Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CRÉDITO AO CONSUMO
CESSÃO DE CRÉDITO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário
I – A cessão de créditos está na livre disponibilidade das partes vinculadas por uma obrigação de natureza pecuniária e sem prévia dependência do consentimento do devedor, desde que entre este e o cedente não esteja consensuado ou convencionado que essa cessão ou cedência dos créditos que aquele (devedor) tem de cumprir perante este (cedente/credor) mereça restrição/consentimento. II – O contrato de crédito ao consumo, integra a categoria dos chamados contratos de adesão e sujeita-se, por isso mesmo, ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais a que se refere o DL 446/85 de 25.10. III - No âmbito desse regime, compete à entidade que implementa as Cláusulas Contratuais Gerais, o dever de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, dos aspetos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se torne necessária, bem como de prestar todos os esclarecimentos solicitados por esta última (artº6º do citado DL 446/85). IV - Este regime de favor em relação ao aderente tem por alcance garantir que ele fica ciente do significado do que é clausulado e das suas implicações, com vista a garantir uma contratação livre, responsável, esclarecida e de boa fé. V - Este escopo protecionista da lei das Cláusulas Contratuais Gerais não dispensa o consumidor de conduta diligente, zelosa e cuidada que a boa fé aconselha e exige, pelo que também não onera o promotor das cláusulas de adesão com incumbências de tutela sobre o mesmo consumidor que o resguardem de negligência ou descuido.
Sumário da relatora
Texto Integral
Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial de Serpa, por apenso à Ação de Execução nº 230/10.7TBSRP, movida por C..., SA., veio o executado A... deduzir a presente Oposição à Execução arguindo a incompetência territorial do tribunal; a ilegitimidade da exequente; a inexistência de título executivo; a prescrição dos juros peticionados; e a nulidade do contrato de mutuo.
Notificada a exequente, contestou e concluiu pela improcedência da oposição, pedindo a condenação do executado como litigante de má-fé.
No saneador foram julgadas improcedentes todas a exceções e encontrando-se os autos em condições de ser proferida decisão de mérito, a Exmª Juiz fê-lo naquela sede.
A final proferiu a seguinte decisão:
“a) julgo a presente oposição à execução parcialmente procedente e consequência declaro não serem devidos, por se acharem prescritos, os juros de mora vencidos entre 06 de Março de 2005 e 21 de Outubro de 2005, devendo em consequência os juros de mora incidentes sobre o montante de €13884,25 (treze mil oitocentos e oitenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) passarem a ser contabilizados, à taxa contratual de 19,277%, a partir de 22 de Outubro de 2005, até ao integral e efetivo pagamento da quantia exequenda. b) absolvo o oponente do pedido de condenação como litigante de má-fé. Custas pelo oponente e oponida, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código.”
Inconformado com a decisão recorreu o executado/oponente, apresentando as seguintes conclusões de recurso: Quanto à ilegitimidade da exequente
1ª - O recorrente celebrou o contrato de crédito a Caixa Crédito – Sociedade Financeira para aquisições a Crédito SA, NIPC 502119870 e não com a exequente - sociedade C... SA, com NIPC...
2ª - A cessão do crédito que a C... SA terá feito a favor da C... SA nunca foi comunicada ao recorrente, nem por este consentida.
3ª - Faltando tal comunicação e consentimento, que resulta como necessária dos arts. 424º e ss do C. Civil, a cessão do crédito é ineficaz, sendo tal eficácia condição da exequibilidade do documento dado à execução como título executivo.
4ª - A eficácia da cessão do crédito, condiciona a exequibilidade do documento, ferindo a execução de ilegitimidade da exequente que não se 16/29 assegurou previamente à instauração da execução de cumprir os requisitos da eficácia da cessão de créditos (comunicação e consentimento da cessão).
5ª - E tal condição de eficácia deveria ter sido assegurada previamente à citação judicial e não em consequência da mesma.
6ª - A falta de comunicação e a falta de consentimento do recorrente na cessão de créditos realizada, fere a dita cessão de nulidade, não podendo a mesma ser invocada contra o recorrente até que este a consinta, nos termos conjugados dos arts. 424º e ss. do C Civil.
7ª - Sendo nula a cessão de créditos operada entre as sociedades mencionadas, carece legitimidade ativa à exequente, por não se afigurar face ao recorrente como titular válida do crédito que o executado constituiu junto da C... SA
8ª - Deveria, ter sido a exequente julgada parte ilegítima na execução e como tal absolvendo-se o recorrente da presente instância. Quanto à prescrição dos juros
9ª - O recorrente defende que os juros devem ser julgados prescritos desde 06/03/2005 até 10/01/2007.
10ª - A interrupção da prescrição face ao executado apenas opera com a interpelação judicial, que é alheio às questões relativas à citação pois só após esta é que tem conhecimento da execução e se torna consciente do processo e dos seus direitos e deveres.
11ª - O executado foi citado para a execução apenas em 10/01/2012, sendo face ao mesmo irrelevante a interrupção da prescrição do nº2 do art.323º do CCivil.
12ª - Apenas poderão ser exigidos ao recorrente os juros contados desde 10/01/2007 (data da citação), atenta a prescrição de juros ser de 5 anos.
13ª - Deve julgar-se pela prescrição dos juros reclamados pela exequente entre 06/03/2005 e 10/01/2007, absolvendo-se o executado deste pedido da execução.
