ÁGUAS
DIREITO DE PROPRIEDADE
DIREITO DE SERVIDÃO
SERVIDÃO DE PRESA E AQUEDUTO
JUSTO TÍTULO DE AQUISIÇÃO
COLISÃO DE DIREITOS
Sumário


I - Juridicamente e no tocante a águas podem configurar-se as seguintes situações:
– Se o titular do direito à água puder captá-la num prédio e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a, sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água.
– Se o direito à água estiver limitado ao seu uso em determinado prédio ou prédios, estaremos perante um mais limitado direito de servidão. Trata-se de uma servidão de “frui” e não de “uti” e consiste no direito de captar água num determinado prédio, de nele ou noutro represar essa água (servidão de presa) daí fazer derivar e conduzir a água, por caleira, rego aberto ou subterraneamente (servidão de aqueduto), através de outros prédios, por um trajecto devidamente descrito, até ao prédio dominante — cfr. artºs 1390º, 1387º nº 1 al. a), 1395º nº 2 e segs. do Código Civil.

II - A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, derivar e conduzir. A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar no tanque e a conduzir pelo aqueduto (rego, cano ou tubo).

III - Estando definitivamente decidida a questão da aquisição do direito à água no confronto judicial entre os donos do prédio onde aquela nasce e os autores, que se arrogavam o direito a essa água (processo nº 2380/08TJVNF), entendemos que, não era necessário aos autores, nesta acção, em que não se discute primacialmente o direito a essa água, mas apenas o direito de a represar e conduzir, provar novamente a aquisição originária do direito à água. Contudo, também lograram provar na presente acção a aquisição originária do seu direito à água captada no campo da … (…), bem como à que é captada na mina existente no prédio referido na alínea au) dos factos provados (prédio de S. M. ), de que são consortes, dividida pela forma referida em aw) e ay), para uso (rega e lima) no respectivo prédio.

IV - De acordo com a definição acima proposta, estamos perante uma servidão de águas, pois se trata de um encargo sobre um prédio a favor de outro ou outros prédios determinados. O direito ao uso/fruição da água está assim estabelecido não a favor dos autores, mas sim do respectivo prédio e, por isso mesmo, na escritura de venda do prédio é referido, acessoriamente, o direito à água a favor desse prédio. Se fosse um direito de propriedade plena, era alienado como tal, separadamente, pelo dono da nascente e não pelo dono do prédio dominante, isto é, foi alienado em conjunto com o prédio que dela beneficia, acompanhando-o (artºs 1545º e 1546º do CC).

V - O nosso entendimento sobre a natureza do direito à água invocado pelos autores, embora divirja conceptualmente do que parece resultar, quer da sentença recorrida, quer da sentença proferida no processo 2380/08TJVNF, em nada afecta a sorte da presente acção, em que os autores, como pressuposto dos direitos que aqui pretendem ver reconhecidos (servidão de presa e aqueduto) apenas têm de provar o direito à água que é represada no prédio da ré e através dele conduzido, sendo indiferente que se trate de uma amplo direito de propriedade sobre essa água (separadas do prédio onde nascem) ou de um mais limitado direito, de usar a água nascida num determinado prédio de terceiros para rega e lima do respectivo prédio.

VI - Em qualquer dos casos, é título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões, nomeadamente a usucapião, quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio (art.º 1390º do CC), como é o caso.

VII - Mesmo que a posse dos autores não tivesse durado tempo suficiente para a aquisição originária do direito (15 anos – art.º 1296º do CC), sempre constituiria presunção da titularidade do direito (art.º 1268º do CC), pelo que, não tendo sido ilidida tal presunção, tanto bastaria para os autores, no âmbito da presente acção, serem considerados titulares dos direitos a que se arrogam.

VIII - Os autores lograram provar a aquisição originária, por posse conducente à usucapião, que expressamente invocam, do direito de servidão de presa (tanque) e do direito de servidão de aqueduto (rego e agora tubo enterrado) sobre o prédio da ré a favor do respectivo prédio e, consequentemente, na medida do necessário ao exercício de tais servidões, da acessória servidão de passagem sobre o prédio da ré para limpeza e manutenção do tanque e do rego, na parte em que subsiste, bem como eventual desentupimento ou reparação do tubo, na parte restante em que o substituiu.

IX - O direito de tapagem do respectivo prédio, que assiste à ré (art.º 1356º do Código Civil), está limitado pelo encargo das servidões que o oneram. Com a constituição das servidões de presa e aqueduto, há muitos anos, o direito de propriedade sobre o prédio que hoje pertence à ré sofreu uma compressão. Os direitos do proprietário do prédio serviente, de o usar e fruir plenamente e com exclusão de terceiros, encontram-se limitados por outro direito real que incide sobre o mesmo prédio – o direito de servidão de presa e aqueduto a favor do prédio dos autores e as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão (os “adminicula servitutis”).

X - A situação que emerge dos factos provados não corresponde a uma colisão de direitos – estamos perante direitos reais compatíveis sobre a mesma coisa. Não estão em causa os direitos de personalidade da ré ou daquele a quem a ré venha a alienar o prédio. Está sim em causa uma limitação às utilidades que o prédio lhe proporciona, enquanto proprietária que vê os poderes correspondentes ao seu direito de propriedade comprimidos por um outro direito real, com ele compatível.

XI - Mesmo que tal conflito ou colisão existisse, em nosso entender ele seria apenas fundamento para a ré exigir mudança ou alteração da servidão ou do modo do seu exercício, como previsto no art.º 1568º nºs 1 e 3, designadamente, propondo-se fazer e custear obra de armazenamento da água, em lugar do tanque, com mecanismo que regulasse automaticamente o fluxo e encaminhamento das águas, por forma a que, então, se pudesse concluir não haver necessidade de entregar aos autores o comando do portão, mas sempre com a obrigação de lhes facultar o acesso em caso de necessidade.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

J. M. e M. R. intentaram a presente acção declarativa com processo comum, contra J. B. e M. B. pedindo:
A – A condenação dos réus a reconhecerem que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 1.º desta p.i. e do direito à água de mina que, vinda da Poça …, situada no prédio de A. P. e mulher M. R., se deposita no tanque no prédio dos réus após atravessar o percurso referido e deste tanque sai para o prédio dos Autores com o percurso também referido, e ainda, declarar-se que os Autores são titulares do direito de servidão de aqueduto e demais canalizações e presa no tanque sobre o prédio dos Réus e através dele para condução da água até ao prédio dos Autores e do direito de propriedade sobre o aqueduto, apresamento e canalizações na parte em que atravessa o prédio dos Réus.
B- Mais deve declarar-se que os autores são donos e legítimos possuidores da água de mina que cai no tanque do prédio dos réus vinda da mina localizada no prédio rústico de S. M. , inscrito na matriz rústica sob o artigo …, com excepção dos dois dias por semana nas semanas de 15 de Maio a 15 de Setembro (domingos e segundas feiras de cada ano) e do direito de a conduzir através do prédio dos Réus para o seu citado prédio rústico denominado Campo do Pomar, bem como das canalizações, presa no tanque, aquedutos e direito de passagem necessários.
C – Os réus serem condenados a entregarem aos autores o respectivo comando a funcionar ou chaves que lhe permitam aceder ao seu prédio, para exercer os direitos invocados e declarados e a absterem-se de quaisquer acções que afectem, alterem ou impeçam o exercício do direito à água, ao seu apresamento no tanque no prédio dos réus e à sua condução e canalização até ao prédio dos autores e o seu inerente uso, conforme referido supra.
D – Os réus serem condenados a pagarem aos Autores indemnização de montante a liquidar posteriormente para ressarcimento dos prejuízos.”
Alegaram, para tanto e em síntese, que são proprietários de um prédio rústico, denominado Campo …, o qual é servido por água que, provinda de outros prédios situados a nível superior, passa pelo prédio dos réus onde é apresada em tanque, correndo, agora por tubos, mas antes a rego aberto, até ao referido campo …. Alegam os pertinentes factos relativos à aquisição por usucapião do invocado direito à água, para ser usada no respectivo prédio, bem como o direito de a represarem e conduzirem e encaminharem para o respectivo prédio, antigamente por rego e agora entubada, através de prédio pertencente aos réus, actualmente com a natureza de prédio urbano, mas antes, aquando da constituição desse direito, um prédio rústico. Os réus, a partir de 2013 vedaram o acesso ao seu prédio, impedindo os autores de acederem ao tanque, de apresarem a água e de fazerem manutenção às estruturas de apresamento e condução das águas, com o que lhes causam prejuízos.

