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ACIDENTE DE TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
PRESTAÇÕES EM ESPÉCIE
Sumário
I- No âmbito do regime jurídico de acidentes de trabalho consagrado na Lei nº 100/99, de 13 de setembro, a companhia de seguros para a qual foi transferida a responsabilidade civil do empregador, não é responsável pelos danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado. II- A apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho que rege o contrato privado celebrado entre a seguradora e o empregador, nas condições gerais, não inclui nas obrigações da seguradora o pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, pelo que, inexiste fundamento contratual para condenar a seguradora responsável pela reparação do acidente, no pagamento de uma indemnização por danos morais sofridos. III- Para que a seguradora seja condenada a custear tratamentos e a cura do sinistrado em estabelecimento indicado por este, importa que existam no processo elementos objetivos, nomeadamente relatórios periciais que permitam aferir a necessidade e adequação dos reclamados tratamentos ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa, conforme dispõe o artigo 10º da Lei nº100/97, de 13 de setembro. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório BB intentou no Tribunal Judicial de Faro, ação declarativa comum de condenação, sob a forma ordinária, contra CC-Companhia de Seguros, S.A., ambos com os sinais de identificação nos autos, pedindo a condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de € 35.000,00 e ainda no pagamento do tratamento e cura do autor em estabelecimento médico a indicar por este.
Resumidamente invocou que sofreu um acidente de trabalho, sendo a demandada a entidade responsável pela reparação do mesmo em função do contrato de seguro que celebrou com a entidade empregadora do demandante. Em consequência de tal acidente sofreu danos de natureza não patrimonial que merecem a tutela do direito e devem ser ressarcidos através do pagamento da indemnização peticionada. Além disso, alega que lhe assiste o direito de ser tratado e curado em conformidade com a sua lesão.
Devidamente citada, a ré contestou excecionando a incompetência material do tribunal e informando que se encontra pendente uma ação especial de acidente de trabalho em que se aprecia o sinistro que vitimou o demandante. No mais, impugna o alegado.
Replicou o autor, afirmando a competência do tribunal cível, porquanto a causa de pedir da ação não radica no acidente de trabalho, mas na responsabilidade por incumprimento contratual, dado que a seguradora estava obrigada a tratar do autor e não o fez nos termos que lhe eram contratualmente exigidos, causando-lhe danos de natureza não patrimonial suscetíveis de ressarcimento.
Realizada a audiência preliminar e após ter sido tentada a conciliação das partes, o que não foi possível, foi proferido despacho saneador que considerou o juízo cível do Tribunal Judicial de Faro competente.
Selecionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Inconformada com a decisão proferida sobre a invocada exceção dilatória da incompetência material do juízo cível do Tribunal Judicial de Faro, veio a seguradora interpor recurso da mesma.
No âmbito de tal recurso de apelação que subiu de imediato, em separado e com efeito suspensivo, foi proferido acórdão pela Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora que julgou procedente o recurso, revogou a decisão recorrida e absolveu a ré da instância, atenta a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Faro para apreciar e decidir a causa.
Por requerimento de fls. 123 a 125 dos autos (referência nº 9490671), o autor veio solicitar a remessa do processo para o Tribunal do Trabalho de Faro, ao abrigo do artigo 105º, nº2 do anterior Código de Processo Civil, com a concordância da ré, informando a identificação da ação especial emergente de acidente de trabalho que neste tribunal corre termos.
Na sequência, o processo foi remetido para o Tribunal do Trabalho de Faro onde corria termos a ação especial de acidente de trabalho, no âmbito da qual já havia sido proferida sentença, em 16/02/2011, que havia decidido:
-fixar definitivamente em IPP de 2%, o grau de desvalorização que afeta o sinistrado na sua capacidade geral de ganho, desde 1 de abril de 2010;
-condenar a seguradora CC a pagar ao sinistrado 80% do capital de remição correspondente à pensão anual de € 167,70, com vencimento e efeitos a partir de 1 de abril de 2010;
-condenar a DD-Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. a pagar ao sinistrado 20% do capital de remição correspondente à pensão anual de € 167,70, com vencimento e efeitos a partir de 1 de abril de 2010;
-condenar a seguradora CC a pagar ao sinistrado a quantia de € 15,00, a título de despesas de deslocação.
Foi fixado à causa o valor de € 2.622,74.
Tal sentença transitou em julgado.
Por despacho proferido em 28/03/2012 (referência nº726808) e após a remessa do processo do Tribunal da Comarca de Faro, considerou-se que o sinistrado alegava o agravamento das suas lesões e, na sequência ordenou-se a realização de exame de revisão que foi concretizado em 11 de junho de 2012, tendo o perito entendido que seria de manter a IPP de 2% anteriormente fixada.
Por requerimento de fls. 164 e seguintes dos autos (referência nº 10643751), veio o sinistrado alegar que após notificação do exame de revisão, apercebeu-se que a ação declarativa comum de condenação sob a forma ordinária que havia instaurado estava a ser tramitada como incidente de revisão, pelo que, discordando do resultado do mesmo, não só requereu a realização de exame por junta médica, como requereu o prosseguimento dos autos que foram remetidos pelo Tribunal Judicial de Faro, nomeadamente com a realização das diligências de prova requeridas após a organização da base instrutória.
