VEÍCULO EM FIM DE VIDA
DESMANTELAMENTO
CERTIFICADO DE DESTRUIÇÃO
Sumário


I - O objectivo visado pela lei é que a emissão de um certificado de destruição de VFV apenas ocorra após o efectivo desmantelamento do veículo automóvel em causa, para que haja uma concreta correspondência entre a documentação e a realidade objectiva.

II – Incorre na contra-ordenação ambiental prevenida no art. 24.º, n.º2, al. f) do DL 196/2003, de 23 de Agosto, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 64/2008, de 8 de Abril, aquele que detem certificado de destruição referente a 5 veículos automóveis em fim de vida, sem que tais veículos tenham sido desmantelados.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No recurso de impugnação judicial nº 1032/12.1TBSLV, do 2º Juízo do Tribunal de Silves, foi a arguida A..., Lda, condenada pela prática de:

- uma contra-ordenação, p.p. pelos Artsº 48 e 67 nsº2 al. e) e 3, ambos do D.L. 178/06, na coima de 1.300,00 € ;
- uma contra-ordenação, p.p. pelos Artsº 17 e 24 nº2 al. f), ambos do D.L. 196/03 de 23/08, na coima de 15.000,00 € ;
- uma contra-ordenação, p.p. pelo Artº 25 nº2 do D.L. 50/06 de 29/08, na coima de 15.000,00 € e
- uma contra-ordenação, p.p. pelos Artsº 5 al. a) e 25 nº1 al. b), ambos do D.L. 153/03, na coima de 1.000,00 €.

Em cúmulo jurídico destas condenações, na coima única de 24.000,00 € ( vinte e quatro mil euros ).

B – Recurso

Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida, tendo concluído as suas motivações da seguinte forma (transcrição):


O presente recurso tem por objecto toda a matéria de facto e de direito, na parte que lhe foi desfavorável.

E quanto a isto, em sede de audiência o testemunho acusatório, foi contraditório, incoerente e pouco credível.

Assim os factos mencionados foram incorrectamente julgados como provados, o que se consubstancia em erro na apreciação da prova, erro claramente notório, pois resulta da dúvida, e da imprecisão do testemunho acusatório.

Viola igualmente, a douta sentença, o principio”in dubio pro reo”.

Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, ainda o disposto no art. 355º nº 1 do CPP. Com efeito, de acordo com esta norma, não vale em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na audiência.

A sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação do D.L. Nº 196/2003 e incorreu em erro sobre a norma aplicável ao considerar que a conduta da recorrente era subsumível no disposto no art. 17º e 24º nº 2 alínea f) do mesmo diploma.

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, não respondeu ao recurso.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.

In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar do acórdão recorrido considerado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que ao mesmo sejam estranhos, ainda que constem dos autos.

Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP).

O objecto do recurso cinge-se assim e tão somente, às conclusões da recorrente na parte em que reclama ter havido, por banda do tribunal recorrido, uma errada interpretação e aplicação dos Artsº 17 e 24 nº2 al. f), ambos do D.L. 196/03 de 23/08.

O demais invocado pela recorrente prende-se com decisão factual da 1ª instância, a qual, em seu entender, teria sido incorrectamente elaborada, com erros de julgamento, violação do princípio in dubio pro reo e erro notório na apreciação da prova.

Ora, é sabido que nos termos do Artº 75 nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), em sede de recurso, a 2ª instância apenas conhece matéria de direito, estando-lhe vedada a reapreciação da matéria de facto, sem prejuízo, naturalmente, da exegese dos vícios da sentença supra citados e que são de conhecimento oficioso.

Ora, grande parte do presente recurso é destinado a atacar a decisão factual da 1ª instância, o que, ao abrigo da norma citada, é insusceptível de apreciação por este tribunal e seria até motivo, basta-se o recurso nesses moldes, para a sua liminar rejeição por manifesta improcedência.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

3.1 - Factos Provados

Da análise dos elementos juntos aos autos e da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 03/03/2010, pelas llh50m, o veículo pesado de mercadorias de matrícula ---­QF, propriedade da B...., Lda., com sede..., Caldas da Rainha, era conduzido por C.

2. Tal veículo efectuava o transporte de três veículos destruídos, que não tinham qualquer meio de separação entre eles (estavam sobrepostos).

3. Não existia, no veículo referido em 1. sistema de contenção de derrames ou escorrências de líquidos para o solo.

4. Na caixa de cargas detectavam-se escorrências.

5. A A., Lda., emitiu a guia de transporte na 232, datada de 03/03/2010, em nome da mesma, com referência a três carros velhos, tendo como local de carga Moncarapacho, Tavira, pelas ll h, relativa ao veículo referido em 1.