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Os réus J. B. e M. B., regularmente citados, ofereceram contestação, impugnando o direito dos autores às referidas águas, sustentando que os mesmos se deslocavam ao seu prédio para dele usufruírem como se fosse um logradouro ou local de recreio, a todas as horas, com isso prejudicando o seu direito sobre o mesmo.
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Proferido despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, os autores, apresentaram nova petição, relativamente à qual se exerceu o contraditório.
Comprovaram os AA. o registo da acção.
Verificada a insolvência dos réus, e após exercício do contraditório, julgou-se extinto o pedido indemnizatório formulado, por sentença que não mereceu impugnação.
Realizada audiência prévia, foi determinada a suspensão da instância, a requerimento das partes, para eventual acordo, o qual não veio a lograr-se.
Proferiu-se despacho saneador e fixou-se o objecto da causa e os temas da prova que, no prazo legalmente previsto, não foram alvo de reclamação.
Em incidente apenso, julgou-se habilitada a adquirente do prédio dos réus, Banco A, SA, para, como sucessora dos réus, prosseguir a instância.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, no início da qual, a pedido dos autores, se rectificou o despacho de fixação dos temas da prova.
Proferiu-se sentença, em que se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, condenando a ré:
– «1) A reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico, de cultura, denominado “Campo …”, sito no lugar de …, deste concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, sob o número …;
2) A reconhecer que os Autores são titulares do direito à água de mina que vem da Poça …, situada no prédio de A. P. e mulher M. R.;
3) A reconhecer que a água referida em 2) faz, desde a Poça … até ao prédio referido em a) dos factos provados o percurso mencionado em o), p), q), r) e s) dos factos provados;
4) A reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores da água de mina que cai no tanque do prédio dos Réus vinda da mina localizada no prédio rústico de S. M. , inscrito na matriz rústica sob o artigo .., com excepção dos domingos e segundas, entre 15 de Maio a 15 de Setembro;
5) A reconhecer que a água referida em 4) faz, depois de cair no tanque, o mesmo percurso que a partir de então faz a água referida em 2);
6) A reconhecer que os Autores são titulares do direito de servidão de aqueduto e demais canalizações e presa no tanque existente no prédio dos Réus e através dele para condução da água referida em 2) e 4) até ao prédio dos Autores;
7) A reconhecer que os AA. são titulares do direito de conduzir as águas referidas em 2) e 4) através do prédio dos Réus para o seu citado prédio rústico denominado Campo do …;
8) A entregar aos Autores comando eléctrico ou chaves que lhes permitam aceder ao prédio referido em h), para exercer os direitos invocados e declarados e a absterem-se de quaisquer acções que afectem, alterem ou impeçam o exercício do direito à água, ao seu apresamento no tanque no prédio dos Réus e à sua condução e canalização até ao prédio dos Autores e o seu inerente uso, conforme referido supra;-- absolvendo-se o interveniente do demais peticionado.
Custas a cargo de AA. e R., na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se o decaimento dos AA. em 10% e o do Interveniente em 90% (art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).»
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Inconformada, a ré Banco A, S.A. interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1) Não se conforma a Recorrente com o conteúdo da douta sentença proferida nestes autos, na parte que decidiu o constante nos pontos 2), 4), 6), 7) e 8) da decisão ora impugnada.
2) Assim, expressamente se indica, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, as alíneas x) a ah), ak) a an), aq) a ar) e ax) dos factos provados, e o ponto 4 dos factos não provados como sendo os concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados e que mereciam resposta em sentido absolutamente oposto;
3) Os meios de prova que implicariam a prolação de decisão em sentido inverso, e que aqui se deixam consignados nos termos do artigo 640.º, n.º1 alínea b) do Código de Processo Civil, são os depoimentos testemunhais de B. A. - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 10:49:20 às 11:13:48 - D. C. – cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 10:18:25 às 10:44:03- M. M. – cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 11:15:06 às 11:33:44 - J. F. - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 11:35:59 às 12:04:42 -C. M. - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 12:05:21 às 12:20:28 - M. L. - cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 14:16:42 às 14:33:02 - e A. M. – cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Média Studio das 14:40:54 às14:45:39;
4) Cuja indicação exacta das passagens da gravação segue infra, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 2 alínea a), parte final.
5) Posto isto, e atendendo ao teor do 2.º,3.º, 4.º e 5.º pontos constantes do objecto do litígio fixado nestes autos, o ónus probatório de demonstração dos factos constitutivos do direito de propriedade alegado, cabia aos Recorridos, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
6) Os quais, salvo o devido respeito, não lograram cumprir o ónus que sobre eles impendia, o que terá de conduzir à total procedência deste recurso com a consequente revogação da douta sentença ora impugnada, na parte que se supra identificou; SENÃO VEJAMOS
7) Do depoimento da testemunha B. A. – do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 03m:29s e os 04m:18s, os 09m:35s e os 11m:27s, os 21m: 44s e os 23m:49s – resulta que a tão referida posse, por mais de 30 e 50 anos, sobre a água em questão nestes autos, era exercida pelo Recorrido enquanto caseiro de J. P., e precisamente por conta dessas mesmas funções exercidas.
8) Resulta, ainda, que na época em que esta testemunha residia no imóvel, agora da Recorrente, imperavam as boas relações de vizinhança, através das quais as poucas famílias existentes na, então aldeia, auxiliavam-se mutuamente, disponibilizando os bens ou recursos entre elas.
9) Do depoimento da testemunha D. C. - do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 17m:31s e os 21m:25s, os 22m:46s e os 25m:31s – resulta a sua total incoerência, contradição e manifesta falta de segurança ou certeza do que afirmou.
10) E tal não sucedeu, salvo o devido respeito, pela circunstância do mesmo padecer de uma deficiência auditiva, uma vez que respondeu a todas as questões feitas pela Ilustre Mandatária dos Recorridos, só revelando essas dificuldades no final do seu depoimento, não tendo inclusive respondido cabalmente aos esclarecimentos prestados pelo mandatário da Recorrente;
11) Do depoimento da testemunha M. M. – do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 16m:10s e os 16m:21s, os 17m:42s e os 18m:34s – resultou que foram os Réus primitivos que solicitaram e suportaram os custos decorrentes da instalação dos tubos e demais estruturas de condução de água no imóvel ora da Recorrente.
12) Resultou, ainda, que não foi necessária qualquer manutenção ou conservação desses tubos, desde que os mesmos foram instalados, e que só seria em caso de ocorrência de alguma enxurrada, o que não também se verificou;
13) Diga-se, ainda, que do facto dos Réus primitivos terem questionado os Recorridos acerca do encanamento da água em questão, não se pode, com o devido respeito, concluir que equivalerá a um reconhecimento de direito de propriedade da água em questão;
14) Retira-se, sim, que os Réus primitivos pautaram-se pelas regras da boa fé e boa relação de vizinhança, até ao que lhes foi possível e seria exigível, aos olhos do mais elementar princípio da boa-fé;
15)Até porque, se os Réus primitivos reconhecessem que a água depositada no tanque que se encontra no, ora imóvel, da Recorrente pertencia aos Recorridos, certamente não suportariam os custos da instalação dos tubos e demais estruturas de condução de água no imóvel ora da Recorrente – dizem-nos as regras da experiência comum;
16) Do depoimento da testemunha J. F. - do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 03m:59s e os 04m:25s, os 08m:20s e os 09m:16s, os 26m:06s e os 26m:38s
– resulta, tal como resultou do depoimento supra referido de B. A., que a tão referida posse do Recorrido era exercida enquanto caseiro de J. P. e que esta testemunha iria ajudar o Recorrido – seu pai – nas lides atinentes a essa função de caseiro.
17) Resulta, ainda, que os Recorridos usaram a tolerância concedida pelos Réus primitivos, na utilização das águas particulares que eram depositadas no tanque, de uma forma manifestamente contrária aos mais elementares princípios de bons costumes e ditames sociais.
18) Recorde-se que o imóvel da Recorrente, constituía a casa de morada de família dos Réus primitivos;
19) Do depoimento da testemunha C. M. - do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 04m:08s e os 09m:27s – resultou novamente que a tão referida posse exercida pelo Recorrido por mais de 20 anos, era realizada enquanto caseiro de J. P. e por conta dessas mesmas funções;
20) Do depoimento da testemunha M. L. - do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 04m:18s e os 13m:58s, os 14:56 e os 16m:11s – resultou a manifesta intromissão, dos Recorridos, na vida intima dos Réus primitivos, manifestada através da forma como os Recorridos acediam ao interior do logradouro da habitação dos Réus primitivos – que consubstanciava a sua casa de morada de família.
21) Por fim, do depoimento da testemunha A. M. - do qual destacamos as passagens do depoimento gravado no sistema Habilus Média Studio entre os 04m:05s e os 04m:38s – entendemos resultar um facto que – recorrendo às regras da experiência comum – indicia a prepotência com que os Recorridos actuam em relação a tudo quanto no seu entendimento lhes pertence – exista ou não titulo ou qualquer outra forma de aquisição para tanto – no que aos bens imóveis daquela outrora aldeia em questão concerne, o que assume a maior relevância para a boa decisão da presente lide.
22) Pelo que, face à prova testemunhal referida, deveriam ter sido dados como não provados todos os factos constantes das alíneas mencionadas na antecedente conclusão 2 do presente recurso, e deveria ter sido dado como provado o facto constante do ponto 4) dos factos não provados referidos na douta sentença ora impugnada.
23) E bem ainda, sempre se refere que os factos constantes das alíneas u), v) e w) não são oponíveis à Recorrente; 24) Bem como deveriam ter sido aplicadas, aos factos testemunhados pelas referidas testemunhas, normas jurídicas diversas das que o Tribunal a quo entendeu aplicar.
ISTO PORQUE,

