AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Sumário


1- A não apresentação pela entidade empregadora, dentro do prazo de oferecimento do articulado motivador do despedimento, de todas as peças do procedimento disciplinar no âmbito do qual despediu o trabalhador, equivale à falta de apresentação desse procedimento e acarreta a declaração da ilicitude do despedimento decretado, por imperativo do disposto no art.º 98º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
2- O prazo de 15 dias a que alude o artº 98º-I, nº 4, al. a) do CPT é um prazo perentório, aplicável tanto à apresentação do articulado motivador do despedimento como à apresentação do procedimento disciplinar.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal de Trabalho de Santarém, BB intentou a presente ação com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, promovido pela sua entidade empregadora CC, apresentando para tanto o respectivo formulário e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento.
Efetuada a audiência de partes, e não tendo sido obtida a sua conciliação, foi a empregadora notificada para, no prazo de quinze dias, apresentar articulado fundamentador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do impugnante.
Veio, então, a entidade empregadora apresentar o articulado fundamentador do despedimento pugnando pela improcedência da ação e manutenção da decisão de despedimento com justa causa. No essencial alegou que o Autor a partir do dia 25/06/2012 deixou de comparecer no seu local de trabalho, sem dar qualquer justificação e estando desde essa data incontactável; por isso, em 6/08/2012, decidiu instaurar-lhe um processo disciplinar, o que lhe foi comunicado em 8/08/2012 acompanhada da respetiva nota de culpa; em 24/08/2012 o Autor apresentou resposta à nota de culpa na qual alegava, em síntese, que as faltas cometidas desde 25/08/2012 não careciam de justificação já que derivavam da aplicação da medida de coação de prisão preventiva e que informara a Ré das razões subjacentes às faltas cometidas; porém, a Ré nunca foi informada da aplicação ao Autor da medida de prisão preventiva, daí que tenha sido decidido aplicar-lhe a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação com base no facto de o Autor se encontrar ausente e incontactável desde 25/06/2012, incorrendo em mais de cinco faltas injustificadas durante o ano de 2012, o que configura justa causa de despedimento nos termos do artº 351º, nº 2, al. g) do CT, decisão essa comunicada ao trabalhador em 21/09/2012.
No final de tal peça diz juntar aos autos todos os documentos que compõem o processo disciplinar instaurado ao Autor, verificando-se a junção: da notificação ao Autor da instauração do processo disciplinar; da nota de culpa enviada ao trabalhador com aquela notificação; de um talão de aceitação de correio registado; da proposta de decisão elaborada pelo instrutor do processo; da comunicação da decisão final (que era no sentido do despedimento do Autor); e de mais um talão de aceitação de correio registado.
O Autor contestou suscitando a questão prévia da falta de apresentação do original do procedimento disciplinar, pois que nem ao menos constam a totalidade dos elementos que têm de o compor, faltando nomeadamente a nomeação de instrutor, a resposta à nota de culpa apresentada pelo Autor e a ata de inquirição das testemunhas indicadas na resposta à nota de culpa. Por outro lado, impugna o alegado pela Ré afirmando ser completamente falso que o Autor não tenha apresentado justificação para a sua ausência ao trabalho, o que aconteceu logo no 1º dia de ausência; considera que as faltas têm de ser consideradas justificadas. Por outro lado, sustenta que no processo disciplinar não lhe foram garantidos os direitos de audição e defesa, pois que a Ré nem sequer inquiriu as testemunhas arroladas pelo Autor. Termina pedindo que o processo disciplinar seja declarado nulo por violação das garantias de defesa e existência de vícios formais ou, em alternativa, seja declarada abusiva a sanção disciplinar aplicada e ordenada a reintegração do Autor; pede ainda a condenação da Ré a pagar-lhe a verba total de € 13.192,81.
A entidade empregadora apresentou “réplica”, na qual apresenta uma versão diferente dos factos invocados pelo Autor, insistindo na licitude do despedimento e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional. Com tal peça diz juntar “os originais do processo disciplinar, os quais seguem igualmente por correio CTT para ficarem junto aos autos”.
O Autor respondeu ainda a tal peça da Ré para sustentar a sua inadmissibilidade ou, em alternativa, ser declarado como não escrito o conteúdo dos seus artºs 1º a 19º e 24º.
Seguidamente o Sr. juiz proferiu decisão, apreciando a questão prévia suscitada pelo Autor de falta de apresentação do procedimento disciplinar, com o seguinte teor:

«Da questão prévia suscitada pelo trabalhador – Falta de apresentação do procedimento disciplinar:
Invoca o trabalhador a verificação de um “vício insanável” decorrente da falta de apresentação do procedimento disciplinar, invocação que declara relevante para a produção dos efeitos previstos pelo “artigo 397.º/4 do C.T. com as consequências daí advenientes”.
Na sua “réplica”, a empregadora nada disse sobre a questão suscitada pelo trabalhador, limitando-se a apresentar o que designou por “os originais do procedimento disciplinar”.