A seguradora CC veio responder, invocando a irregularidade de patrocínio do ilustre advogado do sinistrado para a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, bem como arguiu a nulidade de ato processual (por não ter sido deduzido incidente de revisão), requerendo ainda o saneamento do processo e a correção da capa (na qual consta incidente de revisão).
Por despacho de 09/08/2012 (referência nº 768701) foi decidido que não se verificava a invocada irregularidade de patrocínio. Com o objetivo de regularizar a instância determinou-se que o expediente proveniente do juízo cível do Tribunal da Comarca de Faro fosse incorporado nos autos de acidente de trabalho (fase contenciosa), com aproveitamento do despacho saneador já elaborado, tendo-se ainda decidido que o sinistrado fosse submetido a exame por junta médica, elaborando-se para o efeito os quesitos a responder pelos peritos.
A fls. 194 a 204 dos autos, veio a seguradora CC interpor recurso do despacho produzido em 28/03/2012 e, subsidiariamente, do despacho de 09/08/2012, dos quais refere nunca foi notificada.
O sinistrado apresentou as respetivas contra-alegações que constam a fls. 205 a 212 dos autos.
Por despacho proferido em 02/10/2012 (referência nº 784613), não se admitiu o recurso interposto.
Realizado o exame por junta médica que havia sido ordenado, os peritos responderam aos quesitos por unanimidade e a final consideraram que o sinistrado continua afetado pela IPP de 2%.
Veio então a seguradora reclamar do despacho de rejeição do recurso. Não obstante não conste dos autos o apenso da reclamação é do nosso conhecimento oficioso que por despacho singular proferido pela ora Relatora, em 1 de agosto de 2013, tal reclamação foi julgada improcedente.
Sobre o incidente de revisão em curso, o tribunal proferiu a decisão que faz fls. 232 a 236 dos autos, tendo julgado tal incidente improcedente e absolvido a seguradora do pedido, fixando ainda ao incidente o valor de € 2.622,74.
Realizou-se então a audiência final, tendo sido proferida resposta à base instrutória, sem que tenha sido apresentada qualquer reclamação.
Finalmente, foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor: «Nos termos expostos, decido julgar a ação improcedente, por não provada e, em consequência: a) Absolvo a Ré «CC – Companhia de Seguros, S. A» do contra si peticionado pelo Autor BB; b) Condeno o Autor BB no pagamento das custas e demais encargos com o processo, se prejuízo da proteção jurídica que lhe foi concedida.»
Inconformado com esta decisão, veio o sinistrado interpor recurso da mesma, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«I - Na sequência do acidente de trabalho de que o autor recorrente foi vítima, a responsabilidade emergente do mesmo encontrava-se transferida para a Ré seguradora que a havia assumido.
II - Por outro lado, a Ré aceitou tratar o Autor recorrente determinando a assistência do mesmo por clínica da sua escolha.
III - O Autor recorrente criou a convicção de que iria ser tratado.
IV – A Ré apenas diagnosticou entorse em Julho de 2009 quando pelo menos o autor sofria de rutura dupla de ligamentos como foi referido em consulta de fisioterapia que teve lugar em 12 de Agosto de 2009, mais de um mês após o acidente.
V - Apesar de o autor se ter queixado inúmeras vezes de que continuava a padecer de dores que, para além de causarem sofrimento, o impediam de trabalhar, só em Março de 2010 (cerca de nove meses após a ocorrência) a Ré determinou a realização de uma ressonância magnética.
VI - Só em 31 de Dezembro de 2010, na sequência de ressonância magnética por si custeada, o autor veio a saber do que efetivamente padecia.
VII – Face aos factos dados como provados em 10, 11, 12, 13, 20, 24 (com correção de gralha na data), 26, 27 e 28, impunha-se dar como provado que a Ré não diagnosticou a lesão nem, consequentemente, procedeu ao seu tratamento adequado, antes prescreveu algumas sessões de fisioterapia espaçadas no tempo.
VIII - Ao Autor assistia o direito a diagnóstico correto após realização dos necessários exames complementares e ao adequado tratamento à lesão que fosse descoberta nessa sequência.
IX - Como consequência do diagnóstico incorreto e da falta de tratamento adequado, o autor recorrente sofreu fortes dores que se prolongaram por pelo menos 17 meses, frustração da sua legítima expetativa de ser tratado, dificuldades de se movimentar e efetuar movimentos com o pé e agachamentos e bem assim angústia e desgosto por não ter podido trabalhar normalmente.
X - Ainda como consequência do diagnóstico incorreto e da falta de tratamento adequado, o autor deixou de poder trabalhar por vários períodos de tempo e, não tendo recebido compensação da Segurança Social, teve reduções de salários e esteve cerca de dois meses e meio sem pagar a prestação do crédito pessoal que contraiu junto do Santander Totta.
XI - As dores que se prolongaram por pelo menos 17 meses, a frustração da sua legítima expetativa de disgnóstico das lesões e respetivo tratamento adequado, as dificuldades de se movimentar e efetuar movimentos com o pé e agachamentos e a angústia e desgosto constituem danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, merecem a tutela do Direito.
XII - As reduções salariais decorrentes dos períodos em que deixou de poder trabalhar constituem danos de natureza patrimonial e não patrimonial que pela sua gravidade merecem igualmente a tutela do Direito.
XIII - Tais lesões são exclusivamente imputáveis à Ré seguradora que, na sequência do acidente de trabalho assumiu a obrigação de natureza contratual de diagnosticar e tratar adequadamente o Autor recorrente e que assim não procedeu.
