PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
NEGOCIAÇÕES EXTRAJUDICIAIS
Sumário

Na fase das negociações do Plano de Revitalização, compete ao administrador judicial provisórioverificar se os intervenientes nas mesmas actuam de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro (n.º10 do art.º 17º-D do CIRE), em que relevam os princípios da negociação visando a obtenção de acordo entre devedor e credores, da boa fé e da busca da solução que satisfaça todos os envolvidos, da cooperação e da transparência na actuação do devedor.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 304/13.2TBABF
Apelação 1ª Espécie
Tribunal Judicial de Albufeira
Recorrente: Banco (…), S.A.
Recorrido:
R05.2014

I. No Processo Especialização de Revitalização em que é Requerente/Devedora “(…), Lda.”, elaborada a acta de contagem de votos dos credores, foi proferido o seguinte despacho:
“Acta de contagem de votos e documentos anexos de fls. 175 a 189 dos autos:
Visto.
Conforme resulta da supra referida acta, o plano de recuperação conducente à
revitalização da sociedade devedora apresentado aos credores dos autos, foi aprovado pelos credores (…), (…), (…), Lda., e (…), Inc., todos credores comuns (cfr. relação de créditos de fls. 158) e cujos créditos representam, na globalidade, 68,67 % da totalidade dos votos emitidos pelos credores
que se pronunciaram nos autos.
Assim, não se pode senão considerar aprovado o referido plano de recuperação, nos termos do disposto nos artigos 17.º-F, n.º 3 e 212.º, n.º 1, ambos do CIRE, visto que o mesmo foi aprovado por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos pelos credores, correspondendo tais votos integralmente a créditos não subordinados, não se verificando, da análise do plano apresentado, nenhuma das causas impeditivas previstas nos artigos 215.º e 216.º do CIRE.
Pelo que cumpre homologar tal plano de recuperação nos termos do disposto no n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE.

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Nos termos expostos, homologo o plano de recuperação conducente à revitalização da sociedade devedora “(…), Lda.", junto aos autos a fls. 191 a 209.
Notifique, publicite e registe nos termos dos artigos 37.º e 38.º, ex vi art. 17.º-F, n.º 6, todos do CIRE.
Custas pela sociedade devedora (cfr. art. 17.º-F, n.º 7 do CIRE)".

