tal atividade. Assim sendo, não se pode concluir da referida forma.
Por fim, refira-se, quanto ao produto estupefaciente apreendido ao arguido no estabelecimento prisional, que do exame de toxicologia forense (fls. 84 do apenso) não resulta qual o grau de pureza do produto estupefaciente, mas tão só a sua quantidade líquida, tendo sido apenas esta que se indicou nos factos provados, já que se desconhece aquela.
* IV - Aspetos Normativos: 1- Enquadramento jurídico-penal
Vem o arguido pronunciado da prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela Anexa I-C e um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º, nº 2 do referido diploma legal.
Vejamos se o arguido se constituiu ou não autor material de tais crimes.
* Do crime de tráfico de estupefacientes
Sob a epígrafe "Tráfico e outras atividades ilícitas", dispõe o primeiro dos referidos preceitos: "1- Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrém, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos".
O tráfico ilícito de estupefacientes não só pelas proporções que assumiu, mas também pelas dificuldades crescentes de investigação e combate e principalmente pela danosidade individual e social que inevitavelmente causa, justifica, por parte da lei penal, uma ação particularmente gravosa, que se extrai, desde logo, das penalidades previstas para este tipo de criminalidade.
Consciente, todavia, da enorme variedade de condutas, propósitos e motivações com que tal atividade é desenvolvida por elevadíssimo número de pessoas, a lei tipifica vários crimes ligados ao consumo e tráfico de drogas segundo um critério que tem em conta o maior ou menor grau de ilicitude do facto ou da culpa do agente.
Assim, além do crime de tráfico de estupefaciente (simples e agravado), a lei contemplou a atividade do traficante consumidor e do tráfico de menor gravidade.
A natureza das substâncias traficadas (no sentido lato que resulta do artigo 21º do Decreto-lei nº 15/93) é muitíssimo variada (tal como o refletem as tabelas anexas ao citado diploma legal). A disparidade de comportamentos subsumíveis ao tipo penal incriminador contido naquele artigo 21º (para falarmos só deste) multiplica-se se aqueles fatores forem conjugados entre si. Certo é que a ilicitude e a culpa que o citado artigo 21º pode comportar é elevada.
No caso, atendendo à quantidade do produto estupefaciente apreendido e face ao ora exposto, terá de se concluir que os factos concretos apurados ocorridos no dia 16/01/2012, se subsumem ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/0. * Do crime de consumo de estupefacientes
Resulta da matéria de facto assente que o arguido tinha em seu poder 3 bolotas de haxixe, com o peso de 29,565 gramas, que destinava ao seu consumo.
Perante o mapa que integra a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, o qual, relativamente à canabis prevê a quantidade máxima de 0,5 gr. diários, aparentemente parece que a quantidade de canabis em causa nos autos excede o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Porém, a referida tabela refere-se aos teores de THC, ou seja, ao produto estupefaciente no seu estado de pureza, isento da mistura de qualquer outro tipo de substâncias, sendo que o exame toxicológico supra referido (fls. 86 do apenso) não determinou tal teor, mas tão só a natureza e quantidade líquida da substância apreendida ao arguido, tal como resulta da matéria de facto provada, desconhecendo-se o seu grau de pureza.
Atendendo a tal circunstância, não obstante a quantidade líquida do produto estupefaciente detida pelo arguido (29,565 gramas) ser superior à máxima prevista na tabela para o consumo médio individual para o período de 10 dias (5 gramas), não pode com segurança concluir-se que a quantidade de canabis detida pelo arguido é superior a esta.
Dispõe o art. 1º da Lei 30/2000:
“1. A presente lei tem como objeto a definição do regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a proteção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica.
2. As plantas, substâncias e preparações sujeitas ao regime previsto neste diploma são as constantes das tabelas I a IV anexas ao DL nº 15/93, de 22.1.”
Lê-se, por seu turno, no artigo 2º do mesmo diploma legal:
1. O consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação.”
2. Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.”