25) Antes de mais, refira-se que a aquisição da propriedade da água em questão só poderia consumar-se, por um lado, através de escritura de compra e venda da mesma, nos termos do disposto nos artigos 204.º, n.º 1 alínea b) e 875.º, ambos do Código Civil, e por outro, através da manutenção da posse da mesma, por certo lapso de tempo, o que não se verificou.
26) Refira-se, igualmente, que a declaração constante da escritura de compra e venda datada de 13/1/1999, junta aos autos pelos Recorridos - “(…) ao indicado prédio pertence o direito à água da Poça …, água essa cuja nascente se situa no Campo da … e atravessa vários prédios rústicos e caminhos públicos ora entubada ora em rego aberto até ao prédio ora vendido” – somente tem efeito probatório pleno quanto ao facto dessa declaração ter sido proferida perante o notário, não ficando provado que seja verdadeira a afirmação ou que não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado, conforme referem Antunes Varela e Pires de Lima na anotação ao artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil,
27) Tanto mais que os documentos juntos com a petição inicial foram todos impugnados pelos Réus primitivos, não tendo ficado, portanto, dados como assentes para os efeitos probatórios pretendidos pelos Recorridos;
28) Quanto a esta questão diga-se por último que, nos termos do artigo 364.º, n.º 1 do Código Civil, sendo a escritura de compra e venda ou documento particular autenticado o meio idóneo a demonstrar a aquisição da água em questão – tendo este negócio de ser registado, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 alínea a) do Código de Registo Predial, dependendo desse registo a eficácia perante terceiros- a falta de junção de tal documento não pode ser suprida por via da prova testemunhal.
Por outro lado,
29)Dos depoimentos referidos nas antecedentes conclusões 7), 9), 16) e 19), resultou que a posse exercida pelos Recorridos – pelo menos até Janeiro de 1999, altura em que o Recorrido adquiriu, ao seu anterior proprietário e empregador, o prédio rústico denominado “Campo de …” - mais não era do que uma posse ou detenção precária, nos termos e para os efeitos do artigo 1253.º, alíneas b) e c) do Código Civil;
30) Importa, antes de mais, contextualizar a região e a época em que os tais actos de posse se consumaram. Para tanto, refira-se o que foi dito pela testemunha B. A. acerca do local onde se inserem estes terrenos.
31) Inicialmente – há cerca de 80 anos - tratava-se de uma aldeia de 4 famílias, em que imperava a entreajuda e auxílio entre todos. 32) Em que, quando alguma família necessitava de bens ou recursos de outra, os mesmos eram disponibilizados.
33) E foi o que os aqui Réus primitivos consentiram em continuar a fazer, ou seja, permitir que os Recorridos continuassem a utilizar as águas particulares depositadas no seu tanque.
34) Sucede que, os Recorridos assumiram esta tolerância como pressuposto para fazer seu o tanque, a água e demais construções necessárias à sua condução, e bem ainda o outrora imóvel dos Réus primitivos.
35) Naturalmente que, atendendo a que se tratava da sua habitação permanente, e que os mesmos tinham o direito à reserva da intimidade da sua vida privada, bem como à reserva da intimidade da vida privada e familiar e do seu lar, entenderam não permitir mais essa tolerância (alvo de constantes abusos pelos Recorridos, conforme resulta do depoimento do filho dos Recorridos J. F. e da antiga empregada doméstica dos Réus primitivos M. L.).
36) Diga-se, ainda, que há 50, 60, 80 anos seria natural as famílias dessa aldeia permitirem que os poucos vizinhos (que seriam seguramente como membros da família) entrassem, livremente, nos seus terrenos para poderem usufruir da água neles existentes, bem como de outros recursos necessários.
37) Terrenos esses que, porventura, seriam somente agrícolas, não constituindo nenhum deles a residência principal e permanente dos habitantes dessa aldeia.
38) Mas, hoje em dia, os tempos são outros. A aldeia já não será assim tão pequena, e as relações de vizinhança já não serão assim tão próximas.
39) Da factualidade demonstrada nos autos, conjugada com os elementos documentais juntos – e com a ausência de outros essenciais para prova de factos relevantes para a pretensão dos Recorridos – resulta que a tão referida posse por mais de 20, 30, 50 anos exercida pelos Recorridos, mais não passou de uma mera detenção ou posse precária, tolerada, tanto pelos proprietários dessa água (tendo em conta o dito supra acerca da entreajuda entre vizinhos) como por força da profissão de caseiro que o Recorrido exercia;
40) Donde resulta que essa posse não é susceptível de conduzir à aquisição da propriedade da água em questão por usucapião, nos termos conjugados dos artigo 1253.º e artigo 1290.º do Código Civil.
41) Refira-se, ainda, que mesmo considerando - o que só por mera hipótese de raciocínio se equaciona - que a partir do momento em que o Recorrido adquiriu o prédio rústico denominado “ Campo do …”, a eventual posse – nos termos previstos no artigo 1251.º do Código Civil - da água em questão se iniciou, sempre a duração da mesma não é susceptível de conduzir à aquisição por usucapião da propriedade da água.
42) Uma vez que só se iniciaria o decurso do prazo com vista à aquisição da propriedade por usucapião a partir de Janeiro de 1999, altura em que os Recorridos adquiriram o prédio rústico denominado “Campo do …” ao seu antigo proprietário e empregador do Recorrido, o Sr. J. P..
43) Dado que, de Janeiro de 1999 a Novembro de 2013 – altura em que os Réus primitivos impediram a utilização da água depositada no tanque presente no seu imóvel – distam, apenas, 13 anos e 10 meses, não se verifica, assim, o decurso de tempo necessário à aquisição da propriedade por usucapião.
44) Não tendo havendo título de aquisição ou de transmissão da propriedade da água, nem tão pouco essa eventual posse foi registada, esta presume-se de má fé – cfr. artigos 1259.º, n.º 1 e 1260.º, n.º 2 do Código Civil – e portanto seria necessário o decurso de 20 anos, nos termos do artigo 1296.º do Código Civil, para que essa posse fosse susceptível de originar a aquisição por usucapião da propriedade da água em questão.
45) Ora, não tendo sido demonstrado pelos Recorridos a aquisição da propriedade da água em questão, também o direito de servidão de aqueduto e demais canalizações e presa no tanque existente no prédio da Recorrente não deve ser reconhecido, por este ter como pressuposto aquele direito de propriedade, e consequentemente deve ser concedido total provimento ao presente recurso, com as legais consequências;