XIV – Tendo em conta que os danos identificados nas conclusões IX, X, XI e XII decorrem da conduta omissiva da Ré e não do acidente de trabalho que determinou que fosse acionado o seguro de acidentes de trabalho, salvo melhor opinião, o processo de acidente de trabalho não constituía o meio próprio de tutela dos diretos do recorrente.
XV – Independentemente da causa que deu origem (no caso em concreto um acidente de trabalho), a responsabilidade da Ré seguradora no diagnóstico e tratamento das lesões é de natureza contratual.
XVI – Não tendo cumprido o contrato a que se encontrava adstrita nem logrado ilidir a presunção a que alude o disposto no artigo 799º do Código Civil, forçoso era dar como provado esse incumprimento contratual.
XVII – Ao Autor assiste direito a indemnização pelos prejuízos causados pela Ré seguradora.
XVIII – A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 443º, 444º, 8º, 798 e 799º do Código Civil e artigo 2º nº. 2 do CPC aplicável por força do disposto no artigo 1º do CPT.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Ré seguradora no pagamento da indemnização peticionada, com o que será feita justa e serena JUSTIÇA»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo os autos subido ao Tribunal da Relação de Évora e mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Nenhuma das partes respondeu a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, são as seguintes as questões que importa apreciar e conhecer:
1ª Saber se o sinistrado tem direito a receber da seguradora o montante peticionado a título de indemnização por danos não patrimoniais;
2ª Saber se a seguradora deve ser condenada a custear os tratamentos e cura em estabelecimento indicado pelo sinistrado.
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III. Matéria de Facto O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O Autor é trabalhador dependente por conta de EE - Companhia de Segurança, Unipessoal, Lda. desde 1 de Junho de 2005;
2. A referida entidade patronal transferiu a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a ora Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.0010.10.113204;
3. Em 6 de Julho de 2009 o A. desempenhava funções para a sua entidade patronal no Aeroporto de Faro com a categoria de vigilante aeroportuário, com o n. 373640;
4. No referido dia 6 de Julho de 2009 e enquanto se deslocava para a pausa para refeição no período de trabalho, o ora Autor embateu com a perna quando saía do elevador que não parou ao nível do piso, imobilizando-se com um desnível de cerca de 15 centímetros;
5. Da pancada resultou pequena dor que aumentou de intensidade com o decorrer do tempo nesse dia;
6. O acidente de trabalho foi participado à R., dando lugar ao processo de sinistro AT2090016157 e deu lugar ao Processo n.º (...)TTAFAR do Tribunal do Trabalho de Faro;
7. Na sequência da participação do sinistro de trabalho, a ora Ré assumiu a responsabilidade passando a liquidar indemnizações por incapacidade temporária e/ou despesas relativas ao sinistro conforme recibos e respetivos anexos que foram juntos como docs. 26 a 33 e que se dão por reproduzidos;
8. Porque a dor aumentava e na sequência de participação do sinistro de trabalho, o ora Autor deslocou-se à Clínica da (...) munido do número de apólice de seguro de acidentes de trabalho 1010113204 em conformidade com o determinado pela ora Ré;
9. Onde passou a ser acompanhado e tratado a expensas da ora Ré, designadamente,
10. O médico diagnosticou um entorse e receitou anti inflamatórios e pomada e agendou consulta médica para dia 15 de Julho de 2009, com ITA de 7 dias;
11. Em 15 de Julho de 2009 o Autor recebeu alta médica, apesar de manifestar que tinha dores;
12. Em 3 de Agosto de 2009 e porque as fortes dores continuavam, o ora Autor deslocou-se novamente à Clínica (...), tendo-lhe sido atribuída ITA desde 2 de Agosto e até à consulta seguinte agendada desde logo para 12 de Agosto;
13. Em 12 de Agosto de 2009 e porque as fortes dores continuavam, o Autor compareceu na consulta previamente agendada onde, após ser examinado pelo Fisioterapeuta, foi-lhe diagnosticada rotura dupla de ligamentos;
14. Nessa consulta foi-lhe atribuída novamente ITA por 17 dias e prescritas 13 sessões de fisioterapia;
15. Em 26 de Agosto de 2009 e não obstante ter comparecido às sessões de fisioterapia, o Autor compareceu novamente na consulta da Clínica (...) porquanto continuava a padecer de dores e tinha dificuldades em efetuar movimentos com o pé, tendo-lhe sido atribuída nova ITA por 7 dias e agendada nova consulta para o dia 8 de Setembro;
16. E foram prescritas mais 3 sessões de fisioterapia;
17. Em 2 de Setembro de 2009, não obstante as sessões de fisioterapia e porque as dores e dificuldades de movimentos persistiam, nomeadamente em fazer agachamentos, o ora Autor compareceu novamente na consulta tendo sido prescritas mais 10 sessões de fisioterapia e tendo-lhe sido atribuída ITA a 50% por mais 14 dias, com a limitação de não fazer agachamentos;
18. Em 16 de Setembro, por terem aumentado de intensidade as dores e ter sido agendada, o ora Autor compareceu novamente na consulta da Clínica (...), com o médico assistente Dr. FF, a quem manifestou o descontentamento;
19. Como tal e porque as dores persistiam, foi-lhe atribuída ITA de 50% e indicação para continuar com a fisioterapia;
