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ROUBO
SEQUESTRO
RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
DEPOIMENTO INDIRECTO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
Sumário
I - O relato de agentes dos órgãos de policia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido - tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc - de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligências, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc) que tenham autonomia tecnico-juridica constituem depoimento valido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129 e 357 do Código.
II - O depoimento prestado pela testemunha pertencente ao órgão de polícia criminal e relativa às indicações do arguido nas diligências externas a que procedeu pode, e deve, ser valorado e constitue um meio de prova válido e relevante.
III - Para se concluir pela existência de concurso efetivo de crime de sequestro com o crime de roubo, torna-se necessário, para além da pluralidade de tipos de crime violados, que seja possível formular uma pluralidade de juízos de censura, o que só pode ser viabilizado pela existência, na matéria de facto apurada, de uma pluralidade de resoluções criminosas, pois as privações da liberdade de movimentos, em alguns casos e frequentes, podem mesmo acabar por reconduzir-se a tipos legais como os de ofensa ao corpo ou saúde de outrem e subtração violenta de bens da vítima. A privação da liberdade enquanto tal anda, normalmente, associada a um conjunto de crimes, quer como meio típico, quer como meio possível da sua realização.
Texto Integral
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I. Relatório
No Processo Comum nº 292/11.0JAFAR, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, por acórdão do Tribunal Colectivo proferido em 19/12/12, foi decidido, relativamente ao arguido D:
Julgar parcialmente procedente por parcialmente provada acusação e, em conformidade com isso:
B) Condenar o arguido pelos seguintes crimes e nas seguintes penas:
- três crimes de roubo, em co-autoria e consumados, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e 2, al. b) do CP, fixando as penas em 5 anos de prisão (L), 3 anos e 6 meses de prisão (Alisuper), 3 anos e 6 meses de prisão (Pôr-do-Sol);
- um crime de sequestro, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1 do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- um crime de burla informática, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo artº 221º, nº 1 do CP, na pena de 10 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, fixar a pena única ao arguido em 9 (nove) anos de prisão.
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
I. No dia 20 de Março de 2011, cerca das 17h30m, o arguido A., acompanhado dos arguidos D, B e de um outro indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam à residência de L (sita no Malhão, Paderne – Albufeira) e a assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no seu interior, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse.
Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos e acompanhante introduziram-se no interior da referida residência, forçando as grades da porta da cozinha, aguardando o regresso do proprietário.
Assim que este entrou, foi de imediato agredido com socos e murros e, depois de dominado, amarrado a uma cadeira onde ficou enquanto os arguidos e acompanhante, munidos de gorros que lhes tapavam o rosto e luvas, procuravam valores.
Nessa busca, localizaram o cartão de crédito do ofendido que, após ser ameaçado e agredido, forneceu o respectivo código.
Deste modo, do referido local retiraram e levaram consigo, nomeadamente, os seguintes objectos, que fizeram seus:
1) Um telemóvel Samsung no valor de 230€;
2) Um telemóvel Nokia no valor de 80€;
3) Um telemóvel Nokia no valor de 80€;
4) Uma câmara fotográfica no valor de 900€;
5) Um relógio no valor de 1.500€;
6) Um cartão de crédito do BCP e respectivo código;
7) Um par de calças de fato de treino da marca Nike Air, cinzento claro, com a referência Runing on Air since 87, de valor não concretamente apurado.
Dos valores e objectos supra referidos só foram recuperadas as calças de fato de treino referidas em 7) que estavam na posse do arguido A. aquando da sua detenção pela PJ.
De seguida, os arguidos C e D, munidos do cartão de crédito do ofendido, dirigiram-se ao Millennium BCP de Boliqueime, onde efectuaram levantamentos em dinheiro de uma caixa ATM no valor total de 400€.
Dirigiram-se ainda ao Algarve Shopping, onde efectuaram compras de objectos de ouro na loja Joalharia C, de valor não concretamente apurado mas de cerca de 1.700/1.800€ e à Rádio Popular (sita no Retail Park da Guia) onde compraram duas Playstations 3, dois comandos wireless para as referidas consolas e quatro ou cinco videojogos, de características e valor não concretamente apurado, mas não inferior a 900€.
Em todas essas situações, utilizaram para os respectivos pagamentos e levantamentos em ATM o referido cartão do ofendido e o respectivo código que tinha sido entregue por este.
Com a acção descrita e os comportamentos concertados e sucessivos, os arguidos A, D e B e acompanhante quiseram ainda limitar a liberdade de decisão e acção do ofendido, bem como a sua liberdade de movimentos, a fim de mais facilmente conseguirem alcançar os seus objectivos, o que conseguiram.
Mais quiseram os referidos arguidos e acompanhante deter o ofendido no interior da sua residência, no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o preso e impedido de sair do local, contra a sua vontade.
Na verdade, os arguidos referidos e acompanhante já tinham exercido violência suficiente para atemorizar o ofendido, para que lhes desse o que pretendiam, mas ainda assim quiseram continuar a mantê-lo preso na sua própria casa apenas com o fito de lhe coarctar a sua liberdade de locomoção e impedi-lo de dali sair.
Os arguidos C e D, ao efectuarem, em comunhão de esforço e colaboração, os factos e as descritas operações bancárias, criaram a convicção no operador bancário ATM de que eram os legítimos titulares desse cartão de crédito, bem sabendo que o mesmo lhes não pertencia e que, ao agirem do referido modo, punham em causa a fiabilidade dos dados e respectiva protecção, causando com tais condutas também um prejuízo ao ofendido no valor das aquisições e levantamentos efectuados.
Os valores supra referidos não foram recuperados.
II. No dia 26 de Junho de 2011, cerca das 20h15m, os arguidos B e D combinaram entre si que se dirigiriam ao supermercado Alisuper (sito no Cerro Grande, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse.
Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos de uma pistola cromada, da marca Ekol & Voltran (modelo P29, de calibre 9mm), arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm, mas em tudo semelhante a uma arma de fogo real.
Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se mantivessem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma depois de efectuar um tiro para o ar.
Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com as referidas condutas, um dos arguidos dirigiu-se a uma das caixas registadoras, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 505€, após o que abandonaram ambos o local.
Os valores supra referidos não foram recuperados.
III. No dia 20 de Setembro de 2011, cerca das 00.00h, os arguidos B, V e D, combinaram entre si que se dirigiriam ao restaurante PÔR-DO-SOL (sito nas Sesmarias, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse.
Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, estacionaram o veículo de matrícula ---JS, pertença de S, próximo de tal restaurante, ficando a arguida V no seu interior e ao volante do mesmo, enquanto os demais arguidos se dirigiram ao interior do referido estabelecimento, munidos da pistola cromada pistola cromada, da marca Ekol&Voltran (modelo P29, de calibre 9mm, arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm) mas em tudo semelhante a uma arma de fogo real e de uma espingarda caçadeira de canos serrados, de características não concretamente apuradas.
Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se deitassem no chão enquanto lhes apontaram as referidas armas.
Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com tais condutas, um dos arguidos dirigiu-se à caixa registadora, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 1.800€, abandonado ambos, de imediato o local.
Chegados ao exterior, dirigiram-se ao supra referido veículo onde a arguida os aguardava e colocaram-se então em fuga para local desconhecido.
Os valores supra referidos não foram recuperados.
O arguido D. foi detido no dia 26-3-2012, após buscas domiciliárias à sua residência e tinha consigo uma arma eléctrica taser e uma catana.
Agiram os arguidos em comunhão e conjunção de esforços, em execução de um plano previamente combinado, exercendo sobre todos os ofendidos, funcionários e clientes da residência e dos estabelecimentos assaltados, acções que sabiam serem particularmente violentas e insusceptíveis de resistência, constrangendo-os e intimidando-os, com intenção de fazerem coisas suas as mencionadas quantias monetárias e valores, o que fizeram nas circunstâncias descritas, apesar de saberem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos.
Agiram todos os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo as suas condutas punidas por Lei Criminal.
Resultou ainda apurado que,
A referida espingarda caçadeirade canos serrados, cujas características não foram concretamente apuradas, não foi localizada nem apreendida nos autos.
No dia 19 de Outubro de 2011, cerca das 19h27m, indivíduos cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam ao supermercado Alisuper (sito no Cerro Grande, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse.
Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos de uma pistola cromada, de modelo e características semelhantes à supra citada arma e em tudo semelhante a uma arma de fogo real.
Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se mantivessem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma.
Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com tais condutas, um dos indivíduos dirigiu-se a uma das caixas registadoras, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 180€, abandonado ambos, de imediato o local.
Os valores supra referidos não foram recuperados.
Os arguidos não prestaram declarações em julgamento, com isso não confessando os factos constantes da acusação.
O arguido D tem antecedentes criminais, tendo averbada no CRC uma condenação por crime de roubo, cujos factos remontam a 30.11.07, condenado em pena de 4 anos e 6 meses de prisão, cuja execução se suspendeu sob condição (proc. ---/07.0GBABF do 3º juízo deste Tribunal).
De acordo com o que apurou a DGRS: vem de um agregado familiar de parcos recursos económicos, marcado o agregado familiar pelo abandono do lar por parte do pai, tendo a mãe que ausentar-se durante grande parte do dia de casa, o que levou a um crescimento do arguido em auto-gestão, revelando problemas de disciplina desde cedo e envolvimento com meios marginais, tendo apenas concluído o 5º ano de escolaridade, muito embora revele aptidões ao nível do desenho e informática; trabalhou de forma esporádica na jardinagem e restauração, sem regularidade; residia com a mãe à data dos factos e com um irmão gémeo; o agregado familiar depende dos rendimentos da mãe do arguido; revela capacidade de auto-censura e mostra-se ciente da gravidade dos seus actos.
Não resultaram provados os seguintes factos:
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Que os arguidos B e D tenham tido intervenção no assalto ao Alisuper no dia 19.10.2011, actuando quanto a isso de forma livre, deliberada e consciente.
Qualquer facto que esteja em contradição com os factos acima provados.
(Suprimimos da descrição da matéria de facto provada e não provada os pontos que diziam exclusivamente respeito a outros arguidos que não D.)
Do acórdão proferido o arguido D. veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
I - O interrogatório efectuado nas instalações da Polícia Judiciária ocorreu quando o arguido já se encontrava detido de facto, pelo que devia ter sido nomeado um defensor ao arguido.
II - Tendo sido postergada tal formalidade tal interrogatório e diligências realizadas na sequência do mesmo, mormente os reconhecimentos de locais efectuados nesse dia, são nulos, nos termos do disposto no artigo 119.º, al. c), do Código de Processo Penal. Nulidade que se argui para os devidos e legais efeitos. Com efeito,
III - É inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 5, e 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, a interpretação conjugada dos artigos 64.º, n.º 1, al. a), 143.º, n.º 3, ambos do CPP, segundo o qual é permitido o interrogatório policial de arguido detido, cuja detenção formal não foi efectuada, apenas porque a mesma obedece única e exclusivamente a critérios de oportunidade do órgão de polícia criminal, sem qualquer controlo formal, por parte de advogados e de magistrados.
IV - A emissão do mandato de detenção, nos termos em que ocorreu, veio apenas regularizar uma detenção que já havia sido efectivada aquando da condução do arguido às instalações da Polícia Judiciária.
V - A interpretação do artigo 249.º, n.º 1, do CPP, no sentido de que é permitido manter o arguido detido, algemado e privado de liberdade, pelo tempo que se mostrar necessário previamente à emissão de mandado de detenção formal, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 5, e 30.º, n.º 1, ambos da CRP.
VI - O referido interrogatório é nulo também por não ter sido presidido pelo magistrado do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 119.º, al. b), do CPP. Nulidade que ora se argui para os devidos e legais efeitos.
VII - Como nulos são os actos praticados na sequência do interrogatório ferido de nulidade, como sejam os reconhecimentos a locais, nulidade que ora se argui para os devidos e legais efeitos.
VIII - Estando os reconhecimentos de locais feridos de nulidade não podem ser valorados enquanto meio de prova. Impondo-se, por isso, a revogação do acórdão recorrido.
IX - O tribunal a quo para dar como provados os factos supra descritos teve em consideração, como já se referiu, as informações de serviço, relatos de diligência externa, autos de notícia e autos de apreensões, documentos juntos aos autos, mas não indicadas pela acusação, nem examinados em audiência.
X - Os referidos documentos não só não foram incluídos pelo Ministério Público nos meios de prova indicados na acusação, como também não foram apresentados e discutidos na audiência de julgamento, nem o tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, ordenou que fosse valorado o referido meio de prova, disso dando conhecimento à defesa, com a antecedência possível,
XI - Os meios de prova não indicados na acusação, nem analisados em julgamento, não podem ser valorados, sob pena de violação do princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
XII - A valoração dos referidos documentos não é admissível, sem que seja permitido o contraditório. Pelo que,
XIII - O acórdão recorrido, ao tomar como elemento determinante para a convicção do julgador e para a fundamentação da decisão, um elemento de prova não constante dos autos e obtido em violação das normas legais para o efeito, deve ser revogado (artigos 374°, nº 2 e 379°, nº 1, al.c) do C. P. Penal).
XIV - Não obstante e sem conceder, o recorrente, considera, nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do CPP, que o tribunal a quo valorou erradamente os factos identificados com os números 1, 2, 3, 4, 5,7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 20, 34 e 35, dos factos provados e supra mencionados, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova que permita considerar, sem margem para dúvidas, a prática dos mesmos pelo arguido, pelo que se impunha considerar os referidos factos como não provados.
XV - Com efeito, para considerar provados os factos numerados de 1 a 14, o tribunal a quo assentou essencialmente no reconhecimento de local em que interveio o ora recorrente, junto a fls 731 e ss., coadjuvado pelo depoimento do Inspector Madeira, que se baseou no referido reconhecimento.
XVI – O reconhecimento de locais de crime apenas se pode assimilar à reconstituição dos factos, prevista no artigo 150.º, do CPP.
XVII - A norma contida no artigo 150.º do CPP tem como pressuposto a necessidade de se apurar se determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma e como requisito a reprodução fiel, tanto quanto possível, das condições em que o facto ocorreu e a repetição do modo de realização do mesmo.
XVIII - Os autos de reconhecimento de locais ora em análise retratam apenas uma espécie de visita guiada do arguido, que desacompanha de outros elementos de prova não nos permitem concluir que o arguido tenha entrado na casa Biondi ou nos estabelecimentos comerciais mencionados, a forma como o fez e qual a intervenção do mesmo nos factos sob análise.
XIX - No auto de reconhecimento a locais, junto aos autos a fls. 731 apenas consta que o arguido indicou o trajecto até ao Sítio do Malhão, tendo “(...)identificado a moradia que corresponde a caixa postal 202 (...)".
XX - Tudo o mais que consta no referido auto de reconhecimento e que corresponde a reprodução de declarações do arguido não pode, por essa razão, ser valorado, sob pena de violação do disposto no artigo 356.º, n.º 7, do CPP.
XXI - O inspector M. apenas pode e consegue confirmar que o arguido D reconheceu a casa de L. Contudo, nada foi apurado qualquer elemento nos autos que conjugado com a identificação da moradia nos permita dizer com toda a certa que o arguido reconhece a referida casa por nela ter perpetrado um assalto.
XXII - Partindo de tais considerações, entende-se que não foi produzida prova necessária ou suficientemente consistente, coerente e sólida de forma que o Tribunal a quo possa concluir pela culpabilidade do arguido, arredando as dúvidas existente sobre a mesma, pairando uma séria incerteza quanto à sua participação/autoria dos factos. Assim sendo, tal estado de incerteza terá de ser valorado a favor do arguido, com aplicação do princípio in dubio pro reo.
XXIII –O que se deixou dito quanto ao reconhecimento da casa de L, vale para os demais reconhecimentos de locais realizados pelo arguido D.
XXIV - Dos autos de reconhecimento a locais juntos a fls 600 e ss. consta apenas que o arguido reconheceu dois estabelecimentos comerciais sitos no concelho de Albufeira.
XXV - Inexiste qualquer outro meio de prova que nos permita concluir que o arguido D teve qualquer intervenção nos factos sob análise nos presentes autos, não podendo o referido auto de reconhecimento de local ter a virtualidade pretendia pelo tribunal a quo, na medida em que a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução.
XXVI - Face ao exposto, não resultou dos autos, nem da prova, testemunhal e documental, produzida (quer globalmente considerada, quer apreciada individualmente), matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente praticou os factos supra identificados com os números 1, 2, 3, 4, 5,10, 11, 12, 14, 15, 16, 20, 34 e 35.
XXVII - Devia ter sido considerado provado, no ponto 14, atento o depoimento de L (declarações prestadas no dia 22.11.2012, iniciadas às 11h26m41ss, gravadas no suporte informático do tribunal, aos 14 minutos e 43 segundos) que, com excepção dos valores levantados com cartão multibanco, os restantes valores não foram recuperados.
XXVIII - Ao decidir da forma como o fez, o tribunal a quo violou, entre outros, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como os artigos 127.º, 150.º, 340.º, 355.º, n.º 1, todos do CPP.
XXIX – Sem prescindir, ainda se dirá que quanto ao crime de sequestro, não podia o tribunal a quo considerar provado que o arguido D quis manter o ofendido preso na sua própria casa apenas com o fito de lhe coarctar a sua liberdade e impedi-lo de sair, na medida em que encontrando-se o arguido no Centro Comercial cerca de meia hora antes do termo dos factos ocorridos na casa Biondi, não é possível afirmar que o mesmo tinha o domínio sobre os factos ora referidos.
XXXI- Deste modo, impõe-se considerar como não provados os factos supra identificados, e, em consequência, deverá o arguido ser absolvido do crime de sequestro.
XXXII - Ao decidir de forma diferente, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 127.º, 150.º, 340.º, 355.º, n.º 1, todos do CPP.