SUBSIDIARIAMENTE, DA COLISÃO DE DIREITOS

46) Sem prescindir do supra exposto, sempre se dirá ainda que assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem contudo conceder, sempre a decisão constante do ponto 8) da douta sentença impugnada é manifestamente desmesurada e desproporcional face aos direitos em conflito, que infra se indicarão.
47) A qual condena a Recorrente a: 8) A entregar aos Autores comando eléctrico ou chaves que lhes permitam aceder ao prédio referido em h), para exercer os direitos invocados e declarados e a absterem-se de quaisquer acções que afectem, alterem ou impeçam o exercício do direito à água, ao seu apresamento no tanque no prédio dos Réus e à sua condução e canalização até ao prédio dos Autores e o seu inerente uso, conforme referido supra;”
48) Colide com o direito de personalidade de reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 80.º do Código Civil, e bem ainda com o direito constitucional de reserva da intimidade da vida privada e familiar previsto no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, ambos da Recorrente.
49) E, salvo o devido respeito, o direito de servidão de aqueduto e demais canalizações e presa no tanque existente no prédio da Recorrente, que se entenda que os Recorridos usufruam, terá de ceder perante os referidos direitos da Recorrente, por ser um direito de espécie diferente, inferior aos referidos direitos da Recorrente.
50) Seguindo os ensinamentos de Pedro Pais de Vasconcelos5: “ O artigo 335.º distingue, no regime da colisão de direitos, duas situações : a colisão entre direitos “iguais ou da mesma espécie” e a colisão entre direitos “desiguais ou de espécie diferente”. (…) Desiguais ou de espécie diferente parecem ser, por exemplo, um direito de personalidade e um direito de propriedade. As palavras da lei não são muito felizes, pelo que o artigo 335.º não deve ser interpretado à letra, mas antes aplicado de acordo com a sua ratio. O sentido do artigo 335.º é o de distinguir situações em que os direitos em conflito podem ser hierarquizados e situações em que existe entre eles uma relação de paridade. (…) Os tribunais têm-se pronunciado no sentido geral da prevalência dos direitos de personalidade sobre os direitos meramente económicos.” (destaque nosso).
51) E bem ainda o decidido no acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28/10/2008, processo n.º 08A3005, disponível em www.dgsi.pt : “12) Ocorre colisão de direitos sempre que, na configuração casuística, ou no seu exercício, dois ou mais direitos subjectivos são incompatíveis entre si, devendo então prevalecer o que tutela um interesse superior, como é o caso dos direitos de personalidade.” (destaque nosso).
52) Pelo que, recorrendo ao critério previsto no artigo 335.º do Código Civil: “1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.”
53) Terá de se concluir pela prevalência dos direitos de personalidade de reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 80.º do Código Civil, e do direito constitucional de reserva da intimidade da vida privada e familiar previsto no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, sobre o direito de servidão de aqueduto e demais canalizações e presa no tanque existente no prédio da Recorrente, revogando-se, nessa medida, o ponto 8) da douta sentença impugnada, o que se requer, subsidiariamente, para o caso da primeira pretensão não proceder, com as legais consequências.»
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A) Factos considerados provados na sentença:
a) Está registado a favor do Autor casado com a Autora em regime de comunhão de adquiridos, pela inscrição G-2 de 20/1/1999, a aquisição do prédio rústico, de cultura, denominado “Campo do …”, sito no lugar de …, deste concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, sob o número … (artigo 1º da petição aperfeiçoada).
b) Tal prédio foi adquirido por escritura pública outorgada em 13 de Janeiro de 1999, no 2.º Cartório Notarial desta cidade, no livro …, a fls. 102, por compra a M. C. e marido J. P.. (artigo 2º da petição aperfeiçoada).
c) Dessa escritura consta, além do mais, que “(…) ao indicado prédio pertence o direito à água da Poça …, água essa cuja nascente se situa no Campo da … e atravessa vários prédios rústicos e caminhos públicos ora entubada ora em rego aberto até ao prédio ora vendido.” (artigo 3º da petição aperfeiçoada).
d) O Campo da … e o campo onde se situa a dita Poça …, conhecido pelo Campo do …, pertencem a A. P. e mulher M. R. e situam-se no lugar de …, da mencionada freguesia de …. (artigo 4º da petição aperfeiçoada).
e) Da dita “Poça …” e à sua cota mais baixa, podia-se entrar na mina em subsolo empedrada, seguindo até ponto indeterminado da mesma, situando-se também no Campo da …, um óculo e um poço de vigia para manutenção à captação e ao percurso da água. (artigo 5º da petição aperfeiçoada).
f) Os Autores e ante possuidores há mais de 20 anos, sempre utilizaram o indicado “Campo do …”, exclusivamente, cultivando-o, colhendo os seus frutos e pagando as respectivas contribuições. (artigo 6º da petição aperfeiçoada).
g) Sempre agiram, os Autores e ante possuidores, desde há mais de 20 anos, de forma ininterrupta, à vista de todos e sem oposição de ninguém, como se tal prédio fosse exclusivamente seu, na convicção de exercerem um direito de propriedade sobre o mesmo. (artigo 7º da petição aperfeiçoada).
h) J. B. e M. B. adquiriram, por escritura pública de 12/Junho/2006 o prédio composto por parte de logradouro (actualmente campo ou quintal, jardim e avenidas empedradas), e parte edificado, edificação essa destinada a habitação correspondente à inscrição matricial urbana … e à descrição actual n.º …/…, a S. C. e marido N. C., que o haviam adquirido a B. A., casado sob o regime de comunhão de adquiridos com M. A.. (artigo 10º da petição aperfeiçoada).
i) Tal prédio tinha a natureza de prédio misto, constituído por casa de habitação com quintal e junto terreno de cultura outrora conhecido pelo Campo do X - parte, e estava inscrito na matriz urbana sob o artigo … e na matriz rústica sob o artigo …. (artigo 11º da petição aperfeiçoada).
j) Com essa natureza de prédio misto foi adquirido por M. J., casada sob o regime de comunhão geral com J. A., por sucessão hereditária de B. A., casado que foi com E. M., no regime de comunhão geral de bens. (artigo 12º da petição aperfeiçoada).
k) Com essa natureza de prédio misto, aqueles ante possuidores doaram-no a B. A., casado sob o regime de comunhão de adquiridos com M. A., que o fez registar a seu favor. (artigo 13º da petição aperfeiçoada).
l) O B. A., declarou no registo que o prédio descrito como parte do n.º … e sob todo o n.º …, está inscrito na matriz nos artigos … urbano e … rústico e que se compõe de prédio misto para habitação, com quintal e junto terreno de cultura, sito no lugar de …, a confrontar do norte com Maria, de Sul e Nascente com, caminho público e do Poente com J. G. e outro e passou a constituir o descrito sob o n.º …. (artigo 14º da petição aperfeiçoada).
m) Em 20 de Outubro de 1995, o mesmo B. A., para efeito de constituir uma hipoteca a favor da Banco B, fez uma declaração complementar ao prédio, ora dos Réus, ainda descrito sob o n.º …, do livro B-…, declarando que o prédio em virtude de obras, passou a ser apenas urbano, inscrito na matriz sob o artigo …, mencionando que este artigo proveio do artigo … e “fazendo desaparecer o artigo … rústico”. (artigo 15º da petição aperfeiçoada).
n) Por referência à data em que o ante possuidor B. A. e mulher viram o respectivo prédio ter natureza de urbano, já há mais de 20 anos que o seu solo era atravessado por um rego aberto com a água vinda da presa “Poça …” supra aludida, e que se depositava no seu tanque. (artigo 16º da petição aperfeiçoada).
o) E já há mais de 20 anos que no solo do prédio referido em h) aquela água vinda da “Poça …”, depois de atravessar o campo do referido A. P. e mulher, em rego aberto e o caminho público no subsolo, entrava no campo de S. M. , correspondente ao artigo rústico … denominado “Leira …”, em rego, atravessando-o e caía no prédio referido em h), num tanque situado a cota mais baixa, atravessando-o em rego a céu aberto e depois seguia no subsolo do caminho público e entrava em rego a céu aberto directo ao prédio referido em a). (artigo 17º da petição aperfeiçoada).
p) A água empoçada ou apresada na Poça … era conduzida em quase todo o seu percurso até ao prédio referido em a), por rego a céu aberto com presa num tanque situado no prédio dos Réus, e actualmente, é conduzida por meio de canalização no subsolo. (artigo 18º da petição aperfeiçoada).
q) A água dos Autores que cai no prédio referido em h) e o atravessa em cano, é apresada na Poça … e depois de atravessar o campo do referido A. P. e mulher, atravessa, encanada no subsolo, o caminho público. (artigo 19º da petição aperfeiçoada).
r) De seguida, segue também por cano no subsolo do campo da S. M.. (artigo 20º da petição aperfeiçoada).
s) Do campo da S. M. segue também em cano até ao prédio referido em h), mais precisamente corre em cerca de dois metros a céu aberto em rego de pedra e entra num tanque, dele saindo, anteriormente a rego aberto até ao limite da sua propriedade e actualmente, após um metro e meio, em rego, corre encanada até entrar numa caixa na Travessa de …, atravessando esta em subsolo e entrando em rego aberto até ao prédio referido em a). (artigo 21º da petição aperfeiçoada).
t) O J. B. e a mulher, cerca de três anos antes de 2014 pediram aos Autores para entubar a água no subsolo, pelo que a água passou a correr, a partir dos referido 1,50 metros contar da saída do tanque, em canalização subterrânea até entrar na caixa na dita Travessa de …. (artigo 22º da petição aperfeiçoada).
u) Os Autores instauraram em 14.07.2008 uma acção declarativa de condenação neste Tribunal contra o aludido A. P. e mulher, que correu seus termos com o n.º 2380/08.0TJVNF, no 5.º Juízo Cível deste douto Tribunal, em que formularam, além de outros, o pedido de que se declarasse que os Autores são donos e legítimos possuidores do direito à água da nascente por mina, empoçada na Poça …, situada no prédio dos aí Réus, do direito de servidão de aqueduto por mina e demais canalizações sobre o prédio dos ali Réus e através dele para condução da água até ao Campo …, e do seu direito de propriedade sobre as obras de vigia aqueduto, apresamento e canalizações na parte que atravessa o subsolo do prédio dos aí Réus. (artigo 24º da petição aperfeiçoada).
