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ACIDENTE DE VIAÇÃO
CRUZAMENTO DE VEÍCULOS
CULPA DO LESADO
Sumário
I. A existência de um sinal de STOP significa que o condutor que se aproxima de um cruzamento ou entroncamento deve ter tomado as indispensáveis precauções, devendo ceder prioridade, facultar a passagem ao veículo prioritário, para que este possa ultrapassar o ponto de intercepção das vias sem alteração de velocidade ou direcção. II. Quando um condutor atravessa uma estrada nacional, vindo de uma via secundária, na qual, antes da intercepção com a dita estrada nacional, tinha um sinal de "Stop", estão em causa as regras que disciplinam o cruzamento de veículos e não com as de velocidade. III. Um embate na parte lateral esquerda de um ciclomotor que, vindo de uma via secundária, na qual, antes da intercepção com a dita estrada nacional, tinha um sinal de "Stop" e se encontra a atravessar a E.N. para aceder ao caminho que entronca do lado oposto, com um veículo que segue na sua mão de trânsito só é imputável ao ciclomotor, não sendo exigível ao condutor que seguia na via principal e na sua mão de trânsito que evitasse o embate.
Sumário da relatora
Texto Integral
Acordam, em audiência, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1- Relatório
Em 18.06.2007, no Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr, veio JT... intentar a presente acção declarativa comum com processo ordinário, contra “Companhia de Seguros ...”, representada em Portugal por “JC...,S.A.”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização que computou globalmente em €112.881 (cento e doze mil oitocentos e oitenta e um euros), acrescida de juros legais, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 21 de julho de 2003, na Estrada Nacional n.º119, a qual liga Ponte de Sôr a Alter do Chão.
Para o efeito, alegou, em síntese, que:
A culpa do acidente foi de JR..., que no momento do embate conduzia o veiculo matricula TO-... (por conta e no interesse do respectivo proprietário, JP..., em relação ao qual a ré “Companhia de Seguros ...” havia assumido, mediante celebração de contrato de seguro, a responsabilidade civil resultante de danos causados pela circulação do automóvel) e que circulava na EN n.º119 a uma velocidade não inferior a 80 km/hora, sendo ali o limite máximo de velocidade permitido de 50 km/hora, sem atenção ao transito, e a circular pela semifaixa da esquerda atento o seu sentido de marcha, motivo pelo qual veio a embater nessa semifaixa de rodagem no ciclomotor tripulado pelo autor que momentos antes havia iniciado a travessia daquela estrada vindo da rua de Santa Maria (que entroncava com a EN pelo lado direito atento o sentido Ponte de Sôr-Alter do Chão) e pretendia aceder a um caminho do lado oposto da via.
“JC...” contestou, excepcionando a sua ilegitimidade processual, alegando que não tem poderes de representação da Companhia de Seguros ... e invocando a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer e impugna a factualidade vertida na petição inicial.
Por requerimento apresentado a fls.102, o autor veio requerer a intervenção principal provocada do Gabinete Português de Carta Verde.
Por despacho proferido a fls.110 e ss. foi admitida a intervenção principal provocada do Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro, também denominado Gabinete Português Carta Verde.
O Gabinete Português Carta Verde veio apresentar contestação na qual invoca a sua ilegitimidade processual para ser demandado na causa, a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer e impugna a factualidade vertida na petição inicial.
O autor apresentou réplica.