Quanto à falta de título executivo e falta de pressupostos da ação executiva
14ª - O documento dado à execução não reúne os requisitos exigidos pelo art. 46º, 1, c) do CP Civil.
15ª - A dívida não se encontra determinada, nem é determinável em face do Doc.1 pois, o executado até à citação não foi devidamente interpelado para o vencimento da obrigação.
16ª - Não sendo a dívida exigível, falta um dos pressupostos à instância executiva – a exigibilidade da dívida.
17ª - E pelo Doc.1 dado à execução como titulo executivo não é possível determinar o montante da dívida vencida e qual a obrigação exata do devedor.
18ª - Perante a folha que constitui Doc.1 da execução, ao qual o devedor se vinculou, pois nenhumas outras lhe foram apresentadas, lidas ou dadas a assinar, não existe título executivo na presente execução.
19ª - Nos termos da al. c) do art. 46º do CP Civil, exige-se que resulte do título executivo em causa o valor determinado ou determinável da dívida, o que manifestamente não acontece no presente caso, pois a exequente não junta qualquer documento de interpelação, ou qualquer documento que demonstre o vencimento da dívida e qual o valor da dívida vencida. Falta a exigibilidade e a determinação à dívida cuja execução se pretende.
20ª - Não existindo título executivo, deve o executado ser absolvido do pedido formulado na instância executiva, por falta de pressupostos substantivos da instância executiva. Quanto à nulidade do contrato de crédito
21ª - Não foi respeitado pela exequente o disposto no art. 6º, nº1 do DL 359/91 de 21/09, pois quem vendeu a viatura ao recorrente propôs-lhe para assinatura o contrato de crédito junto aos autos, Doc.1 condições particulares,
22ª - O recorrente não contactou com a C... SA, mas tão somente com o estabelecimento comercial que vendeu o automóvel e que lhe deu o contrato de crédito elaborado pela C... SA para que o oponente o assinasse.
- factos provados sob o nº7 dos factos provados da sentença.
23ª - No momento de assinatura do contrato pelo recorrente, este não ficou com qualquer cópia do contrato tendo os seus exemplares sido recolhidos e remetidos à C... SA para a assinatura desta – factos provados sob o nº8 dos factos provados da sentença.
24ª – Provou-se que o contrato não foi assinado pela C... SA na presença do recorrente; não foi assinado em simultâneo e quando da assinatura do contrato pelo oponente, este não ficou com qualquer cópia. – factos provados sob os nºs7, 8 e 9.
25ª - Foi violado o disposto no nº1 do art. 6º do DL 359/91 de 21/09, para cuja violação se prevê a nulidade integral do contrato, por aplicação do art. 7º, nº1 do referido diploma legal.
26ª - Deveria o tribunal a quo ter julgado pela nulidade do contrato, pela inexistência de título executivo e consequentemente pela extinção da execução.
27ª - Invocou o recorrente que o contrato que subscreveu (Doc.1, condições particulares) não contempla a expressão das condições em que pode ser alterada a TAEG, conforme prevê o art.6º, nº2 c) do DL 359/91 de 21/09.
28ª - A consequência desta omissão é a da nulidade do contrato, que resulta do nº1 do art. 7º do mesmo diploma.
29ª - Deveria o tribunal a quo ter conhecido, apreciado e julgado pela nulidade do contrato em apreço, pelo vício formal ora invocado, para o que se intenta este recurso.
30ª – Nos termos dos arts.5º, 6º e 9º do DL 446/85 compete à entidade financeira cumprir o ónus de comunicação e informação para com o consumidor, conforme a lei exige.
31ª - Este dever de informação tem de ser cumprido de modo espontâneo, voluntário, imediato e direto ao consumidor.
32ª - É a entidade financeira que quando questionada judicialmente sobre tal matéria deve cumprir o ónus de provar que cumpriu com tal dever.
E no caso concreto esse dever não foi cumprido!
33ª - O ónus que resulta da lei impõe-se à entidade financeira e não ao consumidor. No caso, impõe-se à exequente e não ao recorrente.
34ª - O que resulta dos factos provados na sentença (sob os nºs 7 9)por si só, permite perceber perfeitamente que a exequente não cumpriu o dever que se lhe impõe, nem sequer se preocupou com isso.
35ª - A exequente não cumpriu com o dever que a lei lhe impõe. E isso resulta claramente dos factos provados, em especial do nº7 a 9.
36ª - Deve-se aplicar a lei e sancionar o contrato com a consequência legal que é a nulidade do mesmo e exclusão das cláusulas em causa.
37ª - O contrato assinado insere-se no âmbito dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais previamente estipuladas, ao qual se aplica o regime do DL 446/85, entretanto revisto pelos DL 220/95 e DL 249/99 – arts. 1º e 2º.
38ª - A entidade financeira C... SA não efetuou qualquer explicação ao recorrente sobre o conteúdo das cláusulas inscritas no contrato junto como Doc1, intituladas condições particulares, únicas que foram dadas a assinar.
39ª - Perante a violação por parte da entidade financeira dos deveres impostos pelos arts. 5º e 6º do diploma antes-citado, há que aplicar a lei, considerando-se as cláusulas inseridas no contrato assinado como excluídas do mesmo, aplicando-se a legislação geral supletiva, nos termos dos arts. 8º a) e b), atenta a nulidade do contrato.
40ª - Não se podendo aplicar no caso dos autos as cláusulas excluídas, por força do anteriormente alegado, não pode ser julgado qualquer incumprimento contratual do recorrente nos termos peticionados pela exequente.
