SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO
Sumário


I) - Resulta do disposto no artº. 135º, nº. 3 do CPP, aplicável “ex vi” do artº. 519º, nº. 4 do CPC, que o Tribunal Superior pode decidir pela prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a necessidade de protecção de bens jurídicos.
II) - Não se justifica o levantamento do sigilo profissional, se da análise do processado não resulta que estivesse vedado à parte que arrolou o Sr. Advogado como testemunha, e sobre a qual incide o ónus probatório relativamente a determinada matéria, a possibilidade de o concretizar, tendo em conta os demais elementos de prova constantes dos autos.
Sumário da relatora

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

Na acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que A... move contra sua mulher M..., e que corre termos no Tribunal Judicial do Redondo, sob o nº. 80/11.3TBRDD, foi arrolada como testemunha, pela Ré, entre outras, o Exmº. Sr. Advogado JG....
Em 5 de Novembro de 2012, a mencionada testemunha Dr. JG... veio, ao abrigo do disposto no artº. 87º, nº. 1, al. e) e f) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei nº. 15/2005 de 26/1, formular pedido de escusa para depor como testemunha nos presentes autos, alegando, para tanto, que o conhecimento que tem dos factos relacionados com o processo de divórcio do A. e da Ré, adquiriu-o no exercício da sua actividade profissional de advogado e que antes de ter sido instaurada a acção de divórcio, teve uma reunião com o A. e a Ré, a pedido de ambos, para tentar obter acordo para o litígio, o que se frustrou, tendo-lhes transmitido, de imediato, a sua impossibilidade de depor como testemunha em Tribunal, referindo, ainda, que por força do estabelecido no EOA, está obrigado a guardar segredo sobre aqueles factos (cfr. fls. 630 do processo principal).
A Ré veio responder a este requerimento, alegando não ser verdade que a testemunha Dr. JG... tenha conhecimento de quaisquer factos relacionados com este processo de divórcio mercê da sua actividade profissional como advogado e que o mesmo nunca lhe transmitiu a sua indisponibilidade para depor como testemunha, invocando que não se verifica o condicionalismo previsto nas alíneas e) e f) do nº. 1 do artº. 87º do EOA, pois a testemunha não sabe a que quesitos vai ter de responder, pugnando, assim, pelo indeferimento da pretensão do Sr. Dr. JG... (cfr. fls. 863 a 865 do processo principal).
Notificado da resposta da Ré sobre o pedido de escusa apresentado pelo advogado em causa, veio o A. pugnar pelo deferimento de tal pedido, com base no facto da aludida testemunha ter sido seu advogado em diversos processos e ser seu amigo pessoal há mais de 30 anos, sendo verdade que aquele advogado teve conhecimento de factos relacionados com o processo de divórcio, até porque participou em reuniões com o casal, visando a obtenção de um acordo, entendendo ser indiferente saber a que quesitos iria depor, pois quanto a todos eles está obrigado ao sigilo profissional (cfr. fls. 905 a 908 do processo principal).
Por despacho proferido em 8 de Janeiro de 2013, foi indeferido o pedido de escusa apresentado pela mencionada testemunha Dr. JG..., com fundamento no facto do Tribunal desconhecer a que quesitos será indicada para depor, podendo tais factos não estar abrangidos pelo sigilo profissional (cfr. fls. 945 e 946 do processo principal).
Na audiência de julgamento de 8 de Abril de 2013, a testemunha Dr. JG... foi indicada, pelo mandatário da Ré, para responder aos quesitos 1 a 3, 14, 17 a 19, 21, 26, 27, 34, 35, 44, 48 e 53 da base instrutória, tendo, de imediato, a mandatária do A. tomado posição no sentido do depoimento daquela testemunha não poder ser valorado como prova, alegando que o Dr. JG... foi advogado do autor em vários processos e também teve intervenção no processo que está em causa nestes autos ao mediar tentativas de acordo no divórcio por mútuo consentimento e acrescentando que “nenhum dos quesitos aos quais esta testemunha foi indicada se revela essencial para a defesa da dignidade ou interesse legítimo do advogado ou da Ré e, como tal, de acordo com o disposto no artº. 87°, n°s 3 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, este depoimento não deverá ser aceite por violar o sigilo profissional a que a testemunha está obrigada”.
Por sua vez, o mandatário da Ré tomou posição no sentido do indeferimento da pretensão formulada pela mandatária do A., alegando que a circunstância do Sr. Dr. JG... ter sido mandatário do autor noutros processos, que não neste, não impedem o seu depoimento sobre a matéria a que foi indicado, já que tal circunstância não viola o disposto no artº. 87° do Estatuto da Ordem dos Advogados, e acrescentando que “a circunstância de ter mediado a eventualidade de um acordo não é impedimento para que possa testemunhar neste processo, até porque tal mediação pressupõe conhecimento sobre a matéria a que foi indicado, pelo que também por esta circunstância o seu depoimento não está a coberto do sigilo profissional”. Invocou, ainda, o facto de tal questão ter sido suscitada pelo Sr. Dr. JG... em requerimento apresentado nos presentes autos, o qual não mereceu acolhimento por parte do Tribunal, e que o A. não tem legitimidade para invocar esta questão, porquanto a competência para a formular compete exclusivamente à testemunha.
Seguidamente, nessa audiência de julgamento, o Mº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho [transcrição]:
«A questão da violação do dever de sigilo profissional por parte da testemunha JG... só pode ser avaliada e resolvida em função de dois factores: A matéria sobre a qual for inquirida e a qualidade em que dela tiver tomado conhecimento. Não basta o simples facto de a testemunha ter a profissão de Advogado para, automaticamente, ficar inibido de depor na qualidade de testemunha. Sendo assim, é prematuro, neste momento, declarar que a testemunha não pode depor pelas circunstâncias acima referidas. Ao contrário, deverá iniciar-se a sua inquirição e, perante cada pergunta que lhe for colocada, a própria testemunha ajuizará, considerando os factores acima referidos ou outros que considere pertinentes, se se trata de matéria coberta pelo dever de sigilo a que, como Advogado, está vinculado» (cfr. acta de fls. 32 a 39 destes autos).