v) Nesses autos ficou provado o apresamento da água vinda por mina nessa Poça … e o seu trajecto e condução até ao prédio referido em a), trajecto esse em que a água apresada na Poça … depois de atravessar o campo dos Réus [A. P. e mulher] atravessa encanada no subsolo o caminho público, de seguida segue também “encanada” no subsolo do campo da S. M. e deste campo segue, também “encanada” pelo campo do Sr. J. B., ora Réu. (artigo 25º da petição aperfeiçoada).
w) Nessa acção, foi declarado por sentença judicial transitada em julgado, que os Autores são donos e legítimos possuidores da água de nascente por mina empoçada na Poça …, situada no prédio dos aí Réus e, bem assim, declarada constituída judicialmente uma servidão de aqueduto por mina e demais canalizações sobre o prédio dos aí Réus e através dele para condução da água até ao prédio dos Autores, o referido Campo …, e o direito de propriedade sobre as obras de vigia aqueduto, apresamento e canalizações na parte que atravessa o subsolo do prédio desses Réus e ainda foram condenados os Réus a absterem-se de quaisquer acções que afectem, alterem ou impeçam o exercício do direito à água, ao seu apresamento na Poça … e a sua condução por mina e canalização até ao prédio dos Autores e o seu inerente uso. (artigo 26º da petição aperfeiçoada).
x) Há mais de 20 anos que os Autores e ante possuidores têm a detenção daquela água, com aquele percurso e fazem o seu aproveitamento, bem como a limpeza periódica e reparação das canalizações, óculos e poça e tanque e fazem o seu acompanhamento. (artigo 29º da petição aperfeiçoada).
y) Os Autores, por si e ante possuidores, há mais de 20 anos utilizam a água apresada na Poça … para irrigação do seu prédio, reparam e consertam a mina, transitam ao longo do seu percurso pela mina para inspecção, reparação e acompanhamento da água. (artigo 30º da petição aperfeiçoada).
z) Há mais de 20 anos que, quando necessário, compuseram os regos em que corria essa água, quer no campo da S. M. , quer no prédio dos Réus e limpam os que ainda restam depois da mesma ser conduzida por canalização, conforme supra referido, cuidaram da sua manutenção e acompanhamento, o que tudo têm feito à vista de toda a gente e com conhecimento de todos, e, assim, dos Réus. (artigo 31º da petição aperfeiçoada).
aa) Sem oposição e interrupção, de quem quer que seja, designadamente dos ante possuidores dos Réus e destes mesmos, até 2012. (artigo 32º da petição aperfeiçoada).
ab) Na convicção de que estão, como sempre estiveram, bem como por toda a gente assim foi entendido, no exercício do direito à água da nascente por mina e seu uso, seu apresamento na Poça … e sua condução até ao referido prédio dos Autores, atravessando vários prédios, incluindo o prédio referido em h), agora por canalização no subsolo e anteriormente por meio de rego aberto. (artigo 33º da petição aperfeiçoada).
ac) Com referência àquela água, apresamento na Poça … e condução da mesma, entrada no tanque do prédio referido em h) e dele saindo atravessando todo o prédio deles, inicialmente em rego aberto e depois praticamente sempre em cano, sempre e de modo exclusivo também a utilizaram os Autores, por si e ante possuidores, ao longo de todo o ano em benefício do seu prédio e há mais de 20 anos. (artigo 34º da petição aperfeiçoada).
ad) Utilizam a água empoçada na Poça … para regar, utilizam os tubos, aquedutos e as obras atrás referidos para conduzir a dita água para o prédio referido em a), designadamente através do atravessamento pelo prédio referido em h), primeiro em rego e depois praticamente em cano no subsolo. (artigo 35º da petição aperfeiçoada).
ae) Procederam, ao longo dos tempos, há mais de 20 anos, à limpeza e manutenção da mina, da poça e, no terreno dos Réus, ao rego, ao tanque, aquedutos e canalizações. (artigo 36º da petição aperfeiçoada).
af) Os Autores e ante possuidores, por referência à água que vem da Poça …, entra como ao adiante referido, no prédio referido em h) e aí fica apresada no tanque e aí é conduzida pelos Autores para o seu identificado prédio, atravessando o prédio referido em h), sempre agiram como se a água fosse exclusivamente sua. (artigo 37º da petição aperfeiçoada).
ag) Na convicção de exercerem um direito de propriedade sobre a mesma (artigo 38º da petição aperfeiçoada)---
ah) Tudo à vista de todos, nomeadamente de todos os ante possuidores do prédio referido em h), com conhecimento deles e depois do J. B. e M. B., e sem oposição de quem quer que seja. (artigo 39º da petição aperfeiçoada).
ai) O J. B. e a M. B., finda a obra de entubação da água dos Autores, colocaram no seu prédio um portão com comando. (artigo 40º da petição aperfeiçoada).
aj) O J. B. e a M. B. entregaram aos Autores um comando desse portão, para estes poderem entrar no prédio deles para vigiar o nível da água no tanque, regular através do sifão ou bucho o volume da água, fazer a competente limpeza do tanque e rego da água e demais utilidades inerentes. (artigo 41º da petição aperfeiçoada).
ak) Há mais de 20 anos que os Autores utilizam um objecto de madeira, a que designam de sifão ou “bucho”, cujo accionamento permitia que os despejassem o tanque no Inverno quando o tanque enchia, levando a água ao seu campo para o “limar” e enchessem no Verão para rega do milho e outras culturas, sem prejuízo do adiante referido no concernente aos domingos e segundas-feiras de cada semana do dia 15 de Maio ao dia 15 de Setembro de cada ano. (artigo 42º da petição aperfeiçoada).
al) Há mais de 20 anos que no Verão a rega praticada pelos Autores e ante possuidores era “sol posto água tapada”, ou seja, os Autores, dirigiam-se ao fim do dia ao tanque situado no prédio referido em h) e tapavam o “bucho” para o tanque criar volume de água, sem prejuízo de naqueles dias domingo e segunda desde 15 de Maio a 15 de Setembro serem os Réus a tapar o tanque para regarem o prédio deles, por via do direito à água que cai também nesse tanque provinda da mina ao adiante referida, situada no campo da aludida S. M. . (artigo 43º da petição aperfeiçoada).
am) Há mais de 20 anos que os Autores utilizam, à vista dos Réus e ante possuidores destes, em benefício deles (Autores) para rega do Campo do …, a água que provém da Poça … e daí segue em rego e encanada por prédio particular e caminho público e prédio particular, e, de seguida, é apresada no tanque existente no prédio referido em h) e daí segue encanada, conforme referido supra, até ao prédio referido em a). (artigo 44º da petição aperfeiçoada).
an) Há mais de 20 anos que os Autores e ante possuidores entram, no prédio referido em h) para os fins referidos em aj) a al), e bem assim para limparem o tanque onde se acumula a água vinda da dita Poça …, vigiarem e limparem o rego, agora na parte em que a água ainda se mantém à vista em rego aberto e, antes de 2010, em todo o rego a céu aberto que atravessava o prédio referido em h). (artigo 45º da petição aperfeiçoada).
ao) A partir de 25/11/2013 o J. B. e a M. B. vedaram o acesso dos AA. ao prédio referido em h). (artigos 46º a 53º da petição aperfeiçoada).
ap) O J. B. e M. B. e ante possuidores sempre tiveram conhecimento, da água em causa, forma da sua condução, do seu apresamento no tanque e do seu atravessamento pelo prédio deles até à Travessa de …, atravessamento no subsolo desta e continuação do seu percurso em rego aberto até ao prédio referido em a). (artigo 60º da petição aperfeiçoada).
aq) Os Autores utilizam a água que vem da Poça … e é apresada e acumulada no tanque do prédio referido em h) e daqui segue, após atravessar a via pública – Travessa de … – (em cano no subsolo) para o seu descrito Campo do …, para rega no verão e “lima” de Inverno. (artigo 64º da petição aperfeiçoada).
ar) Utilizam, por referência ao prédio referido em h) os tubos, o rego a céu aberto e o tanque atrás referido para conduzir a dita água para o seu referido prédio. (artigo 65º da petição aperfeiçoada).
as) Aquela água constitui fonte de rega da actividade contínua de agricultura que os Autores fazem no Campo do … de diversas culturas, designadamente milho. (artigo 66º da petição aperfeiçoada).
at) O prédio referido em h) há mais de 60 anos, integrava uma quinta composta por vários campos, designadamente cortelhos denominados “campos do X de cima e de baixo” e casa de caseiro. (artigo 67º da petição aperfeiçoada).
au) Num dos cortelhos dessa quinta, actualmente pertencente à referida S. M. e correspondente ao actual prédio rústico referido denominado “leiras …”, existia então, como existe actualmente, uma mina cuja água dimana também para o mesmo tanque do prédio referido em h) e aonde também cai a água vinda da Poça … referida, sendo que neste tanque essa água cai por caleira de pedra bem diferenciada do rego de pedra que conduz a água vinda da Poça … até esse tanque. (artigo 68º da petição aperfeiçoada).
av) Em 1938 os ante possuidores comuns do prédio referido em a) e do prédio referido em h) E. M., J. C., M. J., F. C., Maria R., F. M., Joaquim e A. C., efectuaram a partilha amigável do acervo dos bens do dissolvido casal ao qual pertencia, entre outros, o Campo do …e o prédio referido em h), partilha essa por óbito do marido da primeira e pai dos restantes. (artigo 69º da petição aperfeiçoada).
aw) Nessa escritura de partilha, efectuada a divisão dos prédios que pertenciam ao dissolvido casal da primeira outorgante e de B. A. e feitas as adjudicações respectivas em que todos convieram, todos os outorgantes consignaram: “declaram que a água de rega dimanada de um tanque existente no prédio descrito sob o nº 7 “Campos dos Xs” fica a pertencer à terceira outorgante M. J. dois dias em cada semana, nos domingos e segundas-feiras desde quinze de Maio a quinze de Setembro e que os restantes dias da mesma água ficam a pertencer em comum à quarta outorgante F. C., quinta outorgante Maria R., sexta outorgante F. M. e a A. C., águas que serão conduzidas pelos regos do costume”. (artigo 70º da petição aperfeiçoada).
ax) Há mais de 20 anos que os ante possuidores dos Autores e estes também utilizam, à vista de toda gente, sem oposição de quem que seja e na convicção de que lhes pertence a água proveniente do prédio referido em au). (artigo 72º da petição aperfeiçoada).
ay) Salvo nos domingos e segundas-feiras de cada semana que vai de 15 de Maio a 15 de Setembro. (artigo 73º da petição aperfeiçoada).
az) O prédio referido em h) não confronta com prédio referido em a). (artigo 25º da contestação).
aaa) Nos autos de insolvência que com o nº 986/15.0T8VNF correram termos contra J. B. e M. B., foram os mesmos declarados insolventes, por sentença transitada em julgado em 24/2/2015 e determinada a liquidação do respectivo activo.
aab) O Banco A, SA adquiriu, por adjudicação no processo de insolvência referido em aaa) o prédio referido em h), estando o registo dessa aquisição averbado desde 14/12/2015.