Inconformado com tal decisão, veio o credor Banco (…), S.A. interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
Primeira: A douta sentença recorrida deve ser revogada, antes de mais, porquanto homologou um plano de recuperação que foi aprovado para lá do prazo máximo de negociações previsto no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE, uma vez que esse prazo, atendendo à data de publicação da lista provisória de créditos – 05 de Junho de 2013 – e à data em que esta lista se tornou definitiva – 12 de Junho de 2013 – por inexistência de impugnações, se iniciou em 13 de Junho de 2013, pelo que, com a prorrogação requerida pela devedora e o administrador judicial provisório de mais um mês, nos termos da lei, veio a terminar em 13 de Setembro de 2013, tendo sido feita a contagem dos votos, com a subsequente aprovação do plano de recuperação, apenas em 25 de Setembro de 2013.
Segunda: Face ao que consta em especial dos nºs 1 e 2 do artigo 17º-F do CIRE, deve-se entender que as negociações só terminam ou se concluem com a aprovação ou não aprovação pelos credores de um plano de recuperação, pelo que o derradeiro momento dessas negociações consubstancia-se na votação e no apuramento e contagem dos votos, ou seja, com a respectiva deliberação dos credores sobre o plano de recuperação.
Terceira: Tendo, no caso presente, sido ultrapassado o prazo máximo previsto no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE para a conclusão das negociações, o administrador judicial provisório deveria de ter comunicado tal facto ao processo nos termos do artigo 17º-G do CIRE e, em todo o caso, ser pelo Meritíssimo Juiz recusada a homologação do plano de recuperação, devendo assim, ser a sentença recorrida revogada, com as devidas consequências legais.
Quarta: Sem prescindir, sempre se dirá que ressalta dos autos e, inclusive, do texto do plano de recuperação apresentado pela sociedade devedora, que o processo especial de recuperação ou revitalização por esta devedora requerido e iniciado, não teve qualquer diligência, acto, comportamento, reunião de ou com credores, apresentação prévia e atempada de uma proposta de plano de recuperação ou revitalização para a correspondente pronúncia e/ou audição dos credores, ou o fornecimento atempado e completo de informações aos credores sobre a real situação económica, financeira, patrimonial e fiscal da devedora, pelo que, em suma, a devedora não fez desenrolar qualquer procedimento amplo, cuidado, abrangente e de boa fé de negociações com os seus credores, nomeadamente com o aqui recorrente, cujo crédito representa cerca de 30% do passivo global reconhecido à devedora.
Quinta: O processo de revitalização previsto nos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE assenta no pressuposto de que a devedora estabeleça com os seus credores reais e concretas negociações, a fim de, em conjunto com estes, obter um acordo, ainda que não unânime, que conduza à sua revitalização, pelo que tendo sido omitido pela devedora tal procedimento de negociações, o plano de recuperação que venha a ser aprovado encontra-se desvirtuado e injustificado, devendo ser, assim, recusada a sua homologação, por violação do espírito da Lei.
Sexta: No caso presente, a devedora limitou-se a elaborar unilateralmente o plano de recuperação que veio a apresentar aos credores para efeitos da sua votação em 5 dias, plano esse que não refere terem sido levadas a cabo quaisquer negociações (que, pelo menos com o aqui recorrente, efectivamente não ocorreram), pelo que o presente PER serviu apenas os fins da devedora de ver aprovado um plano de revitalização com o conteúdo que a mesma unilateralmente escolheu e que lhe é conveniente, rodeando assim a finalidade e natureza para que o legislador veio a criar o Processo Especial de Revitalização. Sétima: Assim, não estando demonstrado minimamente nos autos que o plano de recuperação ou de revitalização tenha sido precedido, antes da sua elaboração, pelo processo devido e estatuído na Lei de negociações entre a devedora e os seus credores (demonstração esta cujo ónus impendia sobre a devedora), não devia de ter sido proferida a douta sentença recorrida que homologou o plano de recuperação, pelo que também por este motivo deve ser a mesma revogada e substituída por outra decisão que recuse a respectiva homologação.
Oitava: Por fim e ainda sem prescindir, a sentença recorrida é ainda nula porque foi proferida sem que tivesse sido feita a publicação da deliberação do plano de recuperação, conforme o determina o artigo 213º do CIRE, aplicável ao caso por força do que dispõe o nº 5 do artigo 17º-F do mesmo Código, publicação essa que é fundamental para que os credores em particular, mas igualmente toda e qualquer pessoa ou entidade, tomar conhecimento dessa deliberação, dado que no PER a votação é feita obrigatoriamente por escrito e não através da presença em assembleia de credores.
Nona: Sem que tenha sido feita essa publicação, fica cerceada a faculdade de qualquer credor e as demais pessoas referida no artigo 216º do CIRE, usarem das faculdades que esta última disposição legal lhes confere, ou seja, de, fundamentada e justificadamente, solicitarem ou requerem ao Juiz que recuse a homologação do plano de recuperação.
Décima: No caso presente, o crédito do aqui recorrente é, na sua quase totalidade, garantido por hipotecas constituídas sobre imóveis da devedora, sendo-lhe de forma evidente prejudicial a aprovação do plano de recuperação em causa de redução em 75% não só dos créditos, mas igualmente das correspondentes garantias, pelo que a homologação do plano de recuperação em causa sempre põe o aqui recorrente em situação de dano e prejuízo fortemente mais acentuada da que teria se não fosse a ocorrência da aprovação do plano, nos moldes em que o foi.
Décima Primeira: Ao ter julgado como julgou o Meritíssimo juiz a quo, no sentido da homologação do plano de recuperação ou de revitalização da devedora, violou, entre outras as normas dos artigos 17º-D, nº 5, 17º-A, nº 1, 17º-F, nº 5, 17º-G, nº 1, 213º, 214º, 215º e 216º, todo do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida e substitui-la por outra que recuse a homologação do plano de recuperação apresentado por ter sido excedido o prazo estabelecido no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE; quando assim não se entenda, deve ser igualmente revogada a decisão recorrida e substituída por outra que recuse a homologação do plano de recuperação, por a devedora não ter efectivamente conduzido e efectivado quaisquer negociações com os credores, ou, em alternativa, ser ainda e igualmente revogada a sentença recorrida e proferir-se decisão que ordene a publicação da deliberação de aprovação do plano de recuperação, nos termos do artigo 213º do CIRE, anulando-se todo o processado praticado após o momento em que essa publicação deveria de ter sido realizada,…”