Foi proferido despacho de saneamento - em que se decidiu julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da ré “JC...” e julgou a mesma como parte legitima, julgou improcedente a excepção de prescrição e afirmou-se o mais tabelar - e de condensação, com selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com respeito pelo formalismo legal. Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré “Companhia de Seguros ...”, representada em Portugal por “JC...,S.A.” e a interveniente “Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro” do pedido deduzido pelo autor JT... nos presentes autos. Inconformado com a sentença, o Autor interpôs o presente recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso: «A)- Provado, que está) que a entrada e antes de entrar da e na estrada nacional parou o apelante o ciclomotor. que então tripulava, forçoso é concluir que só depois de se ter ele certificado de que, em nenhum dos seus sentidos, algum veiculo então circulava, ou era visível. e que reiniciou ele a sua marcha e intentou atravessar tal estrada; B)- Como também se provou! a distância a que, no sentido Ponte de Sor/ Alter, podia ele avistar tais eventuais veículos era de 120 metros, tal como também era a esta distância que os condutores de veículos, a circular nesse mesmo sentido, como acontecia com o condutor do TO, podiam avistar o apelante e o seu Ciclomotor: C)- Por outro lado, provado) que está, que a dita estrada tem no local a largura de 6,20 metros) e assim a largura das respectivas semi-faixas de rodagem a largura de 3,10 metros) e que colidiu o TO com o ciclomotor e o apelante sensivelmente no eixo da via ou, quando muito, a 2,50 metros do seu limite direito, e assim a 60 centímetros do seu eixo, forçoso é concluir que ainda assim dispunha o TO de um espaço livre em tal sua semi-faixa de 2,50 metros; D)- Espaço que no caso e atenta a sua largura, a qual por se tratar de um Mercedes modelo C 220, rondaria os 2 metros, era mais que suficiente para não ter ele que colidir com aqueles, por ainda assim ficarem livres cerca de 50 centímetros: E)- Todavia, e por razões que se desconhecem, eis que o condutor do TO não se manteve nela, e tanto assim que com estes vem a colidir, já junto ao eixo da dita estrada ou) quando muito, a 60 centímetros dele) e com a parte frontal direita de tal veiculo, pois que tal colisão ocorreu desde logo com o seu espelho retrovisor direito, o farol e o farolim direitos e a parte frontal direita, e atingiu o apelante sobretudo no membro inferior esquerdo, o qual sofreu fracturas, e a parte central esquerda do ciclomotor, conforme se provou; F)- Por ser assim e tais dados serem objectivos, irrefutável é ter de concluir-se que tal colisão ocorreu quando o TO se posicionava em quase toda a sua largura “fora de mão”, ou seja, a ocupar, e em grande parte, a semi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, e assim em contravenção ao disposto no art º 13º do CE, sendo que se tal não tivesse ocorrido, e pelas razões supra aduzidas se mantivesse ele na sua semi-faixa, o acidente teria sido evitado; G)- A M.ª Juiz não apreciou tais factos e "dados", e para decidir, como decidiu, eis que vem e se limita ela a invocar e contabilizar a putativa velocidade a que o apelante teria entrado na estrada nacional, a qual fixa em 10 km/hora, para desde logo concluir que o ciclomotor levou 1 segundo para percorrer os 2,50 metros dentro de tal estrada, ao mesmo tempo que conclui que a distância a que então estava o TO era também a correspondente a 1 segundo, pelo que circulando ele a 60 ou 70 km/hora, no momento em que o apelante inicia a travessia, estava ele a uma distância daqueles entre os 16,89 e 19,80 metros, e que, assim. em tal distância tão exígua, nada poderia o condutor do TO fazer para evitar tal colisão, e que foi temerária a conduta do apelante ao entrar em tal estará e em tais circunstâncias, e ele o único responsável pelo acidente, H)- Tais presunções e "contas" da M ª Juiz são a todos os títulos infundadas e ilegítimas, quer pelos factos e razões, supra aduzidos, quer porque outros factos os contradizem, e dentre estes, o de estar provado que o condutor do TO, antes de tal colisão, travou, e tanto assim que deixou na estrada um rasto de 5 metros, o que de per si leva a concluir que jamais poderia ser a tão curta distância do TO, dos ditos 16,89 e 19,80 metros, que entrou o apelante na estrada nacional, ou que o condutor daquele se deu conta da sua presença e manobra, pois que a preceder o tempo de tal travagem, e no caso acentuada, ocorreu o denominado tempo de percepção/reacção/ adaptação, o qual de acordo com as normas mais avançadas e citadas na obra "Acidentes de Viação", da autoria de Florindo Pires Salpico e outros, varia entre os 2 a 2,5 segundos, a que acresce o tempo da dita travagem, que também não será inferior a 1 segundo, sendo que em tal lapso de tempo entre os 3 e os 4 segundos, e mesmo a circular ele a 60 km/hora, sempre a distância percorrida era não inferior a 50 metros; 1)- E é completamente infundado dizer-se, como a M.