B) Factos não provados:

1) Os Autores e ante possuidores, sempre agiram como se o tanque existente no prédio referido em h) e as estruturas de condução da água fossem exclusivamente seus. (artigo 37º da petição aperfeiçoada).
2) Na convicção de exercerem um direito de propriedade sobre os mesmos. (artigo 38º da petição aperfeiçoada).
3) Posteriormente ao referido em aw) os ante possuidores do prédio referido em a) F. C. e marido Joaquim, adquiriram aos irmãos Maria R., F. M. e A. C. os prédios adjudicados a estes e a consortidade da água de mina que existe no campo da dita S. M. . (artigo 71º da petição aperfeiçoada).
4) Os AA. pretendem aceder ao prédio referido em h) para fazer do mesmo um local de recreio e logradouro. (artigo 52º da contestação).

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A apelante impugna a decisão sobre a matéria facto, na parte que julgou provados os factos constantes das alíneas x) a ah), ak) a an), aq) a ar) e ax) dos factos provados, e o ponto 4 dos factos não provados.

Pretende, nesta parte, inverter o decidido, isto é, que os factos das citadas alíneas sejam julgados não provados e provado o facto nº 4.
Para tanto, convoca os depoimentos das testemunhas B. A., D. C., M. M., J. F., C. M., M. L. e A. M..
Lida a motivação da decisão de facto e ouvidos os referidos depoimentos a nossa convicção coincide com a do Tribunal “a quo” no tocante aos factos que julgou provados.
Com efeito, contrariamente ao vertido nas conclusões 7ª, 16º, 19º entre outras, nem do depoimento da testemunha B. A., nem do depoimento da testemunha J. M. ou do da testemunha C. M. se pode extrair “que a tão referida posse, por mais de 30 e 50 anos, sobre a água em questão nestes autos (factos das alíneas x) a an), era exercida pelo Recorrido enquanto caseiro de J. P., e precisamente por conta dessas mesmas funções exercidas”. Resulta apenas, que, antes de adquirir o prédio, o recorrido exerceu em nome alheio a posse, que depois passou a exercer em nome próprio.
A apelante parece esquecer que os autores têm o direito de juntar à sua a posse dos antecessores (art.º 1256º do CC), nada obstando a que antes de terem adquirido o prédio e passarem a exercer a posse em nome próprio, tenham sido caseiros desse mesmo prédio e, como tal, possuído em nome alheio (dos antecessores – art.º 1252.º nº 1 do CC). A redacção dos factos impugnados é clara nesse sentido pois refere-se sempre “e antepossuidores”.
Também nada em contrário do que se deu como provado resulta desses depoimentos ou do depoimento da testemunha M. M., como aliás se explana na motivação da decisão de facto. A circunstância de terem sido os antecessores da actual ré a terem procedido, a expensas próprias, ao encanamento da água, não contraria o que se deu como provado. Como a testemunha J. M. refere, tal entubamento foi efectuado após ter sido autorizado pelos autores. Nem altera a solução jurídica do caso, visto que corresponde apenas a uma alteração do modo de exercício da servidão, consentida pelos donos da água e do prédio dominante, como previsto no art.º 1568º nº 3, que remete para os números anteriores, do CC.
Com efeito, o dono do prédio onerado pela servidão pode exigir a sua mudança, ou alteração do modo e tempo do seu exercício, se lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante e desde que custeie as despesas que tal alteração acarrete.
A servidão de aqueduto tanto pode exercer-se por rego a céu aberto, como foi muitos anos exercida, como por meio de tubo, que pode ser enterrado (art.º 1561º do CC), desde que proporcione o mesmo aproveitamento ao prédio dominante. Claro que a alteração, se for da iniciativa e por conveniência do dono do prédio serviente, é por este custeada, assim se demonstrando o desacerto do que se refere na conclusão 15 do presente recurso.
O que as testemunhas disseram foi devidamente interpretado e é suporte suficiente ao que sobre esta matéria se considerou provado nos referidos factos, sendo que, “o facto dos réus primitivos terem questionado os recorridos acerca do encanamento da água em questão” (aliás, pedido autorização), pode e deve ser interpretado como reconhecimento do direito dos autores à água e do acessório direito de servidão de aqueduto.
No tocante à alteração do facto nº 4 (Os AA. pretendem aceder ao prédio referido em h) para fazer do mesmo um local de recreio e logradouro) para provado, o depoimento da M. L., empregada dos primitivos réus, certamente que a tal não conduz. Efectivamente o que referiu foi que “a senhora”, subentendemos que a recorrida, entrava no prédio e dirigia-se ao tanque, às vezes ficava lá uma hora a olhar para o tanque. Acrescentando também: “Ela entrava nuns tubos e ia ter ao, segundo diziam, ia ter ao outro tanque que esse senhor Joaquim tinha”. Demonstrou, quando instada pela mandatária dos recorridos, não ter conhecimento (ou se tinha fez-se de desentendida) do tanque ter um mecanismo de fechar a água, mas apenas de que quando cheio se soltava automaticamente. De qualquer forma do seu depoimento resulta apenas, que, por vezes, via a recorrida junto ao tanque e não que ela fizesse do prédio da ré local de recreio. Muito menos resulta, como alegado na conclusão 20, “a manifesta intromissão, dos recorridos, na vida íntima dos réus primitivos”, que aliás não consta do facto que pretendem ver provado e que é em sede de aplicação do direito aos factos que deverá ser ponderada.
Não vislumbramos que facto se pretenda provar com o depoimento da testemunha A. M., que demonstrou apenas ter um mau relacionamento com os autores.
Pelo exposto sucumbem no tocante à impugnação da decisão de facto as conclusões da apelante, decidindo-se manter incólume a factualidade provada na sentença, que assim se tem por assente.