20. Em 30 de Setembro, o ora Autor deslocou-se de novo à consulta da Clínica (...) e, apesar de as dores persistirem, o médico assistente Dr. FF informou que ia dar alta e que com o decurso do tempo ficaria bom;
21. A qual não foi aceite pelo ora Autor que se recusou a assinar;
22. Em 15 de Março de 2010, o ora Autor compareceu novamente na consulta da Clínica (...) pois, apesar de decorridos 5 meses e meio, as dores persistiam e continuava a ter dificuldades em realizar movimentos de rotação e agachamentos;
23. Como tal, foi-lhe atribuída ITA de 7 dias e agendada nova consulta;
24. E foi determinada a realização de RX e ressonância magnética, tendo sido agendada nova consulta para o dia 24 de Março de 2009;
25. Em 24 de Março, o Autor compareceu novamente na consulta tendo-lhe sido atribuída ITA de 7 dias e agendada nova consulta para dia 31 de Março de 2010;
26. Em 31 de Março de 2010, o ora Autor compareceu novamente na consulta da Clínica (...) onde recebeu a informação dada pelo Dr. FF que “estava tudo bem” e recebeu alta;
27. O ora Autor realizou em 31.12.2010 ressonância magnética do tornozelo direito, encontrando-se o respetivo relatório junto como documento n.º 52 à petição inicial, do qual consta que ”na avaliação óssea global anota-se alteração de sinal focal calcaneana, subcondral a nível da articulação astrágalocalcaneana, envolvendo uma área de cerca de 12 mm, de sugestão edematosa, não sendo possível a exclusão de eventual foco inicial de osteocondrite. Não se observam adicionais alterações ósseas a merecerem valorização, apenas muito discreta alteração de sinal focal na região mais periférica e externa da epífise peroneal. Favorável apreciação articular global. Aumento de sinal e espessura do tendão tibial posterior distal ao maléolo com muito discreto líquido regional. Pequeno derrame articular envolvendo sobretudo o compartimento posterior. A nível do complexo ligamentar existe má definição do fíbuloastrgalino anterior, podendo indiciar para lesão não recente. Não existe, contudo, suspeição de deinserção atual. Não se observam adicionais alterações ligamentares a merecerem referência e valorização. Favorável apreciação da região da fáscia plantar”;
28. Apesar das várias consultas a que compareceu, exames realizados e tratamentos seguidos, o Autor, desde a data do acidente continua a queixar-se com dores;
29. O Autor mantém dificuldade em fazer agachamentos que necessita de realizar na sua atividade de controlo e revista manual de passageiros e pessoal, à data do acidente no aeroporto de Faro e atualmente no aeroporto de Lisboa.
30. O Autor apesar de ter comparecido nas consultas e nas sessões de fisioterapia não compareceu ao trabalho nos períodos de 01 de Abril de 2010 a 12 de Abril de 2010, 13 de Abril de 2010 a 12 de Maio de 2010, 13 de Maio de 2010 a 11 de Junho de 2010, 12 de Junho de 2010 a 15 de Junho de 2010 e 29 de Agosto de 2010 a 31 de Agosto de 2010, sendo emitidos os escritos de fls. 55 a 59 dos autos denominados “Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença” e no campo denominado – Classificação da situação – está assinalado “Acidente de Trabalho AT”;
31. Ainda hoje o Autor tem dificuldade em permanecer muito tempo em pé e fazer agachamentos;
32. O ora Autor criou a convicção de que seria tratado pela ora Ré; 33. Inicialmente o Autor foi assistido pelos serviços clínicos da Ré em Faro e o médico que o assistiu sugeriu a realização de intervenção cirúrgica mas a cirurgia não foi ordenada nem pelo médico que assistiu posteriormente o Autor em Lisboa nem pela Ré;
34. Uma vez que a Segurança Social não efetua pagamentos ao ora Autor em virtude de as faltas ao trabalho terem origem em acidente de trabalho, este teve reduções de salário motivadas pelas faltas ao trabalho;
35. O Autor esteve cerca de dois meses e meio sem pagar a prestação do crédito pessoal que contraiu junto do Santander Totta;
36. O ora Autor passou também a sofrer de dores no joelho;
37. O Autor tem dificuldade em efetuar o seu trabalho de revistas aos passageiros e pessoal do aeroporto, tendo dificuldades em realizar os necessários agachamentos;
38. O Autor no período em que não pode trabalhar sofreu de desgosto e angústia;
39. Antes do acidente e de ter iniciado o tratamento da lesão, o ora Autor praticava desportos de que muito gostava, designadamente praticava surf, fazia natação, caminhadas nas praias e ciclismo; 40. O Autor após o acidente passou a praticar desporto com menos regularidade e sente dores quando o faz;
41. E sente frustradas as suas expectativas de cura, o que lhe causou grande desgosto, tristeza e angústia.
42. O Autor foi submetido a junta médica no dia 09 de Outubro de 2012 concluindo os senhores peritos médicos, por unanimidade, que o Autor a partir do dia 01 de Abril de 2010 está afetado de Incapacidade Permanente Parcial Para o Trabalho (IPP) de 2% compatível com a retoma do trabalho apesar das dores.
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Nos pontos 17 e 19 dos factos assentes refere-se, seguramente por lapso, que ao autor foi atribuída uma ITA de 50%, quando certamente se pretendia mencionar uma ITP de 50%, como aliás resulta dos documentos juntos a fls. 48 e 50 do 1º volume dos autos. Assim, na apreciação destes factos a realizar infra, consideraremos sempre como atribuída a ITP de 50%.