41ª - Perante a exclusão das mencionadas cláusulas não pode proceder o pedido formulado pela exequente, devendo julgar-se pela procedência da oposição e consequente extinção da execução.
Termos em que, com os fundamentos expostos, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que julgue nos termos alegados.
A decisão recorrida assentou nos seguintes factos: 1. A exequente é uma sociedade anónima cujo objeto é a atividade bancária. 2. A oponida ao intentar a presente execução comum para pagamento de quantia certa apresentou como títulos executivos um contrato epigrafado de «Contrato de Crédito»,3. No rosto do documento referido em 2, sendo precedidas pela assinatura do executado, constam os seguintes dizeres: Entre a C... SA, sede: Rua... Lisboa, contribuinte nº..., matr. na conservatória do Registo comercial de Lisboa nº ..., capital social de 9 000 000 Euros e A..., contribuinte nº..., residente no Largo... Serpa C. postal7830 Serpa é convencionado e reciprocamente aceite o presente contrato de crédito o qual se rege pelas cláusulas inseridas no verso e ainda, pelas condições seguintes: Vendedor do bem: P... Preço a contado: 30925,47 Valor do crédito concedido Entrada inicial: 3242,19 Valor do crédito solicitado (….) Seguro de vida Taxa nominal 15,277% (….) TEAG 17%78 Reembolso em 72 prestações de 608,32 Imposto de selo 17.24 3,00 c/ inicio a 5/8/2002, no valor de 43 799,00 Comissão de credito € 75,00 incluindo imposto de selo 17.2.1 de 602,93 Reserva de Propriedade € 182,76 (…) O valor deste crédito destina-se à aquisição de automóvel semi-novo Subaru (…) que o consumidor declara ter recebido completo e em perfeitas condições, devendo o respetivo montante ser liquidado pela C... SA ao vendedor acima referido. (….) Declaramos ter conferido os elementos constantes deste contrato e ter tomado conhecimento de todas as suas cláusulas insertas no verso, sobre as quais nos consideramos esclarecidos. 4. No verso do documento referido em 2), se que o executado ai tenha aposto a sua assinatura, constam entre outras as cláusulas com seguintes epigrafes e teor: Cláusula I (objecto do contrato) (…) Cláusula II (reembolso do crédito) (…) Cláusula III (antecipação do reembolso) (…) Cláusula IV (exercício do direito de revogação) (…) Cláusula V (Outros deveres do consumidor e deficiências do bem financiado) (…) Cláusula VI (Cessão de créditos emergentes do presente contrato) Os consumidores declaram autorizar o credor a ceder a terceiros, no todo ou em parte os créditos emergentes do presente contrato de crédito Cláusula VII (livrança de caução) (…) Cláusula VIII (encargos com prestação de garantias) (…) Cláusula VIII (encargos com prestação de garantias) (…) 1. Caso não seja possível entregar aos consumidores, no momento da respetiva celebração, o duplicado do contrato de crédito assinado pelo credor, ser-lhes-á sempre entregue um exemplar do mesmo contrato, contendo todos os demais elementos exigidos pela lei. 2. Assim, tendo presente o disposto no nº1 do artigo 6º do Decreto Lei nº 359/91 de 21/09, que impõe a entrega aos consumidores de um exemplar do contrato de credito, no momento da sua celebração, aqueles declaram ter recebido esse exemplar e concordar com que lhe seja enviado, posteriormente, por via postal o contrato assinado pelo credor Cláusula X ( Atualização nos termos contratuais) (…) Cláusula XI( Seguro de Vida) (…) Cláusula XII( Seguro de Proteção de Crédito) (…) Cláusula XIII (Incumprimento) 1. No caso de incumprimento do presente contrato de crédito, o credor cobrará juros de mora calculados com base na taxa de juro contratual, acrescida de 4% (…) assim como quaisquer outras despesas ou encargos a ele inerentes, incluindo penalidade no valor de 10% sobre cada prestação em atraso 2. O não cumprimento por parte dos consumidores de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato de credito confere igualmente ao credor o direito de considerar antecipadamente vencido todo o crédito independentemente de interpelação. Cláusula XII ( Seguro de Protecção de Crédito) (…) 5. Em 05.03.2005 venceu-se e ficou por pagar a 32º prestação convencionada pelas partes. 6. O executado deve à exequente o montante de € 13 848,92 (treze mil oitocentos e quarenta e oito euros e noventa e dois cêntimos). 7. O executado não contactou com a C..., SA, mas tão-somente com o estabelecimento comercial que lhe vendeu o automóvel, o qual lhe cedeu o contrato para que o oponente o assinasse 8. O executado após a aposição da sua assinatura no contrato não ficou com qualquer cópia sua tendo os exemplares sido recolhidos pelo vendedor que vendeu a viatura para que fossem remetidos a C... SA. 9. A C... SA e o oponente não assinaram o contrato em simultâneo. 10. Nenhum representante da C... SA, no momento referido em 8), não explicou quer a as cláusulas particulares quer as gerais constantes do contrato ao executado. 11. O executado entregou à exequente o cheque nº... do BES, datado de 09.03.2005, para pagamento do valor referido em 6), o qual viria a ser devolvido.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684 nº3 e 685-A nº1 do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635 nº 4, 637 nº2 e 639 do N. Cód. Proc. Civil.
