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TRANSPORTE DE MERCADORIAS
CONTRA-ORDENAÇÃO
TRANSPORTADOR
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário
I - O segmento final da alínea b) do n,º 3 do artigo 135.º do Código da Estrada não se aplica às contraordenações previstas no Decreto-Lei n.º 257/2007 (que regula o transporte rodoviário de mercadorias). [1]
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1.No processo nº 42/14.9TBORQ do Tribunal Judicial de Ourique, em recurso de impugnação de decisão de autoridade administrativa em processo de contra-ordenação, foi proferido despacho que, mantendo a decisão de que condenou a recorrente A. pela prática de uma contra-ordenação do disposto nos artigos 3º, nº 1, 22º, nº 2 e 23º, nº 1 do Decreto-lei nº 257/2007, reduziu a coima de € 1.250,00, aplicada pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes IP, para a coima de 800 €.
Mesmo assim inconformada com o decidido, recorreu a acoimada concluindo da forma seguinte:
“I. A Arguida foi condenada numa coima com base no art. 33º do DL 257/2007, artigo que imputa a responsabilidade pelas infracções ali previstas à «pessoa que efectua o transporte» das mercadorias.
II. O único elo que existe entre a Arguida e os factos é ser, à data dos factos, proprietária do veículo no qual se procedia ao transporte das mercadorias.
III. Como relevantes para o processo e o presente recurso, foram ainda dados por provados que a arguida não conduzia o veículo, quem conduzia era RS, e que não era titular de Alvará de licença para a actividade de transportadora de mercadorias.
IV. Não se alegou nem provou que o condutor do veículo transportava a mercadoria por incumbência ou mandato da Arguida.
V. Pelo elemento literal, gramatical do art. 33º referido, por «pessoa que efectua o transporte» deve entender-se quem efectivamente procede à acção de transportar, o sujeito da acção de transportar, a pessoa que procede à operação material de transporte da mercadoria, não o transportador, e muito menos o proprietário, a não ser que um ou outro estejam a realizar de facto o transporte.
VI. Do elemento teológico resulta o mesmo, uma vez que a razão de ser da norma tem que ver com o interditar da prática, do exercício efectivo do transporte de mercadorias por quem não seja «transportador», ou seja, por quem não tenha a devida licença emitida pelo IMTT, até porque se fosse efectivamente transportador não poderia praticar essa infracção, por impossibilidade legal e lógica, uma vez que estaria titulado (art. 2º h) e i), 3º/1 DL 257/2007; art. 2º/2 DL 239/2003).
VII. Do elemento sistemático resulta o mesmo sobretudo confrontando a disposição em causa com o art. homólogo do DL 251/98, de 11.08, art. 32º, conjugado com o art. 28º do mesmo diploma), o que demonstra que nos casos de falta de título de transportador, é ao autor da acção de transporte que é imputável a infracção e sua sanção.
VIII. Pelo que quem estava de facto a efectuar o transporte da mercadoria era RS, sendo tal conduta proibida imputável ao mesmo e não à arguida.
IX. De qualquer forma não existe no caso qualquer norma que impute ao proprietário, só por o ser, a infracção e sua sanção, pelo que quer a decisão administrativa impugnada quer a sentença recorrida incorreram, portanto, em violação do princípio da legalidade.
X. Incorreu ainda a sentença em erro de julgamento por interpretação incorrecta do art. 33º do DL 257/2007 e, consequente qualificação e subsunção erradas.
XI. Responsável de acordo com esta norma é o agente imediato da acção proibida, aquele que efectuava o transporte, o seu autor com a conotação jurídica de autoria da infracção, como vem definida em termos criminais e de direito sancionatório.
XII. A Arguida apenas seria autora da infracção se a sua actuação coubesse no conceito de autor mediato e o condutor fosse um mero “instrumento” não detentor do domínio da acção, o que não corresponde ao provado nem tal consta da “decisão/acusação”.
XIII. Responsabilidade essa do “autor” e não do proprietário não autor que só ela se coaduna com princípio da culpa, verdadeiro fundamento constitucional do “sistema jurídico sancionatório”.
XIV. Ainda que subsistissem dúvidas quanto a determinação de quem efectuava o transporte das mercadorias, em tal caso deveria prevalecer, no silêncio da lei, o princípio in dubio pro reo também aplicável em matéria contra-ordenacional, sendo este princípio aplicável não só em termos de prova, mas de interpretação de normas.”
Notificado, o MP respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do decidido, limitando-se a remeter para os fundamentos da decisão recorrida.
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
2. Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
A matéria de facto que consta do despacho é a seguinte:
“A) Factos provados:
1)No dia 13.12.2012, pelas 09h10m, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ---VP e peso bruto superior a 2.500 kg, pertencente à arguida, circulava no IC1, Km 647, efectuando o transporte rodoviário de mercadorias por conta da empresa “S…SA”, ao abrigo das guias de transporte nºs 420/C, 421/C e 422/C.