*
Sustenta a apelante que “a aquisição da propriedade da água em questão só poderia consumar-se, por um lado, através de escritura de compra e venda da mesma” … e “por outro, através da manutenção da posse da mesma, por certo lapso de tempo, o que não se verificou”” ... que a declaração constante da escritura de compra e venda datada de 13/1/1999, junta aos autos pelos Recorridos … somente tem efeito probatório pleno quanto ao facto dessa declaração ter sido proferida perante o notário, … que sendo a escritura de compra e venda ou documento particular autenticado o meio idóneo a demonstrar a aquisição da água em questão … este negócio tem de ser registado, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 alínea a) do Código de Registo Predial, dependendo desse registo a eficácia perante terceiros …que da factualidade demonstrada nos autos, conjugada com os elementos documentais juntos – e com a ausência de outros essenciais para prova de factos relevantes para a pretensão dos Recorridos, resulta que a tão referida posse por mais de 20, 30, 50 anos exercida pelos Recorridos, mais não passou de uma mera detenção ou posse precária, insusceptível de conduzir à aquisição da propriedade da água em questão por usucapião … e que, mesmo considerando - o que só por mera hipótese de raciocínio se equaciona - que a partir do momento em que o Recorrido adquiriu o prédio rústico denominado “ Campo do …”, a eventual posse – nos termos previstos no artigo 1251.º do Código Civil - da água em questão se iniciou, sempre a duração da mesma não é susceptível de conduzir à aquisição por usucapião da propriedade da água”.
Ora, resulta evidente, face à factualidade que temos por assente, que a argumentação da apelante não pode ser acolhida.
Recordemos em primeiro lugar algumas noções importantes do direito às águas.
Juridicamente e no tocante a águas podem configurar-se as seguintes situações:
– Se o titular do direito à água puder captá-la num prédio e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a, sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Nesta hipótese, o titular (ou contitular) do direito de propriedade sobre as águas existentes num prédio alheio, pode dispor delas livremente, neste ou naquele prédio, para qualquer fim, até industrial, pode aliená-las separadamente, etc. Já o dono do prédio onde se situa a nascente não pode utilizar as águas desse prédio, não pode efectuar outra cessão etc. (como se as águas se separassem do solo e não mais lhe pertencessem) – artºs 204º nº 1 al. b), 1395º e outros do Código Civil.
– Se o direito à água estiver limitado a determinado prédio ou prédios, estaremos perante um mais limitado direito de servidão. Neste caso, o proprietário do prédio dominante (do prédio que tem o direito de usar as águas), só no interesse exclusivo desse prédio poderá usar as águas, i.e., na satisfação das necessidades ou de certas necessidades desse mesmo prédio, conforme a amplitude do título constitutivo daquela servidão. Não pode por isso cedê-las a outras pessoas. Já o dono do prédio serviente (do prédio onde a água é captada) pode usar livremente a água do seu subsolo, com a condição de não prejudicar a servidão constituída, i. é, desde que não diminua o caudal da água afecta à servidão.
Neste sentido ver Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, vol. II, pág. 153.
Esta servidão tem características próprias: trata-se de uma servidão de “frui” e não de “uti” e consiste no direito de captar água num determinado prédio, de nele ou noutro represar essa água (servidão de presa) daí fazer derivar e conduzir a água, por caleira, rego aberto ou subterraneamente (servidão de aqueduto), através de outros prédios, por um trajecto devidamente descrito, até ao prédio dominante — cfr. artºs 1390º, 1387º nº 1 al. a), 1395º nº 2 e segs. do Código Civil.
No caso em apreço o direito à água é alegado apenas como pressuposto dos direitos que nesta acção os autores pretendem fazer valer, que são o de servidão de presa e de servidão de aqueduto sobre o prédio da ré.
A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, derivar e conduzir.
A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar no tanque e a conduzir pelo aqueduto (rego, cano ou tubo).
Neste sentido se pronunciaram, entre muitos, os seguintes arestos:
– O Acórdão desta Relação de Guimarães de 13-10-2016 (proc.1297/09.6TBVVD.G1).
– Os Acórdãos do TRP 11-04-78 (Proc. 0012475) e de 22-09-97 (Proc. 9651490).
– Os Acórdãos do STJ de 29-05-73 (Proc.064504), de 18.6.1984 (Proc.072494), de 8.5.2003 (Proc.03B55) e de 28.10.2014 (750/03.0TCGMR.G1.S1).
Bem como a doutrina, de que salientamos Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, 1989, vol. II, págs. 370 e segs. (Cap. IX, §3 nº 635/6).
Os autores demonstraram o seu direito às águas represadas no prédio da ré (tanque) e através dele, por rego ou por tubo, conduzidas para o respectivo prédio.
Com efeito, o direito à água da Poça …, captada no campo da … ou campo do …, pertencente a A. P. e mulher, mostra-se judicialmente declarado por sentença transitada em julgado, na acção que correu termos com o nº 2380/08TJVNF, movida pelos autores aos acima referidos proprietários do prédio onde a água é captada. Estando definitivamente decidida a questão da aquisição do direito à água no confronto judicial entre os donos do prédio onde aquela nasce e quem se arrogava com direito a essa água, entendemos que, numa acção em que não se discute primacialmente o direito a essa água, mas apenas o direito de a represar e conduzir, tanto bastaria.
Contudo, como resulta dos factos provados nas alíneas x) a ay), os autores lograram provar a aquisição originária do seu direito à água captada no campo da … (Poça …), bem como à que é captada na mina existente no prédio referido na alínea au) dos factos provados (prédio de S. M. ), de que são consortes, dividida pela forma referida em aw) e ay).
Entendemos nós, de acordo com a definição acima proposta, que se trata, quer num caso quer no outro, não de “um amplo direito de propriedade sobre a água” [artºs 204º nº 1 al. b), 1395º e outros do CC] mas de uma servidão de águas, visto que está limitado a determinado prédio ou prédios, isto é, a água não se destina a qualquer fim ou destino que os autores pretendam, mas sim a rega e lima do respectivo prédio (água da Poça …) ou desse e de outros prédios de terceiros [água captada no prédio referido em au), segundo acordo de divisão estabelecido entre consortes]. Isso mesmo resulta dos factos provados [alíneas Y) - para irrigação do seu prédio – AC) – em benefício do seu prédio; AK) – levando a água ao seu campo para o limar …para rega; AW) e outras].
Trata-se de um encargo sobre um prédio a favor de outro ou outros prédios determinados. O direito ao uso da água está assim estabelecido não a favor dos autores, mas sim do respectivo prédio e, por isso mesmo, na escritura de venda do prédio é referido, acessoriamente, o direito à água a favor desse prédio. Se fosse um direito de propriedade plena, era alienado como tal, separadamente, pelo dono da nascente e não pelo dono do prédio dominante, isto é, foi alienado em conjunto com o prédio que dela beneficia, acompanhando-o (artºs 1545º e 1546º do CC).