Nesta conformidade, o recorrente coloca à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1 – Ilegitimidade da exequente porque é nula a cessão de créditos que a colocou como parte ativa nestes autos (?)
2 – O contrato de crédito é nulo por:
- Violação do disposto no nº1 do art. 6º do DL 359/91 de 21/09;
- Nos termos dos arts. 5º, 6º e 9º do DL 446/85 compete à entidade financeira cumprir o ónus de comunicação e informação para com o consumidor, e aquela não o fez;
- A entidade financeira C... SA não efetuou qualquer explicação ao recorrente sobre o conteúdo das cláusulas inscritas no contrato junto como Doc1, intituladas condições particulares, únicas que foram dadas a assinar.
3 - Estão prescritos os juros contados desde 6-3-2005 a 10-1-2007 (?)
4 – Há inexigibilidade da dívida exequenda e inexistência de título executivo (?)
Vejamos:
1 – Quanto a esta questão alega o recorrente que “… celebrou o contrato de crédito a C... SA, NIPC... e não com a exequente - sociedade C... SA, com NIPC 504868713; a cessão do crédito que a C... SA terá feito a favor da C... SA nunca foi comunicada ao recorrente, nem por este consentido; faltando tal comunicação e consentimento, que resulta como necessária dos arts. 424º e ss do C. Civil, a cessão do crédito é ineficaz; a eficácia da cessão do crédito, condiciona a exequibilidade do documento, ferindo a execução de ilegitimidade da exequente.
A decisão recorrida, nesta parte, limitou-se a dizer que “ … a lei prescinde do consentimento do devedor, na hipótese da cessão de créditos, a qual que se basta com a sua notificação, podendo a mesma ser quer judicial, quer extrajudicial – artigos 577º, nº 1 e 583º, nº 1, todos do CC, pelo que pode ter lugar por virtude do acto da própria citação, se não tiver ocorrido em momento anterior.
É verdade, mas podemos acrescentar que quando o art. 424 do Código Civil (disposição legal em que o recorrente se apoia) nos dá a noção de “cessão da posição contratual” e nos diz:
1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
2. (...)
se refere a prestações reciprocas. Portanto os débitos e os créditos que tinha em face do cedente passa a tê-los perante um terceiro e este pode não lhe agradar. Pode, inclusive, tratar-se de pessoa com falta de escrúpulos ou carências financeiras, daí que a cessão tem, para ser eficaz, de ser transmitida à parte – cfr. Galvão Telles in “Manual dos Contratos em Geral”, pág. 455.
Raul Ventura, in Sociedade por Quotas, Vol. I, pág. 579, referindo-se à norma do art. 424 do Código Civil e sobre a interpretação da expressão “prestações recíprocas” esclarece-nos sobre o alcance da mesma: «… Ao escrever aquelas palavras, o legislador pretendeu resolver o problema de saber se existe possibilidade de “cessação da posição contratual” quando a posição resulte de um contrato unilateral. O problema é resolvido negativamente por se considerar, nas palavras de VAZ SERRA, que “se do contrato somente resultam créditos de uma das partes e dívidas para a outra, não pode falar-se em cessão da posição contratual ou do contrato; o que pode então haver é cessão dos créditos ou assunção das dívidas. Para que haja cessão da posição contratual ou do contrato, é necessário que do contrato derivem créditos e dívidas para ambas as partes”».
No caso em apreço, o recorrente (executado) é apenas devedor e o que se verificou foi uma cessão dos créditos da C... SA, para a S... SA, ficando esta titular dos créditos daquela em relação ao recorrente.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça este contrato - contrato de Factoring - vem sendo definido, como “O contrato que se consubstancia por um lado, numa cessão de créditos e, por outro, na assunção por parte de sociedade de factoring, de três tipos de responsabilidades distintas: as dos riscos inerentes à futura cobrança dos créditos cedidos, a da eventual insolvabilidade do devedor e a da concessão de financiamento ao cedente.”– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1997, in www.stj.pr.
O contrato de "factoring" caracteriza-se, pois, pela transferência de créditos a curto prazo do seu titular (cedente, aderente ao factor) para um factor (cessionário), créditos esses resultantes da venda de produtos ou prestação de serviços a terceiros (devedores cedidos).
Embora de natureza essencialmente comercial, este contrato assume a natureza de uma cessão de créditos, sendo-lhe, como tal, aplicável o regime jurídico contemplado nos arts. 577 e sgs. do Código Civil.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.1999, in www.stj..pt, escreveu-se: “Na cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art. 577 Código Civil. O crédito transferido fica inalterado: apenas se verifica a substituição do credor originário por um novo credor”.
Ou seja, cedente e cessionário têm intervenção ativa e a terceira pessoa – o devedor – passiva, uma vez que se não exige o seu consentimento.
O cessionário adquire o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu interesse e daí reter o objeto da prestação como coisa sua, e o cedente perde esse poder. Opera-se inter partes desde a conclusão do contrato, independentemente da sua notificação ao devedor, em aplicabilidade do princípio da eficácia imediata das convenções negociais – art. 408, nº1 Código Civil – cfr. Prof. M. Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, Pg. 97.
Em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, pois só a partir da notificação ele fica obrigado perante o cessionário – nº 1 art. 583.º.
Dirige-se, deste modo, a tutela da lei, a impedir que a modificação da obrigação quanto ao credor venha a prejudicar os meios de defesa a que o devedor poderia ter recorrido, caso ela não se tivesse verificado, meios que só lhe ficam vedados quando assentem em factos posteriores ao conhecimento da cessão – Ob. Cit., pág. 408.