2) O veículo era conduzido por RS.
3) A arguida não era titular de alvará emitido pelo IMTT, IP para o exercício da actividade transportadora.
4) Ao actuar da forma supra descrita, a arguida violou o dever de cuidado a que estava obrigada.
5) O vencimento da arguida, no mês de Setembro de 2013, foi de € 1.193,55.
6) No ano de 2012, o marido da arguida teve um rendimento anual de cerca de € 14.514,78.
7) A arguida e o marido têm a seu cargo créditos pessoais no montante de € 1.058,07.
B) Factos não provados:
Não se provou:
8) RS é filho da arguida.
9) O veículo automóvel supra referido pertencia ao filho da arguida, que o havia adquirido.”
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso de vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), a questão a apreciar é a da imputação objectiva (e subjectiva) dos factos à pessoa da acoimada.
Alega a recorrente não poder ser considerada, no presente caso, como “a pessoa que efectua o transporte” das mercadorias nos termos e para os efeitos do art. 33º do DL 257/2007.
No despacho, justificou-se a condenação do modo seguinte:
“A questão essencial decidenda consiste em saber se pode ser imputada à arguida a prática da infracção pela qual foi condenada pela autoridade administrativa.
O Decreto-lei nº 257/2007, de 16.07, aplica-se ao transporte rodoviário de mercadorias efectuado por meio de veículos automóveis ou de conjuntos de veículos de mercadorias, com peso bruto igual ou superior a 2.500Kg (artigo 1º, nº 1 do diploma legal).
Para efeitos do diploma legal, entende-se por “ «transporte rodoviário de mercadorias» a actividade de natureza logística e operacional que envolve a deslocação física de mercadorias em veículos automóveis ou conjuntos de veículos, podendo envolver ainda operações de manuseamento dessas mercadorias, designadamente grupagem, triagem, recepção, armazenamento e distribuição” e por “ «transporte por conta de outrem» o transporte de mercadorias realizado mediante contrato, que não se enquadre nas condições definidas na alínea seguinte” (alíneas a) e b) do artigo 2º do Decreto-lei supra citado).”
Debruçando-nos agora sobre a contra-ordenação aplicada, cumpre chamar à colação o nº 1 do artigo 3º do citado diploma legal, que refere que “a actividade de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, nacional ou internacional, por meio de veículos de peso bruto igual ou superior a 2500 Kg, só pode ser exercida por sociedades comerciais ou cooperativas, licenciadas pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMTT)”. Por sua vez, refere o nº 1 do artigo 23º que “a realização de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, por meio de veículos automóveis com peso bruto igual ou superior a 2500 Kg, por entidade que não seja titular de alvará a que se refere o artigo 3º, é punível com coima de € 1250 a € 3740 ou de € 5000 a € 15.000, consoante se trate de pessoa singular ou colectiva”, sendo da responsabilidade da pessoa singular ou colectiva que efectua o transporte (cfr. artigo 33º do diploma legal).
No caso em apreço, apurou-se que, no dia 13.12.2012, pelas 09h10m, o veículo automóvel de matrícula ----VP, com peso bruto superior a 2.500 kg, circulava no IC 1, ao Km 647, efectuando o transporte rodoviário de mercadorias por conta da empresa “S…, SA”.
O veículo em questão, conduzido pelo Sr. RS, pertence à arguida.
Eis o que se apurou.
Assim, pertencendo o veículo à arguida, há que concluir que era a cargo da mesma que se encontrava a ser efectuado o transporte.
Para o caso, não releva quem era a pessoa do condutor; releva sim quem era a pessoa (colectiva ou singular) que efectuava o transporte e que, na falta de mais elementos, era a proprietária (registada) do veículo.
A arguida actuou de forma negligente, pois omitiu os deveres de cuidado a que estava obrigada (artigos 8º do RGCO e 22º, nº 2 do Decreto-lei nº 257/2007, de 16.07).
Deste modo, sendo a arguida a proprietária do veículo e nada mais se tendo apurado a este propósito, resta concluir que, de harmonia com o disposto no artigo 33º do citado diploma legal, encontrando-se preenchidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo de ilícito, a arguida praticou a infracção pela qual foi condenada.”
Como se vê, fulcral para a decisão condenatória revelou-se a circunstância do veículo “transportador” pertencer à arguida, assumindo-se expressamente no despacho que “pertencendo o veículo à arguida, há que concluir que era a cargo da mesma que se encontrava a ser efectuado o transporte”.
Mas, quod erat demonstrandum.
A sentença limita-se a acrescentar, como fundamento da conclusão a que chegou, que “para o caso não releva quem era a pessoa do condutor, releva sim quem era a pessoa (colectiva ou singular) que efectuava o transporte e que, na falta de mais elementos, era a proprietária (registada) do veículo.”