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IV. Indemnização por danos não patrimoniais Em sede de recurso, insurge-se o sinistrado/apelante contra a decisão proferida pela 1ª instância que absolveu a ré/apelada do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização no montante de € 35.000,00, por danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Será que lhe assiste razão?
Apreciemos.
Mostra-se pacífico nos autos que o recorrente sofreu um acidente de trabalho em 6 de julho de 2009 e que a sua entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para a ora recorrida.
Em função da sentença proferida em 16/02/2011 (referência nº 614682), devidamente transitada em julgado, a seguradora, ora recorrida, foi responsabilizada pela reparação de tal acidente, tendo sido condenada no pagamento do capital de remição derivado de uma pensão anual atribuída ao sinistrado/recorrente devido à incapacidade permanente parcial que lhe foi fixada, em consequência das lesões sofridas causadas pelo sinistro.
Na petição inicial que deu origem à ação declarativa que correu termos no Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Faro, cujo expediente acabou por ser incorporado nos presentes autos, o sinistrado/recorrente veio reclamar o direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, em consequência de um diagnóstico incorreto e da falta de tratamento adequado.
Principiemos por apreciar este pedido, à luz do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho aplicável ao sinistro que vitimou o recorrente.
Considerando a data do sinistro, é aplicável ao caso em apreço nos autos o regime consagrado na Lei nº 100/97, de 13 de setembro.
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 1º desta Lei, os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos previstos neste diploma legal e demais legislação regulamentar.
O regime instituído prevê a responsabilização do empregador e a obrigatoriedade de transferir a responsabilidade pela reparação para uma seguradora (cfr. artigos 11º e 15º do Decreto-Lei nº143/99, de 30 de abril e 37º da Lei nº 100/97).
Trata-se de uma responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa.
Todavia, o regime admite a responsabilidade subjetiva, isto é decorrente da culpa (dolo ou negligência) do empregador, nas situações de responsabilidade agravada previstas no artigo 18º da Lei nº100/97.
Todavia, mesmo nos casos de responsabilidade agravada, a seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, continua a responder (subsidiariamente) apenas pelas prestações normais previstas no regime jurídico consagrado na Lei e nunca pelas prestações previstas no aludido artigo 18º, de acordo com a previsão do nº2 do artigo 37º da Lei nº100/97.
Ora, entre as prestações normais previstas na Lei dos Acidentes de Trabalho, não consta a indemnização por danos de natureza não patrimonial.
O direito à reparação abrange exclusivamente, as prestações previstas no artigo 10º da LAT, ou seja:
a) Em espécie: prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa;
b) Em dinheiro: indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares dos sinistrados; subsídio por situações de elevada incapacidade permanente; subsídio para readaptação de habitação, e subsídio por morte e despesas de funeral.
A única previsão respeitante ao ressarcimento de danos morais sofridos em consequência do acidente insere-se no âmbito da responsabilidade agravada prevista no aludido artigo 18º da LAT, da exclusiva responsabilidade da entidade empregadora, que não tem aplicação para a concreta situação dos autos.
Por conseguinte, a responsabilidade da seguradora/recorrida pela reparação do acidente, à luz do regime jurídico dos acidentes de trabalho, não abrange o pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, ao abrigo do supra mencionado artigo 10º da LAT.
Seguramente por esse motivo, o sinistrado recorrente veio desenvolver a teoria do incumprimento contratual pela seguradora. Alega, em síntese, que a seguradora, ora recorrida, não efetuou os diagnósticos e tratamentos a que se encontrava obrigada por força do contrato de seguro de acidentes de trabalho.
Analisemos a questão suscitada.
O contrato de seguro imposto pelo artigo 37.º da lei nº100/97, de 13 de setembro, é um contrato de direito privado celebrado pela entidade empregadora junto de seguradoras legalmente autorizadas a realizar este tipo de seguro, devendo observar o modelo constante na apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho, aprovada pelo Instituto de Seguros de Portugal (artigo 38.º da Lei n.º 100/97).
Nos termos das condições gerais da apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovadas pela norma n.º 12/99-R, de 8 de novembro (Regulamento n.º 27/99, Diário da República, II série, n.º 279, de 30 de novembro de 1999), com as alterações introduzidas pelas normas n.º 11/2000-R, de 13 de novembro (Regulamento n.º 32/2000, Diário da República, II série, n.º 276, de 29 de novembro de 2000), n.º 16/2000-R, de 21 de dezembro (Regulamento n.º 3/2001, Diário da República, II série, n.º 16, de 19 de janeiro de 2001), e norma 13/2005-R, de 18 de novembro (Regulamento n.º 80/2005, Diário da República, II série, n.º 234, de 7 de dezembro de 2005), «tomador de seguro» é a entidade empregadora que contrata com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento dos prémios; «pessoa segura» é o trabalhador por conta de outrem, ao serviço do tomador de seguro, no interesse do qual o contrato é celebrado, bem como os administradores, diretores, gerentes ou equiparados, quando remunerados; «trabalhador por conta de outrem» é o trabalhador vinculado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, o praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devam considerar-se de formação profissional, e, ainda, todo aquele que, considerando-se na dependência económica do tomador de seguro, preste, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço; e «sinistrado», a pessoa segura que sofreu um acidente de trabalho (artigo 1º).