6. A Arguida tem uma unidade, onde labora desde 2009, sita na Zona Industrial do Algoz..., em Silves, onde se dedica à gestão de resíduos, principalmente de natureza metálica e ferrosa.

7. A Arguida, desde 15/01/2010, e apenas por 60 dias úteis, teve uma autorização de laboração condicionada da CCDR do Algarve.

8. A unidade referida não estava registada no SIRAPA, condição que era imposta pela CCDR do Algarve na autorização de laboração.

9. Em 18/03/2010, na unidade referida em 6., haviam resíduos triados e separados.

10. Mais haviam cinco veículos automóveis que não tinham sido desmantelados, embora possuíssem certificado de destruição de veículo em fim de vida, emitidos pela D. de Caldas da Rainha, respectivamente os veículos com as matrículas ----FQ, QT---, ----BT, RX----, XB----.

11. A Arguida foi notificada por carta postal, com aviso de recepção, em 14/04/2010 e 26/05/2010, para enviar à IGAMAOT vários elementos, com a advertência de que o não cumprimento do solicitado, no prazo concedido, constituiria a prática de uma contra­ordenação, p. e p. pelo art. 22°, n° 3 e 25°, nº 1 da Lei 50/2006, de 29/08, alterada pela Lei 89/2009, de 31/08.

12. A Arguida não deu cumprimento ao solicitado.

13. No dia 06/01/2011, verificaram-se, nas instalações da Arguida, descargas de óleos usados no sistema de drenagem individual de águas residuais, bem como, a manutenção dos reservatórios de óleos usados em locais sujeitos às condições climatéricas e com escorrências.

14. No ano de 2012, a Arguida, apresentou um volume de negócios de 7 519 674,81 €.

15. A Arguida agiu sem a diligência a que estava vinculada no desempenho da sua actividade.
*
3.2 - Factos não provados:

Com relevo para a boa decisão da causa provaram-se os factos relevantes constantes da acusação.

Sendo esta a base factual fixada na sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente:

B.1. Da incorrecta interpretação e aplicação dos Artsº 17 e 24 nº2 al. f) do D.L. 196/03 de 23/08:

Diz o recorrente que a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação do D.L. 196/03 e incorreu em erro sobre a norma aplicável ao considerar que a sua conduta era subsumível ao disposto nos Artsº 17 e 24 nº2 al. f) do aludido diploma.

Todavia, não lhe assiste razão.

A tal propósito, escreveu-se na decisão sindicada (transcrição ) :

Da contra-ordenação p. e p. no art. 17.º e 24.°, n.º 2, al. f) do Dec.-Lei n.º196/2003, de 23/08, com as alteraçãoes introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 64/2008 de 08/04 - CO/001416

Dispõe-se no art. 17°, n° 7, do DL supra referido, que "7 - O operador de desmantelamento que recebe o VFV deve proceder à sua identificação, conferir a respectiva documentação e proceder à emissão do certificado de destruição, cujo modelo legal foi aprovado pelo despacho n. 09276/2004 (2.ª série), de 16 de Abril, do Instituto dos Resíduos".

Já no art. 24°, n° 2, aI. f), do mesmo diploma, refere-se que "2 - Constituem contra-ordenações ambientais graves nos termos da Lei n. º 50/2006, de 29 de Agosto: f) A violação do disposto no artigo 17. º",

Quanto a esta contra-ordenação, a verdade é que se encontravam, em 10/03/2010, cinco veículos que ainda não haviam sido desmantelados com um certificado de destruição, emitido pela A., nas instalações da Arguida, a qual tendo-os recebido, deveria ter providenciado pela sua identificação e conferência da respectiva documentação o que, não tendo sido feito, a compromete com a prática da contra-ordenação em causa.

O objectivo da lei é que a emissão de um certificado de destruição apenas ocorra após o efectivo desmantelamento do veículo em causa, para que haja uma concreta correspondência entre a documentação e a realidade objectiva.

Todavia, como resulta da factualidade apurada, tal não ocorria nas instalações da recorrente, que mantinha cinco viaturas mau grado sobre elas incorrer já a respectiva identificação documental para a sua destruição.

Assim sendo, não merece reparo a sentença recorrida, na medida em que se mostra correctamente interpretado e aplicado o D.L. 196/03 de 23/08.

Pelo que e sem necessidade de considerações complementares, atenta a simplicidade do caso, terá naturalmente de se concluir pela improcedência do recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.

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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.

Évora, 25 de Março de 2014

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(Renato Damas Barroso)
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(António Manuel Clemente Lima)