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ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMISSÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMITENTE
Sumário
I) - A responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende da verificação de dois requisitos cumulativos, nos termos do artº. 503º, nº. 1 do Código Civil: ter a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse (ainda que por intermédio de comissário). II) - Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento. III) - A utilização no próprio interesse visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas no interesse ou às ordens de outrem (o comitente). IV) - O condutor de um veículo que apenas opere na qualidade de comissário, sem haver culpa efectiva ou presumida, não é susceptível de ser responsabilizado pelo risco, nos termos do artº. 503º, nº. 1 do Código Civil, uma vez que não lhe pertence a direcção efectiva desse veículo, nem este é utilizado no seu próprio interesse. V) - Se o acidente for causado por um condutor por conta de outrem, isto é, por um comissário do responsável pelo risco do veículo (artº. 503º, nº. 1 do Código Civil), o condutor é responsável pelo dano que cause a terceiro, solidariamente com o comitente, salvo se provar que não teve culpa na produção do acidente (artº. 503º, nº. 3 do Código Civil). VI) - O facto do comissário ter adormecido enquanto conduzia o veículo, o que levou a que se despistasse e fosse embater numa árvore, consubstancia culpa efectiva na produção do acidente, não tendo aquele observado o dever geral de cuidado e atenção que se impõe a todo o condutor prudente e diligente que circule na estrada, violando, assim, a regra constante do artº. 13º, nº. 1 do Código da Estrada. VII) - Ainda que a culpa efectiva não se tivesse provado, o facto de se ter apurado que o Réu conduzia o veículo sob as ordens e no interesse do seu patrão, proprietário do veículo, consubstancia uma presunção de culpa, nos termos do artº. 503º, nº. 3 do Código Civil.
Sumário da relatora
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I. RELATÓRIO Fundo de Garantia Automóvel intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra P... e R..., pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia total de € 22 754,04 e os correspondentes juros de mora à taxa legal, vincendos desde 20/04/2010, bem como as despesas de liquidação e cobrança que se vierem a liquidar em execução de sentença.
Para tanto alega, em síntese, que em 29 de Janeiro de 2008, pagou ao Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) uma indemnização no valor de € 20 118,40, em cumprimento da sentença proferida no processo ordinário nº. 6888/04.9TVLSB, que correu termos na 6ª Vara Cível de Lisboa - 2ª Secção, relativa à assistência hospitalar prestada a L..., dadas as lesões por ele sofridas em consequência de acidente de viação ocorrido em 16/03/2003, em que são responsáveis o R. R..., como condutor do veículo VC-...-... e comissário, e o R. P..., como proprietário desse veículo e comitente em relação ao outro Réu.
Refere, ainda, que o lesado seguia como passageiro no mencionado veículo, que se despistou, o qual, à data do acidente, não dispunha de seguro válido e eficaz, sendo que o 2º R., que era vendedor de automóveis, conduzia o VC, no momento do sinistro, sob as ordens e direcção e no interesse do 1º Réu.
O R. R... contestou, alegando, em síntese, que conduziu a referida viatura porque estava convicto de que a mesma se encontrava segurada, tendo-o feito por ordem e no interesse do seu patrão, o R. P..., o qual era proprietário do stand e dono da viatura, sendo ele quem tomava todas as decisões relacionadas com o stand, nomeadamente com os pagamentos dos seguros das viaturas e, por isso, é o único responsável do veículo não ter o seguro em ordem.
Conclui, pedindo a sua absolvição do pedido ou, caso assim não se entenda, a sua condenação solidária com o R. P....
Por sua vez, o R. P... apresentou contestação, alegando, em síntese, que à data do acidente já havia vendido o veículo em causa, não tendo ainda procedido ao registo da propriedade, razão pela qual não tinha efectuado seguro válido e efixaz, sendo que o 2º R. utilizou aquele veículo sem a sua autorização e conhecimento, impugnando, ainda, os factos alegados pelo Autor.
Invoca, ainda, a prescrição do direito do A. em face do tempo decorrido desde o trânsito em julgado da sentença proferida na aludida acção cível.
Termina, pedindo a sua absolvição do pedido com fundamento na prescrição do direito de indemnização e, em todo o caso, a improcedência da acção.