Aquela Lei nº 30/2000 nada referiu quanto ao consumo de droga em quantidade superior à média individual para 10 dias, deixando um vazio legislativo, que viria a ser definitivamente resolvido, após inúmeras correntes jurisprudenciais em sentidos diferentes, pelo Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 8/2008, publicado no DR, I série, de 05/08/2008, segundo o qual, “não obstante a derrogação operada pelo art. 28º da Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, o art. 40º, nº 2 do DL nº 15/93, de 22/01, manteve-se em vigor, não só quanto ao cultivo, como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
No caso, não sendo possível que a quantidade de estupefaciente detida para consumo pelo arguido era superior ao consumo médio individual durante o período de 10 dias, não se pode concluir pela prática pelo arguido do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º, nº 2 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, mas tão só pela contra-ordenação, prevista no art. 2º da Lei 30/2000, de 29/11, a qual deve ser conhecida pela Comissão da Dissuasão da Toxicodependência e não por este Tribunal (face à especificidade das sanções que a mesma pode adotar perante a contra-ordenação praticada pelo arguido, muitas das quais se mostram inaplicáveis em sede de sentença criminal). * Da determinação da medida da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora, nos termos dos artigos 70º e 71º do Código Penal, determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar-lhe.
A moldura abstrata do crime de tráfico de estupefacientes praticado pelo arguido é de prisão de quatro (4) a doze (doze) anos.
Sendo o crime de tráfico de estupefacientes apenas punido com pena de prisão, não se coloca a questão da escolha da pena, mas tão só da determinação da sua medida concreta, dentro da respetiva moldura penal abstrata, com recurso aos critérios legais.
Dispõe o art. 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".
Segundo o modelo consagrado no art. 40º do C. P., primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, "As consequências Jurídicas do Crime" p. 227, Anabela Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10/04/96, CJSTJ, ano IV, t 2, p. 168).
Tendo presente o modelo adotado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do art. 71º do Cód. Penal.
A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Assim o dispõe a norma do art. 40º do Código Penal (nºs 1 e 2), quando estabelece as finalidades das penas.
A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71º, nº 1 do C. P.).
Para o efeito, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo art.).
* No caso concreto, há a ponderar:
- No que concerne às exigências de prevenção de futuros crimes, elas são prementes atentas as proporções do flagelo da droga do ponto de vista do consumo e, em particular, do tráfico, com todas as consequências que daí advêm. Como se refere no Ac. da 3ª Secção do STJ, de 26/02/97, proferido no proc. nº 926/96 (inédito) e relatado pelo Juiz Conselheiro Pires Salpico, "o crime de tráfico de estupefacientes é daqueles que causam no Povo Português e a mais viva repulsa, pelos enormíssimos danos, tragédias pessoais, familiares e sociais (...) que têm afectado a sociedade de forma absolutamente intolerável (...)".
- A ilicitude é elevada, atendendo à quantidade do produto (1 fardo, com o peso de 32.450,3 kg e ainda cinco bolotas com o peso de 46,41 g e uma placa com o peso de 98,640 g, o que daria um elevado número de doses).
- A natureza do produto estupefaciente apreendido abona a favor do arguido, atento o seu carater menos viciante em relação a outros produtos estupefacientes, pese embora também tivesse em seu poder cocaína no dia 25 e Janeiro, embora esta em pequena quantidade;
- O dolo revela-se intenso do ponto de vista volitivo.
- A favor do arguido o facto de ser primário.
- Pese embora as suas declarações o não possam desfavorecer, o arguido também não beneficia do carater atenuativo da confissão, uma vez que a mesma se não verificou.
Face a todo o circunstancialismo descrito, a pena concreta adequada à culpa do arguido e às exigências de prevenção, deverá situar-se em 5 anos e 6 meses de prisão.
*
No mais, atenta a natureza estupefaciente/ilícita do produto estupefaciente apreendido, haverá que declarar o mesmo perdido a favor do Estado, ordenando-se a sua destruição, na parte que ainda o não tenha sido (art. 35º, nº 2 do DL 15/93, de 22/01).
Igualmente por provir da prática do crime de tráfico de estupefacientes, se declara perdida a favor do Estado 90% da quantia monetária apreendida ao arguido, no montante de € 16.165 (art. 35º, nº 1 do DL 15/93, de 22/01). *
Por não se ter demonstrado que provenha da prática de crime, determinando-se a devolução ao arguido de 10% da quantia monetária apreendida ao mesmo, o qual a deverá reclamar no prazo de 90 dias, sob pena de ter que suportar as despesas com o seu depósito, sendo declarada perdida a favor do Estado caso não seja reclamada no prazo de um ano (art. 186º, nºs 1, 2, 3 e 4 do C. P. P).