Cumpre decidir:
O procedimento de despedimento é, numa das suas asserções, um conjunto de documentos particulares destinado a corporizar o exercício da ação disciplinar por banda do empregador.
A sua não apresentação pelo empregador, em sede da forma especial de processo de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, quando este é fundado em motivo disciplinar, é cominada com a imediata declaração de ilicitude do despedimento, como se deduz do disposto no artigo 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho.
Notificada em sede de audiência de partes para, no prazo de quinze dias, “(…)juntar o original do procedimento de despedimento disciplinar, de forma a que possa ser apensado aos autos (…)”, a empregadora, no citado prazo, com o articulado fundamentador do despedimento, declarou juntar aos autos “(…) todos os documentos que compõem o processo disciplinar instaurado ao A.(…).
Só após a contestação da trabalhadora, veio a empregadora, por requerimento avulso, datado de 8 de abril de 2013, requerer “(…)a admissão e junção aos autos dos originais do procedimento de despedimento(…)”.
Cabe pois apreciar da peticionada aplicação, ainda que imperfeitamente veiculada, da cominação prevista pelo citado artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT para a falta de apresentação do procedimento disciplinar.
Os factos relevantes:
1 – A audiência de partes nestes autos teve lugar em 4 de fevereiro de 2013;
(folhas 56 e 57 dos autos)
2 – Em sede dessa audiência foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a entidade empregadora para no prazo de quinze dias apresentar o articulado que justifica o despedimento e juntar o original do procedimento de despedimento, de forma a que possa ser apensado aos presentes autos, apresentar rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.”;
(folhas 56 e 57 dos autos)
3 – Este despacho foi notificado à ré na citada data, a exemplo do que já acontecera aquando da respetiva citação, ocorrida em 10 de janeiro de 2013;
(Aviso de receção de folhas 47 dos autos)
4 – Em 19 de fevereiro de 2013, a empregadora apresentou nos autos um articulado que designou como “articulado a que se refere o artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho”, tendo a folhas 8 do mesmo articulado feito a seguinte menção:
“Junta: Procuração, todos os documentos que compõem o processo disciplinar instaurado ao A., requerimento de apoio judiciário”
(folhas 61 a 68 dos autos)
5 – Na mesma ocasião enviou para os autos, via sistema Citius, vários documentos que destes autos constam a folhas 69 a 77;
(folhas 69 a 77)
6 – Em 5 de abril de 2013, via sistema Citius, a empregadora remeteu aos autos os documentos que dele constam como folhas 141 a 155, tendo mencionado que “Junta: 1 documento e os originais do procedimento disciplinar, os quais seguem igualmente por correio CTT para ficarem junto aos autos”;
(folhas 140 a 155)
7 – Em 8 de abril de 2013, requereu a empregadora a “…admissão e junção aos autos dos originais do procedimento de despedimento, que acompanharam a réplica por si apresentada”, tendo enviado pelo correio os documentos que ora constam de folhas 157 a 170 dos autos;
(folhas 156 a 170);
8 – O trabalhador foi despedido pela empregadora por carta registada enviada ao trabalhador em 21 de Setembro de 2012;
(documento de folhas 170)
Fundamentos de facto:
O teor dos termos do processo e documentos dele constantes que são mencionados imediatamente após o facto para cuja prova serviram.
O Direito:
Do mero confronto entre os documentos avulsamente apresentados pela empregadora, em 19 de fevereiro de 2013, com o articulado motivador do despedimento, e os documentos apresentados pela mesma parte em 5 e 8 de abril de 2013, respetivamente, resulta evidente que a empregadora não apresentou nos autos, adentro do prazo de quinze dias fixado pelo art.º 98.º-I, n.º 4, alínea a) do Código de Processo do Trabalho (CPT), o processo disciplinar. Desde logo, porque os documentos por si apresentados adentro daquele prazo limitam-se a comprovar a notificação ao trabalhador (1) da intenção de aplicação de sanção disciplinar, com vista a eventual despedimento sem indemnização ou compensação, (2) da nota de culpa e (3) da decisão de despedimento e respetiva “proposta de decisão”.
Como já referia o trabalhador no seu articulado de contestação, e é corroborado pela apresentação de documentos veiculada pela empregadora em 5 e 8 de abril de 2013, aqueles documentos não constituem o procedimento disciplinar, são peças dele extraídas, o que não pode ser considerado equivalente à apresentação do procedimento disciplinar, pois que se assim fosse, qual seria o limite da incompletude tolerável ao nível do cumprimento da obrigação de apresentação do procedimento?