ª Juiz o faz, que o ciclomotor teria entrado na estrada nacional a uma velocidade de 10 km/hora, sabido que, por estar ele parado, o fez em 1ª, se trata de um ciclomotor e velho, e que, assim e na melhor das hipóteses, a velocidade assumida em tais 2,50 metros teve que ser de cerca de 2 a 3km/hora, pelo que o tempo gasto também não poderia ser o de 1 segundo mas antes de 3,5 a 4,5, sendo que em tal lapso de tempo e ainda que a 60 km/hora, sempre o TO percorria uma distância de cerca de 60 metros, distância mais que suficiente para que o seu condutor adoptasse a condução que se lhe Impunha e assim evitar o acidente; J)- Para tanto bastando, como se disse, que não circulasse ele "fora de mão", como veio a fazer, e a forma como ela ocorreu e as partes atingidas no TO no ciclomotor e no apelante revelam, e pese embora a semi-faixa direita estivesse então livre, e em largura mais que suficiente para que tal circulação do TO não tivesse que ser aquela, sendo que foi em consequência de tal infracção ao art º 13º do CE que o acidente ocorreu; K)- E desconhecendo-se, como se desconhece, se quando o apelante entra na estrada nacional já era avistável ou visível o TO, não pode dizer-se, por presunção pura, que tal ocorria e muito menos que este já estava a não mais que 20 metros, para assim se dizer e concluir que o acidente só a incúria e temeridade do apelante se deveu, e para mais quando a ser de algum modo fundada tal tese e presunção, nunca o acidente se poderia ter dado, como deu, nem quase no eixo da via, nem sendo o TO a colidir no ciclomotor e no apelante, pois que em tal distância, dos ditos 20 metros; de duas uma: ou o TO, mercê da diferença, obvia, entre a sua velocidade e a do ciclomotor, passava pura e simplesmente ao lado e por este, e não havia colisão, ou conseguia o TO reduzir, em tal espaço de 20 metros, de tal modo a velocidade que o acidente, a dar-se, teria que ser ao contrário, ou seja era necessariamente o ciclomotor que teria que colidir com a sua roda da frente na parte lateral direita daquele; L)- Por ser assim e porque dos factos provados nenhum há que permita concluir que o apelante, antes de entrar na estrada nacional viu, ou tinha que ver o TO, por este já ser então visível, não pode dizer e concluir-se que desrespeitou ele qualquer regra estradai, e desde logo a de cedência de passagem, e que assim foi ele o único culpado no acidente, quando a culpa do condutor do TO, desde logo se presumia e presume, atenta a sua qualidade de comissário, e para além desta, factos há que levam a que tenha de concluir-se que tal sua culpa foi efectiva, pois que circulava ele "fora de mão" e assim em contravenção ao art.º 13º do CE, e foi fora de mão que colidiu ele com o apelante, e tal ocorreu sem que algo o justificasse e nada a tal respeito sequer foi alegado, e irrefutável sendo que foi essa e só essa a causa porque o acidente ocorreu; M)- A decidir como decidiu, fez a M,ª Juiz a quo incorrecta e indevida interpretação e aplicação dos artigos: 503º, 505º, 563º, 570º e 572º do CC, dos artigos, 13º, 24º, 25º, 27º e 29º do CE, e bem assim do art.º 659º, n.ºs. 2 e 3, do CPC, assim os violando, sendo que se tal não ocorresse teria a acção sido julgada procedente e os apelados condenados a indemnizar o apelante, senão pelos montantes que s a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, peticionou, nos que, face aos factos provados e em termos equitativos, se julgassem adequados, TERMOS, em que deve dar-se provimento ao recurso, sendo a sentença recorrida revogada e substituída por acórdão que Julgue a acção procedente e condene os apelados a indemnizar o apelante pelos danos e montantes por si peticionados, ou nos que, equitativamente, venham a Julgar-se verificados e justificados, pois que esta será; Exmos Senhores Desembargadores a verdadeira expressão do direito e da Justiça.»