*
Por não se ter demonstrado que tenham sido usados para a prática de um crime, determina-se que se entreguem ao arguido os telemóveis apreendidos em poder do mesmo, cartões sim e demais objetos mencionados no auto de apreensão de fls. 71 e 72, o qual os deverá reclamar no prazo de 90 dias, sob pena de ter que suportar as despesas com o seu depósito, sendo declarados perdidos a favor do Estado caso não sejam reclamados no prazo de um ano (art. 186º do C. P. P., nºs 1, 2, 3 e 4).
*
Determina-se que permaneçam nos autos os documentos apreendidos a fls. 7 a 9, atendendo a que constituem elementos de prova.
*
Declaram-se perdidas a favor do Estado, pela sua falta de valor, as beatas de cigarros e pastilhas elásticas apreendidas no interior do RL, ordenando-se a sua destruição, bem como das zaragatoas bucais.
*
Quanto ao veículo automóvel apreendido (Golf, de matrícula RL), porque não se demonstrou que pertencesse ao arguido e que a sua proprietária registral tivesse conhecimento da sua utilização para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, determina-se a sua restituição à sua proprietária registral ou seus herdeiros ou a quem demonstrar pertencer-lhe (desde que não o arguido).
Igualmente dado não ser possível estabelecer qualquer conexão com a prática do crime, se determina a restituição do vestuário, óculos, telemóveis, demais objetos e quantia monetária não mencionados supra e que constam do auto de apreensão de fls. 7 a 9.
Deverão ser afixados editais dando conhecimento das referidas apreensões e do prazo de 90 dias para o veículo e demais objetos serem reclamados, sob pena de terem ser que suportadas as despesas com o seu depósito, sendo declarados perdidos a favor do Estado caso não sejam reclamados no prazo de um ano (art. 186º, nºs 1, 2, 3 e 4 do C. P. P.). *
Atendendo à pena a que o arguido foi condenado e ao tipo de crime, determina-se, nos termos do disposto no art. 8º, nº 2 da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro, que se proceda à recolha de ADN ao arguido. *
Como consequência da condenação pela prática de um crime, é o arguido responsável pelo pagamento das custas do processo (artigo 513º e 514º do Código de Processo Penal). *
Fixam-se à Srª. intérprete, pelos seus serviços prestados em audiência, o montante de 1 UC por cada uma das sessões em que interveio (salvo naquelas em que não prestou serviços, nomeadamente por efeito de greve dos senhores guardas prisionais).
*
(…).”. IV
Com vista à apreciação da supra primeira editada questão [(i)], importa, antes de mais, atentar que o dever de fundamentação das decisões judiciais decorre, desde logo, do preceituado no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, ao dispor que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”. E, a lei processual penal, hoje entendida como direito constitucional aplicado, no seu artigo 97º, nº 5, estatui que, “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Acresce que o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” (que se traduz, sinteticamente, em três exigências: i) informação ao acusado, de modo detalhado, acerca da natureza e dos motivos da acusação, para que dela se possa defender; ii) um procedimento leal, sem influências externas na formação do juízo; iii) um juiz imparcial, que exerça a função em posição de terciaridade relativamente aos interesses objecto do processo e não dê a alguma das partes tratamento de favor ou de desfavor.), a que aludem os artigos 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (que no seu nº 1, estatui “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.”) e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (que dispõe “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”).
Como refere o Professor Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2009, pág. 289, “A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.”.
O acto decisório sentença tem uma fundamentação especial como resulta do disposto no artigo 374º, do Código de Processo Penal que, sob o título “Requisitos da sentença”, dispõe:
“1. A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
4. A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.”.
E, conforme estatui o artigo 379º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Nulidade da sentença”:
“1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 414.º, n.º 4.”.