XXXIII – Não foi produzida prova que permita considerar que o recorrente utilizou o cartão de crédito do ofendido B, nomeadamente no ATM de Boliqueime, na Carilor e na Rádio Popular.
XXXIV - Dos fotogramas juntos aos autos a fls. 733 a 738, 794 a 799, 802 a 815, nada se apura nesse sentido.
XXXV - Do depoimento da testemunha DL, prestado no dia 22.11.2012, com início às15h27m36ss, gravado em suporte informático, aos 03m 155ss da gravação e no mesmo dia com início às 15h34m06, gravado em suporte informático, aos 23 ss,, resulta que o recorrente não teve qualquer intervenção na compra. Pelo que,
XXXVI – Se impunha dar como não provado, quanto ao recorrente, os factos praticados na Rádio Popular.
XXXVII - Da visualização dos fotogramas, juntos a fls. 804, resulta claramente que o arguido D não teve qualquer intervenção nos factos praticados na Carilor, sendo tal facto corroborado pelas declarações prestadas pela testemunha V no dia 22.11.2012, iniciado às 12h04m32ss, e devidamente gravado no suporte informático do tribunal, aos 2m15ss. Pelo que,
XXXVIII- Se impõe dar como não provado que o arguido D se deslocou à referida ourivesaria onde efectuou compras, com C, de objectos em ouro, de valor não concretamente apurado, mas de cerca de €1.700,00/€1.800,00.
XXXIX - Por fim, quanto ao levantamento efectuado no ATM de Boliqueime, dos fotogramas juntos aos autos a fls. 803, consta apenas um indivíduo junto a um ATM, sem que nos seja possível concluir que se trata de D. Pelo que,
XL - Não existindo qualquer prova quanto à intervenção do arguido D. neste levantamento deveria o referido facto ser dado como não provado, quanto a este arguido.
XLI - Face ao exposto, a prova produzida nos presentes autos impunha ao tribunal a quo uma decisão diferente da que resulta do acórdão recorrido, devendo o arguido D ser absolvido do crime de burla informática.
XLII - Pelo exposto, o tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 26.º do Código Penal, na medida em que considerou o arguido, autor do crime em que foi condenado.
XLIII - Não obstante, e admitindo-se, por mera hipótese, a condenação do recorrente quanto aos factos praticados na casa B, entende-se que estamos na presente de um concurso aparente de crime, na modalidade de consumpção, devendo, em consequência, o arguido ser condenado unicamente pelo crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal.
XLIV - O levantamento de quantias em dinheiro através da utilização de cartão de crédito ou o pagamento de compras utilizando o cartão de crédito, obtido juntamente com o código PIN, por meio de violência, constitui simplesmente a consumação da apropriação violenta, ou seja, é um mero acto de consumação do crime de roubo (artigo 22.º, n.º 2, al. a) do Código Penal).
XLV - A privação da liberdade do ofendido ocorreu apenas pelo período de tempo estritamente necessária e proporcional à consumação do roubo, não se verificando, por isso, os elementos do tipo do crime de sequestro.
XLVI - Os elementos do tipo legal de crime analisado não se encontram preenchidos, pelo que o tribunal a quo fez uma subsunção incorrecta dos factos ao crime de sequestro, previsto no artigo 158,º n.º 1, do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. queiram subscrever, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido, tudo com as legais consequências.
O MP respondeu à motivação do recorrente David Nogueira, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª – O interrogatório efectuado nas instalações da Polícia Judiciária ocorreu com o arguido ainda em liberdade (ao abrigo do artigo 144º do CPP) e tendo este prescindido da presença de Defensor, prerrogativa que lhe assiste por lei.
2ª - O Ministério Público concorda com a matéria de facto dada “como provada” no acórdão recorrido por corresponder à factualidade que resultou provada na audiência de discussão e julgamento.
3ª - O tribunal “a quo” formou a sua convicção com base no conjunto de prova, produzida e analisada em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas, nos relatórios de diligências externas, nas informações de serviço, nos autos de reconhecimento de lugares, de objectos, visionamentos e informações médicas, autos de apreensão, exames e perícias, autos de notícia, lofoscopia e exames e documentação e relatórios sociais dos arguidos.
4ª - O tribunal “ a quo” ponderou, e podia ponderar, os elementos probatórios – perícias médico-legais, perícia de biologia forense, perícia a armas de fogo, exame a locais -, uma vez que estes foram carreados para o inquérito e, salvo o devido respeito por opinião contrária, os exames médicos, as perícias e os exames a pessoas ou locais onde os factos ilícitos tenham ocorrido, não podem, não tem de ser, repetidos ou reproduzidos na audiência de julgamento.
5ª - O princípio do contraditório foi integralmente cumprido na audiência de julgamento, a Defesa do arguido (ora recorrente) pôde, como quis, contraditar as testemunhas e os ofendidos/vítimas, e os meios de prova constantes dos autos.
6ª - As informações e perícias médicas foram ponderadas, e bem, em julgamento.
As perícias às armas, o visionamento das imagens de vídeovigilância e o exame a locais foram ponderadas, e bem, em julgamento e mostram-se validamente obtidas pelos OPC’s.
7ª - O vício previsto no artigo 410º, n.º 2 al. a) do CPP que o recorrente invoca – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O que não acontece no caso em apreço.
8ª - Com todo o respeito, não nos parecem que este desiderato possa ser atingido com a invocada alegação da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Este vício, quando existe, decorre da omissão de pronúncia por parte do Tribunal sobre factos alegados ou resultantes da discussão e que sejam relevantes para a decisão.
Não será este o caso, certamente.
9ª - Em nosso entender também não foram, nem por sombras, violados os artigos 127º e 355º ambos do Código Penal. Como sabemos o art. 127º do C. Penal acolheu o princípio da “livre apreciação da prova”, o qual impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência comum e dos conhecimentos científicos que permite ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão.
10ª - Sinteticamente, diremos que não vislumbramos quaisquer meios de prova proibidos e que tenham sido valorados. Muito menos, vemos outros meios de prova que possam pôr em crise a prova pericial, essa sim, subtraída ao princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal “a quo”, a qual não foi contraditada por outra prova pericial.
O mesmo é dizer que não existe qualquer violação do disposto no art. 355º do CPP.
11ª - À data da prática dos factos, o D era maior (idade superior a 21 anos), compreendia os direitos e deveres que lhe foram lidos e explicados, aquando da constituição de arguido, seguido da detenção.
12ª – O arguido D estava no pleno uso das suas faculdades mentais, estava em liberdade e tem o direito de prescindir da presença de Advogado – argumentar o contrário, é paternalismo injustificado.
13.ª – Não estamos perante situação de falta de assistência por defensor, quando ela é obrigatória, o que a verificar-se – e, como dissemos, não é o caso em apreço -, constitui nulidade insanável – artigo 119º do CPP, que pode ser objecto de recurso.
14ª - Como defende o Profº Paulo Pinto de Albufquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da CEDH, 2ª edição actualizada, UCP, 2008, anot. 7. ao art. 64º, pág. 188): “(…) o arguido tem também o direito de se defender a si próprio, por força do artigo 14º, §3º, al. d) do PIDCP, e do artigo 6º da CEDH, constituindo estes preceitos do direito internacional dos direitos humanos uma decorrência do princípio da dignidade humana, que impõe que o arguido seja tratado como «um sujeito processual responsável por si próprio» (também no sentido do reconhecimento expresso do direito de auto-defesa pelo arguido como um «princípio geral do processo penal», passível de renúncia pelo arguido, (RODRIGO SANTIAGO, 2007:223, 232 e 236).Atendendo ao artigo 8º, n.º 2 da CRP, o artigo 32º, n.º 2 da CRP deverá ser conjugado com o escalão do direito internacional dos direitos humanos fixado nos referidos artigos 14º do PIDCP e artigo 6º da CEDH(GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, 2007: 495).
15ª – Assim, é incorrecto o enquadramento jurídico dado à questão pelo ora recorrente, uma vez que, havendo interrogatório de arguido perante a Polícia Judiciária, não se mostra violado o disposto no artigo 64º n.º 1 al. a) do CPP – inaplicável ao caso destes autos.
16ª – Pelo contrário, o arguido D quis colaborar, como colaborou, com a autoridade policial e com a investigação em inquérito, facto este valorado, positivamente, pelo Julgador no acórdão recorrido.
17ª - O arguido fez o reconhecimento de locais (fls. 733 e 734), algemado, mas livre de pensamento e de decisão, prescindindo, expressamente, da presença de Defensor. Por conseguinte, entendemos que o tribunal “a quo” fez correcta interpretação do artigo 64º n.º 1 do CPP, no despacho que decidiu o incidente suscitado em acta de audiência de julgamento.
18ª – De resto, que no reconhecimento de pessoas e não existe obrigatoriedade de assistência do co-arguido, em crime de roubo, o Desembargador EDGAR VALENTE(cfr. acórdão RE, Proc. 9/10.6PACTR.E1, in www.dgsi.pt) considera que “Não existe lacuna no artigo 64º do CPP e é inadmissível a interpretação extensiva. Não violação dos direitos constitucionais do arguido, não exigência de que o arguido seja obrigatoriamente assistido por Defensor.”
19ª – Naquele acórdão da Relação de Évora cita-se, a propósito, o acórdão do TC n.º 523/2006, p. 384/06 - 3ª secção, Conselheira Teresa Prazeres Pizarro Beleza, o qual julgou não inconstitucional o reconhecimentoa que alude o art. 147º do CPP, sem assistência obrigatória de defensor.
20ª - Assim, por maioria de razão e argumento, não se vislumbra como seja inconstitucional o reconhecimento de locais pelo arguido, que consentiu na diligência e prescindiu de defensor, possa ser considerada inconstitucional.
21ª - Não se verifica ter sido postergada formalidade processual – quer no interrogatório não judicial de arguido (ao abrigo do artigo 144º do CPP), quer nas diligências realizadas na sequência do mesmo -, mormente, os reconhecimentos de locais efectuados nesse dia (sendo certo que estão documentadas nos autos), nem a nulidade a que alude a al. c) do art. 119º do CPP.
22ª – Salvo o devido respeito, entende-se que a Polícia Judiciária actuou ao abrigo do disposto no artigo 249º, nº 1 do CPP e procedeu à investigação da prática de crimes da sua exclusiva competência (v.g. extorsão, roubo com uso de arma de fogo) e praticou os actos cautelares necessários e urgentes a assegurar os meios de prova.
23ª –“A competência cautelar do órgão de polícia criminal pré-ordenada para os fins do processo pode ser exercida mesmo antes de instaurado inquérito. (…) A convalidação compete, consoante os casos, ao Ministério Público ou ao juiz de instrução”(Prof. Paulo Pinto deAlbuquerque, ob. cit., anot 2 ao artigo 249º, pág. 650).
24ª – Adiante, o mesmo Autor elenca, em síntese, os poderes do órgão de polícia criminal são os seguintes:
a. identificar o suspeito sempre que haja“fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição e expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou de haver contra si mandado de detenção (artigo 250º n.º 1);
b. (…)
c. Pedir ao suspeito “informações relativas a um crime e, nomeadamente à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária” (artigo 250º n.º 8)
d. Deter o suspeito em flagrante delito e mantê-lo detido durante 48 horas
e. Constituir o suspeito como arguido e interrogá-lo (…) f. Proceder a exame das pessoas, dos lugares e das coisas, com o consentimento do visado ou do titular do lugar ou da coisa e desde que não ofenda o pudor das pessoas. (sublinhado nosso)
25ª -“A autoridade de polícia criminal tem ainda, em caso de urgência ou de perigo de demora, os seguintes poderes cautelares:
a. deter uma pessoa fora de flagrante de delito e mantê-la detida por 48 horas (artigo 257º n.º 2) – Cfr. ob. cit., anot. 6 ao artigo 249º do CPP.
26ª – Inexiste pois a invocada nulidade prevista no artigo 119º al. b) do CPP – contrariamente, ao entendimento do arguido (ora recorrente) -, e muito menos, inconstitucional a interpretação do artigo 249º n.º 1 do CPP, porquanto é permitido manter o arguido detido, algemado e privado de liberdade, pelo tempo que se mostrar necessário previamente à emissão de mandado de detenção formal e inexiste, também, inconstitucionalidade por violação do artigo 20º n.º 5, e 30º n.º 1 ambos da Constituição da República.
27ª - O Ministério Público entende que, o arguido foi interrogado pela Polícia Judiciária dentro dos limites da lei, assim como não são nulos os actos praticados na sequência do interrogatório ferido de nulidade, nem os reconhecimentos de locais, uma vez que o arguido (ora recorrente) consentiu nesses actos processuais e, reitera-se, colaborou no decurso do inquérito.
28ª - A fundamentação do acórdão recorrido e a convicção do julgador, alicerçada nestes meios de prova é legal e, por consequência, deverá ser mantido na íntegra.
29ª - Sem prescindir, porém, sempre se dirá que, além destes, existem prova pericial (vestígios e compatibilidade de ADN) que coloca o arguido/recorrente, como comparticipante, co-autor, na prática de um crime de roubo e de sequestro na casa Biondi – ofendido L; e, bem assim, como o confronto entre as imagens de videovigilância obtidas na ourivesaria “Carilor” e na loja “Rádio Popular” (em Albufeira), válidas como meio de prova (cfr. acórdão RE, de 24.04.2012, Proc. 932/10.8PAOLH.E1, Relatora: Maria Filomena Soares, in www.dgsi.pt), a visualização dos fotogramas, na audiência de julgamento e a semelhança das características físicas e fisionomia de um dos indivíduos nela captados, com aquelas que observámos no arguido D, presente nas sessões de julgamento.
30ª - É entendimento da Relação de Évora, nomeadamente, do senhor Desembargador SÉNIO ALVES que a ponderação no acórdão recorrido das informações de serviço, dos relatos de diligência externa posto que corroborado pelo testemunho do agente que nela participou (cfr. acórdão RE, de 25-09-2012, Proc. 23/10.1PBLGS.E1, in www.dgsi,pt), dos autos de notícia e autos de apreensão – como meios de prova documental adquirida nos autos -, como podendo ser valorados como meio de prova pelo tribunal “a quo” e sem necessidade de reprodução, leitura ou confronto dos inspectores da Polícia Judiciária com algum ou todos esses documentos.
31ª - Não se vislumbra, pois, que o tribunal “a quo” ao valorar os meios de prova já adquiridos no processo, tenha violado o princípio do contraditório, consagrado no artigo 32º nºs 1, 2 e 5 da CR.
32ª - Ora, utilizando a argumentação expendida pelo ora recorrente, aceita e louva-se o Ministério Público no entendimento do TC que “o juiz pode utilizar documentos constantes do processo desde o inquérito e não indicados na acusação. Mas tem de confrontar em audiência os sujeitos processuais (…) com a possibilidade de consideração desse elemento de prova”(cfr. acórdão do TC n.º 110/2011, de 02.03.2011, in www.dgsis.pt), sendo certo que não ocorreu nos autos, em julgamento, qualquer violação do princípio do contraditório.
33ª - Voltando ao caso dos autos, ouça-se então integralmente a prova gravada, em julgamento e respectivas actas, e constatar-se-á, como pretende o Ministério Público, que o tribunal “a quo” confrontou o ora recorrente e a Defesas dos co-arguidos, nomeadamente, com a existência de relatos de diligência externa, com imagens de videovigilância (de resto até ordenou aos arguidos que se levantassem e todos os presentes pudessem ver as semelhanças físicas e fisionómicas de alguns deles, com os indivíduos captados nessas imagens), com o auto de reconhecimento de locais e reportagem fotográfica, e, com as conclusões do exame de biologia forense (e compatibilidade de perfis de ADN com os dos co-arguidos).
34ª – Ouça-se a gravação do julgamento e concluir-se-á que os meios de prova foram submetidos ao princípio do contraditório (cfr. actas de julgamento e o conteúdo da prova gravada, em suporte áudio) mesmo aqueles que foram produzidos oficiosamente pelo tribunal.
35ª – Aliás, a consulta dos autos é pública e acessível aos sujeitos processuais, assim como o ora recorrente tinha conhecimento dos meios de prova (obtidos em inquérito) e o teor das perícias de biologia forense e do exame pericial efectuado às armas (apenas junto após a acusação, mas antes de esgotado o prazo para apresentação de contestação e meios de prova pela Defesa).
36ª - O tribunal “a quo” conduziu o julgamento, com observância integralmente do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo, célere e com todas as garantias de defesa – remetendo-se, porém, todos os arguidos ao silêncio (o recorrente) como é seu direito.
37ª - O acórdão recorrido valorou, e podia valorar, os documentos em causa e neles alicerçou a sua convicção, conjugadamente com outros meios de prova (testemunhal e pericial) existente no processo e trazidos à colação, na audiência de discussão e julgamento.
38ª – O acórdão recorrido não padece de qualquer dos vícios apontado pelo recorrente D) e deverá ser mantida na íntegra a decisão.
39ª - Ouçam-se novamente e na íntegra a prova gravada em audiência e conjugue-se esta, com a demais prova já assente em inquérito (perícias, documentos e testemunhas), e a conclusão a que o Tribunal “a quem” chegará será a mesma.
40ª - Com efeito, o tribunal “a quem” considerará correctamente julgados os números 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 20, 34 e 35, dos factos provados, porquanto em relação a estes foi produzida prova – bastante, coerente e consistente – que permite, considerar, sem margem para dúvidas, a prática dos mesmos, em co-autoria, pelo arguido D.
Quanto ao crime de roubo ocorrido na Casa Biondi, enumerados nos nºs 1 a 14, com base no testemunho do inspector M (em julgamento), nas declarações do ofendido B (em julgamento), no vestígio de ADN deixado na residência do ofendido (prova pericial irrefutável), no auto de reconhecimento de locais (a fls. 731). O tribunal “ a quo” não violou o princípio “in dubio pro reo”.