A testemunha Dr. JG... iniciou o seu depoimento na referida audiência de julgamento, e conforme resulta da gravação em suporte informático junto aos autos, a mesma recusou-se a responder a determinadas questões que lhe foram colocadas, invocando o dever de sigilo profissional, tendo, então, sido proferido pelo Mº Juiz “a quo” o seguinte despacho [transcrição]:
«Acabam de ser colocadas à testemunha questões a que a mesma se recusou a responder invocando sigilo profissional, posição esta que, numa primeira abordagem, se antevê legítima.
Uma vez que a ré não prescinde da inquirição desta testemunha, terá de ser resolvida a referida questão do sigilo profissional e de sua eventual quebra através dos meios processuais próprios.
Em face do exposto, determino o seguinte:
- Suspendo de imediato a audiência de julgamento;
- Ordeno que o processo me seja concluso, a fim de iniciar a tramitação imposta pela situação descrita» (cfr. acta de fls. 32 a 39 destes autos).

Em 23/04/2013 foi proferido despacho a ordenar, nos termos dos artºs 618º, nº. 3 e 519º, nº. 3, al. c) e nº. 4 do CPC, artºs 135º, nºs 1 a 4 do CPP e 50º, nº. 1, al. f) do EOA, que se solicitasse ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, a elaboração de Parecer sobre a legitimidade da escusa do Sr. Dr. JG... a depor como testemunha, com fundamento no segredo profissional (cfr. fls. 40 destes autos).
Ouvida a Ordem dos Advogados, foi junto aos autos o Parecer de fls. 42 a 50 no qual se conclui que, dos elementos que instruíram o pedido em análise e dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Advogado Dr. JG..., o depoimento a prestar por ele à matéria vertida nos quesitos 1º, 2º, 3º, 14º, 17º, 18º, 19º, 21º, 26º, 35º, 37º, 44º e 53º da Base Instrutória «recairá sobre factos conhecidos no exercício da profissão e por causa da sua qualidade de Advogado.
Assim sendo, forçoso é concluir que o Sr. Dr. JG... está, quanto a eles, obrigado a sigilo, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 87° do EOA, não podendo, por conseguinte, sobre eles livremente depor, sob pena de, inclusive, poder incorrer em infracção disciplinar e mesmo criminal», considerando que a escusa para depor apresentada por aquele Sr. Advogado é legítima, nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 135º, nºs 1, 2 e 4 do CPP, quanto aos supra mencionados quesitos, não estando o mesmo obrigado a sigilo quanto aos quesitos 27º, 34º e 48º da Base Instrutória, uma vez que o depoimento a prestar não envolverá a divulgação de qualquer facto em si mesmo sigiloso, pressupondo no entanto que o mesmo se restrinja à expressão literal dos factos vertidos nos mencionados quesitos.