Como se pode ler no Ac. Relação do Porto de 11 de dezembro de 2012, disponível em www.dgsi.pt , a apresentação do procedimento disciplinar é essencial para o normal desenrolar da lide, por razões atinentes ao bom exercício do contraditório e à concessão ao Tribunal de efetiva possibilidade de aferir da regularidade e licitude do despedimento, v.g., na vertente da fiscalização do cumprimento dos direitos do trabalhador arguido:
“Ora, embora se trate de matéria em elaboração, cremos poder afirmar que a junção do procedimento disciplinar, juntamente com o articulado inicial, não se destina apenas a permitir a defesa do trabalhador no que respeita à compreensão do conteúdo da justa causa, mas também a permitir verificar da legalidade dos atos praticados em tal procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial, nomeadamente, se deslocaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa, por exemplo. Ora, a descrição pormenorizada dos factos que integram o procedimento disciplinar, efetuada no articulado inicial da ação de impugnação, não garante que tenham sido observados os princípios da acusação e do contraditório, por exemplo. Por isso, mesmo que a lei não previsse um prazo perentório para a junção do procedimento disciplinar, sempre se imporia, em homenagem àqueles princípios, que tal junção ocorresse antes da apresentação da contestação, de forma a garantir uma defesa efetiva do ora apelado, o que não aconteceu na nossa hipótese.”
Ou, ainda, como se decidiu no recentíssimo aresto do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10 de julho de 2013, disponível em www.dgsi.pt:
“A estrutura da ação em apreço assenta na regra básica de que o ónus da prova da regularidade e da impugnação do despedimento recai apenas sobre a empregadora, embora a sua iniciativa pertença ao trabalhador. Em consequência, é o empregador que apresenta o primeiro articulado, cabendo ao trabalhador, no exercício do contraditório, não só contestar, querendo, como além disso, reclamar, se o julgar oportuno, todos os créditos que tenha por virtude do contrato de trabalho.
Nestes termos, o empregador assume processualmente uma posição muito semelhante à de um autor, na medida em que lhe compete apresentar, junto do tribunal, um articulado que motive o despedimento, para o que oferecerá todas as provas, sendo depois o trabalhador notificado para responder, querendo, no prazo de 15 dias (art. 98.º--L, n.º 1). Estas ações implicam, assim, uma relativa distorção do posicionamento clássico de autor e réu[4].
O articulado motivador assume claramente a natureza de uma petição inicial, onde o empregador deverá motivar o despedimento, apresentar as provas respetivas e formular o correspondente pedido, designadamente a validade do procedimento disciplinar e a licitude do despedimento, sob pena de essa “petição” ser inepta – artºs. 193.º, n.º 2, al. a) e 467.º, n.º 1, las. d) e e) do CPC (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 28-02-2013, processo n.º 485/12.2TTCBR.C1).”
Sobre esta questão pronunciaram-se, de forma sucinta, alguns autores, defendendo, em caso de inobservância do prazo para a junção do despedimento disciplinar, a declaração imediata da ilicitude do despedimento.
Veja-se, por exemplo, Abílio Neto[5]:A falta de junção do procedimento disciplinar em ação de impugnação de despedimento deixou de constituir uma irregularidade que deve ser arguida no prazo de 10 dias a que alude o art. 205.º -1 do CPC (assim, em face do regime anterior, o Ac. STJ, de 7.3.2007: Proc. 06S2454.dgsi.net), e passou a integrar um vício de conhecimento oficioso, causante da declaração imediata da ilicitude do despedimento (n.º3 deste artigo).
No mesmo sentido, Susana Silveira[6] defende a natureza perentória do prazo de 15 dias para a entrega do articulado e do procedimento disciplinar:
Entendendo-se, ainda, que, com base na interpretação conjugada do art. 98.º--G, n.º 1, al. a), com o art. 98.º-J, n.º 3, é cumulativa a exigência legal no que se refere à apresentação do articulado motivador do despedimento e do procedimento que lhe deu causa, sendo que a omissão de qualquer um desses catos tem por consequência a condenação do empregador nos moldes expressos nas als. a) e b), do n.º 3, do art. 98.º -J. Aliás, a natureza perentória do prazo para a apresentação do articulado e do procedimento conducente ao despedimento e aquela exigência cumulativa não consentem, sequer, a possibilidade de, a requerimento, ser concedido ao empregador prazo acrescido para junção dos documentos comprovativos daquele procedimento.”
Eusébio Almeida[7] parece defender, também, o efeito cominatório previsto no art. 98.º-J, n.º 3 do CPT, para os casos em que a empresa não junta o procedimento disciplinar, no prazo de 15 dias, questionando, contudo, a bondade da solução: “Afinal, como aqui se comprova, sem procedimento disciplinar – por mais simples que este seja – há imediata declaração da ilicitude do despedimento e (também) imediata condenação, pelo menos parcial. O despedimento comunicado por escrito, mas que é apenas isso (sem procedimento) morreu logo aqui. Porquê não prever, desde início, esta ação especial apenas para os despedimentos precedidos de procedimento disciplinar ou do cumprimento das formalidades exigidas, uma vez que se optou por não a prever para todos os tipos de despedimento?”