O A. replicou, defendendo a improcedência da excepção de prescrição por, em seu entender, o prazo de prescrição só ter tido início com o pagamento da indemnização ao lesado pelo FGA.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar e a prolação de despacho de condensação.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Após a resposta à matéria de facto alegada na petição inicial e nas contestações apresentadas pelos RR., que não sofreu qualquer reclamação, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
- absolveu o R. R... do pedido contra ele formulado pelo Autor Fundo de Garantia Automóvel;
- condenou o R. P... a pagar ao Autor Fundo de Garantia Automóvel a quantia de € 17 327,08, acrescida de juros vencidos no valor de € 5 426,96 e vincendos, à taxa legal, contados desde 20/04/2010 e calculados sobre a mesma quantia, bem como as despesas de liquidação e cobrança que se vierem a liquidar em execução de sentença.
Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
«I - Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de fls__, que condenando o R. P..., absolve, no entanto, o R. R..., decisão com que se não conforma o FGA.
II - Da matéria de facto julgada provada, constante da douta sentença, consta: “16.º: - O Réu R..., que conduzia o veículo VC, adormeceu e despistou-se para o lado direito, atento o seu sentido de marcha, indo colidir com uma árvore que se localizava fora da via de trânsito, tendo-se imobilizado na faixa da esquerda, a 15 metros do local em que embateu.”
III - O Meritíssimo Juiz a quo, na fundamentação de direito, constante da douta sentença, na parte relativa à apreciação do pedido, expõe: “C – Não tendo sido provados factos causadores da sonolência do condutor, que adormeceu ao volante, nem factos integradores da sua imprudência ou falta de cautela, mostram-se os autos despojados de factualidade integradora da sua culpa na ocorrência do evento causador do dano, a cuja reparação atendeu o Autor.”
IV - Face à matéria de facto julgada provada, designadamente a que supra se transcreveu, teria que ser, necessariamente, outra, a decisão do julgador.
V - Salvo o devido respeito, que é muito, não é relevante a causa pela qual o Réu R... adormeceu, a verdade é que, por causa de ter adormecido enquanto conduzia, o veículo despistou-se, tendo embatido numa árvore, causando os danos nestes autos peticionados.
VI - A matéria de facto julgada provada conduz a uma solução diversa, pois é suficiente para se concluir que o Réu R... causou o acidente dos autos, pois adormeceu e despistou-se.
VII - Violou, com a sua conduta, o R. R... o art. 13.º, n.º 1 do Código da Estrada, que prescreve “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.”
VIII - Não há qualquer causa que justifique o despiste do veículo conduzido pelo Réu R…, e resultou provado, conforme se alcança da matéria de facto, que o mesmo adormeceu ao volante e se despistou para o lado direito da faixa de rodagem, embatendo numa árvore e causando os danos peticionados nestes autos.
IX - Tais factos consubstanciam culpa efectiva na produção do acidente, por parte do R. R..., nos termos do art.483.º do C.Civil, demonstrando-se violado o art. 13.º do Código da estrada.
X - Ainda que culpa efectiva não se tivesse provado, o que se aduz sem conceder, o facto 9.º da matéria de facto julgada provada constante da douta sentença consubstancia uma presunção de culpa.
XI - Resultou provado que o Réu R… trabalhava às ordens e no interesse do seu patrão. Estamos perante a presunção de culpa do art. 503.º do C. Civil, que a douta sentença recorrida, ao não aplicar também violou.
XII - O R. R... deve ser considerado culpado do acidente dos autos, quer seja por culpa efectiva, nos termos do art. 483.º do C. Civil (violação do art. 13.º do C. Estrada ao despistar-se e embater numa árvore), quer seja por culpa presumida (porquanto agia por conta e no interesse da sua entidade patronal – art. 503.º do C. Civil).
XIII - Termos em que deve a douta sentença ser revogada na parte em que absolve o R. R..., sendo substituída por outra que condene ambos os RR., solidariamente no pagamento do montante peticionado ao FGA.
Assim decidindo,
V. Exas. farão Justiça!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 296.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 660º, nº. 2, 684º, nº. 3 e 685º-A, nº. 1 todos do Código de Processo Civil, na versão anterior à Lei nº. 41/2013 de 26/6, aplicável “in casu”.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo A., delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à questão de saber se o R. R... deve ser responsabilizado pelo acidente solidariamente com o R. P....
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:
«a - Da petição inicial:
1° - No dia 29 de Janeiro de 2008, o Fundo de Garantia Automóvel, ora A., pagou ao Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central), uma indemnização de 20.118,40 Furos.
2° - Para o FGA, essa obrigação decorre da sentença proferida nos autos de processo ordinário n.° 6888/04.9TVLSB, que correu termos na 2ª Secção da 6ª Vara Cível de Lisboa, em que foi Autor o Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central), e Réu o FGA.