Consagra o artigo 2º das condições gerais da apólice uniforme, sob o título “Objeto e âmbito do contrato”, o seguinte: «1. A seguradora, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta apólice, garante a responsabilidade do tomador de seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também identificada nas condições particulares, independentemente da área em que exerçam a sua atividade. 2. Por acordo estabelecido nas condições particulares, podem não ser identificados na apólice, no todo ou em parte, os nomes das pessoas seguras. 3. São consideradas prestações em espécie as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa. 4. Constituem prestações em dinheiro a indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, o subsídio para readaptação de habitação, a prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, e nos casos de morte as pensões aos familiares do sinistrado bem como o subsídio por morte e despesas de funeral. 5. De harmonia com o estipulado nas condições particulares relativamente às condições especiais que tiverem sido contratadas, poderão ainda ser objeto do presente contrato outras garantias ou formas de cobertura.»
Por sua vez, o artigo 17º da mencionada apólice uniforme, sob o título “Obrigações da Seguradora”, estipula que a seguradora se obriga, “em caso de acidente de trabalho coberto por esta apólice, a realizar as prestações inerentes à responsabilidade que assume nos termos do Art.º 2.º do presente contrato”. (A apólice uniforme encontra-se disponível em www.isp.pt).
A apólice de seguro mencionada no ponto 2 dos factos assentes, encontra-se junta aos autos e da mesma não consta que tenha sido acordada qualquer cláusula especial aplicável.
Em suma, no âmbito da responsabilidade assumida pela seguradora por via da celebração do contrato de seguro de acidentes de trabalho com a entidade empregadora do sinistrado, não se insere qualquer obrigação de pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais sofridos.
Daí que inexista fundamento contratual para imputar à ré seguradora qualquer responsabilidade pelo pagamento de um quantum indemnizatório por danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
No âmbito do contrato de seguro celebrado, a única responsabilidade que pode ser exigida à seguradora (com a consequente condenação em caso de incumprimento de obrigação) é a de satisfazer as prestações em espécie e em dinheiro que o seguro cobre e que correspondem às previstas no artigo 10º da LAT aplicável.
Ora, o autor reconhece que a seguradora lhe prestou assistência médica e que todos os tratamentos prescritos foram realizados. Entende, porém, que foi realizado um diagnóstico incorreto e que não foram prescritos os tratamentos adequados. As situações invocadas relacionam-se, contudo, com um tipo de responsabilidade distinta da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho e que é a responsabilidade civil por ato médico, que nada tem a ver com a causa de pedir apresentada.
Por conseguinte, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida ao considerar que não havia fundamento para condenar a seguradora no pagamento da peticionada indemnização por danos não patrimoniais.
Improcede, nesta parte, o recurso interposto.
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V. Sobre a peticionada condenação da seguradora no custeio dos tratamentos e cura em estabelecimento indicado pelo sinistrado No âmbito do expediente incorporado na presente ação especial emergente de acidente de trabalho, o sinistrado/recorrente pediu também que a seguradora/recorrida fosse condenada a custear os tratamentos e cura daquele em estabelecimento médico por si indicado.
Cumpre apreciar.
Conforme já tivemos oportunidade de referir supra, o direito à reparação do acidente de trabalho compreende prestações em dinheiro e prestações em espécie (cfr. artigo 10º da LAT).
Constituem prestações em espécie as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.
O sinistrado/recorrente, não obstante a assistência médica e medicamentosa que lhe foi prestada e a alta que lhe foi atribuída, considera que não se encontra curado e que devem ser realizados novos tratamentos para a sua cura, em estabelecimento por si indicado, a expensas da seguradora.
Ora, estando a asseguradora obrigada a assistir clinicamente, tratar e tentar curar ou melhorar o máximo possível o estado de saúde e a capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, vejamos se há justificação para que se condene a seguradora na pretensão deduzida pelo autor.
Apreciemos para tanto a cronologia de factos relevantes, após a ocorrência do acidente de trabalho, em 6 de julho de 2009.
Participado o acidente, a seguradora/recorrida assumiu de imediato a responsabilidade pela reparação do mesmo, passando a liquidar as indemnizações pelas incapacidades temporárias, bem como as despesas relativas ao sinistro (factos 6 e 7). Como a dor sentida aumentava, o recorrente deslocou-se à Clínica da (...), em Faro, munido da apólice de seguro de acidentes de trabalho, de acordo com o determinado pela recorrida, onde passou a ser acompanhado e tratado a expensas da seguradora (factos 8 e 9).