Albino Mendes Baptista[8], referindo-se ao efeito cominatório previsto no art. 98.º-J, alínea a) do CPT – declaração da ilicitude do despedimento do trabalhador – entende que esta se aplica à falta de entrega do articulado inicial e, também, à não junção do procedimento disciplinar, para os casos de despedimento por facto imputável ao trabalhador, bem como à não junção dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, nas outras formas de cessação do contrato. Critica, contudo, esta solução legislativa, pois, «Nestes termos, o trabalhador pode obter ganho de causa sem nunca se ter pronunciado judicialmente sobre a matéria em litígio, mesmo que o juiz tenha a convicção de que existe justa causa para aquele despedimento. Seria, por isso, muito mais ajustado permitir-se que o juiz julgasse a causa conforme os elementos constantes do processo – conteúdo da resposta à nota de culpa, ou a ausência da mesma, pareceres eventualmente juntos, decisão do empregador e, particularmente, as posições assumidas por trabalhador e empregador na tentativa de conciliação, se se realizar, de que será lavrada cata.»[9]
A fim de interpretar o sentido com que devem valer as normas conjugadas dos artigos 98.º-I, n.º 4. alínea a) e 98.º-J, n.º 3, importa recorrer aos vários elementos de interpretação fornecidos pela ciência jurídica a propósito da interpretação da lei.
Segundo Baptista Machado[10], estes elementos são o elemento gramatical (o texto ou a letra lei) e o elemento lógico (o espírito da lei). Este último, por sua vez, subdivide-se em três: o elemento racional ou teleológico (ratio legis), o elemento sistemático (contexto da lei e os lugares paralelos) e o elemento histórico (trabalhos preparatórios e fontes da lei).
O Código Civil contém, no seu artigo 9.º, uma teoria da interpretação da lei, da qual destacamos as seguintes regras: 1) O intérprete deve, a partir do texto, reconstruir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9.º, n.º 1); 2) Teoria da alusão: não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º, n.º 2); 3) A dupla presunção de que o legislador consagrou a soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3).
a) Elemento gramatical
O texto é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe um função negativa, de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio nas palavras da lei, e uma função positiva, nos termos da qual, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma, com a ressalva de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento legislativo, para este efeito utilizando o elemento sistemático e o elemento teleológico de interpretação, aos quais cabe uma função de controlo do sentido literal do texto.
Analisando o teor gramatical do texto da norma do art. 98.º, n.º 3, al. a) não há dúvida de que, sendo a oração subordinada negativa “não apresentar o articulado” ou “não juntar o procedimento”, a conjunção “ou” não estabelece uma ligação alternativa ou de oposição entre dois termos, mas antes os une porque contém implícita a conjunção copulativa “e”. A obrigação de junção do procedimento disciplinar constitui, portanto, uma obrigação cumulativa com a obrigação de entrega do articulado inicial, cujo incumprimento está sujeito à mesma consequência fixada na oração principal: o juiz declara a ilicitude do despedimento. Sendo assim, o legislador previu a mesma sanção, quer para a falta de entrega, dentro do prazo de 15 dias, do articulado inicial, quer para a não junção do procedimento disciplinar dentro do mesmo prazo.
Vejamos, agora, se os restantes elementos de interpretação confirmam, ou não, o resultado a que chegamos pela interpretação literal.
b) Elemento teleológico, sistemático e histórico
As circunstâncias políticas, económicas e sociais em que a norma foi elaborada ou a conjuntura que motivou a decisão legislativa, a chamada “occasio legis”, que integra o elemento racional de interpretação, constam do estudo prévio às alterações feitas em 2009 ao Código de Trabalho e ao Código de Processo do Trabalho designado por Livro Branco das Relações Laborais, de 30 de Novembro de2007[11]. Embora estes estudos não vinculem o intérprete na determinação da vontade do legislador, a qual deve ser extraída da lei, têm sempre um valor indicativo acerca do pensamento legislativo subjacente às normas.
Segundo este documento, os modelos processuais do despedimento individual têm-se revelado excessivamente pesados, existindo nesse domínio alguma margem de atuação do legislador para introduzir uma considerável simplificação da carga processual, tendo a Comissão considerado que o alongamento dos processos, decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para ambas as partes.
Neste quadro, porque as diligências probatórias realizadas no decurso do procedimento não têm valor probatório em sede judicial, entendeu a Comissão que a imposição de uma fase de instrução implica o alongamento do procedimento, com prejuízo para ambas as partes, propondo que fosse eliminado o carácter obrigatório da instrução[12], proposta que deu origem ao art. 356.º, n.º 1 do CT de 2009. Note-se, contudo, que este objetivo de simplificação não foi atingido, pois esta norma foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 338/2010, DR n.º 216, 1.ª série, de 8 de Novembro de 2010. Sendo assim, o procedimento disciplinar com vista ao despedimento manteve a obrigatoriedade da fase da instrução, quando requerida pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, prevalecendo as garantias de defesa dos trabalhadores sobre as exigências de simplificação[13].