3° - Da referida sentença constam provados os seguintes factos, que aqui se reproduzem e se alegam como fundamento da presente acção:
4° - Fm 16 de Março de 2003, pelas 6.45 horas, o veículo ligeiro de mercadorias, com a matricula VC-...-..., despistou-se.
5° - O veículo referido, na altura supra indicada, era conduzido por R….
6° - L... seguia no aludido veículo como passageiro.
7° - O referido veículo foi o único interveniente no acidente.
8° - Fm consequência do despiste do veículo, L... sofreu lesões.
9° e 10° - L… sofreu traumatismo crânio-encefálico, tendo sido transportado de ambulância para a unidade hospitalar de Lisboa onde recebeu extensivo tratamento.
11° - O custo da referida assistência importou em 17.327,08 €.
12º - O veículo com a matrícula VC-...-..., à data do acidente, não dispunha de seguro válido e eficaz.
13° - Fundado nesta factualidade, foi o FGA condenado a pagar ao Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) a quantia de 17.327,08 € (dezassete mil trezentos vinte e sete euros e oito cêntimos), e juros de mora vencidos desde 21/01/2004, e vincendos até integral pagamento, à taxa legal.
14° - O acidente que foi o facto gerador da obrigação do FGA, ocorreu na data/hora indicada, constante da sentença, na EN 120 ao Km 132,380, na localidade de Aljezur.
15° - O veículo VC circulava no sentido Norte/Sul.
16° - O Réu R..., que conduzia o veículo VC, adormeceu e despistou-se para o lado direito, atento o seu sentido de marcha, indo colidir com uma árvore que se localizava fora da via de trânsito, tendo-se imobilizado na faixa da esquerda, a 15 metros do local em que embateu.
19° - O Réu R... era vendedor de automóveis.
21° - Para além da indemnização paga ao Centro Hospitalar de Lisboa, o FGA suportou despesas com honorários dos seus mandatários (121,00 euros), bem como com as custas do processo n° 6888/04.9TVLSB, que correu termos na 2ª Secção da 6ª Vara Cível de Lisboa (768,00 euros).
25° - O Autor, em 22 de Fevereiro de 2008, enviou a A…- Comércio de Automóveis e ao Réu R... as cartas de folhas 28 e 28-A, para as quais se remete. b - Da contestação do Réu R...:
6° - Era o co-Réu P…, proprietário do stand, o dono da viatura, apesar de a titularidade da mesma, à data do acidente, se manter ainda em nome do anterior proprietário, A….
7° - Não foi transferida a propriedade.
8° - Foi emitida declaração pelo Réu P…, em que reconhecia o Réu R... como condutor, ao seu serviço, da referida viatura, e para a qual era necessário constituir um seguro.
9° - O Réu R… trabalhava ás ordens e no interesse do seu patrão, que era quem tomava as decisões de tudo relacionado com o stand, nomeadamente os pagamentos dos seguros das viaturas do mesmo».
*
Apreciando e decidindo.
O recorrente não questiona a condenação do R. P… no pagamento da quantia que foi fixada na sentença recorrida, como reembolso das importâncias pagas pelo A. em consequência do acidente de viação descrito e dado como provado nos autos. A sua discordância prende-se com a absolvição do R. R... do pedido contra ele formulado, considerando o A., ora recorrente, que foi este R. que causou o acidente, pois adormeceu quando conduzia o veículo VC-...-... e despistou-se, indo colidir com uma árvore que se encontrava fora da via de trânsito, alegando que tais factos consubstanciam culpa efectiva na produção do acidente, demonstrando violação do artº. 13º do Código da Estrada.
Insurge-se, ainda, o recorrente contra a sentença recorrida, alegando que, mesmo que a culpa efectiva não se tivesse provado, existia uma presunção de culpa em relação ao condutor do VC, nos termos do artº. 503º do Código Civil, pois resultou provado que o R. R… conduzia o veículo sob as ordens e no interesse do R. P… .
Vejamos se lhe assiste razão.
Resultou provado nos autos que o R. R... conduzia o veículo VC por ordem e no interesse do R. P…, seu patrão e proprietário daquele veículo, adormeceu ao volante e despistou-se, indo colidir com uma árvore que se encontrava fora da via de trânsito, provocando no seu passageiro L... as lesões supra descritas, que determinaram que este recebesse cuidados de saúde no Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central), tendo o custo dessa assistência hospitalar importado em € 17 327,08, quantia essa que o Autor FGA pagou àquela entidade hospitalar, em virtude do mencionado veículo, à data do acidente, não dispor de seguro válido e eficaz.