O objetivo legal é pois que o devedor, como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não veja a sua situação alterada, no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito.
Por isso, a notificação, enquanto comunicação do facto, visa, tão só, a proteção do devedor de boa-fé, que deve manter-se a coberto dos riscos de um negócio a que foi alheio, marcando, a um tempo, os termos inicial e final de utilização dos meios de defesa oponíveis pelo devedor.
Ora dispõe o art. 577 do Código Civil: 1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor. 2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão.
Resulta da descrita norma que a cessão de créditos está na livre disponibilidade das partes vinculadas por uma obrigação de natureza pecuniária e sem prévia dependência do consentimento do devedor, desde que entre este e o cedente não esteja consensuado ou convencionado que essa cessão ou cedência dos créditos que aquele (devedor) tem de cumprir perante este (cedente/credor) mereça restrição/consentimento.
“A convenção que estipula esta limitação ou proibição de cessão de créditos pode assumir diversas razões ou ter como causa relações contratuais específicas, particulares e próprias que os contraentes pretendam salvaguardar na relação negocial que estabeleceram … No caso da cessão de créditos, a lei ao estabelecer esta limitação/proibição de cessão - por estatuição de convenção de prévio consentimento do devedor - quis certamente salvaguardar situações em que o negócio efetuado reveste uma especifica natureza, pela qualidade das partes envolvidas ou por injunções/compromissos exteriores ou externos ao contrato, como pode ocorrer no caso de um contrato celebrado pelo devedor estar dependente de financiamento e o financiador tiver feito depender a concessão do crédito de determinadas condições. Neste caso, ao financiado, que assumirá a qualidade de devedor no futuro contrato, pela vinculação a uma obrigação externa, mas que tem, naturalmente, reflexos e repercussões na sua liberdade de contratar com outrem, não restará se não incluir no contrato que venha a celebrar uma cláusula de salvaguarda, que reflita e precipite a obrigação externa a que se comprometeu e vinculou” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-1-2012, in www.dgsi.pt .
Voltando ao caso em apreço, não só não foi convencionado entre o recorrente e a C... SA, qualquer cláusula de salvaguarda de necessidade de prévio consentimento, no caso de a sociedade pretender ceder os créditos que adviriam do contrato de credito firmado, como resulta do mesmo – cfr. Cláusula IV – “os consumidores declaram autorizar o credor a ceder a terceiros, no todo ou em parte os créditos emergentes do presente contrato de crédito”.
Sendo assim, e sem necessidade de mais considerações, a cessão de créditos operada não está ferida de qualquer nulidade pelo que a legitimidade da exequente se encontra legalmente fundada nos autos.
2 – O contrato de crédito dos autos é nulo (?)…
Provou-se com relevância para a apreciação desta questão o seguinte:
(…) 3 - Entre a C... SA, sede: Rua... Lisboa, contribuinte nº..., matr. na conservatória do Registo comercial de Lisboa nº ..., capital social de 9 000 000 Euros e A..., contribuinte nº ..., residente no Largo... Serpa é convencionado e reciprocamente aceite o presente contrato de crédito o qual se rege pelas cláusulas inseridas no verso e ainda, pelas condições seguintes: Vendedor do bem: P... Preço a contado: 30925,47 Valor do crédito concedido Entrada inicial: 3242,19 Valor do crédito solicitado (….) Seguro de vida Taxa nominal 15,277% (….) TEAG 17%78 Reembolso em 72 prestações de 608,32 Imposto de selo 17.24 3,00 c/ inicio a 5/8/2002, no valor de 43 799,00 Comissão de credito € 75,00 incluindo imposto de selo 17.2.1 de 602,93 Reserva de Propriedade € 182,76 (…) O valor deste crédito destina-se à aquisição de automóvel semi-novo Subaru (…) que o consumidor declara ter recebido completo e em perfeitas condições, devendo o respectivo montante ser liquidado pela C... SA ao vendedor acima referido. (….) Declaramos ter conferido os elementos constantes deste contrato e ter tomado conhecimento de todas as suas cláusulas insertas no verso, sobre as quais nos consideramos esclarecidos. 4. No verso do documento referido … constam entre outras as cláusulas com seguintes epigrafes e teor: Cláusula I (objecto do contrato) (…) Cláusula II (reembolso do crédito) (…) Cláusula III (antecipação do reembolso) (…) Cláusula IV (exercício do direito de revogação) (…) Cláusula V (Outros deveres do consumidor e deficiências do bem financiado) (…) Cláusula VI (Cessão de créditos emergentes do presente contrato) Os consumidores declaram autorizar o credor a ceder a terceiros, no todo ou em parte os créditos emergentes do presente contrato de crédito Cláusula VII (livrança de caução) (…) Cláusula VIII (encargos com prestação de garantias) (…) Cláusula VIII (encargos com prestação de garantias) (…) 1. Caso não seja possível entregar aos consumidores, no momento da respectiva celebração, o duplicado do contrato de crédito assinado pelo credor, ser-lhes-à sempre entregue um exemplar do mesmo contrato, contendo todos os demais elementos exigidos pela lei. 2. Assim, tendo presente o disposto no nº1 do artigo 6º do Decreto Lei nº 359/91 de 21/09, que impõe a entrega aos consumidores de um exemplar do contrato de credito, no momento da sua celebração, aqueles declaram ter recebido esse exemplar e concordar com que lhe seja enviado, posteriormente, por via postal o contrato assinado pelo credor Cláusula X ( Actualização nos termos contratuais) (…) Cláusula XI( Seguro de Vida) (…) Cláusula XII( Seguro de Protecção de Crédito) (…) Cláusula XIII (Incumprimento) 1. No caso de incumprimento do presente contrato de crédito, o credor cobrará juros de mora calculados com base na taxa de juro contratual, acrescida de 4% (…) assim como quaisquer outras despesas ou encargos a ele inerentes, incluindo penalidade no valor de 10% sobre cada prestação em atraso 2. O não cumprimento por parte dos consumidores de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato de credito confere igualmente ao credor o direito de considerar antecipadamente vencido todo o crédito independentemente de interpelação. Cláusula XII ( Seguro de Protecção de Crédito)
(…) 7 - O executado não contactou com a C..., SA, mas tão-somente com o estabelecimento comercial que lhe vendeu o automóvel, o qual lhe cedeu o contrato para que o oponente o assinasse. 8. O executado após a aposição da sua assinatura no contrato não ficou com qualquer cópia sua tendo os exemplares sido recolhidos pelo vendedor que vendeu a viatura para que fossem remetidos a C... SA. 9. A C... SA e o oponente não assinaram o contrato em simultâneo. 10. Nenhum representante da C... SA, no momento referido em 8), não explicou quer a as cláusulas particulares quer as gerais constantes do contrato ao executado.