Todavia, apesar de este objetivo de simplificação e de desvalorização do procedimento disciplinar não ter sido atingido, por respeito pelos direitos de defesa do trabalhador, continua a poder dizer-se que, nas restantes soluções legislativas, nomeadamente na tramitação da nova ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, o objetivo do legislador foi simplificar e acelerar o processo.
De modo a fazer corresponder o trâmite da ação de impugnação do despedimento às regras sobre o ónus da prova da justa causa, propôs a Comissão as seguintes medidas[14]:
«- O impulso processual caberá ao trabalhador, que se limitará a alegar a realização do despedimento, permitindo-se, assim, reduzir substancialmente o prazo de interposição da ação de impugnação do despedimento, já que o trabalhador estará dispensado de apresentar o articulado inicial.
- Segue-se uma audiência de partes destinada a tentar a resolução do litígio por acordo;
- Não chegando as partes a acordo, caberia ao empregador apresentar a petição inicial, justificando o despedimento e apresentando provas da respetiva justificação. Ao trabalhador caberia contestar essa posição.
- A produção de prova seguiria esta ordem, devendo ser feita em primeiro lugar a prova do empregador».
Propõe a referida comissão que a não apresentação do requerimento do empregador tenha por consequência a declaração de invalidade do despedimento, nada estipulando sobre a cominação para a falta de entrega do procedimento disciplinar, cuja junção o juiz deve requerer logo após a entrega do requerimento do trabalhador, na audiência de partes, devendo, também, neste momento, notificar o empregador para apresentar articulado onde motive o despedimento [15].
Pensamos, assim, que o articulado inicial apresentado pelo empregador é o instrumento processual fundamental desta ação de impugnação do despedimento, como aliás indica o elemento sistemático de interpretação, na medida em que o art. 98.º-J tem como epígrafe “Articulado do empregador”. Serve este articulado para que a entidade empregadora apresente os motivos fundamentadores da aplicação da sanção disciplinar de despedimento. É assim claro que não se basta a lei com a apresentação do procedimento disciplinar, devendo aplicar, quando falta o articulado inicial do empregador, a cominação legal de declaração de ilicitude do despedimento, dada a natureza e função deste articulado, equivalente a uma petição inicial.
Perante esta solução, coloca-se a questão de saber se a ação pode prosseguir, na hipótese de a empresa entregar o articulado dentro do prazo legal, mas não juntar o procedimento disciplinar.
A letra da lei, como vimos, é clara: como a oração está construída na negativa, a vírgula antes do “ou” contém, em si, implícita, a conjunção coordenada copulativa. Assim, para que seja declarado ilícito o despedimento é suficiente que falte, ou o articulado ou o procedimento disciplinar; os dois têm de ser entregues sob pena da cominação estatuída.
A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro e dos estudos prévios citados, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.
Apesar de o procedimento disciplinar ser um instrumento complementar ao articulado - peça central do processo - o legislador exigiu a sua entrega imediata pelos seguintes motivos:
1) Nos casos em que o despedimento tenha sido proferido sem precedência do procedimento disciplinar, visa-se excluir, ab initio, o prosseguimento da ação (o despedimento seria sempre ilícito ao abrigo do art. 381.º, al. c) do CT/2009);
2) Nos casos em que existe um procedimento disciplinar interno à empresa, a lei exige a sua junção dentro do prazo de 15 dias, supondo que, tratando-se de um documento já previamente elaborado, está disponível para ser entregue a fim de:
a) Permitir, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa;
b) Permitir, ao juiz, a verificação da legalidade dos atos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.
Sendo assim, os elementos de interpretação da norma do art. 98.º-J, n.º 3 indicam, em consonância, que a não junção do procedimento disciplinar, no prazo de 15 dias, tem por consequência a declaração da ilicitude do despedimento, assumindo este prazo uma natureza perentória, que não admite a possibilidade de, a requerimento do empregador, ser concedido um prazo acrescido.”
Decisão:
Termos em que, pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, decido:
Declarar ilícito o despedimento perpetrado pela empregadora na pessoa do trabalhador;
Condenar a empregadora a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
Condenar a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado desta decisão judicial, à razão de quinhentos e trinta euros (€530,00) mensais de retribuição base, e cinco euros (€5,00) de subsídio de alimentação, por dia útil;
Condenar a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta sentença;
Custas pela empregadora.
Valor da ação (sem prejuízo da sua eventual adequação posterior): €4.850,00.
Registe e notifique esta sentença às partes, sendo o trabalhador ainda notificado para, querendo, no prazo de quinze dias, apresentar articulado no qual peticione (outros) créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, nos termos do estatuído pela alínea c) do n.º 3 do artigo 98.º-J do CPT.»