Embora o Tribunal “a quo” tenha reconhecido a existência da relação comitente-comissário alegada pelo A., na sentença recorrida exclui a culpa do R. R... na produção do acidente, ao considerar que não se provaram factos causadores da sonolência do condutor, que adormeceu ao volante, nem factos integradores da sua imprudência ou falta de cautela, referindo que se ignora se o condutor do veículo “estava com sono antes de ir conduzir, insistindo todavia em fazê-lo, ou outro tipo de facto ou causa geradores da obrigação de não conduzir na circunstância, devido ao perigo potencial previsível”, restando, em seu entender, a responsabilidade que advém ao R. P…, nos termos do artº. 503º, nº. 1 do Código Civil, por ser o proprietário do veículo.
Todavia, salvo o devido respeito, não concordamos com esta posição defendida pelo Tribunal recorrido, entendendo que assiste razão ao recorrente ao pretender que ambos os RR. sejam condenados solidariamente no pagamento da quantia fixada na sentença recorrida a favor do Autor FGA.
Como é sabido, a responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende da verificação de dois requisitos cumulativos, nos termos do artº. 503º, nº. 1 do Código Civil:
a) – ter a pessoa a direcção efectiva do veículo causador do dano;
b) – estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse (ainda que por intermédio de comissário).
Como ensina o Prof. Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª ed., 1989, Liv. Almedina, pág. 625 e 626), «ter a direcção efectiva do veículo destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva, por se tratar de pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiro.
A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo e constitui o elemento comum a todas as situações referidas, sendo a falta dele que explica, em alguns casos, a exclusão da responsabilidade do proprietário.
Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento».
O segundo requisito – utilização no próprio interesse – visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas no interesse ou às ordens de outrem (o comitente).
Ao lado da responsabilidade (objectiva) do detentor do veículo, há que contar ainda com a responsabilidade do condutor, se este conduzir o veículo por conta de outrem.
Todavia, o condutor do veículo que apenas opere na qualidade de comissário, sem haver culpa efectiva ou presumida, não é susceptível de ser responsabilizado pelo risco, nos termos do artº. 503º, nº. 1 do Código Civil, uma vez que não lhe pertence a direcção efectiva desse veículo, nem este é utilizado no seu próprio interesse (cfr. acórdão do STJ de 21/01/2014, proc. nº. 258/08.7TCGMR, acessível em www.dgsi.pt).
No entanto, a lei faz impender sobre ele uma imputação de culpa presumida – ou seja, se o acidente for causado por um condutor por conta de outrem, isto é, por um comissário do responsável pelo risco do veículo (artº. 503º, nº. 1 do Código Civil), o condutor é responsável pelo dano que cause a terceiro, solidariamente com o comitente, salvo se provar que não teve culpa na produção do acidente (artº. 503º, nº. 3 do Código Civil) – cfr. acórdão do STJ de 3/03/2009, proc. nº. 09A276, acessível em www.dgsi.pt).
No que concerne à responsabilidade do comitente e comissário, refere Dario Martins de Almeida (in “Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., 1987, Liv. Almedina, pág. 327 e 328) que «o condutor culposo pode encontrar-se na posição de mero comissário em relação à pessoa que tem a direcção efectiva do veículo e o utiliza no seu próprio interesse. Na qualidade de comitente, esta pessoa responde então com aquele, nos termos do artigo 503º, nº. 1 cuja estatuição está aliás em consonância, neste aspecto, com a do artigo 500º do mesmo diploma. E responde solidariamente (artigo 507º, nº. 1).
(…)
Temos, pois, que o condutor por conta de outrem responde, se agir com culpa e responde sempre que não consiga ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende; e que o seu comitente responde com ele solidariamente pelos danos causados ao lesado, por força do princípio contido no artigo 500º, nºs 1 e 2 do Código Civil em que a hipótese directamente se configura; cabe-lhe, porém, direito de regresso contra o comissário, nos termos do nº. 3 do artigo 500º, por tudo quanto venha a pagar, excepto se houver também culpa da sua parte, pois neste caso será aplicável o disposto no nº. 2 do artigo 497º».