Os factos descritos reproduzem o chamado contrato de crédito ao consumo a que se refere o DL 359/91 de 21-9-1991, em vigor ao tempo de sua outorga.
Nele se revela a formação e subscrição de um contrato de mútuo bancário e, ainda, um contrato de compra e venda que, embora distintos e autónomos, deixam antever uma ligação funcional entre si, pois, além de um dos sujeitos comungar ambos os contratos, o crédito mutuado serviu para financiar o pagamento do automóvel que foi objeto da compra e venda.
Alega o Recorrente que o contrato não foi assinado pela C...SA na presença do oponente; não foi assinadoem simultâneo e quando da assinatura do contrato pelo oponente, este não ficou com qualquer cópia. Foi violado o disposto no nº1 do art. 6º do DL 359/91. o contrato que subscreveu (Doc.1,condições particulares) não contempla a expressão das condições em que pode ser alterada a TAEG, conforme prevê o art.6º, nº2 c) do DL 359/91 de 21/09.
A decisão recorrida fez a seguinte apreciação:
“ … segundo o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa explanado no seu Acórdão de 24/04/2007, Proc. nº 10379/2006-1, disponível in www.dgsi.pt, que acompanhamos na íntegra, “O disposto no artº 6º nº1 do DL 359/91 de 21.09, não se aplica aos denominados contratos entre ausentes, rectius aqueles em que as assinaturas dos outorgantes são apostas em momentos diferentes. II. Bastando, nestes casos, que o exemplar do contrato seja enviado ao consumidor após a assinatura do locador e começando o prazo do período de reflexão a contar-se apenas a partir da data desta entrega, recaindo sobre o locador o ónus da prova da data da mesma em caso de dúvida ou litígio”. Ora, sobre o posterior envio do contrato o executado nada alega, pondo a tónica apenas no momento da sua celebração, pelo que se desconhecesse se foi ou não feito o referido envio, factualidade essa que sempre competia ao executado alegar e provar. No que concerne à alegada falta de informação do executado, por parte da mutuária, no momento da celebração do contrato, reza o art. 8º da Lei nº 24/96 de 31 de Julho (Lei de defesa do consumidor), “1- O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico. (…) 4 - Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do direito de retractação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de serviços. (…)”. Para apreciação desta questão, é ainda relevante enunciar o art. 5º do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável in casu, uma vez que o contrato de crédito ao consumo subscrito entre a Exequente e o Executado contém cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, cujos proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar (conforme art. 1º). O nº 1 do art. 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro deste diploma dispõe que, “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las”. A exigência de comunicação divide-se em dois itens: - a comunicação na íntegra; - a comunicação adequada e atempada, de acordo com bitolas a apreciar segundo as circunstâncias. O nº 3 do art. 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro dispõe sobre o ónus da prova: ao utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais cabe provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar. Segundo o PROF. MENEZES CORDEIRO, o cumprimento do dever de comunicar prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoantes as circunstâncias. Assim, perante actos correntes e perante clientes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam (“Manual de Direito Comercial, 2ª Edição, 2009, Almedina). Ainda segundo o entendimento explanado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16/12/2009, Proc. nº 872/08.0TBCHV.P1, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos na íntegra, “I – O dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais, imposto pelo art. 5º do DL nº 446/85, de 25.10, é adequadamente cumprido quando o contratante que as submete a outrem proporcione ao outro contraente a possibilidade razoável de, usando de comum diligência, tomar real e efectivo conhecimento do teor das cláusulas (…). Ora, in casu, atenta a matéria de facto alegada pelo oponente, e não contradita pela exequente, as condições gerais já se encontravam impressas no verso documento, pois que ate existiam remissões para as mesmas no rosto de tal documento. O contrato também foi entregue ao executado para que o mesmo assinasse, como o mesmo admite, tendo o mesmo expressamente declarado que tinha tomado conhecimento de todas as cláusulas, nomeadamente as insertas no verso, após a sua assinatura. Assim sendo, de entre a factualidade alegada pelo executado decorre que este teve, pois, efectiva oportunidade de ler o contrato antes de proceder à sua assinatura, assim como de se informar junto da exequente ou mesmo do fornecedor do bem, dissipando qualquer dúvida quanto à totalidade das cláusulas dele constantes. Pelo que se o exequente não leu o contrato, como refere, foi porque não quis, sendo que da sua, aliás, anormal incúria negocial não pode o mesmo retirar qualquer vantagem. Mais se dirá que, no caso concreto, nem sequer se pode, ante a matéria de facto alegada, concluir pelo incumprimento do dever de informar imputável à mutuária, pois que esta não estava presente no