Não houve contra-alegações. Factos dados como provados na 1ª instância: 1- Pelas 16:45 horas, do dia 21 de julho de 2003, pela estrada nacional n.º119, que liga Ponte de Sôr a Alter do Chão, e nesse sentido, circulava o veiculo ligeiro de passageiros, com a matrícula TO-.... 2- O TO-... era então conduzido por JR..., residente … . 3- A estrada nacional n.º119 é, na zona compreendida entre o km.103,500 - 103,700, e no sentido Ponte de Sôr - Alter do Chão, constituída por uma curva para a direita, seguida de uma contra curva para a esquerda e, finalmente, por uma reta, com inclinação, com cerca de 300 metros. 4- A estrada nacional n.º119, no sentido Ponte de Sor – Alter do Chão descreve um curva à esquerda, seguida por uma reta com inclinação, com cerca de 100 metros até ao local onde ocorreu o embate. 5- Antes da dita povoação, existia e existe um sinal a proibir a circulação de veículos a velocidade superior a 50 kms/hora, sinal esse que só termina cerca de 2 quilómetros à frente, e já depois de percorrido todo o perímetro da mesma, passando depois a existir um outro sinal, este a limitar a velocidade a 80 kms/hora. 6- Na estrada nacional n.º119, em tal local e do lado direito, considerando o sentido Ponte de Sôr - Alter, entroncam algumas ruas, provenientes da aludida povoação, sendo que uma de tais ruas é a denominada Rua de Sta. Maria. 7- E, do lado esquerdo, atento o mesmo sentido, nela entroncam caminhos, de acesso, quer a habitações, quer a prédios rústicos, sendo que um de tais caminhos se encontra implantado quase de fronte da dita Rua de Sta. Maria. 8- No dia e hora, referidos em 1), o autor, tripulando o ciclomotor com a matrícula 1-P5R-...-..., circulava naquela Rua de Sta. Maria, vindo da povoação de Vale de Açor, em direcção à dita estrada nacional, no sentido sul – norte. 9- O autor pretendia aceder ao caminho referido em 7), pois que pretendia ele dirigir-se a uma horta, que explorava. 10- O acesso à dita estrada nacional, para os veículos que provenham daquela Rua de Sta. Maria, é precedido do sinal de "Stop". 11- Chegado ao "fim" de tal Rua e junto ao referido sinal de "stop", engrenou o autor o ciclomotor em "ralenti". 12- O autor reiniciou a marcha e entrou na referida estrada nacional. 13- O autor teria que atravessar e percorrer durante alguns metros a E.N. n.º119 para aceder ao caminho que entronca do lado oposto. 14- O ciclomotor tripulado pelo autor e o veiculo automóvel ligeiro matrícula TO-... colidiram cerca de 2,5 metros após aquele ter entrado na E.N. n.º119. 15- O entroncamento entre a estrada nacional n.º119 e a Rua de Sta. Maria é visível a uma distância de 120 metros, para quem circule no sentido Ponte de Sor -Alter. 16- A estrada nacional n.º 119, tem naquele local uma visibilidade de, pelo menos, 120 metros. 17- O condutor do veículo ligeiro de matricula TO-... accionou os travões. 18- Na estrada nacional n.º 119 ficou um rasto de travagem de 5 metros. 19- O condutor do veículo automóvel ligeiro de matricula TO-... avistou o ciclomotor momentos antes do embate. 20- De tal colisão resultou terem ficado partidos e destruídos do TO: o pára-brisas, o espelho retrovisor direito, o farol e farolim frontais direitos e ainda parte da frente e parte lateral direita. 21- O ciclomotor foi atingido em toda a parte central esquerda. 22- O ciclomotor ficou irreparável. 23- O auto ligeiro veio a imobilizar-se na semifaixa esquerda e já a ocupar a respectiva berma. 24- O ciclomotor ficou na semifaixa direita, e já também a ocupar a respectiva berma, atento o sentido Ponte de Sôr - Alter. 25- Como consequência directa e necessária da colisão, veio o autor a ser projectado contra o pára-brisas do auto ligeiro, depois caindo do respectivo capôt. 26- O autor sofreu: fractura da omoplata esquerda, fractura de 1/3 dos ossos da perna esquerda, fractura do 2°, 3° e 4° metatarsos do pé esquerdo, fractura das costelas 3°, 4°, 5°, 6°, 7º e 8º arcos costais, à direita, e esfacelo da articulação tíbio-társica esquerda. 