Inconformada com o assim decidido apelou a entidade empregadora para esta Relação, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Nos termos dos artigos 98º-I, nº 4, alínea a), e 98º-J, nº 3, do CPT, não se impõe que o procedimento disciplinar seja apresentado sob certa forma, designadamente, de originais ou de fotocópias, podendo a entidade empregadora, aqui Recorrente, optar por qualquer uma delas, dando assim cumprimento àqueles preceitos.
2. O procedimento disciplinar só é inválido, nos termos do artigo 382º, nº 2 do CT, se: a) faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; b) faltar a comunicação da intenção de despedimento junto à nota de culpa; c) não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para a resposta à nota de culpa; d) a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou [esta] não esteja elaborada nos termos do nº 4 do artigo 357º ou do nº 2 do artigo 358º.
3. A Recorrente praticou os catos procedimentais legalmente exigidos, com vista ao despedimento do Recorrido, os quais se materializam nos documentos que a mesma juntou aos autos em 19/02/2013 e que compõem o procedimento disciplinar, a saber: i) Nota de culpa; ii) Notificação ao Recorrido da intenção de aplicação de sanção disciplinar, com vista a eventual despedimento sem indemnização ou compensação; iii) Proposta de decisão de aplicação de sanção disciplinar de despedimento ao Recorrido e; iv) Notificação ao Recorrido da aplicação de sanção disciplinar de despedimento.
4. Para efeitos dos artigos 98º-I, nº 4, alínea a), e 98º-J, nº 3 do CPT e 382º, nº 2 do CT, a Recorrente não estava obrigada a juntar quaisquer outros documentos além daqueles, os quais efetivamente juntou em 19.02.2013, dentro do prazo legal de 15 dias.
5. A posterior junção de outros documentos, como o termo de abertura, a nota de ocorrência e a reposta à nota de culpa, os quais se revelam acessórios e instrumentais ao decurso do procedimento disciplinar, no dia 05/04/2013, não põe em causa o cumprimento do disposto naqueles preceitos legais, sendo irrelevantes para esse efeito, pois nada de material decidem no procedimento disciplinar que, no decurso dele ou da ação judicial posterior, importe sobre o mesmo o exercício do contraditório pelo trabalhador ora Recorrido.
6. Efetivamente, se a ratio legis do artigo 98º-I, nº 4, alínea a) do CPT é assegurar a apreciação da legalidade do procedimento disciplinar por parte do juiz e garantir a possibilidade do trabalhador efetuar a sua defesa contraditoriamente, esses objetivos ficaram perfeitamente salvaguardados com a junção aos autos em 19.02.2013 dos documentos juntos pela Recorrente com o articulado a que se refere o artigo 98º-J do CPT.
7. O prazo perentório de 15 dias a que se referem os artigos 98º-I, nº 4, a) e 98º-J, nº 3 do CPT e as consequências aí previstas são aplicáveis, salvo melhor opinião, exclusivamente no caso de não apresentação do articulado do empregador.
8. Assim, podemos dizer que o articulado do empregador consiste numa ferramenta processual de natureza essencial no processo, assumindo o procedimento disciplinar um carácter meramente complementar e de prova.
9. Se é certo que a lei impõe a junção do procedimento disciplinar, a cominação legal prevista na parte final do nº 3 do artigo 98º J - declaração da ilicitude do despedimento - não poderá ser a solução a alcançar quando, como nos presentes autos, a Recorrente apresenta o seu articulado, no qual expõe os motivos fundamentadores do despedimento e, no mesmo articulado, junta, os documentos necessários à contradita do Recorrido.
10. Assim, ao declarar ilícito o despedimento do Recorrido e ao condenar a Recorrente a reintegrar o Recorrido e a pagar-lhe as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, o Tribunal a quo violou, na sentença recorrida, o disposto nos artigos 98º-I, nº 4, alínea a) e 98º-J, nº 3 do CPT, bem como os artigos 353º e 357º e 382º, nº 2 do CT.
Termina pedindo a procedência do recurso e que, na revogação da decisão recorrida, se ordene o prosseguimento dos autos nos termos legais.

O trabalhador também alegou, tendo concluído a sua alegação pela seguinte forma:

A. Só estamos perante um processo disciplinar quando o mesmo contenha todas as peças que o compõem de forma ordenada, cronologicamente arrumada, com folhas numeradas e rubricadas.
B. Esta formalidade exigida pelo normativo legal não é despicienda, pois permite aferir do cumprimento da tramitação legalmente exigida, do cumprimento, dentro dos prazos e nos momentos legalmente determinados, dos atos que a Lei exige;
C. As peças avulsas apresentadas pela Ré nem sequer se encontram completas;
D. A Nota de Culpa tem em anexo um documento junto pelo Autor que, até hoje, não consta nos autos.
E. Na Resposta à Nota de Culpa, o Autor arrolou testemunhas para serem inquiridas, com vista a poder produzir prova bastante que afastaria a presunção de injustificação das faltas que constava na Nota de Culpa;
F. O Autor desconhece, até à presente data, qual o teor das declarações proferidas pelas testemunhas por si arroladas;
G. Desconhecendo igualmente se essas mesmas testemunhas foram inquiridas, em cumprimento do disposto no artigo 172º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho.