acto, desconhecendo-se se o vendedor do veículo, em representação da C... SA, cumpriu tal dever, pois que se trata de factualidade omitida pelo executado. Acresce que a omissão do dever de informar tem, como supra referido, de ser aferida em função do caso concreto e até do modo como se processo a contratação. Diremos ate que devemos ser mais exigentes com o cumprimento de tal dever no caso das chamadas vendas agressivas, vendas em que não é o consumidor que procura o produto, e em que o bem ou serviço lhe é, verdadeiramente impingido pelo prestador de serviço. Contudo, nos outros casos, ou seja naqueles em que é o próprio consumidor que toma a iniciativa de contratar e em que o contrato é celebrado à distancia, deve o próprio consumidor colaborar, de forma activa, no cumprimento de tal ónus contratual, apenas se podendo falar de incumprimento de tal dever quando apesar da actuação normalmente diligente do consumidor, que se dirige ao prestador do serviço, este nenhumas informações presta. Pelo que entendemos que a matéria de facto alegada não revela a omissão do dever de informação a cargo do prestador de serviço”.,
Subscrevemos na íntegra a fundamentação transcrita.
Aliás, o próprio contrato acautelou os vícios ora suscitados pelo recorrente.
Assim a Cláusula VIII (encargos com prestação de garantias) dispõe:
(…)
1. Caso não seja possível entregar aos consumidores, no momento da respectiva celebração, o duplicado do contrato de crédito assinado pelo credor, ser-lhes-à sempre entregue um exemplar do mesmo contrato, contendo todos os demais elementos exigidos pela lei.
2. Assim, tendo presente o disposto no nº1 do artigo 6º do Decreto Lei nº 359/91 de 21/09, que impõe a entrega aos consumidores de um exemplar do contrato de credito, no momento da sua celebração, aqueles declaram ter recebido esse exemplar e concordar com que lhe seja enviado, posteriormente, por via postal o contrato assinado pelo credor…”
Por outro lado, configurando o contrato celebrado entre autor e a C... SA., um contrato de crédito ao consumo, integra a categoria dos chamados contratos de adesão e sujeita-se, por isso mesmo, ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais a que se refere o DL 446/85 de 25.10 (sucessivamente alterado pelos DL 220/95 de 31.08 e 249/99 DE 7.07.
No âmbito desse regime, competia à C... SA, na qualidade de entidade que implementava as Cláusulas Contratuais Gerais, o dever de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, dos aspetos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se tornasse necessária, bem como de prestar todos os esclarecimentos solicitados por esta última (artº6º do citado DL 446/85).
Este regime de favor em relação ao aderente tem por alcance garantir que ele fica ciente do significado do que é clausulado e de suas implicações, com vista a garantir “um exercício idóneo da autonomia privada” (Almeida Costa/Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 25), ou seja, concorrer para uma contratação livre, responsável, esclarecida, em suma, de boa fé.
Este escopo protecionista da lei das Cláusulas Contratuais Gerais não dispensa o consumidor de conduta diligente, zelosa e cuidada que a boa fé aconselha e exige, mas também não onera o promotor das cláusulas de adesão com incumbências de tutela sobre o mesmo consumidor que o resguardem de negligência ou descuido.
Explicitou o recorrente que a omissão de informação consistiu na falta de explicação das condições em que pode ser alterada a TAEG.
Mas o recorrente, também, não deixou evidenciado se tomou a iniciativa de solicitar os esclarecimentos necessários a esse propósito, como a referenciada norma lhe impõe.
Como parece resultar do conteúdo daquele dever de informação, a sua violação pressupõe que o clausulado em apreço, independentemente de sua extensão e complexidade, não permita a compreensão de seu alcance, sem o recurso a esforço e diligência anormais.
Como ressalta do seu simples exame, estamos perante um contrato perfeitamente vulgar, pouco extenso, com cláusulas de compreensão acessível a pessoa normalmente diligente cuja formalização deixa a descoberto todos os elementos que, dado o seu escopo protecionista do consumidor, o artº6º do citado DL 359/91 impõe que sejam reduzidos a escrito, nele se não vislumbrando sinal de necessidade de mais completa informação.
Por outro lado na Cláusula XIII (Incumprimento) ao prevenir-se da situação de incumprimento, prestou um devido esclarecimento sobre a variação da TAEG:
1. No caso de incumprimento do presente contrato de crédito, o credor cobrará juros de mora calculados com base na taxa de juro contratual, acrescida de 4% (…) assim como quaisquer outras despesas ou encargos a ele inerentes, incluindo penalidade no valor de 10% sobre cada prestação em atraso
2. O não cumprimento por parte dos consumidores de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato de crédito confere igualmente ao credor o direito de considerar antecipadamente vencido todo o crédito
De todo o exposto resulta claro que o recorrente teve à sua disposição, naquelas circunstâncias concretas, usando de diligência equivalente, a informação suficiente para as subscrever todas as cláusulas, como, aliás, fez, e repete-se, sem dar mostras de necessidade de mais completa informação.