27- Mercê das lesões sofridas, foi o autor transportado ao hospital de Abrantes, nele tendo ficado internado até 27/08/2003, tendo-lhe sido efectuado desbridamento cirúrgico e tala gessada posterior. 28- Manteve-se em regime ambulatório e com consultas em tal hospital até pelo menos meados de 2004, data em que apresentava "diminuídos e dolorosos movimentos da articulação tibio-társica, havendo suspeita de fractura da extremidade da clavícula esquerda e consolidação aparente dos arcos costais e colo da omoplata". 29- Esteve o autor totalmente incapacitado para o exercício de qualquer actividade, ou trabalho em geral, durante 254 dias. 30- Do acidente e lesões resultaram para o autor, a título definitivo, as seguintes sequelas: “rigidez da articulação tíbio-társica esquerda com dor à mobilização activa e passiva, dor à mobilização activa e passiva do ombro esquerdo". 31- O autor exercia à data do acidente, com carácter habitual, e durante cerca de 3 meses por ano, a actividade de "tirador' de cortiça. 32- O autor, nos restantes 9 meses, ocupava-se em tirar cortiça à falca, na apanha de azeitona, poda e "esgalha" de árvores. 33- O autor desempenhava tais tarefas por conta de terceiros. 34- O autor sempre teve trabalho assegurado. 35- As referidas actividades exigem a intervenção quer dos membros superiores, quer dos inferiores. 36- O autor ficou, em consequência do acidente, impossibilitado de ocupar-se em tais tarefas e serviços. 37- O autor não tem qualquer formação cultural. 38- O autor é analfabeto. 39- O autor esteve, em consequência do acidente, privado de auferir qualquer remuneração até final de 2006. 40- O autor auferia rendimentos não concretamente apurados. 41- Hoje o salário corrente para tal actividade é no mínimo de €80,00 por dia. 42- E a mesma ocorre 6 dias por semana. 43- A tiragem de cortiça decorre, anualmente, e em média, por um período equivalente a 3/4 meses por ano. 44- A tiragem da cortiça decorre, anualmente e em média, durante 10 a 12 semanas. 45- O autor auferia outros rendimentos não apurados durante o restante período do ano. 46- Em Janeiro de 2007 o autor passou a trabalhar como tratador de gado, actividade que ainda agora mantém, e no exercício da qual aufere, mensalmente, o vencimento de €374,70, acrescido do subsídio de alimentação. 47- O autor exerce esta actividade com grande sacrifício e à custa de intensas e constantes dores. 48- As sequelas e incapacidades sofridas pelo autor são irreversíveis. 49- Antes do acidente o autor era um homem saudável. 50- O autor esteve internado no hospital de Abrantes durante mais de um mês. 51- O autor teve que andar de cadeira de rodas durante vários meses e depois, também durante meses, com canadianas. 52- O autor sofreu e sofre dores à imobilização activa e passiva do ombro esquerdo. 53- O JR..., conduzia o TO por ordem, conta e interesse de JP… . 54- A “Companhia de Seguros ...” é representada em Portugal pela sociedade ré “JC..., S. A.".
2 – Objecto dos Recursos:
Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684º, nº 3 CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (Significa isso que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso):
- Análise da dinâmica do acidente.
3. Análise do recurso: 3.1 – Análise da dinâmica do acidente:
O Autor vem recorrer, reafirmando que o acidente em causa se ficou a dever, única e exclusivamente, à conduta culposa do condutor do veiculo com a matrícula TO-..., afirmando que o mesmo conduzia desatento e com excesso de velocidade, pois não conseguiu dominar e fazer parar o veículo no espaço livre e visível tendo embatido na sua traseira, apesar da travagem, numa extensão de 27 m da roda esquerda e 15m da roda direita.
A sentença recorrida, ao contrário, concluiu que a produção do acidente ficou a dever-se ao facto do autor não ter permanecido parado, como era seu estrito dever e movimentou o ciclomotor para o interior da E.N. n.º 119, tanto mais que podia avistar a aproximação dos veículos a cerca de cento e vinte metros de distancia.
Concordamos com a conclusão da sentença recorrida.
Face aos factos que resultaram provados, apenas o Autor pode ser considerado culpado pela produção do acidente.