H. Só com a apresentação do processo disciplinar “in totum” se podem eliminar quaisquer dúvidas quanto à tramitação que o mesmo teve e se o cumprimento da legalidade foi acautelado, o que não sucedeu nestes autos.
I. O Autor não teve possibilidade de aferir do cumprimento da legalidade na tramitação do Processo Disciplinar, logo, em violação dos direitos de defesa do Autor.
J. A lei não permite que a Ré selecione, a seu belo prazer, quais as peças do processo disciplinar que serão apresentadas no tribunal e quais as que ficarão no recato dos seus arquivos.
K. O Tribunal aplicou corretamente a cominação prevista na Lei para a falta de apresentação do Processo disciplinar, a qual se encontra claramente definida no artigo 98º-J nº 3 do C.P.T.
L. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo e deve ser mantida pelo tribunal “ad quem”, o que se requer.

Admitido o recurso os autos subiram a esta Relação e, por ter considerado que nada obstava ao respectivo conhecimento, o relator elaborou projeto de acórdão que apresentou aos Exmos Adjuntos juntamente com os elementos essenciais dos autos. Mediante a anuência dos Exmos Adjuntos ficaram dispensados os vistos.
Cumpre decidir.
*
Toda a questão gira em volta da dimensão que assume, no âmbito do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a exigência de junção pela entidade empregadora do procedimento disciplinar ou dos documentos comprovativos das formalidades exigidas, a que aludem os artºs 98º-I, nº 4, al. a) e 98º-J, nº 3 do CPT e do efeito cominatório inerente ao respectivo incumprimento.
A decisão recorrida, depois de considerar que os documentos apresentados pela entidade empregadora com o articulado motivador do despedimento não constituem o procedimento disciplinar mas apenas peças deste extraídas que não equivale à apresentação do procedimento disciplinar, singrou pelo entendimento de que a não junção do procedimento disciplinar, no prazo de 15 dias, tem por consequência a declaração da ilicitude do despedimento, assumindo este prazo uma natureza perentória, que não admite a possibilidade de, a requerimento do empregador, ser concedido um prazo acrescido. Consequentemente, perante a não apresentação pelo empregador do procedimento disciplinar, fez funcionar a cominação a que alude o nº 3 do artº 98º-J do CPT, declarou a ilicitude do despedimento e condenou a entidade empregadora nos termos da referida disposição.
A recorrente sustenta entendimento diferente. Por um lado, teria praticado todos os atos procedimentais legalmente exigidos com vista ao despedimento do Autor, não estaria obrigada a apresentar outros documentos que aqueles que juntou dentro do prazo legal de 15 dias e, sendo a ratio do artº 98º-I, nº 4, al. a) do CPT assegurar a apreciação da legalidade do procedimento disciplinar pelo tribunal e garantir a defesa do trabalhador, tais objetivos ficariam salvaguardados com a junção daqueles documentos; por outro lado, o prazo perentório a que aludem os artºs 98º-I, nº 4, al. a) e 98º-J, nº 3 do CPT e consequências aí previstas apenas seriam aplicáveis à falta de apresentação do articulado motivador do despedimento.
Adiantamos desde já que a razão está do lado da decisão recorrida.
Tanto do relatório que elaborámos como da resenha das incidências processuais feita na decisão recorrida (que não vem questionada), decorre que, tendo a Ré enquanto entidade empregadora sido notificada para, no prazo de quinze dias, apresentar o articulado a justificar o despedimento e juntar o original do procedimento de despedimento, a referida entidade, até ao termo desse prazo, apesar de ter apresentado o articulado motivador do despedimento, limitou-se a juntar o documento comprovativo da notificação ao trabalhador da intenção de aplicação de sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, o documento corporizando a nota de culpa e os documentos que contêm a decisão de despedimento e a respetiva proposta de decisão. Não juntou as demais peças que compunham esse procedimento (que mais tarde acabaria por juntar), nomeadamente a resposta à nota de culpa apresentada pelo trabalhador.
É certo que a entidade empregadora mais tarde, aquando da apresentação do articulado que designou por “réplica”, remeteu aos autos o que designou por “originais do procedimento disciplinar” que, como se vê, é composto por mais elementos que os apresentados com o articulado motivador do despedimento (existe mais um “termo de abertura”, uma “nota de ocorrência”, e a “resposta à nota de culpa” do trabalhador). Porém, tal só revela que a entidade empregadora, no prazo que lhe foi concedido, não apresentou todos os elementos que integravam o procedimento disciplinar e ainda que, tendo o trabalhador arrolado três testemunhas na sua resposta à nota de culpa, essas testemunhas não foram ouvidas no processo.