Improcede pois, nesta parte, o recurso em apreço.
3 - Estão prescritos os juros contados desde 6-3-2005 a 10-1-2007 (?)
O tribunal julgou prescritos os juros entre 06/03/2005 e 22/10/2005.
Alega o recorrente que os juros devem ser julgados prescritos desde 06/03/2005 até 10/01/2007. A interrupção da prescrição face ao executado apenas opera com a interpelação judicial do devedor, que é alheio às questões relativas à citação pois só após esta é que tem conhecimento da execução e se torna consciente do processo e dos seus direitos e deveres. O executado foi citado para a execução apenas em 10/01/2012, sendo face ao mesmo irrelevante a interrupção da prescrição do nº2 do art.323º do CCivil. Apenas poderão ser exigidos ao recorrente os juros contados desde 10/01/2007 (data da citação), atenta a prescrição de juros ser de 5 anos.
Vejamos o que decidiu, nesta parte a decisão recorrida:
“Prescreve artigo 310º do Código Civil al. d) do Código Civil que prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (…). A propósito da interrupção do prazo prescricional - dispõe ,por sua vez, o n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil que «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias». Por conseguinte, nos termos desta norma, instaurada a acção, o prazo de prescrição que esteja a correr interrompe-se por mero efeito da instauração da acção contra o devedor logo que decorram os mencionados cinco dias. O que implica que baste o acto da instauração da acção para interromper o prazo prescricional. Isto porque o efeito interruptivo, sendo como é automático, ocorre logo que passem os mencionados cinco dias, sendo irrelevante, depois, que a citação venha ou não a efectuar-se, podendo-se concluir que esta nada acrescenta ao efeito interruptivo já verificado, não existindo uma segunda interrupção. O que se compreende se se olhar ao fundamento material da prescrição. Ora, o credor ao instaurar a acção revela um comportamento contrário ao que está na base da existência da prescrição e daí que o legislador lhe tenha concedido uma forma de obter um dos efeitos típicos da citação quando, por razões que não lhe são imputáveis, o tribunal não efectua a citação em prazo razoável, que a lei estipulou ser de cinco dias. Verifica-se, por conseguinte, ser irrelevante a realização tardia do acto formal de citação do mutuário, nestes autos de execução. O prazo de prescrição dos juros é de cinco anos (artº 310., al. d), do CC). O prazo de prescrição dos juros interrompeu-se, assim, cinco dias após a instauração da execução (artº 323º, nº 2, do Código Civil), sendo que a presente acção deu entrada em juízo no dia 16 de Outubro de 2010. Verifica-se, por conseguinte, de acordo com a regra do artigo 279.º do Código Civil, que a interrupção ocorreu no dia 22 de Outubro de 2010. Como a interrupção inutiliza todo o prazo decorrido até então e dá início a novo prazo, nos termos do n.º 1 do artigo 326.º e n.º 2 do artigo 327.º do Código Civil. Pelo que os juros vencidos dentro dos cinco anos anteriores à interrupção da prescrição não estão prescritos. Assim, não estão prescritos os juros vencidos entre 22 de Outubro de 2005 e 22 de Outubro de 2010, pois, relativamente a estes, ainda não tinham decorrido mais de cinco anos à data da interrupção da prescrição. Encontram-se, contudo prescritos os juros vencidos entre 06.03.2005 e 21.10.2005
Assim é.
Na verdade, tendo a ação dado entrada em tribunal no dia 16-10-2010, contados os 5 dias a que alude o art. 323 nº2 do Código Civil, a interrupção ocorreu no dia 22 de Outubro de 2010. Logo todos os juros vencidos até aos cinco anos imediatamente anteriores a 22-10-2010 estão prescritos – art. 310 al. d) do Código Civil. Continuando a vencer-se juros, com prazo “ex novo” a partir de 22-10-2010 – art. 326 nº1 do Código Civil.
4 - Há inexigibilidade da dívida exequenda e inexistência de título executivo (?)
O contrato assinado pelo recorrente na Cláusula XIII (Incumprimento) refere: 1. No caso de incumprimento do presente contrato de crédito, o credor cobrará juros de mora calculados com base na taxa de juro contratual, acrescida de 4% (…) assim como quaisquer outras despesas ou encargos a ele inerentes, incluindo penalidade no valor de 10% sobre cada prestação em atraso; 2. O não cumprimento por parte dos consumidores de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato de credito confere igualmente ao credor o direito de considerar antecipadamente vencido todo o crédito independentemente de interpelação.
Por outro lado resulta da matéria de facto provada que “ Em 05.03.2005 venceu-se e ficou por pagar a 32º prestação convencionada pelas partes”;
Dispõe o art. 46 nº1 al. c) que serve de base à execução “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes…”
Ora do que ficou dito ressalta com clareza que o título que a exequente trouxe à execução, não sofrendo, como se demonstrou, de qualquer vício que abale a obrigação nele revelada, tem força capaz e suficiente para a execução em causa nos termos da descrita disposição legal. Decisão:
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)
Évora, 27-3-2014
Relatora: Des. Assunção Raimundo
1º Adjunto: Des. Sérgio Abrantes Mendes
2º Adjunto: Des. Luis Mata Ribeiro