Cumpre decidir.
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II. Nos termos do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se a sentença deve ser revogada por o prazo para as negociações, previsto no n.º5 do art.º 17º-D do CIRE, ter sido excedido;
b) Se a sentença deve ser revogada por o plano de revitalização apresentado pela devedora, não ter sido precedido de um processo de negociações;
c) Se a sentença é nula por ter sido proferida sem que, previamente, tenha sido publicitada a deliberação sobre o plano de recuperação;
d) Se foi cerceado o direito da Apelante de solicitar a recusa de homologação do plano de recuperação nos termos do art.º 216º do CIRE;
e) Qual a solução a dar ao pleito.

A Lei 16/2012, de 20 de Abril, veio introduzir no CIRE, um procedimento, denominado Processo Especial de Revitalização (PER), destinado a permitir ao devedor que, comprovadamente, se situe em situação económica difícil ou em situação de iminente insolvência, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabeleça negociações com os seus credores, tendo em vista o estabelecimento de um acordo que permita a sua revitalização (art.º 17º-A do CIRE).
Entendeu o legislador que este procedimento judicial fosse conduzido, em grande parte, pelo próprio devedor _ a quem compete o estabelecimento de negociações com os credores que a tal se dispuserem e, finalizadas aquelas, a apresentar um plano de revitalização a ser votado por todos os credores _ sob a supervisão de um administrador judicial provisório, deixando ao juiz do processo, para além da decisão final do mesmo, intervenções pontuais, nomeadamente quanto à admissão liminar do procedimento, à decisão sobre os créditos reclamados que forem impugnados e à prorrogação do prazo de negociações.
O que denota a ideia do legislador, de retirar da intervenção directa da máquina judicial, grande parte do processo, reduzindo a intervenção do juiz do processo ao essencial, tendo em vista a celeridade processual, com as vantagens e desvantagens que tal solução necessariamente acarretará.
Consagrando ainda, como adiante se demonstrará, algum desequilíbrio, entre a posição da devedora e dos credores, em prejuízo da defesa dos direitos destes últimos.

Apesar do legislador definir os fundamentos da instauração do procedimento, que acima citámos, não os define com exactidão, a ver pela definição da noção de situação económica difícil dada pelo art.º 17º-B do CIRE, que reduz a um conceito muito pouco explícito de “dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguiu obter crédito”, não arvorando como fundamento do procedimento a viabilidade económica da empresa, o que será, em princípio, objecto de apreciação por parte dos credores da requerente ao pronunciarem-se sobre o plano de recuperação que lhes for apresentado pela devedora.

Em conformidade com o disposto no n.º1 do art.º 17º-C do CIRE, o PER inicia-se com a manifestação de vontade da devedora e de, pelo menos, um dos seus credores _ não importando o seu peso no leque dos credores da devedora, podendo assim ser um credor minoritário com menos de 1% dos créditos! _, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações, tendo em vista o desiderato do processo.
Apesar desta norma não o referir expressamente, afigura-se-nos que, tendo em conta os requisitos definidos pelo art.º 17º-A para ser intentado o PER, a devedora/requerente deve fundamentar o seu requerimento, alegando os factos em que se consubstancia a sua situação económica difícil ou a sua insolvência iminente, a fim do juiz do processo, tendo em conta o disposto no art.º 27º do CIRE, aqui aplicável por analogia, poder proferir despacho liminar apreciando a fundamentação e a documentação apresentadas para a instauração do PER, tendo por pano de fundo os requisitos legais do procedimento.
O que evitará, em nosso entender, e tendo em conta o disposto no n.º1 do art.º 17º-E _ a prolação do despacho liminar previsto na alínea a), do n.º3, do art.º 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante o tempo que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade _, que as acções para cobrança de dívidas a serem intentadas ou a intentar contra a devedora, sejam bloqueadas por via da instauração de um PER sem qualquer suporte legal.