Em 6/01/2014 foi proferido o despacho constante de fls. 53 e 54 destes autos, a determinar a remessa do incidente a este Tribunal da Relação, para decisão, com o seguinte teor [transcrição]:
«Na sessão da audiência de julgamento de 08.04.2013, a testemunha JG..., arrolada pela ré, foi indicada para responder à matéria dos quesitos 1, 2, 3, 14, 17, 18, 19, 21, 26, 27, 34, 35, 37, 44, 48 e 53.
Iniciada a sua inquirição, a testemunha recusou-se a responder invocando sigilo profissional decorrente da circunstância de ter tomado conhecimento dos factos acerca dos quais estava a ser interrogada no exercício da sua profissão de Advogado.
Em face disso, foi suspensa a audiência de julgamento e iniciou-se a tramitação do incidente processual adequado à resolução do problema suscitado, solicitando-se, nos termos dos artigos 618.º, n.º 3, e 519.º, n.º 3, alínea c), e n.º 4, do Código de Processo Civil anterior, 135.º, n.ºs 1 a 4 do Código de Processo Penal, e 50.º, n.º 1, al. f), do Estatuto da Ordem dos Advogados, ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, que se pronunciasse acerca da legitimidade da escusa a depor.
Este órgão da Ordem dos Advogados pronunciou-se no sentido de que a testemunha JG..., por ter tomado conhecimento dos factos vertidos nos quesitos 1, 2, 3, 14, 17, 18, 19, 21, 26, 35, 37, 44 e 53 no exercício da sua profissão e por causa dela, se encontra obrigada a sigilo quanto a eles, por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Quanto à matéria dos quesitos 27, 34 e 48, foi entendido que a testemunha não está obrigada a sigilo, desde que o depoimento a prestar se restrinja à expressão literal dos factos vertidos nos mencionados quesitos.
Considerando a natureza da matéria constante dos quesitos 1, 2, 3, 14, 17, 18, 19, 21, 26, 35, 37, 44 e 53, a forma, acima referida, como a testemunha JG... adquiriu conhecimento da mesma, e o teor do parecer do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, a recusa daquela testemunha a depor afigura-se legítima, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Logo, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, cabe ao Tribunal da Relação de Évora decidir se se justifica a prestação de depoimento pela referida testemunha com quebra do sigilo profissional.
Para o efeito, determino que se remeta, ao Tribunal da Relação de Évora, um expediente contendo certidão das atas da audiência preliminar e de todas as sessões da audiência de julgamento até agora realizadas, bem como do despacho de fls. 1059, do parecer de fls. 1066 a 1075, do requerimento de fls. 1077 e 1078 e deste despacho.
Notifique».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A única questão a decidir consiste em saber se se verificam os pressupostos da quebra do sigilo profissional invocado pelo Sr. Advogado nos presentes autos.