Mas o facto do nosso entendimento sobre a natureza do direito à água invocado pelos autores divergir conceptualmente do que parece resultar, quer da sentença recorrida, quer da sentença proferida no processo 2380/08TJVNF, em nada afecta a sorte da presente acção, em que aos autores, como pressuposto dos direitos que aqui pretendem ver reconhecidos (servidão de presa e aqueduto) apenas têm de provar o direito à água que é represada no prédio da ré e através dele conduzido, sendo indiferente que se trate de uma amplo direito de propriedade sobre essa água (separadas do prédio onde nascem) ou de um mais limitado direito, de usar a água nascida num determinado prédio de terceiros para rega e lima do respectivo prédio.
Em qualquer dos casos, é título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões, nomeadamente a usucapião, quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio (art.º 1390º do CC), como é o caso.
Efectivamente, os autores provaram que a água é captada nesse prédio pertencente a A. P. e mulher, onde existem obras que revelam essa captação (Poça e Mina), e que captam e aproveitam essa água para rega e lima do respectivo prédio, por si e antecessores, na convicção de exercerem um direito próprio.
A respectiva posse é titulada, de boa fé, pública e pacífica, sendo que podem juntar á sua, a posse dos antecessores (artºs 1251º, 1256º, 1259º, 1262º do CC).
De qualquer forma, mesmo que a posse dos autores não tivesse durado tempo suficiente para a aquisição originária do direito (15 anos – art.º 1296º do CC), sempre constituiria presunção da titularidade do direito (art.º 1268º do CC), pelo que, não tendo sido ilidida tal presunção, tanto bastaria para os autores, no âmbito da presente acção, serem considerados titulares do direito às águas, a que se arrogam.
Esclarece-se, porque a questão vem aflorada nas conclusões da apelante, que o registo predial não é constitutivo deste direito (de propriedade ou de servidão de águas), mas meramente declarativo. O direito existe, ainda que não esteja registado.
Além de provarem o direito à captação e aproveitamento de determinadas águas, os autores provaram que tais águas são, por eles e antecessores, há mais de 20 anos, na convicção de terem esse direito e à vista de todos, conduzidas até ao prédio da ré, onde são apresadas num tanque e posteriormente encaminhadas ou conduzidas, inicialmente por rego e agora por tubo subterrâneo, prosseguindo depois o percurso referido nos factos provados até ao prédio dos autores, onde são aproveitada para rega e lima desse prédio [factos z) a ay)].
Assim, os autores lograram provar a aquisição originária, por posse conducente à usucapião, que expressamente invocam, do direito de servidão de presa (tanque) e do direito de servidão de aqueduto (rego e agora tubo enterrado) sobre o prédio da ré a favor do respectivo prédio e, consequentemente, na medida do necessário ao exercício de tais servidões, da acessória servidão de passagem sobre o prédio da ré para limpeza e manutenção do tanque e do rego, na parte em que subsiste, bem como eventual desentupimento ou reparação do tubo, na parte restante em que o substituiu.
A este propósito, relativamente à servidão de aqueduto, escreve Tavarela Lobo: «Existindo tal servidão, no âmbito dos direitos conferidos ao titular da servidão (de utilizar tudo o que lhe é necessário para o uso e conservação da mesma), avulta o adminiculum de passagem pelo prédio serviente (...), tratando-se de aqueduto ou rego a descoberto, especialmente quando térreo (...) existe normalmente ao lado do rego, a passagem de pé para acompanhar a água (...) suficiente para o trânsito de uma pessoa (...) assegurar o livre curso das águas, removendo do leito do aqueduto a terra, pedras. (...) Este direito assim assegurado ao proprietário do prédio dominante de proceder à necessária expurgação ou limpeza do aqueduto em nada colide com o direito de tapagem ou vedação conferido por lei ao proprietário do prédio serviente, em nada impede que este vede o prédio serviente desde que assegure o livre trânsito do proprietário do prédio dominante, para acompanhar a água, para obras de reparação, limpeza, inspecção, etc, nomeadamente, facultando uma chave ao proprietário do prédio dominante»...» – obra citada, II vol., nº649, págs. 392 e 393.
No nosso caso, embora a água, após o tanque sito no prédio da ré, já não seja transportada em rego à superfície, mas sim por tubo ou cano subterrâneo e por isso a passagem pelo prédio dos réus seja menos necessária ou frequente para acompanhamento dessa água, há ainda que encaminhar as águas até ao tanque – através de rego em pedra (as provenientes da Poça …) e por caleira [as da mina referida nas alíneas au) a ay)] – proceder à sua limpeza, bem como tapar e soltar o tanque, como se refere nas als. ak), al) e noutras dos factos provados.
Assim, o direito de tapagem do respectivo prédio, que assiste à ré (art.º 1356º do Código Civil) está limitado pelo encargo das servidões que o oneram, não se podendo afirmar que o facto de a água sair do tanque e percorrer o respectivo prédio através de tubo enterrado, torne desnecessária a passagem dos autores, donos do prédio dominante, pelo prédio dos réus, uma vez que subsiste a servidão de presa e a necessidade de accionar o respectivo mecanismo para encher o tanque de água e para a soltar, bem como para proceder à sua limpeza e à do rego empedrado e caleira que conduzem a água ao tanque e, mais raramente, para desentupir ou reparar o tubo subterrâneo que leva a água do tanque até ao limite do prédio da ré.
Também não procede a invocação por parte da ré de que tal passagem pelo seu prédio (adminicula servitutis) constitui uma devassa da vida privada de quem habite no seu prédio. Com efeito nada se provou nesse sentido, pelo que tal conclusão, porque genérica e abstracta, é insusceptível de fundamentar a colisão entre direitos de personalidade e direito real de servidão
Aliás, como resulta dos factos provados, não estamos perante uma servidão constituída sobre prédio urbano, mas sim sobre a parte rústica de um prédio misto, sendo indiferente a alteração da sua natureza posterior à constituição de tal servidão.
Com a constituição das servidões de presa e aqueduto, há muitos anos, o direito de propriedade sobre o prédio que hoje pertence à ré sofreu uma compressão. Os direitos do proprietário do prédio serviente, de o usar e fruir plenamente e com exclusão de terceiros, encontram-se limitados por outro direito real que incide sobre o mesmo prédio – o direito de servidão de presa e aqueduto a favor do prédio dos autores e as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão (os “adminicula servitutis”, que atrás mencionamos).
Cremos assim, que a situação que emerge dos factos provados não corresponde a uma colisão de direitos – estamos perante direitos reais compatíveis sobre a mesma coisa. Não estão em causa os direitos de personalidade da ré ou daquele a quem a ré venha a alienar o prédio. Está sim em causa uma limitação às utilidades que o prédio lhe proporciona, enquanto proprietária que vê os poderes correspondentes ao seu direito de propriedade comprimidos por um outro direito real, com ele compatível. E mesmo que tal conflito ou colisão existisse, em nosso entender ele seria apenas fundamento para a ré exigir mudança ou alteração da servidão ou do modo do seu exercício, como previsto no já citado art.º 1568º nºs 1 e 3, designadamente, propondo-se fazer e custear obra de armazenamento da água, em lugar do tanque, com mecanismo que regulasse automaticamente o fluxo e encaminhamento das águas, por forma a que então se pudesse concluir não haver necessidade de entregar aos autores o comando do portão, mas sempre com a obrigação de lhes facultar o acesso em caso de necessidade.
Pelo exposto, acompanhamos o decidido na sentença recorrida, que assim resta confirmar.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 12-10-2017