Vejamos porquê: Considerando a data do acidente, é aplicável o Código da Estrada aprovado pelo DL nº 114/94 de 3 de Maio. Nos termos do seu artigo 29.º «1 - O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste; 2 - O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito». Por outro lado, nos termos do art. 3º-A, nº 2 B2 do Regulamento do Código da Estrada o sinal de paragem obrigatória, de STOP indica que o respectivo condutor é obrigado a parar antes de entrar na intersecção junto da qual o sinal se encontra colocado e a ceder passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar.
Assim, o referido sinal Stop não obriga apenas a parar, mas também a ceder a passagem aos veículos que circulem na via onde se vai entrar.
Ora, na intersecção da via, por onde o ciclomotor transitava, com a EN 119, existia um sinal de paragem obrigatória, de STOP.
O que significa que o condutor do ciclomotor, que se aproximou de um cruzamento ou entroncamento, devia ter tomado as indispensáveis precauções, devendo ceder prioridade, facultar a passagem ao veículo prioritário, para que este possa ultrapassar o ponto de intercepção das vias sem alteração de velocidade ou direcção.
O Autor não respeitou, em toda a sua plenitude, as obrigações decorrentes do sinal Stop, existente à saída da Rua de Santa Maria:
O A. engrenou o ciclomotor em ralenti junto ao sinal stop, mas depois avançou para estrada nacional nº 119.
Tal significa que não cedeu a passagem ao TO, como devia, e antes se meteu na sua frente, cortando-lhe a sua linha de marcha.
Por isso o embate veio a ocorrer logo após 2,5 metros depois de ter entrado na EN e por isso o ciclomotor foi embatido lateralmente. Sublinhe-se quanto a este aspecto que o ciclomotor foi embatido lateralmente e não na sua traseira, o que demonstra que a situação prende-se com a aplicação das regras que disciplinam o cruzamento de veículos e não com as de velocidade, como defende o recorrente.
Aliás, é o próprio Autor que assim o admite na sua PI (arts. 14º e 15º) ao referir que se trata de um “atravessamento” da Estrada Nacional.
Como de resto, é o que resulta da matéria provada: «13- O autor teria que atravessar e percorrer durante alguns metros a E.N. n.º119 para aceder ao caminho que entronca do lado oposto. »
Ora, o autor iniciou uma travessia da estrada nacional, do lado direito para o esquerdo da hemi-faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veiculo TO, vindo de uma via secundária, na qual, antes da intercepção com a dita estrada nacional, existia para os veículos que provenham daquela Rua de Sta. Maria, o sinal de "Stop".
Assim, o condutor do ciclomotor deveria não só ter parado na intersecção do aludido entroncamento, ao pretender entrar na EN 119, mas também não ter reiniciado a sua marcha sem se certificar que em tal via não transitava qualquer veículo, designadamente o TO, já que a este deveria ceder passagem, desde que o mesmo lhe fosse – ou devesse ser – visível, obviamente.
E era visível, pois ficou provado que o ciclomotor podia avistar a aproximação de veículos a 120 metros de distância (facto nº 16)
Por outro lado, em face da matéria de facto, que deixámos supra enunciada, decorre que não resultou provado, tal com o autor havia alegado, que o condutor do “TO” circulava a velocidade superior a 80 km/h, sem atenção ao trânsito e que saiu da sua "mão", passando a circular pela semifaixa esquerda, num momento em que a semifaixa esquerda já estava ocupada pelo veiculo do autor.
Finalmente importa referir que não é exigível que o condutor do TO, que circulava na via principal, tivesse que contar com todo o comportamento temerário do Autor.
Por tudo isto, entendemos que foi ilidida a presunção de culpa (prevista no artigo 503.º, n.º3 do CC) que impedia sobre o condutor do “TO” e demonstrada a culpa exclusiva do Autor na produção do acidente.
Também no nosso entender é de afastar a concorrência da culpa e risco quando o acidente foi devido unicamente ao próprio lesado, como é o caso dos autos (também a doutrina e alguma recente jurisprudência do STJ que aceita esta concorrência a exclui quando o acidente foi devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro).
Em suma: Improcede o recurso na sua totalidade.
4. Dispositivo :
Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Évora, 13.03.2014
Elisabete Valente
Maria Cristina Cerdeira
Maria Alexandra Afonso de Moura Santos