Assim, a sentença, que sabidamente se compõe de três partes, o relatório, a fundamentação e o dispositivo ou decisão stricto sensu, há-de, na fundamentação, nos termos do nº 2, do supra transcrito artigo 374º, proceder à enumeração dos factos provados e não provados, à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Ou, dito de outro modo, ordenadamente, na fundamentação, a sentença começará pela descrição dos factos provados e não provados (a qual, para ser facilmente compreensível, deve obedecer à lógica de quem descreve um episódio da vida real), seguida da exposição dos motivos de facto com exame crítico das provas que conduziram à formação da convicção do julgador, após o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto apurada (em ordem a concluir se o arguido cometeu ou não o crime por que vem acusado), se existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do mesmo e, por fim, concluindo-se que o arguido praticou o facto punível, seguir-se-á a escolha e a determinação da medida concreta da pena.
Produzida toda a prova em audiência de julgamento, na fase de deliberação, deve pois o tribunal valorar os factos descritos na acusação ou na pronúncia, havendo-a, juntamente com os que constam da contestação oferecida pelo arguido, tendo-a sido, e aqueles que resultaram da discussão da causa, como preceituado no artigo 368º, nº 2, do Código de Processo Penal.
E, por isso, a sentença, na sua fundamentação fáctica, deve conter a “enumeração dos factos provados e não provados”, os quais, em princípio, terão de compreender, a um ou outro título, todos os factos decorrentes daquela tríplice origem. Enumerar os factos é especificá-los ou contá-los um a um, o que corresponde a dizer que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa, relevantes para a decisão, como provados ou não provados, como, aliás, sempre decorreria do próprio dever de apreciar, descriminada e especificamente todos os factos, imposto pelo citado comando do nº 2, do artigo 368º.
Deste modo, fórmulas genéricas e imprecisas, são ineficazes, porque não dão a indispensável garantia de que todos os factos relevantes alegados, que não surgem descriminados na decisão sobre a matéria de facto, foram considerados nos termos legais. Contudo, nesta vertente, como vem reiteradamente acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento do artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena, sendo certo que essa irrelevância deve ser vista com rigor, em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal – cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.01.1999, proferido no processo nº 1216/98, sumariado na www.dgsi..pt/jstj e publicado na integra no Boletim Interno nº 27.
Como, a propósito, escreve o Juiz Conselheiro Sérgio Poças, em “Da sentença penal – fundamentação de facto”, “Revista Julgar”, nº 3, Setembro - Dezembro 2007, pág. 24 e segs, “O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação - o que pressupõe a sua indagação -, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.
É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.
Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida.
A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto.
Na verdade, se sobre determinado facto não há pronúncia expressa (o tribunal nada diz), pergunta-se: o tribunal não se pronunciou, por mero lapso?
Não se pronunciou porque não indagou o facto? Não se pronunciou porque considerou o facto irrelevante? Não se pronunciou porque o facto não se provou?
Face ao silêncio do tribunal todas as interrogações são legítimas.
Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível, é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida. (…).”.
Mas, na sua fundamentação fáctica, a sentença deve conter, ainda, a motivação da decisão de facto, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e fundamentar tal decisão.
Como afirma Marques Ferreira, in “Meios de Prova”, “Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal”, pág. 228 e segs, “exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410.º, n.º 2 (…).
E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade.”.
Neste conspecto, o preceituado no nº 2, do mencionado artigo 374º, está, pois, intimamente ligado ao estatuído no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.
De harmonia com o ali consagrado princípio da livre apreciação da prova, o julgador é livre ao apreciar as provas, porém, tal apreciação está, como afirma o Professor Cavaleiro Ferreira, em “Curso de Processo Penal”, vol. I, pág. 211, “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.
“No entanto, a livre convicção do juiz não se confunde com a sua convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional. [cfr. Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 202-206].
Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador. [cfr. Prof. Castro Mendes, “Do Conceito de Prova em Processo Civil”, pág. 302].
A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controle da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.
É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador.
Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.
«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).
Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido» [cfr. Paulo Saragoça da Mata, “A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág. 261-279].
Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.” – cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc..