Proferido despacho liminar e nomeado o administrador judicial provisório, inicia-se uma fase de particular importância para o êxito do procedimento, em que a devedora, mediante a supervisão do administrador judicial provisório, irá encetar negociações com os seus credores, tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação que permita a sua revitalização.
Esta fase delicada do processo, obriga a um apertado controlo das negociações por parte do administrador judicial provisório, que deve intervir activamente no acompanhamento das negociações (n.º 9 do art.º 17º-F do CIRE), cabendo-lhe, na falta de acordo entre o devedor e os credores sobre os termos das negociações, estabelecer as regras das mesmas (n.º8 do art.º 17º-D do CIRE), devendo ainda verificar se a devedora presta toda a informação necessária aos seus credores (n.º6 do art.º 17º-D do CIRE), para que estes possam, para além de apresentar propostas para a elaboração do plano de recuperação, tomar uma decisão fundada sobre a sua forma de votação do mesmo (n.º4 do art.º 17º-F do CIRE) e ainda para que possam, se assim o entenderem, com toda a informação disponível, requerer a recusa de homologação do plano de recuperação (n.º 5 do art.º 17º-F, e art.º 216º, todos do CIRE).
Competindo ainda ao administrador judicial provisório, verificar se os intervenientes nas negociações actuam de acordo com os princípio orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro (n.º10 do art.º 17º-D do CIRE), em que relevam o princípio da negociação tendo em vista a obtenção de acordo entre devedor e credores (1º), o princípio da boa fé e da busca de uma solução que satisfaça todos os envolvidos (2º), o princípio da cooperação (4º) e o princípio da transparência na actuação do devedor.

A fase de negociações, encetada com a comunicação da devedora aos seus credores, de que deu início às negociações com vista à sua revitalização, nos termos do n.º1 do art.º 17º-D do CIRE, deve ser concluída no prazo de dois meses a contar do fim do prazo para a impugnação dos créditos reclamados, podendo ser prorrogada por um mês (n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE).
Prazo esse que abrange, necessariamente, a aprovação ou não aprovação do plano de recuperação apresentado pela devedora, através da respectiva votação apurada em acta lavrada pelo administrador judicial provisório, na presença da devedora, conforme se retira do disposto nos n.ºs 1 a 4 do art.º 17º-F do CIRE, em particular da expressão “concluindo-se as negociações com a aprovação do plano de recuperação”, o que não pode deixar de significar que a fase de votação dos credores e o apuramento dessa votação _ este último momento essencial para aferir da deliberação dos credores, pela contagem dos respectivos votos _, se inclui no período de conclusão de negociações a que alude o n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE.
O que significa, em suma, que entre o fim do prazo para a impugnação dos créditos reclamados e a elaboração da acta de apuramento da votação dos credores, não podem mediar mais de dois ou mais de três meses, respectivamente, caso não tenha, ou tenha havido prorrogação do prazo.
Ultrapassado esse prazo, o processo negocial é encerrado, por força do disposto no n.º 1 do art.º 17º-G do CIRE.