Ora, o procedimento disciplinar integra uma multiplicidade de atos que não se restringem à manifestação da intenção de aplicar a sanção disciplinar de despedimento, à nota de culpa, à decisão de despedimento e notificação dessas peças ao trabalhador.
Podem ter ocorrido atos no procedimento disciplinar anteriores à nota de culpa, como no caso aconteceram (vejam-se a “nota de ocorrência” e o “termo de abertura”), que podem relevar nomeadamente para analisar a tempestividade do procedimento (vide (artº 329º, nº 2 do CT) e até para controlar o respeito pelo respectivo prazo de conclusão (vide artº 329º, nº 3), pelo que se impõe a respetiva apresentação.
Além disso, a existir, é fundamental a junção da resposta à nota de culpa, bem como do comprovativo documental da realização das diligências de defesa que o trabalhador tenha requerido (ou a indicação das razões porque não se realizaram), para desta forma se poder apreciar se foram respeitados os direitos de audição e defesa que a lei confere ao trabalhador. Aliás, só com a junção destas peças é possível controlar se foi respeitado o prazo da prolação da decisão previsto no artigo 357º, nº 1 do CT.
Como muito bem se diz e fundamenta na decisão recorrida é a junção de todo o procedimento disciplinar que o legislador tem em vista com a notificação a que se refere o nº 4, alínea a) do artigo 98º-I do CPT, pois só com a sua apresentação integral é possível ao trabalhador exercer o contraditório a que se refere o nº 1 do artigo 98º-L do mesmo diploma. De facto, só com a junção integral do procedimento disciplinar no prazo previsto no nº 4, al. a) do artº 98º-I do CPT, será possível ao trabalhador consultar todo o processo, verificar se não foram praticadas irregularidades insupríveis, se foram respeitados os prazos de que o instrutor dispõe para a prática dos atos procedimentais e, por via disso, arguir as pertinentes nulidades, tanto mais que não é obrigatório o trabalhador constituir mandatário no decurso do procedimento disciplinar.
Não podemos assim concordar com a recorrente quando sustenta que a defesa contraditória do trabalhador ficou salvaguardada com a junção aos autos, em 19.02.2013, dos documentos juntos com o articulado motivador, pois faltam outros elementos que podem ser absolutamente essenciais para garantir esse contraditório.
Temos assim que concluir que a recorrente não deu cumprimento ao disposto no nº 4, alínea a) do artigo 98º- I do CPT, no que à junção do procedimento disciplinar diz respeito, pelo que ficou incursa na cominação do nº 3 do artigo 98º -I do mesmo diploma (vide nesse sentido o acórdão desta Relação de 16/01/2014 proferido no Procº nº 187/13.2TTPTM.A-E1).
Por outro lado, como se refere na sentença recorrida, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que essa cominação também funciona no caso de falta de junção do procedimento no prazo de 15 dias de que o empregador dispõe para apresentar o articulado motivador e não só quando falte este articulado.
Neste sentido se vem firmando a jurisprudência do STJ, como é revelado pelos acórdãos de 10 de Julho de 2013 (proferido no Procº n.º 885/10.2TTBCL.P1:S1) e de 25 de Setembro de 2013 (proferido no Procº n.º 1758/11.7TTPRT.P1.S1), segundo a qual quer o articulado motivador quer o procedimento disciplinar devem ser apresentados no prazo de 15 dias a contar da notificação da empregadora nos termos do n.º 3 do art. 98.º - J do CPT, estando a falta de entrega destes documentos sujeita à cominação legal da declaração imediata da ilicitude do despedimento.
A exigência da apresentação imediata do procedimento disciplinar justifica-se por uma série de motivos. Naqueles casos em que o despedimento tenha sido proferido sem precedência do procedimento disciplinar, visa-se excluir, ab initio, o prosseguimento da ação, pois que o despedimento sempre seria julgado ilícito com fundamento no artº. 381.º, al. c) do CT. Nos casos em que existe procedimento disciplinar, a junção imediata deste, permitirá ao trabalhador a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa; além disso, permitirá ao juiz a verificação da legalidade dos atos praticados no procedimento, nomeadamente se a decisão disciplinar e o articulado motivador respeitaram os limites impostos pelo artº 357º, nº 4 do CT e artº 98º-J, nº 1 do CPC.
Por isso, a não apresentação pelo empregador, no prazo de 15 dias, do procedimento, é cominada com a imediata declaração de ilicitude do despedimento, como estabelece o artº 98.º-J, n.º 3, do CPT, assumindo este prazo uma natureza perentória, cujo desrespeito a lei fulmina com aquela cominação. E tratando-se de um prazo perentório, não podia a recorrente vir mais tarde tentar suprir a falta da sua junção integral, como fez.
Nesta linha de pensamento se orientou a decisão recorrida que, por isso, não merece censura, improcedendo o recurso.
*
Termos em que acordam os juízes na Secção Social desta Relação em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
*
Évora, 03/07/2014
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)
(Paula Maria Videira do Paço)