Atente-se que “Perante uma determinada situação em concreto, produzidos em audiência depoimentos de sentido contrário, é natural que sejam lícitas e possíveis várias soluções, na decisão da matéria de facto. Se aquela que é assumida pelo juiz é uma das soluções admissíveis, à luz das regras da experiência comum (e se, para além disso, tal solução se mostrar suficientemente motivada e esclarecida), então estamos perante decisão inatacável no plano fáctico, pois que produzida em estrita obediência ao estatuído no artº 127º do Cod. Proc. Penal.(…). Em caso de impugnação da matéria de facto, o tribunal de recurso não procede a um novo, a um segundo julgamento, agora pela leitura das transcrições das gravações dos depoimentos oralmente prestados em audiência. Como lapidarmente referiu o Prof. Germano Marques da Silva (…) «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância» - Forum Justitiae, Maio/99. Muito menos se destina a limitar (ou mesmo arredar) o princípio da livre apreciação da prova consignado no artº 127º do CPP.
Lembremo-nos: nos termos do artº 412º, nº 3, als. a) e b) do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Que impõem, não que permitem. Isto é: se perante determinada situação de facto em concreto, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis e o juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente (tenha ele, nos autos, a posição processual que tiver), ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efectuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que por ela opte, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova.
Só assim não será quando as provas produzidas imponham decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido. E isto sucederá quando o tribunal decide ao arrepio e contra a prova produzida (v.g., se dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e, ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição se constata que a dita testemunha se não pronunciou sobre tal facto ou, pronunciando-se, disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida) ou quando o tribunal valora a prova produzida contra as regras da experiência, as tais que, no dizer de Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, II, 30, se traduzem em «definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade».
Até por aqui se vê a decisiva importância da fundamentação da convicção, na pura e exacta medida em que a mesma pode e deve funcionar como instrumento de controlo do correcto uso da livre (mas não arbitrária) apreciação da prova.” – cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 15.03.2011, proferido no processo nº 212/04.8 TACTX.E1, disponível em www.dgsi.pt/jtre.
“Não definindo a lei em que consiste, ou como deve ser efectuado o exame crítico das provas, esse exame tem de assentar em critérios de razoabilidade, de forma completa e clara, que permita avaliar o processo lógico-formal, o raciocínio analítico-crítico efectuado pelo tribunal na ponderação e correlacionamento das provas, no sentido de objectivamente se poder credibilizar a decisão de facto tomada nos termos em que ficou decidida. Tendo em conta os princípios da oralidade e da imediação na actividade de produção da prova, a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize específica fundamentação, nem que em relação a cada prova se faça uma descrição dinâmica da sua produção. O que a lei exige é que não basta uma mera referência dos factos às provas, torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam de forma a poder concluir-se quais as provas e, em que termos, por que razão, ou, com que fundamento, garantem que os factos aconteceram ou não da forma apurada.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2007, proferido no processo nº 07P3399, inwww.dgsi.pt/jstj.
Ou, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2007, proferido no processo nº 07P1779, disponível no sítio acima referido, “O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto - , mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.
O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cfr., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de 30 de Janeiro de 2002, proc. 3063/01).
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte (acórdãos do Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03; de 7 de Fevereiro de 2002, proc. 3998/00 e de 12 de Abril de 2000, proc. 141/00).”.
Postos estes considerandos e à luz deles, sem esforço, como se alcança do teor da decisão recorrida, o aresto proferido na 1ª instância, impõe que se conclua padecer de nulidade por insuficiência de fundamentação da decisão de facto e falta de exame crítico da prova.
Na verdade, desde logo, porque na fundamentação da decisão de facto afirma-se que seguiam dois indivíduos no interior do veículo automóvel, de matrícula ---RL, mais precisamente nos bancos dianteiros do dito veículo, conforme declararam as testemunhas B e C, ambos militares da G.N.R. (esta segunda esclarecendo até que eram “dois indivíduos do sexo masculino, de tez escura, mas não negros”) e, explicando o Tribunal a quo o meio de prova determinante do motivo ou razão pela qual concluiu ser o veículo tripulado pelo ora recorrente, o arguido A., parte do pressuposto de que o produto estupefaciente apreendido no interior do mencionado veículo automóvel (que veio a ser localizado junto de bombas de abastecimento de combustível da “Galp”, com as portas abertas e sem ocupantes no seu interior) pertencia ao condutor, ignorando por completo o facto da existência de um passageiro, a quem igualmente podia pertencer o produto estupefaciente apreendido. É por razão completamente oculta, não devidamente plasmada na motivação da decisão de facto, que se concluiu ser o arguido o autor dos factos dados como provados, mais precisamente dos constantes nos pontos 2, 3 e 4, da factualidade dada como provada no aresto recorrido.