Aplicando-se ao PER, por força do disposto n.º 5 do art.º 17º-F do CIRE, “com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos art.º 215º e 216º”, importa saber se o plano de recuperação aprovado pelos credores deve ser publicado nos termos do art.º 213º do CIRE, antes de proferida a sentença homologatória do plano de recuperação e qual o momento processual em que o credor que não vote favoravelmente o plano de recuperação pode deduzir requerimento a solicitar ao juiz do processo a recusa de homologação do plano de recuperação aprovado.
No que respeita à publicação da deliberação de aprovação do plano de recuperação, sendo uma regra respeitante à aprovação ou homologação do plano de recuperação, no que importa à sua publicidade, deve ser cumprida, dando-se imediata publicidade à deliberação de aprovação do plano de recuperação, permitindo assim ao credores, sem prejuízo do que adiante diremos, tomarem conhecimento da deliberação e poderem interpor os requerimentos que tiverem por convenientes, nomeadamente solicitando a recusa de homologação do acordo de recuperação.
Quanto ao momento processual adequado para que os credores que não votaram favoravelmente o plano de recuperação possam requerer a recusa de homologação do plano de recuperação aprovado pelos credores que o votaram favoravelmente, o disposto no n.º5 do art.º 17º-F do CIRE trás alguma complexidade na solução do problema.
Ao contrario do sucede quanto à prolação da sentença de homologação do plano de insolvência, previsto no art.º 214º do CIRE, que só pode ser proferida decorrido o prazo de 10 dias após a data da aprovação do plano de insolvência, o disposto no n.º5 do art.º 17º-F do CIRE estabelece um prazo para a prolação da sentença de homologação ou de recusa de homologação do plano de recuperação, de 10 dias após o recebimento da acta de apuramento da votação do plano de recuperação e atinente documentação, mormente o plano de recuperação aprovado.
Do que decorre, que a sentença a proferir no PER pode ser proferida do 1º ao 10º dia subsequentes ao recebimento da acta de apuramento da votação do plano de recuperação e documentação atinente, o que pode reduzir, substancialmente, o prazo para os credores solicitarem a recusa da homologação do plano, se esperarem pela publicitação da deliberação que o aprovou.
Pelo que, em nosso entender, para que os credores não corram o risco de ver o seu requerimento dar entrada após a prolação da sentença de homologação do plano de recuperação, com a consequente não apreciação dos referidos requerimentos, devem, cautelarmente, embora ainda não tenham conhecimento oficial da votação do plano de recuperação, apresentar esse requerimento com antecedência, quiçá ao mesmo tempo que apresentarem o seu voto sobre o plano de recuperação, assegurando-se assim que o mesmo dará entrada em juízo até à data da recepção pelo tribunal da acta de apuramento da votação do plano de recuperação, e que assim será necessariamente apreciado pelo juiz do processo.
Podendo ainda o juiz do processo, consciente da complexidade da questão e tendo em conta a necessidade de prazo para os credores exercerem o seu direito de solicitarem a recusa da homologação, relegar a prolação da sentença para o 10º dia após o recebimento da acta de aprovação do plano de recuperação e documentos conexos. Mas a tal a lei não obriga!

Dir-se-á assim que, em face do disposto no n.º5 do art.º 17º-F do CIRE, não foram devidamente acautelados os direitos dos credores a solicitarem a recusa da homologação do plano de recuperação, mas essa foi a opção do legislador, optando pela celeridade processual em prejuízo do direito credores a solicitarem, em prazo razoável, a recusa da homologação do plano de recuperação.

Por fim, o juiz do processo deve apreciar o plano de recuperação aprovado pelos credores, tendo em conta a documentação apresentada e as questões suscitadas pelos credores e devedora, podendo deitar mão do disposto nos art.ºs 215º e 216º para a sua não homologação.

Feito esta pequena resenha, por forma a enquadrar o regime jurídico do PER, importa analisar em concreto o presente processo especial de revitalização da empresa “(…), Lda.”.
Em face da parca informação vertida nos presentes autos, foi solicitada 1ª Instância diversa informação, nos seguintes termos:
“Em face das questões objecto do presente recurso, baixem os autos à 1ª Instância, para que seja junto aos autos, o seguinte:
a) Documento onde constem os termos que regularam as negociações entre o devedor e os credores participantes, no caso de acordo sobre a matéria entre todos os intervenientes ou (art.º 17º-D, n.º8 do CIRE);
b) No caso de não ter havido acordo, documento emanado do Sr. Administrador Judicial Provisório, em que este tenha definido os referidos termos (art.º 17º-D, n.º8 do CIRE);
c) Informação fornecida pela Requerente ao Sr. Administrador Judicial Provisório sobre a evolução das negociações e documentação atinente às negociações, ou tentativas de negociação, estabelecidas entre a Requerente e os credores participantes (art.º 17º-D, n.º6 do CIRE);
d) Documentação relativa à participação do Sr. Administrador Judicial Provisório nas negociações (art.º 17º-D, n.º9 do CIRE);
e) Publicações relativas ao presente processo efectuadas no Portal “Citius”.