Com interesse para a decisão a proferir há que ter em consideração a dinâmica processual supra descrita, em sede de relatório, e ainda que, nos quesitos da base instrutória em questão (aos quais a testemunha foi indicada pela Ré, que a arrolou), se pergunta o seguinte:
1) A separação referida em B) ocorreu por decisão da Ré?
2) A Ré passou, desde Setembro de 2009, a viver em Oeiras e levou todos os seus pertences da casa que era a morada de família?
3) A Ré deixou de coabitar, assistir ou cooperar com o A., e de contribuir para os encargos da vida familiar desde Setembro de 2009?
14) O A. contribuiu, com o seu comportamento, de forma exclusiva, para o facto de a R. ter saído de casa de morada de família?
17) O A. entretinha-se através da Internet a contactar outras mulheres, com quem mantinha contactos amorosos?
18) Foi o que aconteceu com PF…?
19) O A. manteve relações de sexo com PF…?
21) As viagens e estadia referidas em 20) foram marcadas, através da Agência Halcom, sediada em Vila Viçosa, para a passagem do fim do ano de 2009?
26) A Ré tem necessidade de alugar um apartamento, no mínimo, com uma assoalhada?
27) Na zona de Oeiras, qualquer apartamento, tipo T1, custa de renda mensal, no mínimo, a quantia de € 500,00?
34) A Ré teria com despesas domésticas com água, luz, gás, electricidade, telefone e limpeza do apartamento, a quantia não inferior a € 150,00 mensais?
35) Além da pensão que aufere, o A. tem outros rendimentos mensais?
37) Entre 1997 e o casamento em 2002 a exploração daquela actividade foi exercida por A. e Ré, em nome de uma prima do A., IB…, em nome de quem se encontrava registada a aquisição da casa de Terena?
44) A actividade de turismo rural foi exercida apenas até à venda da casa em Janeiro/2004, data a partir da qual nenhum dos membros do casal exerceu qualquer outra actividade remunerada, vivendo apenas das respectivas reformas e rendimentos prediais de bens próprios do A.?
48) O A. teve problemas de saúde e foi submetido a uma intervenção cirúrgica à próstata em Janeiro de 2009?
53) O A. tem um filho de um anterior casamento, que se encontra a estudar no 12° ano e para cujo sustento e educação o A. contribui mensalmente com importância não inferior a € 200,00?

Como se sabe, a recusa em prestar depoimento nos casos em que é admitida representa uma excepção ao princípio do dever de colaboração na descoberta da verdade imposto a qualquer pessoa seja ou não parte numa causa, sendo que um dos legítimos motivos dessa recusa é precisamente a preservação do sigilo profissional de determinadas entidades e sobre o qual se debruça inúmera legislação especial (cfr. artº. 519º, nºs 1 e 3, al. c) do CPC).
No caso dos advogados, rege a propósito o art°. 87° do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) que, no seu nº. 1, dispõe que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, enumerando os casos sujeitos ao dever de sigilo, para depois, no n°. 4, estabelecer que “O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento”.
Ora, nos termos do disposto no artº. 135º, nº. 3 do CPP, aplicável “ex vi” do artº. 519º, nº. 4 do CPC, o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado pode decidir pela prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a necessidade de protecção de bens jurídicos.
Porém, tal decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada depois de ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável (artº. 135º, nº. 4 do CPP).
O princípio do segredo profissional não é apenas um princípio normativo mas, sobretudo, um princípio ético que resulta dum clima de confiança recíproca entre advogado e cliente e da natureza eminentemente social da função forense. Funda-se no dever de lealdade para com o cliente, na tradição forense, na dignidade da advocacia e na sua função social de interesse público.