42ª - O que o recorrente alega na motivação de recurso é que foi violado o princípio da presunção de inocência. Mera conclusão do recorrente, quando é certo que deveria explanar o seu douto entendimento sobre os meios de prova produzidos em audiência de julgamento, qual seria no seu entendimento lógico, coerente e verosímil da prova e a bondade da sua argumentação, que levasse o Ministério Público a conhecer os fundamentos dessa discordância.
43ª – Pelo contrário, o acórdão recorrido é extenso e particularmente minucioso – quer quanto aos “meios de prova e as razões da convicção do Tribunal”. O acórdão basta-se a si mesmo. O acórdão recorrido não violou as normas legais invocadas (art. 32º n.º 2 da CR, artº 6º n.º 1 da CEDH, e artigos 127º, 150º, 340º, e 355º n.º 1 do CPP) ou quaisquer outros preceitos legais. O acórdão não nos merece censura.
44ª – Quanto ao crime de sequestro, o tribunal “a quo” considerou como provados os pontos 3., 11., e 12. como consubstanciando a privação de liberdade e acção do ofendido.
Com efeito, assim é, o arguido não tem o dom da ubiquidade.
45ª - Todavia, ensina-nos a doutrina e a jurisprudência que, em caso de comparticipação criminal, não é necessário de cada um dos comparticipantes pratiquem todos os mesmos actos que, isolada ou conjugadamente, entre si, consubstanciem a prática de um crime de sequestro.
46ª - Sem dúvida alguma que o arguido D esteve naquela casa, desde as 17:30 horas e até hora indeterminada (vestígio de ADN encontrado na casa do ofendido).
Sem dúvida alguma que o arguido D esteve no centro comercial Algarve Shopping, na ourivesaria “Carilor”, no mesmo dia, pelas 18:50:23 horas, onde utilizou o cartão de crédito pertença do ofendido L (subtraído durante a consumação do roubo), como decorre das filmagens de videovigilância.
47ª - A conjugação destes factos e meios de prova extraem-se, a nosso ver, as premissas seguintes: - o roubo foi cometido cerca das 17:30 horas, na casa Biondi; - os arguidos apoderaram-se dos pertences do ofendido L; - a hora indeterminada, entre as 17:30 e as 19:30 horas, o ofendido L permaneceu manietado e privado da liberdade na sua própria casa; - entre as 17:30 e as 18:00 horas, pelo menos, o arguido D abandonou aquela casa e dirigiu-se ao sobredito centro comercial, no mesmo dia do cometimento do roubo, e fazendo-se passar pelo titular do cartão de crédito, utilizou-o a seu bel-prazer, pelas 18:50:23 horas na ourivesaria “Carilor”.
48ª - Conclusão, o arguido D cometeu, em co-autoria, quer o crime de roubo (na pessoa de L), quer o crime de sequestro (no mesmo ofendido), quer o crime de burla informática (uso indevido de cartão de crédito alheio).
49ª – O Ministério Publico considera adequadamente dado como provados os factos constantes do acórdão recorrido e da apreciação crítica dos meios de prova efectuada pelo tribunal “a quo”, sendo estas consentâneas com as regras de normalidade da vida e experiência comum.
50ª - Também, nesta parte, deverá improceder o recurso, uma vez que o tribunal “a quo” não violou as normas previstas nos artigos 150º, 127º, 340º, e 355º n.º 1 todas do Código de Processo Penal ou quaisquer outras legalmente previstas.
51ª – Quanto ao crime de burla informática, concorda o Ministério Público com os factos dados como provados nos pontos 7., 9., e 13. do acórdão recorrido, conjugados os depoimentos em audiência de julgamento, pela testemunha DL(funcionário da “Rádio Popular”), as imagens dos sistemas de videovigilância a fls. 733 a 738, 794 a 799, 802 a 815 dos autos e o confronto das mesmas com as características físicas (compleição física, altura, vestuário e rosto) em tudo semelhantes ao arguido D, que esteve na sala de audiência e facilmente se distinguia como sendo um dos indivíduos que utilizo, e viu utilizar, indevidamente o cartão de crédito de L para adquirir bens, fazendo uso do código secreto de acesso à conta bancária alheia.
52ª - O mesmo se diga, no que respeita à compra de objectos em ouro na ourivesaria “Carilor” e os fotogramas de fls. 803 dos autos, não enganam e as semelhanças físicas com o arguido D são novamente assinaláveis.
53ª - Quem tenha estado na sala de audiência (princípio da imediação da prova) e viu os fotogramas, olhou para o arguido D de pé e perante o tribunal colectivo, certamente não teria dúvidas, como o tribunal “a quo” não teve, que este é um dos co-autores do crime de burla informática cometido na ourivesaria “Carilor” com a utilização indevida do cartão de crédito e do código secreto de acesso alheios.
54ª - O tribunal “a quo” decidiu ao abrigo do princípio da livre convicção do julgador e não é pelo mero facto de discordância do ora recorrente com a conjugação de meios de prova que o tribunal colectivo entendeu relevantes, que, por consequência, o acórdão seja nulo.
55ª - A livre convicção do julgador traduz-se, em síntese, na apreciação crítica dos factos e dos meios de prova, chegando a uma solução plausível acerca da culpabilidade do agente e a comparticipação do ora recorrente, como sendo uma das possíveis de extrair da factualidade dada como provada.
56ª - Também nesta parte, inexiste nulidade do acórdão ou possibilidade de absolvição do arguido D da prática, em co-autoria (artigo 26º do CP), de um crime de burla informática.
57ª - Quanto aos factos cometidos na Casa Biondi, à cautela e sem conceder, argumenta o ora recorrente que estamos perante um concurso aparente de crime, na modalidade de consumpção, devendo, em consequência, o arguido D ser condenado unicamente pelo crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º nºs 1 e 2 al. b) do Código Penal.
58ª - Pelo contrário, entende o Ministério Público, na sequência do acórdão da RE, de 26.06.2012 (Proc. 264/06.6GBPSR.E1, Desembargador: Martinho Cardoso, in www.dgsi.pt) que “A burla informática, consiste sempre em um comportamento que constitui um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla p. p. pelo artigo 217º do CP), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados. Mas, prescindindo do erro ou engano em relação a uma pessoa, prevê, no entanto, actos com conteúdo material e final idênticos: manipulação dos sistemas informáticos, ou utilização sem autorização ou abusiva determinando a produção dolosa de prejuízo patrimonial. O tipo pretende abranger a utilização indevida de máquinas automáticas de pagamento (ATM), incluindo os casosde manipulação ou utilização indevida no sentido de utilização sem a vontade do titular.”
59ª - A tipicidade do meio de obtenção de enriquecimento ilegítimo (com o prejuízo patrimonial de alguém) consiste, como resulta da descrição do tipo, na interferência «no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático», na «utilização incorrecta ou incompleta de dados», em «utilização de dados sem autorização» ou na «intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento» - Cfr. acórdão RE acima citado.
60ª - No mesmo sentido, Prof. Paulo Pinto de Albuquerque sobre o artigo 221º do Código Penal (in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da CEDH, UC editora, 2008, anot. 10 ao artigo 221º, pág. 609) diz o seguinte: «A utilização de dados sem autorização implica a violação de regras de acesso aos dados, sem que a integridade desses dados seja afectada. O exemplo típico consiste na utilização de um cartão de débito e do respectivo código em caixas automáticas por pessoa não autorizada pelo titular, com intenção de obter enriquecimento ilegítimo. (…)»
61ª – Pelo exposto, o Ministério Público é de entendimento que o ora recorrente com a sua conduta – tendo em consideração os factos dados como provados no acórdão recorrido – cometeu, em co-autoria e em concurso real, um crime de roubo(p. p. pelo artigo 21º nºs 1 e 2 al. b) do CP) e um crime de burla informática (p. p. pelo art. 221º n.º 1 do CP), pelo que deverá se confirmado, também nesta parte, o acórdão recorrido.
62ª - Igualmente, se discorda do alegado pelo ora recorrente no que tange ao concurso aparente de normas entre o crime de roubo e o crime de sequestro. Na verdade, os arguidos cometeram o crime de roubo (na pessoa de L) dentro da sua própria casa e, após a consumação da subtracção e de molestarem fisicamente o ofendido, manietaram-no e deixaram-no amarrado com uma corda. A intenção dos arguidos aos manietarem e amarrarem o ofendido, era intenção deles deixarem-no naquela casa, sozinho em casa e à mercê das circunstâncias, infligindo-lhe sofrimento, privação da liberdade e impossibilidade de locomoção, por tempo indeterminado.
63ª - Como qualquer ser vivo e com o instinto de sobrevivência que todos os seres humanos detém, como é bom de ver, o ofendido L utilizou as mãos para desfazer os nós e libertar-se da corda, com que os sequestradores o haviam amarrado, conseguiu desembaraçar-se da mesma e conseguiu libertar-se decorridos após 20 a 25 minutos.
64ª - Revertendo ao caso dos autos, resultou provado que a privação de liberdade foi perpretada pelos co-arguidos (e pelo ora recorrente) após o roubo, encontrando-se o ofendido privado de liberdade – ou seja, a subtracção de objectos e do cartão de crédito já ocorrera -, pelo que estamos perante um concurso real de crimes – o crime de sequestro não aparece como crime meio, ao serviço da prática do crime de roubo - e não meramente aparente.
65ª- O constrangimento da vítima, manietada e privada da liberdade ambulatória teve como único propósito deixá-lo entregue à sua sorte e impedi-lo de obter auxílio das autoridades policiais, obstando a que fossem seguidos e identificados, como co-autores, dos crimes que cometeram – Cfr. neste sentido, acórdão do STJ, de 20-11-2008, Conselheiro SOUTO DE MOURA(Proc. 08P0581, descritores: concurso de infracções, concurso aparente, consumpção, sequestro, roubo, violação, co-autoria, fins das penas, medida da pena, prevenção geral, culpa, disponível in www.dgsi.pt).
66ª - No caso dos presentes autos, os propósitos dos arguidos constituem resoluções criminosas diferentes e autónomas umas das outras, o sequestro não é, neste caso, crime meio e os bens jurídicos tutelados pelas normas penais são distintos.
67ª - Esta matéria está tratada exaustivamente no acórdão “na nota final quanto à participação dos arguidos”(fls. 30 e 31) e no ponto IV. “Os Factos e o Direito”(fls. 32 a 39 dos autos), cujo teor damos aqui, por economia, integralmente reproduzidos para os legais efeitos.
68ª - Entendemos pois, verificada a prática do crime de sequestro (p. e p. pelo art. 158º do CP) em concurso efectivo real, com um crime de roubo e um crime de burla informática, pelo que deverá, mais uma vez, ser confirmado o acórdão recorrido.
69ª – Deixemo-nos, aliás, de sofismas e sejamos claros, os assaltos a estabelecimento de restauração e supermercados (com recurso a arma de fogo ou arma aparente) e a criminalidade violenta contra as pessoas e contra o património alheio (na via pública, em estabelecimentos comerciais e em habitações) cometidos em Albufeira, foram notícia de jornais nacionais e estrangeiros e abertura de telejornais, em Portugal, nos anos de 2011 e 2012, sendo, por isso, função dos tribunais julgar e decidir os processos remetidos a julgamento.
Nestes termos, entende o Ministério Público pugnar pela rejeição do presente recurso e, em consequência, o acórdão recorrido deverá ser confirmado, reiterando-se a condenação do arguido/recorrente pela prática, com os co-arguidos, em co-autoria material e concurso efectivo, real, dos três crimes de roubo (p. e p. pelo artº 210 nºa 1 e 2 al. b) do CP), um crime de sequestro (p. p. pelo art. 158º do CP) e de um crime de burla informática (p. p. pelo artº 221º n.º 1 do CP), mantendo-se, ainda, a condenação, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
Os recursos interpostos foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo do processo.
O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso em presença, no sentido da sua improcedência.
O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, não tendo exercido o seu direito de resposta.
Em 11/7/13, foi proferido por este Tribunal da Relação acórdão, em que se decidiu, nomeadamente:
a) Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido D e, em consequência, absolver o mesmo arguido de todos os crimes por que foi condenado em primeira instância;
b) Declarar extinta a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, a que se encontra sujeito o arguido D.
De tal acórdão, na parte em que absolveu o arguido D. de todos os crimes por que foi condenado em primeira instância, o MP interpôs recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça.
Sobre este recurso recaiu o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/12/13 e exarado a fls. 2798 a 2842, com o seguinte segmento decisório:
«Consequentemente, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e revoga-se a decisão recorrida em relação ao arguido D no que concerne à não consideração do citado meio de prova devendo a impugnação da matéria de facto produzida em relação ao mesmo arguido, e em sede de recurso de decisão de primeira instância, ser valorada no pressuposto da legalidade do referido meio de prova».
Do referido Aresto intentou o arguido D interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o qual foi rejeitado por decisão sumária.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
No acórdão desta Relação de 11/7/13, a decisão de conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido D e de absolver este dos crimes por que foi condenado em primeira instância radicou no juízo de invalidade, que então se formulou sobre alguns meios de prova que foram determinantes na formação da convicção do Tribunal «a quo», a saber os autos de reconhecimento de lugares, levados a efeito pelo mesmo arguido, e o depoimento testemunhal de um inspector da PJ cuja razão de ciência se baseava, pelo menos em parte, nas informações prestadas pelo arguido no decurso dessas diligências.
Na sequência directa da invalidação desses meios de prova, este Tribunal julgou não provados, por falta de outros elementos que os atestassem, os factos integradores da prática pelo arguido D dos crimes de roubo qualificado, em número de três, e de sequestro por que vinha condenado.
Quanto aos factos que preencheram o crime burla informática, foram estes dados como não provados por se ter considerado insuficiente, para o efeito, os meios de prova disponíveis, após o respectivo exame crítico.
A questão da validade ou invalidade dos meios de prova em causa foi dirimida pelo Colendo STJ, no seu douto Acórdão de 12/12/13, nos seguintes termos (transcrição com diferente tipo de letra):
A questão crucial suscitada no presente recurso centra-se no depoimento do órgão de polícia criminal que "ouviu dizer ao arguido". O mesmo depoimento pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstancias a que se reporta, ou seja, as denominadas conversas "informais" mantidas com o arguido reconduzem-se a três campos distintos: a) em primeiro lugar situam-se aqueles casos que dizem respeito as afirmações percepcionadas pelo órgão de policia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exactas circunstancias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações (porventura, sem saber do crime cometido ou em preparação e sem suspeita previa do seu "interlocutor" ); b) no outro extremo surgem as afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de recolha de declarações (maxime, a saída, no decurso ou antes do interrogatório); c) por último surgem aqueles casos, de índole intermedia, relativos a conversas (indicações de localização de produto do crime ou de outros suspeitos, explicações do facto, etc.) tidas com os membros de um órgão de polícia criminal no decurso de certos actos processuais de ordem material ou de investigação "no terreno" (buscas, vigilancias,resgate de sequestrados, socorro as vitimas, etc), bem como em acções de prevenção e manutenção da ordem pública e são aqueles confrontados com a ocorrência de um crime, em flagrante ou não.
Quanto ao primeiro leque de situações, não se vislumbra qualquer razão para não se considerar como válidos os argumentos expendidos a propósito da generalidade dos testemunhos indirectos em que se conclui pela inaplicabilidade da norma do art. 129º quando a "pessoa-fonte" seja o arguido, valorando-se o depoimento "indirecto" do órgão de polícia criminal, despojado dessa qualidade, como de qualquer testemunha.
Tal convicção é, aliás, reforçada em relação as declarações e conduta percepcionadas ao arguido numa fase prévia a sua constituição como tal. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 pressuposto do direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido, A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar, A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. ... Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. ... O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.
Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do acto e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59 nºl do Código Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55 nº 2 e 249 nº 1 e 2, ais. a) e b) do mesmo diploma.
A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas "conversas informais", pois que e a partir dai que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente.
Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende suprir o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a "confissão" informal" ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido a margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os actos a realizar no inquérito.
Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129 do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligencias de investigação, nomeadamente a pratica das providencias cautelares a que se refere o art. 249º do CPP Na verdade, nestas providencias a autoridade policial procede a diligencias investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve noticia.
Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do art. 249 do CPP, praticar os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime.
Estas "providências cautelares" são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249, nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos.
E uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.
A questão do depoimento de autoridades policiais em relação a declarações prestadas no processo não tem relevância prática em virtude da proibição de produção de prova a que se reporta o artigo 356 nº 7 do CPP.
Relativamente às restantes situações de intervenção de órgãos de polícia criminal importa precisar que a admissibilidade do testemunho do agente do órgão de polícia criminal está directamente conexionada com o nº 7 do artigo 357 do Código de Processo Penal.
Consequentemente, importa que se convoquem os conceitos de "declarações formais" e "conversas informais" como termos da equação a formular.
Como refere Damião da Cunha (Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 7 fase. 3 pags 426 e seg.) não parece ser possível conceber a existência processual de "conversas informais" entre o arguido e qualquer entidade processual. A função dos órgãos de polícia criminal e o de importar para o processo todos os elementos que lhes advenham de declarações do arguido - além de que vale aqui o princípio "quod non est in auto, non est in mundo" ; pela especial posição processual do arguido não pode, no que toca às suas declarações, subsistir qualquer diferenciação de importância e, por isso, as "conversas” serão sempre formais.
Efectivamente só podem ser consideradas as declarações do arguido prestadas no âmbito e decurso de certo processo, em acto próprio para o efeito, de resto, redigidas em auto, de onde se possa extrair ilações sobre a regularidade do procedimento (v.g. se o arguido foi advertido de que tem, entre outros, o direito ao silêncio, se foi assistido por defensor; se lhe foram comunicados os motivos da detenção e os factos que se lhe imputam, etc.) e a versão dos factos que melhor se ajusta a sua defesa, naquela altura.