Pese embora o Sr. Administrador Judicial Provisório tenha solicitado, conforme documentos juntos de fls. 301 a 311, e por diversas vezes, ao longo do tempo, que a devedora lhe desse informações sobre o estado das negociações e o seu âmbito, quais os credores contactados e qual o plano de recuperação apresentado aos mesmos, a resposta da devedora, a ver pelos documentos de 304 e 311, foi sempre evasiva, com respostas vagas “a requerente encontra-se em negociações particulares com alguns dos maiores credores” e mais adiante no mesmo documento “Encontra-se nesta primeira fase, a renegociar com um dos maiores credores …” “Dentro de alguns dias, a requerente irá estabelecer contactos com os restantes credores …” (citações do doc. de fls. 304) e “ o plano de revitalização da devedora está em fase final de elaboração, porquanto, será remetido a todos os credores reconhecidos na próxima semana para procederem à votação do mesmo …” (citação do documento de fls. 311).
Do que se retira que, a terem havido negociações entre a devedora e algum dos credores, não se regeram por quaisquer regras convencionadas entre todos os intervenientes (devedora e credores que aceitaram entabular negociações), ou fixadas pelo Administrador Judicial Provisório, nem existiu qualquer proposta prévia ao plano de recuperação, que permitisse aos credores que aceitaram negociar, apresentassem propostas alternativas com vista a um plano de recuperação com consenso alargado.
Aliás, a ver pelas alegações de recurso do Apelante, segundo maior credor, e que manifestou o interesse em participar nas negociações (vide doc. de fls. 134) e da credora Jardimoura que também manifestou interesse em participar nas negociações (vide doc. de fls. 173), não foram efectuadas negociações com todos os credores que se propuseram participar no processo de negociação.
O que aliás vai de encontro ao teor das cartas enviados pela devedora ao Administrador Judicial Provisório (documentos de fls. 304 e 311), em que a devedora refere apenas que encetou negociações com um dos devedores.
Tendo o Administrador Judicial Provisório sido marginalizado de todo esse processo de negociações que, a ver pelas referida documentação, foi reduzido, se é que existiu, não cumprindo assim com as funções que lhe são conferidas pelo n.º9 do art.º 17º-D do CIRE, a saber, participar nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade.
Consequentemente, o processo negocial não foi cumprido, nos termos legais, violando-se assim o princípio basilar do PER da negociação tendo em vista a obtenção de acordo entre devedor e credores.
O que nos leva a concluir, quanto a esta questão, que foram violadas, de forma não negligenciável, as disposições sobre as negociações entre devedora e os credores, o que conduz, em face do disposto no art.º 215º do CIRE, aplicável ao PER por força do n.º 5 do art.º 17º-F do mesmo diploma, à recusa de homologação do plano de recuperação.

Por outro lado, como acima dissemos, a conclusão das negociações _ compreendendo estas o apuramento da votação dos credores da devedora _, deve ser terminada no prazo de dois meses, ou três meses, caso haja prorrogação do prazo inicial, findo o prazo para a impugnação dos créditos reclamados.
Na situação em apreço, o prazo a conclusão das negociações iniciou-se em 14/06/2013 e terminou, por via da prorrogação do prazo inicial, a 14/09/2013 (art.º 279º b) e c) do Cód. Civ. e n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE), tendo a acta de apuramento da votação sido elaborada em 25 de Setembro de 2013.
O que nos permite concluir que a conclusão das negociações, que engloba necessariamente a deliberação sobre o plano de recuperação, que tem subjacente a contagem dos votos dos credores, e que é da responsabilidade da devedora e do Administrador Judicial Provisório, foi efectuada para além do prazo legalmente fixado.
Pelo que se deve concluir que as negociações foram concluídas para além do prazo legal, em violação do disposto no art.º 17º-G do CIRE, devendo o processo negocial ter sido imediatamente encerrado por decisão judicial.