A partir daí e durante nove meses sucederam-se os seguintes factos:
- o médico que examinou o sinistrado diagnosticou-lhe uma entorse, medicou-o, atribuiu-lhe uma ITA de 7 dias e agendou uma nova consulta para 15/07/2009, à qual o recorrente compareceu, tendo recebido alta médica, apesar de manifestar que tinha dores (factos 10 e 11);
- continuando com dores, o autor deslocou-se novamente à clínica, em 03/08/2009, tendo-lhe sido atribuída uma nova ITA até à data da consulta seguinte, agendada para 12/08/2009 (facto 12);
- na consulta de 12/08/2012, após ser examinado pelo fisioterapeuta, foi-lhe diagnosticada rotura dupla de ligamentos, tendo-lhe sido atribuída uma ITA de 17 dias e prescritas 13 sessões de fisioterapia (factos 13 e 14);
- tendo realizado tal tratamento, mas por continuar a ter dores e dificuldades em efetuar movimentos com o pé, foi novamente consultado em 26/08/2009, tendo-lhe sido atribuída uma nova ITA de 7 dias, prescritas mais 3 sessões de fisioterapia e agendada nova consulta para 08/09/2009 (factos 15 e 16);
- em 02/09/2009, não obstante as sessões de fisioterapia, porque não se sentia melhor, foi novamente consultado, tendo-lhe sido prescritas mais 10 sessões de fisioterapia e tendo-lhe sido atribuída uma ITP a 50% por mais 14 dias (facto 17);
- em 16/09/2009, compareceu a nova consulta e porque as dores persistiam, foi-lhe atribuída uma ITP de 50% e indicação para continuar com a fisioterapia (factos 18 e 19);
- em 30/09/2009, deslocou-se a nova consulta, e apesar das dores, o médico assistente informou-o que lhe ia dar alta e que com o decurso do tempo ficaria bom, recusando-se o autor a aceitar e assinar a alta (factos 20 e 21);
- em 15/03/2010, porque continuava a ter dores e dificuldades em realizar movimentos de rotação e agachamentos, compareceu novamente na consulta da Clínica da (...), tendo-lhe sido atribuída uma ITA de 7 dias e determinado que realizasse um RX e uma ressonância magnética, agendando-se logo nova consulta para 24/03/2010, a que o autor compareceu, tendo-lhe sido atribuída uma ITA de 7 dias (factos 22 a 25);
- tendo sido novamente consultado em 31/03/2010, o médico assistente disse-lhe que estava tudo bem e deu-lhe alta (facto 26).
Apesar das várias consultas a que compareceu, exames realizados e tratamentos seguidos, o sinistrado, desde a data do acidente continua a queixar-se com dores, mantendo a dificuldade em realizar agachamentos que se mostram necessários no exercício da sua atividade de controle e revista manual de passageiros e pessoal, que realiza no aeroporto, no âmbito das suas funções de vigilante aeroportuário (facto 28, 29 e 3).
Em 31/12/2010, realizou uma ressonância magnética ao tornozelo direito, constando do respetivo relatório, o seguinte: ”na avaliação óssea global anota-se alteração de sinal focal calcaneana, subcondral a nível da articulação astrágalocalcaneana, envolvendo uma área de cerca de 12 mm, de sugestão edematosa, não sendo possível a exclusão de eventual foco inicial de osteocondrite. Não se observam adicionais alterações ósseas a merecerem valorização, apenas muito discreta alteração de sinal focal na região mais periférica e externa da epífise peroneal. Favorável apreciação articular global. Aumento de sinal e espessura do tendão tibial posterior distal ao maléolo com muito discreto líquido regional. Pequeno derrame articular envolvendo sobretudo o compartimento posterior. A nível do complexo ligamentar existe má definição do fíbuloastrgalino anterior, podendo indiciar para lesão não recente. Não existe, contudo, suspeição de deinserção atual. Não se observam adicionais alterações ligamentares a merecerem referência e valorização. Favorável apreciação da região da fáscia plantar”.
Já no âmbito do processo judicial foram realizados os seguintes exames periciais:
a) Em 13/07/2010, na fase conciliatória do processo realizou-se exame médico singular que atribuiu ao sinistrado uma IPP de 2%, tendo sido referido no mesmo que o ora recorrente “sofreu acidente de trabalho em 06/07/2009 de que resultou entorse da TT dta com posterior diagnóstico de rotura de ligamentos (…).Foi submetido a intervenção cirúrgica. À data deste exame refere dor no pé e edema com os esforços. Apresenta dor à palpação nos ligamentos antero-inferior e com a inversão forçada. Sem outras alterações no exame objetivo. Tem RM a fls. 6 dos autos que revelou apenas discreto derrame articular na articulação tibioársica”.
b) Em 01/02/2011, foi realizado exame por junta médica, tendo os peritos respondido por unanimidade aos quesitos formulados, pela seguinte forma:
1º Quais as lesões que o sinistrado sofreu no acidente de que foi vítima no dia 6 de julho de 2009?
R: Entorse do tornozelo dto, com lesão osteocondral da subastragalina, conforme RMN de folhas 86.
2º Quais as sequelas que o sinistrado apresenta em consequência dessas mesmas lesões?
R: Dores persistentes do tornozelo.
3º Qual o grau de incapacidade permanente para o trabalho de que o sinistrado ficou a padecer?
R: IPP: 2%.
Notar que o doente não apresenta rigidez da subastragalina, não apresenta gaveta anterior da tibiotársica.
c) Em 11/06/2012, realizou-se exame singular de revisão, em que o resultado do exame objetivo foi: “dor residual da fase interna do tornozelo sem edema e sem instabilidade ligamentar em pé cavum bilateral constitucional”, determinando-se que existem “sequelas de entorse do tornozelo direito” e que “perante o quadro clínico e imagiológico atual não é possível enquadrar em agravamento relativamente ao quadro anterior pelo que é de manterá IPP atribuída anteriormente, ou seja, 2%”.
d) Em 09/10/2012, realizou-se exame por junta médica, no âmbito do incidente de revisão, tendo o colégio de peritos respondido, por unanimidade, aos quesitos formulados pelo tribunal, nos seguintes termos
1. Apesar das várias consultas a que compareceu, exames realizados e tratamentos seguidos, o ora Autor (sinistrado) continua a sofrer de dores ininterruptas que se arrastam há quase dois anos?
R: Sim.