Decorre do exposto que o agente de órgão de polícia criminal que tiver recebido declarações, e tais declarações são aquelas a que se reporta o procedimento formal e processual adequado, não pode ser inquirido como testemunhas sobre o seu conteúdo - artigo 356 nº 7 do CPP. Porem, e aqui reside uma destrinça essencial na proibição em causa, falamos das declarações formais que estão no processo, ou das declarações informais, que, devendo estar no processo por imposição processual legal, efectivamente não estão e, como tal, inexistem.
Todavia, para além destas situações existe uma ampla probabilidade de situações e realidades extra processuais em que a colaboração do arguido por actos, e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes integrado num acto processual valido e relevante. Para Damião da Cunha (ibidem) a proibição de reprodução de afirmações do arguido tem um conteúdo amplo que exclui todas as situações de declaração formal, ou informal, (No mesmo sentido Eurico Balbino Duarte-Prova Criminal e Direito de Defesa, estudos sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Criminal pago 58 e seg).
É outra a perspectiva de Adérito Teixeira (Depoimento Indirecto e arguido Revista do CEJ 2005 pag 135 e seg sequente) para quem, e contrariamente a presunção de inocência que tem uma dimensão endoprocessual e outra extra-processual, o direito ao silêncio (e seus efeitos) vale apenas no âmbito do processo.
Fora deste e dos seus actos, o silencio ou a declaração não tem aquela tutela pois que rege a liberdade de expressão e inerente responsabilidade do que se afirma, ou deixa de afirmar, para todas as pessoas quer estejam quer não estejam constituídas arguidas.
Adianta o mesmo Autor que, de outro modo, a prática de um crime transformar-se-ia num acto constitutivo de direitos (de liberdade de expressão) em escala a que os demais cidadãos só poderiam aspirar colocando-se em situação idêntica; e, no plano da investigação criminal, quaisquer afirmações - do tipo "matei" e "vou queimar o corpo", ou "roubei", ou "vendi droga", etc - deveriam ser tomadas como declarações não sérias, porquanto, no limite, não poderiam inserir-se processualmente como princípio de prova que conduz a outras provas e se transmitem umas e outras às fases posteriores do processo (à luz de princípios da conservação da prova ou de força consumptiva de decisões da autoridade judiciária).
Nesta perspectiva não se vislumbra, assim, qualquer impedimento, ou proibição de depoimento que incide sobre aspectos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram (v.g. escuta telefónica de declarações de arguido, transcritas, cuja leitura do auto e permitida, não obstante no original da declaração estar a oralidade), bem como quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova (e que contextualizam ou explicitam uma infinitude de pormenores, aparentemente, de ínfima relevância).
É exactamente neste sendo que se deve interpretar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/01/2005 quando refere que, nesta perspectiva de compreensão, e vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo (artigo 1509 do CPP), e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo da arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto. Todavia - adverte-se - por força da necessária documentação processual da reconstituição, este meio deve bastar-se por si próprio enquanto meio de prova adquirido para o processo, e deve dispensar, no rigor das coisas, confirmações ou adjunções complementares, não estando, no entanto excluído que os intervenientes, possam prestar esclarecimentos sobre a concreta natureza e os precisos termos em que se decorreu a reconstituição (no mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/2006 e 22/04/2004).
Conclui-se, assim, que o relato de agentes dos órgãos de policia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido- tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc- de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligencias de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligências, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc) que tenham autonomia tecnico-juridica constituem depoimento valido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129 e 357 do Código.
Neste sentido que perfilhamos entende-se que, tal como no caso vertente, o depoimento prestado pela testemunha pertencente ao órgão de polícia criminal e relativa às indicações do arguido nas diligências externas a que procedeu pode, e deve, ser valorada e constituem um meio de prova válido e relevante.
Na verdade, discordamos do entendimento de que a indicação dada pelo arguido que, numa diligência externa, informa como a sua acção interagiu com aquele ambiente constitui um mero complemento do interrogatório policial e, como tal, é insusceptível de ser valorado em julgamento nos termos do artigo 387 do Código de Processo Penal. Bem pelo contrário, se a diligência em causa assume a autonomia inerente à circunstância de constituir uma diligência que visa uma melhor compreensão em função das concretas condições de lugar e modo, a eventual contribuição informativa do arguido efectuada de forma livre constitui uma parcela dum todo que assume independência em relação às declarações que prestou no processo e que pode suceder independentemente de tais declarações.
O entendimento subscrito pela decisão recorrida corresponde a uma tendência interpretativa que visa a sobrevalorização das garantias em detrimento doutros valores igualmente importantes como é o caso da eficiência da justiça criminal. A subscrevermos tal entendimento em toda a sua expressão seria inadmissível o depoimento do órgão de polícia que indica a forma como a declaração do arguido foi essencial na descoberta do corpo no caso do homicídio; da localização da droga no caso do tráfico etc.
As consequências da interpretação da lei são um momento inultrapassável da mesma interpretação.
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
Contudo, na sequência do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu douto Acórdão de 12/12/13, nada mais resta a este Tribunal da Relação que conhecer, com referência ao recurso interposto pelo arguido D. das seguintes questões:
a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, na pressuposição da validade dos meios de prova julgados inválidos pelo nosso acórdão de 11/7/13;
b) Impugnação do juízo de enquadramento jurídico-criminal, ao nível da unidade ou pluralidade de infracções, da conduta ocorrida em 20/3/11.
A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.
O arguido D. pretende se dê como não provada a prática por parte dele dos factos integradores de todos os crimes por que foi condenado, a saber três crimes de roubo, ocorridos nos estabelecimentos «Alisuper» e «Pôr de Sol» e na residência de L, um crime de sequestro e outro de burla informática dos quais foi vítima o mesmo L.
Dado que o recorrente não prestou declarações em audiência, a impugnação da matéria de facto provada assenta, no essencial, na desvalorização dos meios de prova em que se baseou a convicção do Tribunal «as quo».
Para o efeito de fundamentar o juízo probatório emitido, expende-se no acórdão recorrido (transcrição com diferente tipo de letra):
A liberdade de apreciação da prova, que conforma o nosso sistema penal e processual penal, refere-se a uma liberdade que não é meramente intuitiva. Trata-se de um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza e segurança da decisão.
Atento o disposto no artº 374º, nº 2 do CPP, importa fundamentar a decisão do Tribunal relativa à matéria de facto, não bastando a fundamentação genérica ou enunciação dos meios de prova considerados.
A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica dos meios de prova disponíveis, com apelo às regras de experiência comum e de normalidade – artº 127º CPP.
Para que se esclareça totalmente o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto, para além dos depoimentos e declarações e dos restantes constantes dos autos, foi possível atender aos elementos de provaindicados no processo, tendo sido todos ponderados, merecendo embora alguns deles uma referência adicional adiante.
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Quanto à ponderação dos Relatórios de Deligência Externa (RDEs):
Muito embora nestes autos a questão não mereça grande controvérsia, convém deixar esclarecido que este Tribunal tem o entendimento de que os RDEs são sempre de ponderar, na medida em que coadjuvem os restantes elementos de prova, desde logo enquanto colocam os investigadores nas diligências que documentam e atestem o cumprimento da legalidade nos procedimentos de investigação. Por outro lado, quando o teor do RDE seja confirmado em audiência pelo, ou pelos, respectivos agentes participantes, tendo estes como tal conhecimento directo dos factos que ali atestaram, dificilmente se compreende que estes RDEs não possam ser ponderados na medida em que, na inversa, em julgamento, o que descrevem seja confirmado por depoimento directo de quem o redigiu ou nele participou.
Como se escreveu no Ac. STJ de 08.06.06, se são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º), daí resulta que nem os «relatórios de vigilância» são «proibidos por lei» nem a inquirição das testemunhas que os tenham elaborado ou participado no acto neles relatado está impedida de a eles recorrer, sendo-lhes mostrados ou por elas própria apresentados. Daí que - sendo «admissíveis as provas que não forem proibidas por lei» e não sendo «proibidos por lei» os chamados «relatórios policiais de vigilância» - nada obste à relevância que as instâncias lhe conferiram – a par ou em corroboração do testemunho dos policiais envolvidos nas vigilâncias neles relatadas.
Apenas a ignorância das regras básicas do direito, mormente constitucional e penal, e a total ausência de conhecimentos sobre as regras de interpretação e aquisição/valoração da prova em processo penal podem justificar o temor de ponderação dos relatórios de diligência policial nesta dimensão coadjuvadora dos depoimentos das testemunhas. Diremos mesmo mais, sendo os RDEs meios admitidos na investigação, a sua ponderação pelo Tribunal só pode ser excluída quando, fundamentadamente, afaste a mesma por ilegalidade ou nulidade nos procedimentos. O que não é o caso dos relatórios constantes destes autos, que foram confirmados em audiência pelos agentes investigadores que participaram nas diligências que esses relatórios atestam.
Assim, como sempre faz, o Tribunal ponderou os RDEs juntos aos autos, aqueles com cuja factualidade foram confrontadas as testemunhas ou a ela se referiram, e os restantes, na medida em que sirvam de suporte documental das diligências realizadas e do esforço investigatório e cujo conteúdo resulte ainda dos depoimentos testemunhais ou da avaliação de outros meios de obtenção de prova.
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Quanto a informações de serviço,
Quanto às informações consignadas nos autos, o Tribunal ponderará aquelas que demonstrem relevância quer para a Acusação quer para a Defesa, uma vez que muitas foram objecto de análise indirecta em sede de depoimentos testemunhais e outras juntam informação recolhida durante a investigação.
As informações policiais, porém, não atestam factos. Atestam declarações dos diversos órgãos de investigação, servindo para que se saiba pari passu os mecanismos de investigação envolvidos e a relevância atribuída aos mesmos.
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Elementos do processo especialmente ponderados:
• Reconhecimentos de lugares de fls. 600, 731; reconhecimento de objectos a fls. 359, 361, 363; visionamento de fls. 203, 205, 207, 359, 361, 363; informação médica de fls. 674;
• Exames e Perícias a fls. 514, 527, 757, 820, 844, 866, 1162, 1253, 1351, 1394, 1579;
· Autos de notícia de fls. 66, 95, 109, 191, 321, 336, 351, 766, 1090, 1139, 1777;
· Lofóscopia e exames a fls. 523, 554, 757, 754;
• Documentação de fls. 1460, 1470, 1718, 1722 e seg;
• Informações Médicas de fls. 785 a 789, a fls. 1119 e de fls. 2123 a 2130;
• Relatórios de Exames Periciais de fls. 1303 a 1305, 2170 a 2237, 2238 a 2241, a fls. 2242 e 2243, a fls. 2244, 2245 a 2252, 2255, 2256 a 2261, 2262 a 2267, 2268 2273, de fls. 2293 a 2318, 2347 a 2361, 3038, 3435 e 3436, 3454, 3456, 3835 a 3859 e de fls. 3865 a 3871;
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Foram, ainda, tomados em consideração os relatórios sociais dos arguidos e o CRC de cada um deles.
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Prova por declarações dos arguidos,
Os arguidos, todos eles, informaram o Tribunal, no início do julgamento, de que não queriam prestar declarações sobre os factos que lhes estavam imputados, o que mantiveram até final. *
Foram ouvidas as testemunhas de acusação e da defesa.
Nas primeiras, podemos encontrar um lote uniforme de depoimentos: os dos inspectores da Polícia Judiciária (PJ) e da GNR que fizeram toda a recolha de prova documental e vestígios, seguimentos, vigilâncias, abordagens e apreensões.
Neste lote de testemunhas pudemos contar com depoimentos muito pormenorizados, sendo que, quando se mostrou necessário, foram as testemunhas confrontadas com elementos físicos do processo, esclarecendo autos, fotografias, desde logo, relatórios de diligências, informações policiais e outros.
As testemunhas militares da GNR vieram esclarecer os actos de investigação em que participaram, desde logo os locais a que compareceram na sequência das denúncias, como aconteceu com as testemunhas S e B que tomaram conta da ocorrência no restaurante Pôr-do-Sol, tomando nota de todas as informações no local, tendo-lhes sido dada a matrícula do veículo de fuga dos assaltantes, confirmando o auto de fls. 66, referindo que a matrícula dada não correspondia a princípio ao veículo que localizaram.
A testemunha C, que estava de piquete às ocorrências, compareceu no Bar Vitoria após o assalto e descreveu os passos imediatos – no local foi dito à GNR que os assaltantes fugiram de taxi para uma morada na EN125, tendo sido fornecida à polícia a matrícula do taxi que foi localizado e da referida morada, tendo a GNR parado num local em que perguntou quem chegara de taxi e foram indicados os arguidos V e J que ajudaram a GNR a localizar o arguido B. aceitando todos terem intervindo no assalto acabado de ocorrer; com ajuda do arguido J que lhes indicou o local, a polícia apreendeu os capuzes, casaco e a arma usada no assalto; que o arguido B ainda tinha vestida a roupa que o ofendido identificou e descreveu à GNR dos assaltantes, tendo o ofendido confirmado este reconhecimento de objectos no posto, sendo todo o expediente de fls. 336 a 349 decorrente dessas circunstâncias e que o ofendido confirma; e também a testemunha E. da GNR veio confirmas a reportagem do local efectuada por si e das roupas apreendidas.
Também as testemunhas inspectores da PJ vieram também descrever os passos da investigação relativamente a cada uma das ocorrências que documentaram e a que foram chamados – a testemunha R confirmou o registo de ocorrência no Alisuper, a testemunha S na Ferroni (tendo subscrito a informação de fls. 324), a testemunha R no restaurante Pôr-do-sol (que explicou como este assalto serviu para seguir um modus operandi comum a vários assaltos, acabando a PJ por estudar a informação comum), que esteve com os arguidos que lhe disseram ter estado envolvidos nos factos, explicando como chegou a PJ a Sanção e à viatura usada na fuga do restaurante, relacionando depois esses factos com os restantes, da Ferroni, do bar Vitória, da casa Biondi dos dois assaltos ao Alisuper, todos estes com características comuns e a mesma forma de actuação (uso de capuzes e gorros, arma prateada, mesmo tipo de roupa) que, juntos aos vestígios biológicos recolhidos na casa Biondi, lofoscópicos do Alisuper, filmagens no Millenium a levantar dinheiro com o cartão do ofendido Biondi e das compras nas lojas de Albufeira, a apreensão ao arguido A. das calças de treino do ofendido Biondi, todos estes permitiram à PJ concluir que se tratava das mesmas pessoas, do mesmo grupo a actuar e quem era. Além disto, informou que através de um taxista chegaram aos arguidos que foram detidos em quase flagrante, após o assalto ao bar Vitória, tendo mesmo esses arguidos sido muito prestáveis na investigação e auxiliado a polícia.
A este acervo de dados, chegou também o exame de ADN realizado a vestígios recolhidos na casa Biondi, que identificam dois arguidos, a apreensão a um deles das calças de treino do ofendido, a utilização do cartão por indivíduos que, através dos fotogramas juntos, a PJ identifica como sendo arguidos.
Esta testemunha confirma o teor dos documentos de fls. 1339 a 1341, 1258 e as diligências de reconhecimento de locais a que a PJ foi conduzida pelos arguidos.
As testemunhas S, F, Sobreira e Sanches, todos também da PJ, vieram descrever as diligências pontuais em que intervieram, o primeiro na ocorrência do bar Vitória, o segundo no Alisuper com a recolha da munição apreendida e confirmação de fls. 512 e 515, o terceiro também numa das ocorrências no Alisuper e o último da sua intervenção na investigação do assalto ao estabelecimento Ferroni, confirmando o teor das informações de fls. 324 e seguintes.
A testemunha M foi particularmente útil, confirmando que foi o arguido D. que explicou à PJ onde ficava a casa Biondi e os levou lá, reconstituindo os passos seguidos no assalto pelo grupo, explicando todos os passos da entrada na casa e do que aconteceu depois, tendo o inspector sido peremptório em afirmar que a PJ chegou à casa e percurso efectuado pelos arguidos apenas com a ajuda do arguido D., documentando essas diligências em auto, e que este arguido indicou ainda ao depoente quem agira com ele, em que circunstâncias e de que maneira, factos relatados directamente pelo arguido a esta testemunha, tendo-se o arguido em causa mostrado sempre muito solícito.
A testemunha JS veio confirmar as diligências que fez em investigação, designadamente a que documentou no RDE de fls. 92, tendo sido a arguida V quem forneceu todas essas informações à PJ, tendo-se dirigido aos locais indicando-os à PJ e que eta só soube dessa factualidade e dos mesmos locais porque a arguida os conduziu lá.