Para o caso que ora nos interessa, daqui se conclui que a lei dá cobertura às seguintes situações:
a. em caso de acidente com viatura conduzida por um condutor por conta de outrem, (comissário) quando este não ilida a presunção do artº. 503º, nº. 3 do Código Civil, responde o mero condutor, por culpa presumida, podendo beneficiar dos limites do artº. 494º do Código Civil e, solidariamente com este, o comitente nos termos do artº. 500º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal;
b. em caso de acidente desencadeado por mera culpa do comissário condutor da viatura, nos termos do artº. 503º, nº. 3 conjugado com o artº. 483º do Código Civil, responde o condutor, em relação ao qual pode funcionar o artº. 494º daquele diploma legal, e solidariamente com ele, já fora da zona de risco, responde o comitente segundo o disposto no artº. 500º, nºs 1 e 2 do Código Civil, assistindo-lhe, porém, o direito contido no nº. 3 deste mesmo preceito;
c. em caso de acidente desencadeado por viatura conduzida por comissário, tendo este ilidido a presunção de culpa que sobre ele impendia, responde apenas o comitente dentro dos limites do risco, já que o comissário se considera ilibado de qualquer responsabilidade (artº. 503º, nº. 3 do Código Civil).
Reportemo-nos ao caso ora em apreço.
Em face da matéria de facto dada como provada, teremos de concluir que foi o R. R... que causou o acidente, pois adormeceu ao volante do veículo VC e despistou-se para o lado direito, atento o seu sentido de marcha, indo embater numa árvore que se encontrava fora da faixa de rodagem, tendo o veículo que conduzia se imobilizado na faixa da esquerda, a 15 metros do local do embate.
Como bem refere o recorrente, nas suas alegações, não é relevante a causa pela qual o R. R... adormeceu; a verdade é que, por causa de ter adormecido enquanto conduzia, o veículo despistou-se, tendo embatido numa árvore, causando os danos referidos nos autos.
Com a sua conduta, o R. R... violou o artº. 13º, nº. 1 do Código da Estrada, que dispõe: “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”.
O facto do R. R... ter adormecido enquanto conduzia o veículo VC, o que levou a que se despistasse e fosse embater numa árvore, consubstancia culpa efectiva na produção do acidente, não tendo aquele observado o dever geral de cuidado e atenção que se impõe a todo o condutor prudente e diligente que circule na estrada, violando, assim, a regra de circulação rodoviária acima indicada.
Seria normal, segundo as regras da experiência comum, que antes de adormecer, o condutor do VC sentisse alguma sonolência ou cansaço, sendo tais sinais tanto mais evidentes quando se vai a conduzir um veículo, pelo que um condutor normalmente prudente e cauteloso, ao sentir sonolência ou cansaço, não continuaria a conduzir o veículo, por existir sério risco de vir a adormecer, como aconteceu “in casu”, colocando assim em perigo a sua própria vida e a de terceiros e, de um modo geral, a segurança rodoviária; mas antes, faria um pausa na sua condução para descansar um pouco e restabelecer-se fisicamente, por forma a deixar de sentir sono e obter a energia suficiente para retomar a condução.
Contudo, o R. R... não tomou este tipo de cuidados.
Demonstrativo disso é a circunstância de ter adormecido enquanto conduzia o veículo VC, indo embater numa árvore que se encontrava fora da faixa de rodagem, imobilizando-se na faixa esquerda a 15 metros do local do embate.
Por outro lado, ainda que a culpa efectiva não se tivesse provado, o facto de se ter apurado que o R. R... conduzia o dito veículo sob as ordens e no interesse do R. P..., seu patrão, consubstancia uma presunção de culpa, nos termos do artº. 503º, nº. 3 do Código Civil.
Assim, todo o circunstancialismo atrás descrito impõe que o R. R... (na qualidade de comissário) seja considerado culpado do acidente dos autos, quer seja por culpa efectiva (ao adormecer ao volante do veículo, despistou-se e embateu numa árvore, violando o artº. 13º do Código da Estrada), quer seja por culpa presumida (porquanto agia por conta e no interesse da sua entidade patronal – artº. 503º do Código Civil), presunção esta que não logrou ilidir.
Em face do atrás exposto, teremos de concluir que houve culpa do R. R... na produção do acidente, pelo que responde solidariamente com o R. P… (comitente) pelos danos causados, o que implica também a sua condenação no pagamento ao Autor FGA da quantia fixada na sentença recorrida.
Nestes termos, terá de proceder o recurso interposto pelo Autor.III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor Fundo de Garantia Automóvel e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando o Réu R..., solidariamente com o co-Réu P..., no pagamento ao Autor da quantia nela fixada.
Custas pelo recorrido R.... Évora, 10 de Abril de 2014
(Maria Cristina Cerdeira)
(Alexandra Moura Santos)
(Eduardo José Caetano Tenazinha)