Acresce que, se outras razões não existissem, tal injustificação comunica-se à conclusão (sublinhado nosso) de que o arguido se dedica à venda e cedência de produto estupefaciente e que a quantia que lhe foi apreendida resultava, pelo menos em 90% (?!), da venda de produto estupefaciente.
Sempre se diga ainda que se utilizou a palavra conclusão em sentido próprio e contraposta a facto, posto que no ponto 1 dos factos dados como provados no aresto recorrido nenhum acto de venda ou cedência se descreve, chamando-se a atenção para a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.
Sendo sabido que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” – cfr. artigo 341º, do Código Civil –, não é menos certo que, para prova positiva de um facto não é necessário, forçosamente, que tenha havido quem o tendo cometido o confesse e/ou por o ter presenciado o relate. Isto é, não é necessário para prova de um facto a existência de prova directa. Também a prova indirecta (que tal como aquela pode ser suficiente para alicerçar a demonstração do mesmo facto e não tem estatuto de menoridade relativamente à prova directa), não foi por alguma forma valorada e/ou correlacionada entre si, não se descortinando os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituíram a base racional que conduziu o Tribunal a quo a concluir, para além de qualquer dúvida razoável, da realidade dos factos imputados ao arguido. Seguindo os ensinamentos a este propósito do Supremo Tribunal de Justiça, basta que tal prova indirecta seja “(…) suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P4588, disponível em www.dgsi.pt/jstj.
Ora, da fundamentação da decisão de facto efectuada pelo Tribunal a quo não se alcança, porque não foi efectuado, nem demonstrado, qualquer raciocínio, qualquer demonstração lógica e racional sobre o teor da prova (directa e indirecta) que, conjugadamente entre si e as regras da experiência, permita concluir no sentido afirmado pelo Tribunal de 1ª instância, designadamente no tocante à afirmada detenção, venda e cedência pelo arguido do produto estupefaciente apreendido no interior do aludido veículo automóvel e da afirmada proveniência, em 90%, da quantia monetária que lhe foi apreendida.
Na senda do que se nos afigura-se-nos ser hoje jurisprudência pacífica e unânime, a motivação em processo penal “não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado. Actualmente não basta uma declaração genérica e tabelar que lesaria as garantias de defesa do arguido, por não assegurar a apreciação pelo tribunal de toda a matéria de acusação e de defesa, proporcionando julgamentos implícitos, subtraídos a qualquer tipo de fiscalização, afrontando as exigências de fundamentação das decisões judiciais (…). Passou a ser imprescindível que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, disponível inwww.dgsi.pt/jstj.
Ora, ressalvado o devido respeito, conceda-se, o acórdão recorrido incumpriu o dever de fundamentação da decisão de facto, no que respeita aos factos dados como provados no conspecto supra enunciado, omitindo uma descrição clara e elucidativa dos motivos fundantes da decisão, sendo certo que, in casu, em função das circunstâncias específicas, da natureza e gravidade dos eventos e complexidade do caso concreto, se tornava exigível e indispensável um exame crítico das provas e a explicitação da razão de ciência que a partir delas desse a conhecer, designadamente ao Tribunal ad quem, o processo de formação da convicção do Tribunal a quo, violando, por conseguinte, o preceituado no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Assim, o acórdão recorrido é nulo, nos termos prevenidos no artigo 379º, nº 1, alínea a), do citado diploma, o que determina, de acordo com o estatuído no artigo 122º, do mesmo mencionado Código, a prolação, pelo mesmo Tribunal, de nova decisão, expurgada da indicada nulidade.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das restantes elencadas questões [(ii) a (v)] trazidas à apreciação deste Tribunal ad quem pelo recorrente – cfr. artigo 660º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal. V
Decisão
Nestes termos acordam em:
A) –Declarar nulo o acórdão recorrido, por falta de fundamentação da decisão de facto e exame crítico das provas produzidas, nos termos do disposto nos artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, determinando-se que o Tribunal a quo profira nova decisão expurgada da indicada nulidade.
B) – Não serem devidas custas.
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)