Tendo em conta o que fica dito sobre o segredo profissional, temos que ponderar se os motivos invocados pela mandatária do Autor e pela própria testemunha Dr. JG..., na audiência de julgamento de 8/04/2013 em que foi suscitado o incidente, justificam a recusa deste advogado em responder à matéria de determinados quesitos da base instrutória, invocando o sigilo profissional.
De acordo com o Parecer emitido pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados junto aos autos, a testemunha Dr. JG... está obrigado a sigilo profissional quanto à matéria vertida nos quesitos 1º, 2º, 3º, 14º, 17º, 18º, 19º, 21º, 26º, 35º, 37º, 44º e 53º da base instrutória (não estando sujeito a tal dever no que concerne aos quesitos 27º, 34º e 48º, dentro dos pressupostos definidos naquele Parecer), posição esta que foi acolhida pelo Tribunal “a quo” ao considerar legítima a recusa daquela testemunha em depor, tendo em atenção a natureza da matéria constante dos mencionados quesitos e a forma como a testemunha Dr. JG... adquiriu conhecimento da mesma.
Conforme se alcança dos elementos constantes dos autos, os quesitos 1º a 3º, 37º, 44º e 53º a que a testemunha deveria depor referem-se a factos alegados pelo A. na petição inicial e na réplica, e os quesitos 14º, 17º a 19º, 21º, 26º e 35º referem-se a factos alegados na contestação, cabendo a cada uma das partes que alegou aquela matéria, que é constitutiva do direito que invocam, o ónus da respectiva prova, nos termos do artº. 342º, nº. 1 do Código Civil.
Sendo assim, posto que, nos termos do nº. 3 do artº. 135º do CPP, a quebra do segredo profissional há-de mostrar-se justificada, nomeadamente, face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, não o estará quando o depoimento se não mostra minimamente decisivo ou relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (cfr. acórdãos da RE de 9/07/2009, proc. nº. 3173/05.2TBSTR-A e de 15/12/2009, proc. nº. 645/04.1TBLLE-A, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, considerando a natureza da matéria vertida nos quesitos 1º, 2º, 3º, 14º, 17º, 18º, 19º, 21º, 26º, 35º, 37º, 44º e 53º da base instrutória e a forma como a testemunha Dr. JG... adquiriu conhecimento da mesma (conforme se alcança da audição do seu depoimento que se encontra gravado em CD junto aos autos), bem como o teor do Parecer do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, consideramos que aquela matéria se encontra abrangida pelo segredo profissional, sendo, por isso, legítima a recusa do Sr. Advogado em depor sobre a mesma.
Embora se compreendam as dificuldades que possam surgir à Ré para levar a cabo o cumprimento do ónus da prova que sobre ela impende no que se refere aos quesitos 14º, 17º a 19º, 21º, 26º e 35º, por se tratar de matéria por ela alegada na contestação (tendo em atenção que os quesitos 1º a 3º, 37º, 44º e 53º reportam-se a factos alegados pelo A. e que, portanto, incumbe a ele provar), não resulta dos autos que sem o depoimento do Sr. Advogado Dr. JG... fique a Ré impossibilitada de observar tal ónus, considerando a restante prova (testemunhal e documental) por ela oferecida no processo.
Desta forma, entendemos não existir fundamento suficiente que justifique a autorização do requerido depoimento do Dr. JG..., quebrando o segredo profissional, sendo certo que não ficou demonstrada a obstaculização absoluta da procura da verdade material.
Com efeito, e reiterando o já afirmado, não resulta da análise do processado que fique vedado à parte que arrolou o Sr. Advogado como testemunha, e sob a qual incide o ónus probatório em relação a determinados quesitos, a possibilidade de o concretizar na realização do princípio da descoberta da verdade material, tendo em conta os demais elementos de prova constantes dos autos.
Nestes termos, teremos de concluir que não se mostra justificada a quebra do sigilo profissional, no que se refere à prestação de depoimento por parte da testemunha Dr. JG..., quanto à matéria dos quesitos 1º, 2º, 3º, 14º, 17º, 18º, 19º, 21º, 26º, 35º, 37º, 44º e 53º da base instrutória, podendo depor relativamente aos quesitos 27º, 34º e 48º, desde que o seu depoimento se restrinja à expressão literal dos factos vertidos nos mesmos.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em não determinar o levantamento do sigilo profissional relativamente ao Sr. Advogado Dr. JG... e, consequentemente, não autorizar que este preste depoimento quanto à matéria dos quesitos 1º, 2º, 3º, 14º, 17º, 18º, 19º, 21º, 26º, 35º, 37º, 44º e 53º da base instrutória, podendo fazê-lo relativamente aos quesitos 27º, 34º e 48º, desde que o seu depoimento se restrinja à expressão literal dos factos vertidos nos mesmos.

Custas do incidente a cargo da Ré.

Évora, 22 de Maio de 2014
(Maria Cristina Cerdeira)
(Maria Alexandra Moura Santos)
(Eduardo José Caetano Tenazinha)