Apreciadas as questões relativas à realização de negociações entre a devedora e os credores e ao prazo de conclusão das negociações, resta-nos apreciar as questões alegadas pela Apelante, intrinsecamente ligadas entre si, relativas à não publicação da deliberação de aprovação do plano de recuperação e ao cerceamento do direito da ora Apelante solicitar a recusa de homologação do plano de recuperação, nos termos do art.º 216º do CIRE.
No que diz respeito a estas duas questões, e dando aqui por reproduzido o que acima dissemos, parece-nos óbvio que foi violado o disposto no disposto no art.º 213º do CIRE, ao não ser publicitada a deliberação que aprovou o plano de recuperação.
O que poderá ter levado a que os credores, mormente a Apelante, não tenham deduzido o seu requerimento a solicitar a recusa de homologação do plano de recuperação, por não terem conhecimento da deliberação tomada pelos credores, sendo certo que, dadas as vicissitudes do processo, entre o dia em que a deliberação sobre a aprovação do plano de recuperação foi junta aos autos (27/09/2013) e a prolação da sentença (11.10.2013), mediou o tempo suficiente para que, publicitada a deliberação nos termos do art.º 231º do CIRE, pudessem os credores deduzir atempadamente requerimento a solicitar a recusa da homologação do plano de recuperação.
Conforme o acima expendido, em face do disposto no n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE, tudo aconselhava que os credores que quisessem solicitar a recusa da homologação do plano de recuperação, nomeadamente a ora Apelante, o tivessem requerido com antecedência, não ficando a aguardar pela publicitação da deliberação, uma vez que o Sr. Juiz “a quo” poderia ter proferido sentença, no imediato após a junção aos autos da acta de apuramento da votação do plano de recuperação e da junção do respectivo plano, caso em que a publicitação da deliberação não teria trazido qualquer prazo acrescido para os credores deduzirem os seus direitos a solicitarem a recusa de homologação do plano de recuperação.
No entanto, no caso em concreto, dadas as delongas processuais por via da não apresentação do plano de recuperação aprovado com a junção aos autos da acta de apuramento da votação do mesmo, a omissão da publicação da deliberação que aprovou o plano de recuperação, impediu que os credores menos avisados para esta nuance da lei, pudessem, de facto, no caso em concreto, exercer o seu direito a solicitar a recusa da homologação do plano de recuperação.
Cerceando-lhes assim, em concreto, o direito consagrado no art.º 216º do CIRE.
O que nos leva a concluir, também quanto a esta questão, que foram violadas, de forma não negligenciável, as disposições sobre o procedimento de publicação da deliberação de aprovação do plano de recuperação, o que cerceou o direito da ora Apelante a solicitar a recusa de homologação do plano de recuperação, nos termos do art.º 216º do CIRE, o que conduz, em face do disposto no art.º 215º do CIRE, aplicável ao PER por força do n.º 5 do art.º 17º-F do mesmo diploma, à recusa de homologação do plano de recuperação.

Em face do exposto, importa dar a solução ao pleito.
Como acima dissemos a fase da negociação, tão importante no PER, não foi cumprida nos termos legais, o que implica uma violação não negligenciável das regras processuais do PER e a consequente recusa da homologação do plano de recuperação, nos termos do disposto no art.º 215º do CIRE.
E que seria também de recusar a da homologação do plano de recuperação, nos termos do disposto no art.º 215º do CIRE, por via da violação do procedimento de publicação da deliberação de aprovação do plano de recuperação, o que cerceou o direito da ora Apelante a solicitar a recusa de homologação do plano de recuperação, nos termos do art.º 216º do CIRE.
Ao que acresce a não conclusão das negociações no prazo legal, o que determinaria a extinção imediata do PER, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 17º-G do CIRE.
O que nos leva a revogar a decisão recorrida, decidindo pela recusa de homologação do plano de recuperação da empresa “(…), Lda.”.
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III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e recusando-se a homologação do plano de recuperação da empresa “(…), Lda.”.
Custas pela Apelada.
Registe e notifique.
Évora, 08 de Maio de 2014
Silva Rato
Assunção Raimundo
Abrantes Mendes