As testemunhas, por assim dizer civis, vieram esclarecer os factos pontuais em que intervieram, como foi o caso da testemunha C (proprietária do estabelecimento de restauração pôr-do-sol, presencial dos factos sobre que depôs e que disse conhecer a arguida V. de ser, no ano dos factos durante o verão, cliente do bar e piscina do restaurante) que descreveu como decorreu o assalto ao seu estabelecimento, perto da hora de fecho do restaurante ao público, tendo entrado um dos assaltantes pela porta e outro pela janela, tendo-se este dirigido à caixa enquanto apontava a arma na direcção dos funcionários; enquanto isto, o outro indivíduo que tinha uma de canos serrados que ia apontando a todos enquanto o dinheiro era retirado da caixa pelo comparsa, cerca de 1.800€; ambos encapuzados, saindo do restaurante após esvaziarem a caixa, tendo um cliente da explanada tirado a matrícula do carro que, no exterior, com um condutor dentro, aguardava por eles; da testemunha Cabrita (que trabalhou no mesmo restaurante nesse verão e ainda trabalhava à data dos factos) que descreveu o episódio de forma semelhante à testemunha anterior, caracterizando os indivíduos que entraram, as armas que usaram, como estavam encapuzados, com o corpo tapado, o que disseram e como apontavam as armas aos presentes, como o que estava junto à caixa retirou o dinheiro e o meteu na mochila e se colocaram ambos em fuga, sendo que a testemunha diz que um dos assaltantes era de tez morena, uma vez que lhe viu os pulsos enquanto apontava a arma; a testemunha CG (àquela data empregado do restaurante e amigo da arguida V que estava a residir na sua casa na altura em que ocorreu o assalto) que veio dizer como entraram os assaltantes no restaurante, descrevendo as armas; esta testemunha tentou que passasse no seu depoimento que viu o carro abandonar o local, mas apenas com duas pessoas dentro. Esta situação era previsível, embora, uma vez que esta testemunha é amigo da arguida V e era a esta que estavam imputado o acto de conduzir a viatura de fuga do local. Muito embora assim o tivesse pretendido, no entanto, a testemunha foi confrontada pelo Tribunal, acabando por dizer que viu duas pessoas no interior do carro, porque não viu se ia alguém sentado atrás pois que, de onde estava, não via os lugares traseiros da viatura; a testemunha Margarethe (cliente do restaurante pôr-do-sol na noite dos factos, encontrando-se então na explanada com amigos, as testemunhas W e Delvos) que disse estar com os amigos na explanada exterior do restaurante, tendo visto uma pessoa a entrar a correr no restaurante e outro pela janela, tendo-os visto depois sair; que, entretanto, quando os viu entrar pensou que era um assalto e ligou logo para a polícia; um amigo seu viu o carro e anotou a matrícula do mesmo; esta testemunha diz que estavam três pessoas no carro, tendo uma delas permanecido no interior do mesmo enquanto os outros dois foram assaltar o restaurante e tendo arrancado com eles quando regressaram à viatura e de quem ficou à espera numa rua ao lado do restaurante mas visível; a testemunha W (que estava com a anterior na explanada do restaurante e fazia anos nesse dia, razão pela qual não esquece que era dia 20 de Setembro) descreveu as circunstâncias em que foi o assalto, coincidindo com o depoimento anterior, dizendo que os dois assaltantes de cara tapada, após o assalto, entraram para um carro tipo Opel ou Peugeot, já não recordando, onde já estava uma pessoa à espera deles para arrancar, sendo que reparou que um dos assaltantes tinha consigo um instrumento longo na mão, pensando a testemunha tratar-se de uma espingarda; a testemunha Delvos (que estava com as anteriores na explanada do Pôr-do-Sol) veio confirmar estes depoimentos anteriores, dizendo que, pela aparência, ambos os indivíduos que entraram no restaurante eram do sexo masculino, um deles com o que lhe pareceu ser uma shotgun, falando ambos português porque os ouviu falarem entre si, sendo que após o assalto foram recolhidos por um terceiro elemento que estava a conduzir um carro Opel Corsa cuja matrícula tirou e entregou depois à polícia; a testemunha G (empregado do restaurante) com um depoimento também controverso, denunciando logo o facto de ser amigo e ter andado na escola com os arguidos C, V, J e R, veio dizer que viu um carro a alta velocidade arrancar do local no fim daquilo que percebeu depois ser um assalto, dizendo que não se recordava de quantas pessoas viu no interior do carro, dizendo depois que, afinal, disse à polícia que no carro iam duas ou três pessoas e que não assistiu ao assalto e não viu armas a ninguém. Confrontado pelo Tribunal que considerou que a testemunha estava deliberadamente a faltar à verdade, e sem oposição da Defesa, acabaram por ser-lhe lidas as declarações que prestou em inquérito a fls. 37, acabando a testemunha por aceitar o teor destas declarações de inquérito; a testemunha F (copeiro) que também disse ser amigo de escola dos mesmos arguidos, conhecendo também o arguido B, disse que a PJ foi falar-lhe por causa de o seu carro ter sido utilizado em assalto, dizendo a testemunha que confirma a marca e modelo e matrícula do veículo e que o emprestou à arguida V em Setembro de 2011 por um dia, tendo a arguida dito que era para fazer umas mudanças, mas depois ficando-lhe com a chave do mesmo até a PJ ter-lhe falado, razão por que a pediu de volta à arguida; que não usava muito a viatura, razão pela qual não a usou uns dias mas que a arguida a deixara junto à sua residência, viatura que reconheceu a fls. 42; a testemunha Mª V (funcionária do Alisuper) veio contar o assalto ocorrido no seu posto de trabalho e como entraram dois indivíduos dizendo que “isto é um assalto”, com a cara tapada, tendo-se um deles dirigido à testemunha que estava junto à caixa da zona de bar, e tirou o dinheiro de uma das caixas da linha em que estava a sua colega M; aliás, como confirmou esta testemunha M (operadora de caixa) que disse que um dos assaltantes foi para junto de si, apontando-lhe uma pistola, tendo ambos a cara tapada. Que um deles andou às voltas com a arma que tentou disparar mas disse estar encravada, até que por fim fez um disparo para o ar, tendo ainda deixado cair uma munição intacta; com a arma apontada a si, esta testemunha entregou o dinheiro da sua caixa, sendo que os assaltantes estavam crescentemente enervados e, quando a colega não conseguiu abrir a sua caixa, e outra colega fez disparar o alarme do supermercado, eles assustaram-se e foram embora; confirma valores subtraídos e as fotos de fls. 519 e seguintes, dizendo que a caixa, esvaziada por um dos arguidos, é a que consta da foto 13; a testemunha confirmou que teve a arma directamente apontada a si e que só entregou o dinheiro por medo; a testemunha Mª C. (doméstica e utente do Alisuper), veio contar como decorreu o assalto, confirmando os depoimentos anteriores, descrevendo a arma e roupas dos assaltantes, que ouviu um disparo depois de um dos assaltantes andar a dizer que a arma estava encravada, e como decorreram esses instantes até à saída dos dois assaltantes do supermercado; a testemunha EM (operadora de caixa da mesma superfície comercial) confirmou os restantes depoimentos, dizendo que estava junto da charcutaria quando ouviu um disparo, tendo olhado entre as prateleiras e visto que era um assalto, tendo carregado no alarme de incêndio; que era o mais alto dos dois que tinha a pistola na mão, não tendo visto arma ao outro assaltante, sendo que aquele andava a dizer que a arma estava encravada, até que disparou um tiro para o ar, tendo ambos abandonado o local com o toque do alarme; a testemunha RS (supervisor no Alisuper) veio confirmar que fez as contas de caixa para apurar a quantia subtraída que rondava os 500€; a testemunha L (ofendido e proprietário da casa no Malhão) contou como foi vítima de roubo na sua casa, estando os 3 indivíduos já no interior da sua casa quando chegou, no dia 20 de Março, encapuzados e com luvas, sendo que dois falaram português e o terceiro se manteve em silêncio, que o meteram na garagem preso a uma cadeira e, durante cerca de trinta minutos, bateram-lhe e arrastaram-no pelo chão e extorquiram-lhe o pin do cartão de crédito (enquanto lhe apontavam uma faca ao pescoço) que levaram com eles, acabando por fazer levantamentos de dinheiro e fazendo compras na Radio Popular da Guia e na ourivesaria Carilor do Centro Comercial da mesma localidade e na Worten, confirmando valores; além disso, levaram da sua casa objectos no valor de 400/500€; a testemunha refere que durante esse ano conheceu um marroquino que acabou por descobrir o telefone do ofendido e começou a telefonar-lhe, insistentemente, a pedir emprego, o que sempre recusou; desconhece o nome desse marroquino, muito embora o tenha levado a sua casa, numa ocasião, em que o mesmo levou 3 ou 4 amigos, muito embora desconheça os arguidos; confirma as fotos de fls. 844 e o local onde esteve cativo cerca de hora e meia, dizendo que não recuperou qualquer dos objectos subtraídos; a testemunha VP (empregada da Carrilor), veio confirmar a venda e as características físicas do comprador que nunca tirou o boné e nem os óculos escuros, fazendo uma compra relâmpago e gastando mais de mil euros, confirmando fls. 804; a testemunha V (empregado da Ferroni), veio descrever o assalto à pizzaria já após as 23 horas, com um cliente ao balcão e tendo entrado dois indivíduos encapuzados, tendo um deles entrado no balcão e ordenado que abrisse a caixa, sendo a voz de homem e português; tinha uma pistola prateada e levou cerca de 300€, ficando o outro só de vigia, confirmando as fotos de fls. 1085 a 1088; a testemunha R (cozinheiro e empregado da Ferroni àquela data), veio confirmar o que disse a testemunha anterior; a testemunha V (cliente da Ferroni na noite do assalto), veio confirmar os restantes dois depoimentos, tendo um dos dois assaltantes entrado para dentro do balcão com uma pistola na mão, tendo tirado o dinheiro da caixa e saindo ambos dali; a testemunha I (motorista de taxi) que disse conhecer de vista do Pateo alguns dos arguidos, disse que levou um casal do Pateo para o Centro Comercial da Guia, deixando-os junto do Gigagarden, tendo confirmado estes factos à PJ quando lhos perguntou; a testemunha L (empregado da Radio Popular àquela data) veio confirmar que dois indivíduos compraram na loja 2 playstation3 e comandos e jogos, tendo pago com cartão de crédito essas compras; a testemunha R, proprietário do Bar Vitória, veio descrever os acontecimentos, dizendo que 3 indivíduos com máscaras entraram no bar, sendo dois homens e uma mulher (que identifica pela estatura, estrutura física e vóz), um deles com uma pistola prateada que perguntaram pelo dinheiro e levaram cerca de 220€; que o indivíduo que lhe apontou a arma esteve à distância de um braço de si, tendo os indivíduos abandonado o local a pé após os factos, confirmando fls. 360 a 364 dos autos, tendo reconhecido a roupa usada pelos assaltantes depois na polícia;
* Concretizando e entrecruzando a prova,
Embora os elementos de investigação estejam dispersos, e muito embora o inquérito tenha contado com a confissão dos arguidos que amplamente aí esclareceram datas, locais, participações e modos de actuação, o julgamento contou com o silêncio dos mesmos, não assumindo com isso responsabilidades e não dando a possibilidade ao Tribunal de ajuizar a respectiva capacidade de interiorização dos valores sociais tutelados pelas normas penais respectivamente violadas.
O silêncio de arguido em julgamento não o prejudica em termos de aquisição de prova. Mas como decorre óbviamente desse silêncio, impede o Tribunal de fazer juízo de valor sobre a capacidade de auto-censura, de arrependimento, enfim, dificultando o processo de efectivação de um juízo de prognóse favorável que assente na capacidade pessoal do arguido para se redimir e aceitar as consequências dos seus actos com vista a arrepiar caminho.
De facto, apesar do silêncio dos arguidos em julgamento, muita prova se fez directamente por outras vias, e até indirectamente, até por via das regras de experiência comum e de normalidade, com recurso às presunções naturais.
Comecemos por ordem da factualidade descrita na acusação.
Quanto ao roubo na casa Biondi, temos como prova no processo os vestígios biológicos recolhidos na casa do ofendido (fls. 757), que identificam positivamente os arguidos A e B. (fls. 766 e 829 e 1857) e temos o auto de reconhecimento de local em que interveio o arguido D. coadjuvado pelo depoimento da testemunha M que referiu que este arguido colaborou voluntariamente no inquérito, indicando o caminho que fizeram os assaltantes para a casa do ofendido, como se posicionaram, por onde entraram, tudo documentado no auto de RDE de fls. 600 e 844 e cujo teor foi confirmado em audiência pelos órgão de polícia criminal intervenientes que chegaram ao conhecimento desses locais e percursos apenas com a ajuda e indicação do mesmo arguido.
Quanto a estes factos, temos no processo, além das declarações do ofendido, o respectivo auto de notícia a fls. 664, o exame médico a fls. 674, a apreensão do pano tipo gorro deixado na casa do ofendido a fls. 689; desta factualidade temos também os fotogramas do Millenium, da Rádio Popular, da Worten e da Carilor a fls. 646, 764 e 802 e a apreensão ao arguido A. das calças subtraídas ao ofendido e que este reconheceu (fls. 1339 a 1341).
Conjugando estes elementos de prova, não parece ser muito difícil concluir que os arguidos D, A. e B, eles ou com mais alguém, entraram na casa do ofendido, molestaram-no para o roubarem, o que fizeram provocando lesões físicas nesse ofendido que estão examinadas a fls. 674, deixando-o preso durante cerca de hora e meia. Com o cartão do ofendido, cujo código obtiveram com violência, os arguidos C e D. foram ao Millenium conforme fotogramas de fls. 764, bem como à Rádio Popular, Worten e Carrilor, também cujos fotogramas estão nos autos a fls. 773 a 799, correspondendo estes fotogramas à pessoa dos arguidos envolvidos nos factos, como nos parece resultar perfeitamente visível das respectivas fotos, aliás, o arguido C sempre com a mesma roupa (especialmente o blusão, ténis e boné que alternou com o capuz do casaco) e o arguido D. com o casaco preto e cinza, qualquer deles reconhecível nas fotografias respectivas.
Constituem elementos a ponderar quanto a esta factualidade a informação de serviço de fls. 664, perícia médica a fls. 674 a 677, auto de apreensão de fls. 679, o auto de reconhecimento de local a que procedeu o arguido D. que foi quem dirigiu a PJ aos locais que indicou a fls. 731, o RDE de fls. 748 que documentam a informação dada pelo ofendido Biondi de que os arguidos do roubo teriam utilizado o seu cartão no Millenium de Boliqueime, na Carilor (estando o respectivo recibo a fls. 750 com a hora de compra às 18h.58m.23s) e na Rádio Popular e Worten. Também as informações de recolha de ADN e vestígios de fls. 757, 829, 837, 864 a 867, 1326, 1351, 1394, exame de fls. 844 e o auto de fls. 1339.
Quanto a estas circunstâncias, foi feita prova do envolvimento dos arguidos A, D e B no roubo e sequestro do ofendido, e contra os arguidos C e D quanto à burla informática.
Seguindo a mesma ordem, também nos parece fácil concluir que os arguidos B e D fizeram o assalto de dia 26.06 ao Alisuper, baseando-se esta convicção em dois tipos de prova fundamentais – por um lado, e quanto ao arguido B, os vestígios que deixou na caixa registadora (no interior da mesma) não deixa dúvidas, uma vez que a lofóscopia identifica positivamente este arguido a fls. 107, 523, 549, 554 a 562 precisamente com um vestígio na caixa registadora que a respectiva operadora identificou nas fotos do processo em julgamento como tendo sido a manipulada por um dos assaltantes, sendo certo também que os gorros e pistola apreendidos a fls. 187 correspondem às características dos que foram utilizadas neste roubo, como nos restantes, sendo ainda certo que o arguido D, na diligência citada e documentada a fls. 600, foi também com a PJ ao Alisuper explicar as movimentações levadas a cabo para o efeito, conjugando-se estes elementos com os depoimentos das testemunhas que descreveram os factos, as circunstâncias do assalto e dos assaltantes, com pormenor e de forma perfeitamente compatível com a restante prova.
Para esta prova concorrem os elementos constantes dos RDEs de fls. 107 (identificação de vestígio lofoscópico), exame de lofoscopia a fls. 523 e o exame à munição recuperada a fls. 526.
Quanto a estas circunstâncias, foi feita prova relativamente ao envolvimento de ambos os arguidos B e D, nas mesmas.
Quanto ao assalto ao Alisuper de 18/10, deve concluir-se que a prova produzida em audiência não chega para condenar os arguidos. De facto, nenhum elemento permite ligar este grupo ou estes arguidos aos factos, senão a semelhança notada por todos os presentes entre a arma usada num e outros assaltos.
Por outro lado, o reconhecimento de locais a que procedeu o arguido D como elemento único de prova não chega para estabelecer a autoria desses factos, uma vez que foram duas as ocorrências nessa superfície comercial e não apenas uma, tendo em conta ainda que o Ministério Público não indicou uma única testemunha relativa a este assalto e não existem elementos de lofóscopia ou outros.
Relativamente a estas circunstâncias, como tal, não se logrou obter prova contra qualquer dos arguidos.
Quanto ao assalto do restaurante Pôr-do-Sol, a prova também não deixa dúvidas sobre a intervenção nos factos dos arguidos B, V e D. Aliás, na sequência das declarações das testemunhas que foram coerentes, sobretudo ponderado o depoimento das testemunhas Delvos que anotou a matrícula da viatura da fuga e a entregou à polícia, conjugado com o depoimento da testemunha Sanção que nos veio dizer que emprestara a viatura à arguida V nesses dias e com o depoimento da testemunha G que, após confronto com as declarações de inquérito, acabou por confirmar que o condutor da viatura, ao que viu, tinha a fisionomia de uma mulher, todos estes elementos se conjugam relativamente à arguida V que era quem tinha a disponibilidade da viatura naquela data.
Também aqui é o arguido D a indicar à PJ, em reconhecimento de local de fls. 600, o percurso feito nessa noite pelos arguidos, constando do processo o RDE de 14.12.11 em que a PJ é levada à casa do arguido B pela arguida V, no sentido de se apurar o terceiro elemento que interveio neste assalto e por vontade dessa arguida.
Quanto a estes factos, os depoimentos das testemunhas que não viram a cara dos assaltantes conjuga-se com os restantes, coincidindo o empréstimo da viatura à arguida V e a indicação por esta à PJ da casa onde estava a residir o cúmplice B, descrevendo as testemunhas dois indivíduos do sexo masculino, com as compleições físicas que correspondem às dos arguidos, sendo uma das armas usadas com as características da pistola depois apreendida na sequência desta investigação.
A arguida V não apenas conhecia o restaurante e o espaço por tê-lo frequentado nesse verão, como saberia as rotinas do pessoal, uma vez que até estava àquela data a viver na casa da testemunha CG que era também empregado do restaurante.