2. O autor (sinistrado) mantém dificuldade em fazer agachamentos que necessita de realizar na sua atividade de controlo e revista manual de passageiros e pessoal do aeroporto de Faro?
R: Sim.
3. Apesar de ter comparecido a todas as sessões de fisioterapia e consultas referidas, o ora Autor (sinistrado) continua a sofrer da lesão que o impediu de trabalhar nos períodos de 1/04/2010 a 12/04/2010, 13 de Abril de 2010 a 12 de Maio de 2010, 13 de Maio de 2010 a 11 de Junho de 2010, 12 de Junho de 2010 a 15 de Junho de 2010 e 29 de Agosto de 2010 a 31 de Agosto de 2010?
R: A partir de 1/Abril/2010, o sinistrado apresenta uma IPP de 2%, compatível com a retoma do trabalho apesar das dores.
4. O autor (sinistrado) permanece impossibilitado de permanecer muito tempo em pé e fazer agachamentos?
R: Não de forma absoluta.
5. A cura estará dependente de cirurgia que não foi ordenada nem pelo médico nem pela ora Ré?
R: Não necessariamente. Conforme o sinistrado diz não encontrar necessidade de realizar fusão da subtalar de momento.
6. O Autor (sinistrado) passou também a sofrer de dores no joelho?
R: Eventualmente mas sem nexo causal com o acidente. Mais se afirma que o sinistrado apresenta pé cavo bilateral que pode condicionar desvio do eixo de carga a nível do joelho, este pé cavo é constitucional.
7. O autor (sinistrado) encontra-se na impossibilidade de efetuar o seu trabalho de revistas aos passageiros e pessoal do aeroporto já que tem dificuldades em realizar os necessários agachamentos?
R: Não.
8. O autor (sinistrado) sofre de desgosto e angústia por não trabalhar?
R: Provavelmente.
9. Em consequência do sinistro o autor (sinistrado) deixou de poder praticar desportos, designadamente surf, natação, caminhadas na praia e ciclismo, pois tais atividades são exigentes em termos físicos e causam agora profundas dores?
R: Sim, com intensidade competitiva. Contudo compatível dentro de algum lazer.
10. O autor (sinistrado) padece de alteração da morfologia do astrálago com agudização postero-inferior sugestiva de osteofitose com neo-articulação com o calcâneo?
R: Sim. Conforme documento anexado
11. O autor (sinistrado) padece de alterações degenerativas da articulação subtalar posterior coexistindo com alterações do sinal do osso subcondral da vertente calcaneana por edema medular e imagem de morfologia semi-lunar subcondral?
R: Sim. Conforme exame complementar.
12. O autor (sinistrado) apresenta discreto líquido no recesso articular posterior da articulação tíbio-társica?
R: Sim.
13. Verifica-se a existência de líquido envolvendo os feixes anterior e posterior do ligamento peroneo-astragalino e espessamento do ligamento tíbio-astragalino e tíbio-calcaneano com discreto líquido envolvente?
R: Sim.
14. O autor (sinistrado) apresenta espessamento e heterogeneidade do sinal da região anterior do tendão tibial posterior, com discreto líquido envolvente?
R: Sim.
15. O autor (sinistrado) apresenta liquido envolvendo o tendão longo flexor do Hallux sem alterações intrínsecas do sinal deste tendão?
R: Sim.
16. O autor (sinistrado) apresenta hiperfixação difusa do radiofámaco ao nível do astrágalo segmento posterior?
R: Sim.
17. O autor (sinistrado) apresenta hiperfixação incipiente na articulação metatarso-falângica do 1° dedo de ambos os pés?
R: Sim.
18. Qual o grau de 1. P. P. de que se encontra afetado o autor?
R: IPP de 2%.
Ao nível de outros elementos com informação sobre a saúde do sinistrado, juntos aos autos, destacam-se os certificados de incapacidade temporária para o trabalho referidos no ponto 30 dos factos assentes.
Ora, da conjugação de todos os elementos destacados, de natureza pericial e como tal técnica, não resulta qualquer referência à necessidade de submeter o sinistrado a tratamento ou eventual intervenção cirúrgica como fator de possibilidade de melhoria ou cura do ora recorrente.
No seu conjunto, os peritos reconhecem que em consequência do acidente de trabalho sofrido, o sinistrado, não obstante os diversos tratamentos a que se submeteu continua a sofrer dores e mantém a dificuldade em fazer agachamentos, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial de 2%, em função das lesões e sequelas derivadas do acidente.
Todavia, também consideram que a diminuição geral da capacidade de ganho é compatível com a função profissional exercida pelo autor, que a sua cura não está necessariamente dependente da realização de uma cirurgia, que desde 01/04/2010 (data da alta definitiva) está apto a exercer a sua profissão e a situação está estabilizada (com a manutenção da IPP).
Desta forma, não há um único elemento objetivo que nos permita concluir que o sinistrado/recorrente para o restabelecimento do seu estado de saúde, da sua capacidade de trabalho ou de ganho e da sua recuperação para a vida ativa, necessita de assistência médica, tratamentos, cirurgias ou de qualquer outra prestação em espécie (cfr. artigo 10º da LAT)
Por conseguinte, inexiste fundamento para condenar a seguradora, ora recorrida, neste momento a custear os tratamentos e cura do sinistrado em estabelecimento médico por este indicado.
Bem andou pois o tribunal recorrido em absolver a demandada seguradora do segundo pedido formulado.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.