Quanto a esta testemunha CG ter pretendido escamotear o facto de ter visto apenas duas pessoas dentro do carro, a questão fica resolvida de forma líquida com o depoimento das restantes testemunhas Lincke, W e Delvos que disseram ter visto 3 pessoas dentro do carro na fuga e, mais, que os dois assaltantes, de compleição física e voz masculina (as testemunhas Delvos, C, M, G, falam de vozes masculinas dentro do restaurante e na explanada) saíram do local num veículo conduzido por terceira pessoa, esta, mulher, como refere a testemunha citada, sendo que foi a uma mulher que o carro foi emprestado pelo seu proprietário, sendo essa mulher a aqui arguida.
Concorrem para esta prova as informações constantes dos RDEs de fls. 39 e 41 (localização do Opel ----JS junto da casa da testemunha Sanção, seu proprietário), auto de notícia de fls. 66, RDE de 16.12.11 (localização do arguido B na sequência das indicações dadas pela arguida V) e o auto de reconhecimento de local de fls. 600.
Não restam ao Tribunal, como tal, dúvidas sobre a intervenção dos arguidos B, V e D nesta factualidade.
*
Nota final quanto à participação dos arguidos,
O CP prevê, no seu artº 13º que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (nº 1).
Os crimes imputados aos arguidos são dolosos, sendo o dolo directo, nos termos do artº 14º do mesmo diploma, por terem os agentes representado a realização de um facto que preenche cada tipo legal de crime, actuando com a intenção de o realizar (nº 1).
Assim, o dolo caracteriza parcialmente o elemento subjectivo dos tipos legais enunciados, na medida em que constitui representação e intenção de actuar contra a lei, de onde resulta a consciência da ilicitude do facto pelos agentes.
Para além dele, vem a vontade livremente determinada na actuação.
O processo volitivo reveste-se de grande importância, uma vez que não há consciência da ilicitude sem vontade, e não há vontade criminalmente relevante sem que seja, ela mesma, livremente determinada.
A vontade do agente, dirigida a conseguir apenas o fim a que se determinou ou cada um dos seus elementos temporais e factuais é, como tal, a pedra de toque de todo o sistema legal. A vontade de agir em desconformidade ao direito, que revela também a personalidade do arguido e a tenacidade criminógena ou a intensidade do dolo na actuação, todos estes elementos concorrendo para que se estabeleça a necessidade de punir o agente.
Por outro lado, o agente pode praticar o facto directamente, executando-o, ou indirectamente, ordenando-o, instigando-o, assim como pode ser determinante na execução do crime ou simples figurante ou auxiliar.
O artº 26º CP caracteriza a autoria como forma de execução do crime. Estamos, in casu, perante uma imputação de co-autoria de alguns dos arguidos nestes factos.
É consensual o entendimento de que, quando o artº 26º CP se refere à autoria como o poder de decidir pela execução do facto ou de executar o próprio facto.
Determina o CP que:
Artigo 26º - Autoria
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
A actuação dos arguidos, inscreve-se neste contexto geral em que cada um, relativamente às circunstâncias para que é solicitada a sua intervenção, tem efectivamente o domínio do facto, podendo determinar o seu desfecho e o sucesso maior ou menor da actuação conjunta.
É autor do crime quem dá causa à sua realização, em termos de causalidade adequada. É ainda autor quem determina outrem dolosamente ao seu cometimento (a chamada autoria mediata ou moral).
Quando a realização do crime envolve uma pluralidade de pessoas (ou, pelo menos, duas), cada uma delas é co-autora, se tomar parte directa na sua execução, por acordo, ou se actuar juntamente com outro ou outros.
É uma forma de comparticipação na realização do facto típico.
Podemos dizer que a co-autoria pressupõe uma execução conjunta, traduzida numa participação directa do co-autor, ou seja, numa participação co-decisiva, em que o seu contributo seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto (teoria do domínio funcional do facto), mas não é imprescindível que o co-autor realize todos os elementos do tipo. Basta que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, encaixando-se a sua parcela de actividade na dos restantes co-autores, de modo a, ajustadamente e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico ilícito. Daí que a cada um dos intervenientes seja imputada a parcela de actividade dos restantes, como se se tratasse de acção própria[1].
A nossa melhor Jurisprudência vai esclarecendo ainda que essa forma de comparticipação distingue-se da cumplicidade, que é outra forma de comparticipação, porque a co-autoria supõe a acção conjunta de dar causa ao crime (e, portanto, a comparticipação decisiva ou essencial do co-autor), enquanto que, na comparticipação por cumplicidade, o cúmplice desenvolve uma actividade que não é essencial ou decisiva para a prática do crime. Na co-autoria, a acção de todos, agindo concertadamente e dando causa ao crime, torna todos responsáveis por ele, como se cada qual fosse autor singular.
De facto, na cumplicidade, a participação do cúmplice, não sendo essencial e decisiva, seria prescindível, no sentido de que o crime teria sido realizado na mesma, só que por modo, em tempo, lugar ou circunstâncias diversos, segundo a formulação clássica, que vem de Farinacio e Feurbach.
Todos eles, enquanto comparticipantes, concorrem para a prática do facto, só que o modo como cada um deles coopera é que é substancialmente diverso, sendo decisiva (ou co-decisiva) a comparticipação dos co-autores e acessória ou incidental a dos cúmplices. Daí que a cumplicidade esteja numa relação de subalternização em relação à autoria, traduzindo-se numa causalidade não essencial [2], ou seja, num mero auxílio à prática do crime, sem domínio do facto típico – um auxílio doloso, consistente tanto numa ajuda material como moral, mas, em todo o caso, não determinante da vontade do autor ou da execução do crime e posicionando-se apenas como o favorecimento do cúmplice num facto alheio, e daí a sua menor gravidade objectiva, apesar de se configurar como concausa do crime [3].
A factualidade aponta, no caso dos arguidos sucessivamente e por circunstâncias, para a autoria (depois veremos se partilhada, ou não) em crimes de roubo, sequestro, detenção de arma proibida e burla informática.
Em todas estas circunstâncias os arguidos, sucessivamente e consoante os que colaboram em cada acto, e como demonstra a prova, interveêm na qualidade de autores materiais dos factos e em co-autoria material.
Em todas as acções em que tiveram intervenção, cada um dos participantes foi elemento preponderante, assumindo sucessivamente a iniciativa, investindo cada um deles o risco da operação. Afinal, cada um deles praticando factos conjuntamente com os outros, exercendo os actos de execução partilhadamente, ainda que, porventura por características de personalidade de uns, revelando outros um perfil mais dinâmico – isto é patente nos factos em que teve intervenção o arguido B que se protegeu mais em termos de exposição directa nas circunstâncias, não falando e executando apenas as tarefas, por exemplo, do mesmo modo que este arguido se protegeu menos quanto a vestígios que foi deixando nos locais dos factos.
Vejamos no mais.
Quanto ao crime de roubo cometido na casa Biondi, ficamos sem dúvidas quanto à participação dos arguidos A, D e B. Não chegam os elementos para colocar na casa Biondi o arguido C. Os arguidos A e B deixaram vestígios biológicos na casa, o arguido D fez um reconhecimento dos passos dessa circunstância com a PJ e que está documentada nos autos.
Quanto ao crime de sequestro de L, também se não suscita dúvidas de que se verificou, tendo o ofendido sido manietado e privado do seu direito de locomoção, preso a uma cadeira, depois de agredido, tendo-lhe sido tirado o cartão de crédito e o respectivo código, sendo que quanto a estes factos também se não suscitam dúvidas de que os mesmos arguidos A, B e D os praticaram, aliás, tendo sido para isso mesmo que ali se deslocaram, já que os arguidos já estavam dentro da casa do ofendido quando este chegou e ter-lhes-ia sido fácil sair de lá antes de o molestarem.
Quanto ao crime de burla informática com o cartão do ofendido L, que supomos que o Ministério Público terá querido imputar como crime em continuação, pois que só assim se justificam as compras em lojas diferentes e o levantamento em ATM com a imputação de um único crime, também é claro que foi cometido apenas pelos arguidos D e C, uma vez que é nítida a presença do arguido C no Millenium (na mesma altura que vai aos outros estabelecimentos e com a mesma roupa, de que sobressai o blusão e chapéu que usava nessa data), sendo que sobretudo nos fotogramas de fls. 777, 780 e 793 (as fotos estão todas a fls. 697 a 711, 769 a 799) se percebe perfeitamente que são estes os arguidos que vão à Rádio Popular e Worten, sendo que apenas o arguido C vai à ourivesaria Carilor (usam sempre a mesma roupa, como se disse porque se trata da mesma circunstância de tempo e lugar, aliás que se coaduna com a necessidade de sair do Malhão e, passando por Boliqueime, rumarem a Albufeira).
Quanto ao arguido D, os fotogramas não são apenas claros como o casaco que usa é referenciado nos autos. O mesmo se diga do arguido C, cujos traços de rosto e rosto são perfeitamente visíveis e reconhecíveis nos fotogramas, sendo que em todas as circunstâncias usou os mesmos ténis, calças e blusão, este ora com boné mesclado ora sem boné e com o capuz do blusão a tapar-lhe a cabeça.
Quanto às supostas horas dos factos que os fotogramas não esclarecem, não precisa o Tribunal desse elemento, uma vez que a compra na ourivesaria está datada e assinalada no relógio de caixa que emitiu a factura que está nos autos, verificando-se que a mesma é 20.03.11 às 18h58m23s, conforme fls. 750, compra essa efectuada com o mastercard do ofendido, emitido pelo Millenium – é a data em que foram à casa dofendido, como decorre do auto de fls. 664 e 766.
Quanto ao roubo de dia 26.06.11 no Alisuper, também se não suscitam dúvidas quanto à co-autoria dos arguidos B e D, actuando ambos com partilha de meios e complementaridade de actuações para que o plano traçado funcionasse, como aconteceu.
O mesmo se diga quanto ao roubo no restaurante Pôr-do-Sol também não se suscitam dúvidas de que os três arguidos agiram em co-autoria, em comunhão de esforços, sendo a participação da arguida V absolutamente essencial, uma vez que não só arranjou a viatura de fuga como ficou a aguardar no exterior para conduzir os restantes dois na fuga, pelo que a actuação de todos se revela em comparticipação perfeita de esforços, em conjugação de actuações com vista a realizarem o fim a que se propuseram e, como tal, em co-autoria.
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(Suprimimos as partes que diziam exclusivamente respeito a outros arguidos que não D)
Conforme resulta do segmento do acórdão recorrido acabado de transcrever, assumiram um papel relevante na formação da convicção do Tribunal «a quo», quanto à prática pelo arguido D. dos factos integradores dos crimes de roubo e de sequestro por que foi condenado, os autos que documentaram as diligências de reconhecimento de lugares em que o mesmo arguido foi interveniente, realizadas na sequência do interrogatório a que foi submetido pela PJ.
No recurso que interpôs do acórdão, o arguido D. veio impugnar juridicamente a validade da prova obtida através das referidas diligências de reconhecimento de lugares.
Tal questão encontra-se definitivamente dirimida nos presentes autos, em sentido contrário à tese propugnada pelo recorrente.
Para além disso, o recorrente D. a ataca o juízo probatório formulado no acórdão recorrido com base nos seguintes argumentos:
a) As diligências de reconhecimento de lugares efectuadas com o concurso do arguido não são mais do que uma espécie de «visita guiada» a esses locais, pelo que não são idóneas a demonstrar a prática, por parte dele, dos factos que ali tenham ocorrido;
b) No seu depoimento testemunhal, o ofendido L. declarou que todos os bens que lhe foram retirados, com excepção das operações de «Multibanco», não foram recuperados, o que não está reflectido na factualidade provada;
c) Não podia o Tribunal «a quo» ter julgado provado que o arguido quis privar o ofendido L. da sua liberdade, quando resulta da prova produzida que ele já se encontrava fora da casa deste ofendido meia hora antes do fim dos acontecimentos ali ocorridos, pelo que não tinha qualquer domínio sobre o que ali se passava;
d) Não pode o Tribunal «a quo» julgar provada a prática pelo recorrente dos factos relativos à utilização que foi dada ao cartão de crédito subtraído ao ofendido L., pois não é confirmada pela prova produzida a esse respeito, mormente, os fotogramas recolhidos pelos sistemas de vídeo-vigilância.
No que se refere à valoração dos autos de reconhecimento de lugares em que o arguido D. interveio, importará termos presente que uma coisa é a validade jurídica de determinado meio de prova e outra é a sua eficácia probatória, a sua aptidão para formar a convicção do julgador.
Uma vez assente, por força do decidido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, a validade jurídica de tais reconhecimentos e do depoimento da testemunha policial, cuja razão de ciência se baseou parcialmente nessas diligências, necessário será partir do princípio que esses meios de prova se encontram sujeitos à regra geral da livre apreciação, estabelecida pelo art. 127º do CPP, dentro dos parâmetros fixados pela experiência comum, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas.
O «Auto de Reconhecimento de Locais» relativo ao restaurante «Pôr-do-Sol» e ao supermercado «Alisuper» consta de fls. 600 e contém, com interesse para a questão que agora nos ocupa, as seguintes menções:
«Assim sendo, em primeiro lugar deslocámo-nos à localidade do Sítio das Sesmarias, Albufeira. Nesse local, o arguido indicou e identificou o local por si conhecido, como se tratando, em concreto, do restaurante “Pôr-do-Sol”, onde em co-autoria, perpetrou 01 (um) crime de roubo com recurso a arma de fogo, do tipo caçadeira de canos serrados e pistola.
Posteriormente, e deslocando para a localidade de Albufeira, o arguido indicou e identificou o local por si conhecido, como se tratando do supermercado “Alisuper”, sito na Rua..., Albufeira (o qual se encontra em lado oposto da via, ao Cemitério de Albufeira), local este, onde veio a perpetrar em regime de co-autoria, 02 (dois) crimes de roubo com recurso a arma de fogo, do tipo pistola».
O auto de reconhecimento relativo à residência de L. figura a fls. 731 e nele se refere, nomeadamente:
«Nesta localidade, indicou o trajecto até ao Sítio do Malhão, tendo reconhecido e identificado a moradia a que corresponde a caixa postal 202, como se tratando do local onde, em co-autoria com dois outros indivíduos, entre eles um tal André, perpetrou os crimes de roubo e de sequestro no dia 30 de março de 2001».
Como pode verificar-se, o conteúdo dos autos em análise é genérico, inclui a referência a conceitos jurídicos e não comporta uma descrição minimamente concretizada dos factos cuja prática o arguido D. então assumiu.
No entanto, é evidente que os referidos autos não deverão ser valorados isoladamente, mas sim em conjugação com a restante prova.
Consequentemente, torna-se possível reproduzir as ocorrências havidas nos locais reconhecidos pelo arguido D, residência de L, restaurante «Pôr-do-Sol» e supermercado «Alisuper» (neste apenas o episódio de 26/6/11) com apoio na prova testemunhal, que, no primeiro caso se cingiu ao depoimento do ofendido, mas nos restantes envolveu uma multiplicidade de testemunhas, mormente, trabalhadores e clientes dos estabelecimentos em causa, conforme se encontra explicitado no segmento da decisão recorrida dedicado à fundamentação do juízo probatório.
O recorrente não questionou, na motivação do recurso, a credibilidade e o poder de convicção atribuídos pelo Tribunal «a quo» a tal prova testemunhal, nem nós vislumbramos razão plausível para o fazermos.
Tão pouco descortinamos motivo para não atribuir crédito às informações prestadas pelo arguido D. nos autos de reconhecimento de locais a que vimos fazendo referência ou para supor que ele não as terá dado de livre vontade, não tendo ele, alguma vez, alegado o contrário.
De resto, o acórdão recorrido julgou não provado que os arguidos D e B. tivessem levado a efeito o assalto ocorrido no «Alisuper» no dia 18/11/ 11, tal como vinham acusados, essencialmente por falta de prova testemunhal desses factos, conforme igualmente resulta da motivação da decisão em matéria factual, e não porque o Tribunal «a quo» tenha lançado qualquer dúvida sobre a sinceridade da assunção da sua prática pelo ora recorrente.
Não obsta ao poder de convicção do auto de reconhecimento de fls. 731, a circunstância de a data dos factos ocorridos na residência de L. se encontrar manifestamente equivocada (30 de Março de 2011 e não 20 de Março de 2011), pois não há notícia de, nesse local, ter tido lugar algum outro episódio de equivalente conotação jurídico-criminal.
Tudo considerado teremos de concluir que o conteúdo dos autos de reconhecimento de locais, a que nos temos estado a reportar, conjugado com a prova testemunhal produzida sobre os factos ocorridos na residência de L, no restaurante «Pôr-do-Sol» e no supermercado «Alisuper» em 26/6/11 permite dar como demonstrado que o arguido D. praticou esses factos, nos termos julgados provados no acórdão sob recurso.
Pretende ainda o recorrente que este Tribunal julgue provado, com base do depoimento do ofendido L., que os valores a este subtraídos não foram recuperados, com excepção das quantias levantadas com o Cartão Multibanco.
O acórdão recorrido deu como provada a recuperação de umas calças de fato de treino, que haviam retiradas da residência do ofendido L, por terem sido apreendidas em poder do arguido A.
Tal facto encontra-se documentado nos autos e o recorrente não tem interesse em impugná-lo, pois não lhe é desfavorável.
Relativamente às quantias que foram movimentadas mediante o uso ilegítimo do cartão subtraído a L, verifica-se que este ofendido, no seu depoimento testemunhal, cujo registo sonoro escutámos, afirmou que, num primeiro momento, essas importâncias foram debitadas na conta bancária de que é titular, mas, posteriormente, foram repostas pela instituição de crédito.
De todo o modo, não há notícia de ter a instituição bancária sido ressarcida dos valores que suportou.
A realidade emergente do depoimento do ofendido L, na parte a que nos referimos, não se encontra reflectida na matéria de facto provada, pois desta só consta que os valores ilegitimamente movimentados não foram recuperados, pelo que se determinará a sua alteração em conformidade.
No tocante à impugnação feita pelo recorrente de ele ter actuado com o propósito de privar o ofendido L da sua liberdade ambulatória, diremos apenas que, conforme adiante melhor se constatará, a matéria de facto julgada provada pelo acórdão recorrido não implica que o mesmo tenha estado privado dessa liberdade para além do tempo necessário a ter sido desapossado dos bens que lhe foram tirados não contando com as quantias movimentadas mediante o uso abusivo do cartão subtraído.
Assim sendo, no contexto factual apurado na decisão sob recurso, a questão que agora nos ocupa não tem razão de ser.
Em discussão permanece a eventual intervenção do arguido recorrente nos factos ocorridos em sequência daqueles que tiveram lugar na residência do ofendido L e que se prenderam com utilização dada a um cartão bancário a este pertencente, que então lhe foi subtraído.
Tal utilização ilegítima traduziu-se em levantamentos de numerário numa caixa ATM do Millenium BCP sita em Boliqueime e em compras nos estabelecimentos «Ouriversaria Carilor» e «Rádio Popular», actividade que o acórdão recorrido imputa conjunta e indistintamente aos arguidos D e C.
Para prova destes factos o Tribunal «a quo» considerou os fotogramas recolhidos pelos sistemas de videovigilância existentes nesses locais (fls. 697 a 711 e 769 a 799) e os depoimentos testemunhais de V, empregada da «Carilor», e DL, trabalhador da «Rádio Popular», cujo registo sonoro escutámos.
No que se refere aos fotogramas, importa ter presente que o Tribunal «ad quem» não tem contacto pessoal com os arguidos, o que, à partida, constitui um óbice quase intransponível à valoração deste tipo de prova.
Contudo, ao analisar os fotogramas, na parte do acórdão dedicada à fundamentação do juízo probatório, o Tribunal «a quo» identifica um indivíduo que ali aparece frequentemente retratado e que se destaca pelo boné e os sapatos de ténis que enverga ou ainda pelo capuz que, em algumas das fotografias lhe cobre cabeça, como sendo o arguido C..
Tal indivíduo aparece, em alguns dos fotogramas, acompanhado de perto ou à distância por um outro, cuja fisionomia parece coincidir sensivelmente com a do indivíduo retratado nas fotografias, que acompanham os autos de reconhecimento de locais a fls. 600 e 731 e que se sabe seguramente ser o arguido D.
Assim sendo, não há razão para pôr em dúvida identificação das pessoas que surgem nos fotogramas feita no acórdão recorrido.
Vistos os fotogramas colhidos junto da caixa ATM, no momento em que terá ocorrido o levantamento de dinheiro efectuado com uso ilegítimo do cartão bancário subtraído ao ofendido L (fls. 709,e 769 a 772), verifica-se que em nenhum deles aparece o arguido D e que a pessoa identificada como sendo o arguido C. é quem surge a efectuar a operação.
Quanto à compra efectuada na ourivesaria «Carilor», o depoimento da empregada deste estabelecimento V é inequívoco no sentido de que foi levada a efeito por um único indivíduo, sendo possível distinguir nos fotogramas de fls. 783 e 784 o indivíduo assinalado como o arguido C. a fazer o respectivo pagamento.
Finalmente, no que se refere à aquisição efectuada no estabelecimento denominado «Rádio Popular», a testemunha DL, ao tempo dos factos empregado do mesmo, relatou como tendo sido efectuada por duas pessoas do sexo masculino, que ali compareceram conjuntamente.
Contudo, resulta também do depoimento da mesma testemunha que só um desses indivíduos efectuou o pagamento da compra.
Compulsados os fotogramas recebidos do sistema de vídeo-vigilância da «Rádio Popular» (fls. 789 a 799), constata-se que os dois arguidos, C e D, compareceram juntos naquele estabelecimento, aquando da compra incriminada.
Contudo, em nenhum desses fotogramas o arguido D. parece em atitude que denuncie um papel activo da sua parte na aquisição então levada a cabo, como seja, escolher artigos ou realizar o respectivo pagamento.
Pelo contrário, nas imagens que aparentemente dirão respeito ao pagamento da transacção, é o arguido C. que aparece a efectuá-lo sozinho.
Da análise dos fotogramas e dos depoimentos das testemunhas que intervieram, como vendedores, nas compras incriminadas, é possível concluir, segundo um raciocínio lógico e à luz da experiência comum, que:
a) Não está provado que o arguido D tenha tido qualquer intervenção nos levantamentos de dinheiro em caixa ATM ou na compra feita na «Carilor»;
b) Está provado que o arguido D acompanhava o arguido C, aquando da compra efectuada na «Rádio Popular», mas não que tenha tido intervenção no negócio ou tenha prestado ao co-arguido ajuda relevante na execução do mesmo.
Nesta conformidade, não pode este Tribunal confirmar o juízo probatório formulado no acórdão recorrido acerca da intervenção do arguido D no uso ilegítimo dado ao cartão bancário subtraído ao ofendido L, que terá de ser dada como não provada.
Como é sabido, o postulado «in dubio pro reo» constitui um corolário, ao nível da apreciação da prova do princípio constitucional da presunção da inocência, consagrado no art. 32º nº 2 da CRP, e vincula o Tribunal a julgar não provado qualquer facto desfavorável ao arguido sobre cuja existência prevaleça uma dúvida razoável, racional e insanável.
Temos vindo a entender que só se verifica uma dúvida justificativa do apelo ao «in dubio pro reo» quando, uma vez efectuado o exame crítico da prova, permaneça em aberto uma hipótese factual alternativa, que não seja repelida pelos critérios orientadores da valoração probatória anteriormente aludidos.
Ora, julgamos ter demonstrado que a prova submetida à apreciação do Tribunal «a quo» não deixa espaço lógico para outra hipótese factual que não a da acusação e que foi acolhida no acórdão sob recurso, quanto a ter o arguido recorrente praticado os factos ocorridos na residência de L, no supermercado «Alisuper» e no restaurante «Pôr-do-Sol», em 20/3/11, 26/6/11 e 20/9/11 respectivamente.
Como tal, verifica-se que, ao julgar provada a prática desses factos pelo recorrente, o Tribunal «a quo» não violou o princípio da presunção de inocência ou a regra «in dubio pro reo».
Por conseguinte, impõe-se concluir pela improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo recorrente D, excepto no que se refere à sua intervenção no uso ilegítimo dado ao cartão bancário subtraído ao ofendido L e na questão pontual de terem os prejuízos resultantes dessa operação terem sido cobertos pela entidade bancária.
Cumpre, então, determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada, em consequência dessa procedência parcial:
1 – O capítulo I da matéria provada passará a ter a seguinte redacção:
«I. No dia 20 de Março de 2011, cerca das 17h30m, o arguido A. acompanhado dos arguidos D, B e de outro indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam à residência de L. (sita no Malhão, Paderne – Albufeira) e a assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no seu interior, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse.
Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos e o acompanhante introduziram-se no interior da referida residência, forçando as grades da porta da cozinha, aguardando o regresso do proprietário.
Assim que este entrou, foi de imediato agredido com socos e murros e, depois de dominado, amarrado a uma cadeira onde ficou enquanto os arguidos e o acompanhante, munidos de gorros que lhes tapavam o rosto e luvas, procuravam valores.
Nessa busca, localizaram o cartão de crédito do ofendido que, após ser ameaçado e agredido, forneceu o respectivo código.
Deste modo, do referido local retiraram e levaram consigo, nomeadamente, os seguintes objectos, que fizeram seus:
1) Um telemóvel Samsung no valor de 230€;
2) Um telemóvel Nokia no valor de 80€;
3) Um telemóvel Nokia no valor de 80€;
4) Uma câmara fotográfica no valor de 900€;
5) Um relógio no valor de 1.500€;
6) Um cartão de crédito do BCP e respectivo código;
7) Um par de calças de fato de treino da marca Nike Air, cinzento claro, com a referência Runing on Air since 87, de valor não concretamente apurado.
Dos valores e objectos supra referidos só foram recuperadas as calças de fato de treino referidas em 7) que estavam na posse do arguido A. aquando da sua detenção pela PJ.
De seguida, o arguido C, munido do cartão de crédito do ofendido, dirigiu-se ao Millennium BCP de Boliqueime, onde efectuou levantamentos em dinheiro de uma caixa ATM no valor total de 400€.
Dirigiu-se ainda ao Algarve Shopping, onde efectuou compras de objectos de ouro na loja Joalharia Carilor, de valor não concretamente apurado mas de cerca de 1.700/1.800€ e à Rádio Popular (sita no Retail Park da Guia) onde comprou duas Playstations 3, dois comandos wireless para as referidas consolas e quatro ou cinco videojogos, de características e valor não concretamente apurado, mas não inferior a 900€.
Em todas essas situações, utilizaram para os respectivos pagamentos e levantamentos em ATM o referido cartão do ofendido e o respectivo código que tinha sido entregue por este.
Com a acção descrita e os comportamentos concertados e sucessivos, os arguidos A, D e B e acompanhantes quiseram ainda limitar a liberdade de decisão e acção do ofendido, bem como a sua liberdade de movimentos, a fim de mais facilmente conseguirem alcançar os seus objectivos, o que conseguiram.
Mais quiseram os referidos arguidos e acompanhante deter o ofendido no interior da sua residência, no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o preso e impedido de sair do local, contra a sua vontade.
Na verdade, os arguidos referidos e acompanhante já tinham exercido violência suficiente para atemorizar o ofendido, para que lhes desse o que pretendiam, mas ainda assim quiseram continuar a mantê-lo preso na sua própria casa apenas com o fito de lhe coarctar a sua liberdade de locomoção e impedi-lo de dali sair.
O arguido C, ao efectuar os factos e as descritas operações bancárias, criou a convicção no operador bancário ATM de que era o legítimo titular desse cartão de crédito, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que, ao agir do referido modo, punha em causa a fiabilidade dos dados e respectiva protecção, causando com tais condutas também um prejuízo ao ofendido no valor das aquisições e levantamentos efectuados.
Os valores supra referidos foram repostos na conta do ofendido pela instituição bancária que não foi deles ressarcida.
2 – Será acrescentado à matéria de facto não provada o seguinte ponto:
- Que o arguido D tenha praticado os factos descritos no Capítulo I da matéria provada, relativos ao uso dado ao cartão bancário subtraído a L, actuando de concerto com o arguido C, de forma livre, deliberada e consciente.
Impõe-se retirar as necessárias consequências jurídicas da alteração da matéria de facto agora ordenada.
O arguido D. havia sido condenado em primeira instância pela prática, sempre em co-autoria, de três crimes de roubo agravado p. e p. pelo art. 210º nºs 1 e 2 al. b) do CP, um crime de sequestro p. e p. pelo art. 158º nº 1 do CP e outro de burla informática p. e p. pelo art. 221º nº 1 do CP.
O tipo criminal da burla informática é definido pelo nº 1 do art. 221º do CP, nos seguintes termos:
Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
De acordo com o ajuizado no acórdão recorrido, o arguido D teria preenchido o crime tipificado na disposição legal agora transcrita por via da utilização dada ao cartão bancário subtraído ao ofendido L actuando de concerto com o co-arguido C.
Tendo resultado não provada, em sede de recurso, a intervenção do arguido D na referida factualidade, importa concluir pela sua absolvição do crime de burla informática por que foi condenado em primeira instância, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida.
Finalmente, impõe-se conhecer da questão jurídica suscitada pelo recorrente acerca da unidade ou pluralidade de infracções preenchidas pela sua conduta ocorrida em 20/3/11 e de que foi vítima L.
Por causa dessa conduta, o arguido D. foi condenado em primeira instância pela prática, em concurso efectivo, de um crime de roubo agravado p. e p. pelo art. 210º nºs 1 e 2 al. b) do CP, um crime de sequestro p. e p. pelo art. 158º nº 1 do CP e um crime de burla informática p. e p. pelo art. 221º nº 1 do CP.
Sustenta o recorrente que nos encontramos perante uma situação de concurso aparente pelo que a conduta em causa deverá ser punida enquanto integradora do mais grave dos ilícitos criminais em confronto, ou seja, o de roubo agravado.
De todo o modo, tendo-se julgado não provada, no presente acórdão, a prática pelo arguido recorrente dos factos integradores do crime de burla informática, com a sua consequente absolvição desse crime, fica prejudicada a questão ora em apreço, relativamente a tal ilícito, permanecendo apenas em discussão se a restante conduta ocorrida em 20/3/11 é de molde a integrar o cometimento por parte dele, a par de um crime de roubo agravado, de um crime de sequestro.
O tipo fundamental do crime de roubo é assim definido pelo nº 1 do art. 210º do CP:
Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
Por seu turno, o crime de sequestro é tipificado pelo nº 1 do art. 158º do CP, nos termos seguintes:
Quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Dado que o tipo criminal do roubo visa proteger, por um lado, a propriedade e, por outro lado, uma diversidade de bens jurídicos de natureza pessoal (integridade física, liberdade, segurança, etc.), suscitam-se frequentemente dúvidas sobre a sua delimitação relativamente a outros tipos de crime, com objecto de tutela aparentado ao seu.
Na parte da fundamentação do acórdão recorrido dedicada ao enquadramento jurídico-penal dos factos, o Tribunal «a quo» expende, a propósito do crime de sequestro:
No crime de sequestro o bem jurídico ou valor protegido é a chamada liberdade ambulatória, tutelando-se a capacidade de cada um se fixar ou movimentar livremente no espaço físico contra a ilícita restrição, por qualquer forma ou medida temporal, desse direito[4].
O crime de sequestro visa, assim, proteger fundamentalmente a liberdade individual, sendo essa liberdade a liberdade física, ou seja, o direito de não ser aprisionado, encarcerado ou de qualquer modo fisicamente confinado a determinado espaço[5]. Ou, nas palavras de Taipa de Carvalho[6], o bem jurídico protegido pelo artº 158º é a liberdade de locomoção, isto é, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro.
Assim, como se percebe do texto da lei, a previsão legal do crime de sequestro é destinada especificamente a abranger todos os possíveis actos ilegítimos e censuráveis restritivos do direito de movimentar-se livremente de outrem. Por isso, o crime de sequestro consuma-se imediatamente no momento em que o sujeito passivo fica ilegalmente privado da sua liberdade ambulatória.
O nosso Legislador, ao contrário do que se verifica noutros sistemas penais, não verteu no tipo legal qualquer critério quantitativo, sendo legítimo concluir que o crime de sequestro não exige que a privação da liberdade dure um específico período de tempo[7]; o período de tempo apenas releva como elemento do tipo qualificado, por mais de dois dias, artº 158º nº 2 do CP, devendo também ser considerado, em qualquer caso, como critério para aquilatar do grau de ilicitude do facto.
Trata-se, por outro lado, de um crime permanente, pelo que a execução perdura enquanto persiste a resolução criminosa do agente e ao ofendido não é restituída plena liberdade ambulatória[8]. Ou seja, o que verdadeiramente subsiste e se prolonga no crime permanente é a conduta do agente que, em cada momento, se reproduz e persiste no crime, abstendo-se de pôr termo à situação que criou[9].
Além disso, o crime de sequestro é de execução não vinculada, no sentido de que o agente não precisa de praticar actos de uma espécie determinada ou de determinada maneira, bastando que leve a cabo uma actividade que possa considerar-se meio adequado para privar outrem do seu jus ambulandi[10].
Insiste-se num ponto.
Para se concluir pela existência de concurso efectivo de crime de sequestro com o restante, que neste caso é aqui o crime de roubo, tal como pretendido pela acusação, torna-se necessário, para além da pluralidade de tipos de crime violados, que seja possível formular uma pluralidade de juízos de censura, o que só pode ser viabilizado pela existência, na matéria de facto apurada, de uma pluralidade de resoluções criminosas, pois as privações da liberdade de movimentos, em alguns casos e frequentes, podem mesmo acabar por reconduzir-se a tipos legais como os de ofensa ao corpo ou saúde de outrem e subtracção violenta de bens da vítima.
A privação da liberdade enquanto tal anda, normalmente, associada a um conjunto de crimes, quer como meio típico, quer como meio possível da sua realização.
Assim, só em concreto se pode resolver a questão da unidade ou pluralidade de crimes. No entanto, caso a intenção prevalente seja a de roubo, podemos seguir o critério avançado por Taipa de Carvalho - sempre que a duração da privação da liberdade não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (como seria aqui o crime de roubo com a subtracção de bens associada à ofensa à integridade física) e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente entre o sequestro (crime meio) e aquele crime fim (que nesse caso seria o roubo), concurso este resolvido através do efeito da consumpção a favor deste último.
Assim, apenas haverá concurso efectivo, quando a duração da privação da liberdade ultrapassa aquela medida[11].
Mas a inversa, como se viu anteriormente, é também verdadeira. Ou seja, sempre que da intenção prevalente do agente e do contexto da sua actuação resulte que, ao invés, o crime-fim é o sequestro, e o roubo um crime-meio para conseguir executar o primeiro, ou executá-lo com sucesso, como é este o caso, então a consumpção opera no sentido oposto, porque não há um processo volitivo independente para a prática de roubo, mas apenas uma subtracção que garanta o sucesso da privação da liberdade, como resulta ter aqui acontecido.
E como as situações da vida raramente coincidem com exemplos de academia, este é um dos casos em que o crime de sequestro revela maior interesse.
Não é, porém, o caso.
De facto, e muito embora pudessem existir aqui alguns traços a caracterizar um crime de roubo como crime-fim e um sequestro como instrumental, a situação de facto vai além disto.
Os arguidos estavam dentro da casa do ofendido L quando este chegou. Para lhe tirarem o pin do cartão de crédito, como o mesmo referiu, encostaram-lhe uma faca ao pescoço, nisso o determinando a conceder-lhes o mesmo pin. Aqui, neste preciso momento, estaria consumado o roubo, já que os arguidos tinham o que queriam, supondo que o pin do cartão de crédito era a única coisa que queriam, uma vez que os restantes objectos que subtraíram não dependiam para tal da utilização da faca, uma vez que o ofendido está naturalmente manietado, sendo um contra, pelo menos, três, estando estes em superioridade e contando com o elemento surpresa sobre a vítima.
Mas não, os arguidos não quiseram ficar por aqui. Agrediram fisicamente o ofendido e chamaram-lhe nomes, como ele referiu, como resulta da perícia médica que lhe foi realizada, e arrastaram-no pela cave onde o sentaram numa cadeira e o prenderam com cordas. As fotografias juntas aos autos permitem fazer uma ideia muito concreta do que se passou.
Depois disto, e não contentes, os arguidos deixaram o ofendido ali preso com cordas, na cave da casa, sem ajuda, situação que durou cerca de hora e meia.
Estão verificadas, pois, as circunstâncias ou elementos típicos do crime de sequestro. E em termos de vontade relevante, impõe-se concluir que os arguidos quiseram especificamente coarctar a liberdade do ofendido, indo esta vontade muito além da vontade de lhe subtraírem bens mediante violência. A violência foi exercida, espancando o ofendido, constrangendo-o com a superioridade numérica e juventude dos agressores, com a faca no pescoço. O que vai além disto, muito embora revele também violência, é sequestro e foi querido como tal pelos arguidos.
Assim, não se verificando a presença de qualquer agravação tipificada para este crime, temos de concluir que procede a imputação do crime do artº 158º, nº 1 do CP, relativamente aos arguidos D, A e B.
Desde já manifestamos a nossa concordância em relação ao critério adoptado pelo Tribunal «a quo» com vista a distinguir entre as situações de concurso efectivo e as de concurso aparente entre o crime de sequestro e os ilícitos criminais em relação aos quais este possa funcionar como crime-meio (como seja o crime de roubo), que é o propugnado por Taipa de Carvalho («Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial», Tomo I, pág. 415) e que pensamos ser de aceitação relativamente generalizada.
De acordo com o referido critério doutrinário a pedra de toque para distinguir o concurso efectivo do concurso aparente reside em saber se a privação da liberdade ultrapassou ou não a medida naturalmente associada à realização do crime-fim.
O trecho da fundamentação jurídica do acórdão recorrido, que acabámos de reproduzir, é revelador de uma anomalia qual seja a de o Tribunal «a quo» ter tomado em consideração, na configuração da responsabilidade criminal dos arguidos pelo crime de sequestro, um facto que não se encontra descrito entre a matéria julgada provada (ou não provada, de resto), a saber que os arguidos, depois de se terem apoderado dos bens que lhes interessavam e de terem obrigado L a revelar-lhes contra a sua vontade o código do seu cartão bancário, deixaram o ofendido preso com cordas na cave da sua residência, sem ajuda, situação que durou cerca de hora e meia.
Confrontada a factualidade descrita no Capítulo I da matéria provada, verifica-se que, num primeiro momento, se refere que o ofendido, depois de ter entrado em casa, «foi de imediato agredido com socos e murros e, depois de dominado, amarrado a uma cadeira onde ficou enquanto os arguidos e acompanhante, munidos de gorros que lhes tapavam o rosto e luvas, procuravam valores».
Contudo, em ponto nenhum da matéria de facto provada, é afirmado que o ofendido, depois de os arguidos terem deitado a mão aos bens ali existentes que lhes interessavam e o terem forçado a revelar-lhes o código do seu cartão bancário, foi por eles deixado no local amarrado a uma cadeira.
É certo que, mais adiante, é referido que «os arguidos referidos e acompanhante já tinham exercido violência suficiente para atemorizar o ofendido, para que lhes desse o que pretendiam, mas ainda assim quiseram continuar a mantê-lo preso na sua própria casa apenas com o fito de lhe coarctar a sua liberdade de locomoção e impedi-lo de dali sair».
Ora, este último ponto da matéria de facto provada reveste um sentido volitivo («os arguidos… quiseram…»), mas não é reportado a qualquer actuação concreta dos arguidos, que esteja descrita na mesma enumeração de factos.
Conforme se nos afigura evidente, os Tribunais, ao ajuizarem dos pressupostos da responsabilidade criminal de um arguido, só podem fazer apelo a factos sobre os quais tenham emitido pronúncia probatória afirmativa, o que, no caso, não sucedeu quanto ao ter o ofendido L permanecido privado da sua liberdade ambulatória, amarrado a uma cadeira, no interior da sua residência, depois de os arguidos se terem apoderado dos bens que dali retiraram e o terem coagido a comunicar-lhes o código do seu cartão bancário.
A transcrita fundamentação do acórdão recorrido não é totalmente esclarecedora sobre se é entendimento do Tribunal «a quo» que a medida de privação de liberdade ambulatória sofrida pelo ofendido até ao momento em que os arguidos tiveram em seu poder os bens a que deitaram a mão e o código do cartão foi a naturalmente necessária a eles poderem concretizar os seus intentos ou, se pelo contrário, foi além disso, parecendo, a dado passo, que o Tribunal se inclinará para segunda hipótese, quando dá entender que os arguidos, depois de terem coagido o ofendido a revelar o código mediante a ameaça de uma faca, não teriam necessitado, em ordem apoderarem-se dos objectos que dali retiraram, de exercer força física efectiva contra ele, atenta a sua superioridade numérica e a sua superior capacidade física.
Considerado o «modus operandi» seguido pelos arguidos que intervieram no crime de roubo de que foi vítima L, afigura-se-nos razoável assentar em que a realização da subtracção dos objectos retirados da residência assaltada, ou seja o lançamento pelos arguidos do seu poder fáctico de disposição sobre esses bens, em detrimento daquele que o legítimo proprietário vinha exercendo, teve como pressuposto prático que o ofendido tivesse permanecido coarctado na sua liberdade ambulatória, já que, se assim não fosse, sempre poderia ter procurado o auxílio de terceiros, mormente, as forças policiais e assim frustrar os intentos dos arguidos.
Tal juízo é válido independentemente da questão de saber se os arguidos poderiam ter lançado mão de um meio menos drástico do que aquele que efectivamente utilizaram (amarrar o ofendido a uma cadeira) para impedir a vítima de se afastar do local e buscar auxílio.
Neste contexto, a nocividade do meio empregues tem por consequência jurídica apenas o agravamento da ilicitude concreta do crime de roubo e não fazer resvalar a violência inerente a este tipo de crime para o preenchimento de um crime autónomo de sequestro.
A partir do momento em que os arguidos tenham lançado o seu poder de disposição sobre os objectos retirados de casa do ofendido, qualquer ulterior sacrifício da liberdade ambulatória a este infligido relevará do crime de sequestro, porquanto o crime de roubo se encontra já consumado e, por isso, deixa de existir relação concebível de meio e fim entre aquela privação e a prática deste crime.
Por conseguinte, só nos encontraremos perante um atentado à liberdade ambulatória do ofendido, punível a título de sequestro, no caso de o mesmo se ter prolongado para além da concretização da subtracção e de ele ter sido coagido a revelar o código do seu cartão bancário.
Tal realidade não se mostra reflectida na matéria provada, ainda que o Tribunal «a quo» tenha decidido na pressuposição inversa,
A julgar pelo resumo do depoimento testemunhal de L que consta do segmento do acórdão recorrido dedicado à motivação da decisão de facto, que mais acima deixámos reproduzido, o ofendido terá feito alusão a tal eventualidade.
É certo que, quanto mais não seja por imposição constitucional (art. 32º nº 5 da CRP), o processo penal português assume estrutura acusatória, daí resultando, nomeadamente, para além da total separação entre a entidade que acusa e aquela que julga, o postulado da vinculação temática do Tribunal à acusação.
Contudo, tal não significa que o Tribunal não esteja obrigado a conhecer dos factos relevantes para a decisão da causa, que não tivessem sido alegados na acusação e que tenham resultado da respectiva discussão, ainda que desfavoráveis, desde que não constituam alteração substancial da factualidade descrita no libelo acusatório e tenha sido observado o disposto no nº 1 do art. 358º do CPP.
De acordo com a definição da al. f) do art. 1º do CPP, entende-se por alteração não substancial dos factos acusados, aquela que não implique a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Por seu turno, o nº 1 do art. 358º do CPP dispõe:
Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Na acusação deduzida pelo MP a fls. 1440 a 1455, não é feita qualquer referência a ter o ofendido L. sido sujeito a qualquer privação da sua liberdade ambulatória, para além do tempo que foi necessário aos arguidos para se apoderarem dos bens que retiraram da residência dele e para o coagirem a revelar-lhes o código do seu cartão bancário, tal como sucede com a matéria de facto julgada provada pelo acórdão sob recurso.
Tal hipótese factual terá resultado antes da discussão da causa, mormente do depoimento testemunhal do referido ofendido.
Contudo, teria sido lícito ao Tribunal «a quo» conhecer dessa hipótese factual, desde que observado o formalismo prescrito pelo nº 1 do art. 358º do CPP, porquanto dela não decorre a imputação ao recorrente de outro crime que não aqueles por que vinha acusado, nem a agravação dos limites superiores das molduras punitivas cominadas.
Nestas condições, a factualidade julgada provada pelo acórdão recorrido não habilita o Tribunal a conhecer, com a necessária e possível aproximação à justiça material, da prática pelo arguido recorrente de um crime de sequestro p. e p. pelo nº 1 do art. 158º do CP, em detrimento de L.
O nº 2 do art. 410º do CPP, na parte que pode agora interessar-nos, dispõe:
Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) ....; c) ...;
Segundo o Acórdão do STJ de 13/5/98 (CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, pág. 199), a locução «decisão» inserida no texto da al. a) do nº do art. 410º do CPP, deve ser entendida como a decisão justa que ao caso deveria caber e não como a decisão concretamente proferida e objecto do recurso, sendo, portanto, com referência à primeira que deverá ajuizar-se da suficiência da matéria de facto provada.
Assim, e sintetizando, poderemos dizer que o invocado vício de decisão verifica-se sempre o Tribunal deixe de emitir juízo probatório sobre um facto relevante para a justa decisão da causa.
A deficiência assinalada na matéria provada é susceptível de ser reconduzida ao vício da decisão consistente na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, a que se refere al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, no sentido que anteriormente deixámos enunciado, no tocante à condenação do arguido David Nogueira pela prática de um crime de sequestro.
O Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 (DR, I-A Série de 28/12/95) veio fixar jurisprudência no sentido de os vícios tipificados no referido normativo legal serem do conhecimento oficioso do Tribunal «ad quem», mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito.
Nada obsta, pois, a que o Tribunal possa conhecer desse vício, ainda que não tenha sido arguido pelo recorrente.
O vício detectado impede este Tribunal de conhecer do mérito do recurso em presença, quanto à questão substantiva suscitada agora em apreço.
O nº 1 do art. 426º do CPP estatui:
Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
O reenvio a determinar não afectará de modo algum a totalidade do objecto processual e terá um alcance estritamente limitado ao crime de sequestro p. e p. pelo nº 1 do art. 158º do CP, por cuja prática o arguido D foi condenado pelo acórdão recorrido.
Nesta conformidade, importa que a primeira instância leve a cabo, em sede de reenvio, à seguinte actividade judicativa:
1 – Averiguar se o ofendido L permaneceu privado por mais do que aquele que foi necessário aos arguidos e ao seu acompanhante para se apoderarem dos bens que retiraram da residência dele e para o obrigarem a revelar o código do seu cartão bancário, em que é que essa privação de liberdade se concretizou, por quanto tempo se prolongou e em que circunstâncias findou, podendo determinar a produção das provas que considerar necessárias e adequadas para o efeito, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 340º do CPP.
2 – Caso venham a provar-se factos que constituam alteração não substancial dos que foram alegados na acusação, proceder ao cumprimento do disposto no nº 1 do art. 358º do CPP.
3 – Proferir nova decisão de direito, com consideração conjunta dos factos dados como assentes pela sentença recorrida e aqueles que venham a resultar provados em sede de reenvio, condenando ou absolvendo o arguido D pelo crime de sequestro p. e p. pelo nº 1 do art. 158º do CP;
4 – Em caso de condenação em pena de prisão proceder ao cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do CP, entre a pena que vier a ser aplicada e as que foram cominadas ao arguido D pela prática de outros crimes e não tenham sido afectadas pela vertente absolutória do presente acórdão.
O âmbito limitado do reenvio, agora determinado, não obsta a que o Tribunal retire, se for caso disso, as consequências jurídicas que se impõem, relativamente a outros arguidos que não o recorrente, nomeadamente, por força do art. 402º nº 2 al. a) do CPP
Tendo o arguido D sido absolvido, pelo presente acórdão, do crime de burla informática por que havia sido condenado em primeira instância e não tendo possível a este Tribunal, por força do verificado vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, confirmar ou revogar a decisão recorrida na parte em que o condenou pelo cometimento de um crime de sequestro, necessariamente fica sem efeito o cúmulo jurídico das penas em que o mesmo arguido foi condenado pelo acórdão impugnado, importando efectuar novo cúmulo jurídico integrando as penas não afectadas pelo recurso, que se resumem àquelas que foram cominadas pela prática de três crimes de roubo agravado.
Os termos da punição do concurso de crimes são definidos pelo art. 77º do CP:
1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Como é sabido, a determinação da medida da pena única emergente do cúmulo jurídico não é uma operação aritmética, mas antes consubstancia um juízo de valor baseado numa reapreciação dos factos e da personalidade do arguido.
As penas parcelares a considerar no novo cúmulo, que importa efectuar, são as seguintes:
- 5 anos de prisão, pelo crime de roubo agravado cometido na residência de L;
- 3 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de roubo agravado cometido no supermercado «Alisuper»;
- 3 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de roubo agravado cometido no restaurante «Pôr-do-Sol».
De acordo com o disposto no nº 2 do art. 77º do CP, a pena única de prisão resultante do cúmulo jurídico das penas remanescentes, em que o arguido... foi condenado, terá de observar o limites mínimo de 5 anos e máximo de 13 anos e 6 meses.
Na determinação da pena global, importa ter em conta que os factos integradores dos crimes por quer o arguido respondeu concentram-se em três núcleos autónomos, separados no tempo por intervalos de meses.
Trata-se de um quadro factual em que a pluralidade de crimes decorre da repetição de condutas ilícitas ao longo do tempo, o que, de alguma forma, agrava a sua responsabilidade, em comparação com uma actuação concentrada no tempo
O arguido tem como antecedentes criminais uma condenação pela prática de um crime de roubo.
As condições pessoais do arguido deixam entrever uma situação não só de marginalidade social, mais também de algum desprovimento económico, o que contribui, de alguma forma, para relativizar o seu grau de culpa.
Finalmente, teremos de considerar que, uma vez admitidos como meio de prova válido os autos de reconhecimento de locais em que o arguido D foi interveniente e deles extraídas todas as consequências ao nível do juízo probatório, necessário será concluir que a contribuição do arguido para a demonstração da sua implicação nos factos por cuja prática foi condenado se revelou determinante, o que terá de ser valorado a seu favor, na fixação da medida da pena, ainda que ele tenha optado por não prestar declarações em audiência de julgamento.
Nesta conformidade, somos de entender que a medida justa e adequada da pena única, a aplicar ao arguido D será de 7 anos e 6 meses de prisão.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
a) Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido D e, em consequência, revogar o acórdão recorrido nos termos das alíneas seguintes;
b) Determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada, nos termos consignados a fls. 84 a 88 do presente acórdão;
c) Por força dessa alteração, absolver o arguido D. do crime de burla informática p. e. p. pelo art. 221º nº 1 do CP por cuja prática foi condenado em primeira instância;
d) Negar provimento ao recurso quanto às demais questões concretamente apreciadas;
e) Relativamente ao crime de sequestro p. e p. pelo art. 158º nº 1 do CP, por cujo cometimento o recorrente igualmente foi condenado, declarar verificado no acórdão recorrido o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e determinar, após trânsito em julgado, o reenvio dos autos, para as finalidades enunciadas a fls. 102 e 103 do presente acórdão;
f) Proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares em que o arguido D. foi condenado em primeira instância pela prática de três crimes de roubo agravado p. e p. pelo art. 210º nºs 1 e 2 al. b) do CP, condenando-o na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
Sem custas o recurso do arguido D.
Notifique.
Évora, 25/3/14 (processado e revisto pelo relator)
(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)
(João Manuel Monteiro Amaro)
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[1] JESHECK, Tratado de Derecho Penal, Tradução, Comares Editorial, 2002, p. 731 - citado no Ac. STJ de 07.12.06, www.dgsi.pt//stj.
[2] FARIA e COSTA, “Formas do Crime”, Jornadas de Direito Criminal, CEJ – 1983, p. 174.
[3] Cf. GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. 2.º, Editora Verbo, 1998, p. 280 e ss. e Acórdão do STJ de 31/3/04, e respectivo voto de vencido – CJ., ASTJ, T. 1.º de 2004, p. 239 e ss. - ambos com profusão de doutrina e jurisprudência sobre a destrinça que aqui sucintamente esboçámos - Ac. STJ cit..
[4] Ac. STJ de 01.04.87 – BMJ nº 366, pag. 245.
[5] Ac. STJ de 25.05.94 – CJ Acs. STJ, vol. II, tomo 2, pag. 230 e Ac. STJ de 01.04.87 – BMJ, nº 366º, pag. 223; com interesse, vide Costa Andrade, Consentimento e acordo em direito penal, pág. 653.
[6] Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, tomo I pág. 404.
[7] Ac. STJ de 27.01.94 – BMJ, nº 433º, pag. 306, Ac STJ de 03.10.90 – CJ, vol. XV, tomo IV, pág. 21, Ac STJ de 31.01.96 cit. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, 3ª ed., 1º vol., pág. 423.
[8] Ac. STJ de 24.05.95 - CJ Acs. STJ, vol. III, tomo 2, pag. 210.