Permanece por explicar como se retira esta conclusão. Por perceber fica também a que “falta de elementos” se pretende aludir, já que ficou provado que o veículo estava registado em nome da arguida mas era conduzido por pessoa diversa, pessoa esta que sempre fora indicada pela acoimada (logo na fase administrativa) como tendo sido, no presente caso, o sujeito transportadordas mercadorias em causa.
Acresce que a arguida, no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, integrou este facto numa versão dos acontecimentos mais ampla que, a ter-se apresentado no processo como hipótese suficientemente consistente, poderia ter feito operar o in dubio e conduzido à sua não condenação.
A versão dos factos apresentada pela defesa não foi, no entanto, apreciada no processo, nem analisada no despacho recorrido, no sentido de ter merecido a abordagem e o tratamento de facto e de direito que se impunha.
Não se compreende, também, como se pôde optar por “decisão por despacho”, sem antes ter curado da eventual verosimilhança dos factos apresentados pela recorrente.
Alegara a arguida logo na fase administrativa (e reiterou-o no recurso de impugnação) que o veículo em causa, embora registado em seu nome, se encontrava na posse de RS, que o utilizava em proveito próprio. Era ele, e não ela, a pessoa que efectuava o transporte das mercadorias em causa o que, ainda segundo a recorrente, o colocaria no papel de “transportador”. Seria, como tal, o responsável pelo cometimento da contra-ordenação dos autos.
Esta tese terá sido desconsiderada logo à partida, possivelmente devido a uma percepção menos correcta do direito do caso. E uma pré-compreensão deficiente do direito do caso condiciona e sempre afecta, como se sabe, o juízo sobre a factualidade.
Na verdade, na sentença acabou por se equiparar “transportador” a “proprietário do veículo”, não atribuindo, consequentemente, qualquer relevância jurídica à circunstância deste não ter sido, no caso concreto, a pessoa que conduzia o veículo de transporte das mercadorias.
Esta desconsideração “jurídica” conduziu ao desprezo da eventual relação fáctica que pudesse (ou não) ter existido entre o condutor e o proprietário do veículo (o saber se aquele actuava por sua própria conta e risco ou se, no reverso, agia sob as ordens e no interesse deste, o que cumpriria averiguar e esclarecer).
Na verdade, disse-se na motivação da matéria de facto: “a arguida (…) não provou que o veículo automóvel pertencia ao seu filho ou, pelo menos, que já não era seu. Por outro lado, desconhece-se se o condutor do veículo, de nome RS, é filho da arguida, pois não foi junto o seu assento de nascimento. Por conseguinte, teve o Tribunal que considerar provados os factos descritos nos pontos 1) a 3) e não provados os factos dos pontos 8) e 9).”
Nos factos especificados no despacho recorrido (como provados e/ou como não provados) não constam aqueles que diziam respeito à versão da arguida e que se apresentavam como relevantes para a decisão da causa, de acordo com uma das soluções de direito possíveis.
Perante os fundamentos apresentados no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, e sem antes ter curado de apurar de tal plausibilidade, não poderia ter-se concluído logo, como precipitadamente se fez, que “para o caso, não releva quem era a pessoa do condutor; releva sim quem era a pessoa (colectiva ou singular) que efectuava o transporte e que, na falta de mais elementos, era a proprietária (registada) do veículo”.
A conclusão é indevida, e logo por duas razões.
O Decreto-Lei nº 257/2007 estabelece o regime jurídico da actividade de transporte rodoviário e de mercadorias, preceituando no art. 33º (Imputabilidade das infracções): “(…) as infracções ao disposto no presente decreto-lei são da responsabilidade da pessoa singular ou colectiva que efectua o transporte”.
No contrato de transporte de mercadorias podem intervir o expedidor, o transportador e o destinatário da mercadoria. Está aqui em causa a responsabilidade contra-ordenacional do transportador.
A lei não define “transportador” (de facto), limitando-se (no art. 2º - h) e i)) a definir o “transportador residente” (“qualquer empresa estabelecida em território nacional habilitada a exercer a actividade transportadora”) e o “transportador não residente” (“qualquer empresa estabelecida num país estrangeiro habilitada a exercer a actividade nos termos da regulamentação desse país”).
Mas transportador será “aquele que se obriga a deslocar a mercadoria e a entregá-la ao destinatário” (Mónica Pereira, O Contrato de Mercadorias Rodoviário – A Responsabilidade do transportador, pp 14-15, repositório-aberto.up.pt).
E apresenta-se como juridicamente “irrelevante que o transportador seja proprietário dos meios de transporte ou que realize ele próprio o transporte”, podendo ainda distinguir-se “o transportador contratual ou propriamente dito, que representa a contraparte do contrato celebrado com o expedidor, do transportador real, efectivo ou de facto, que é quem realiza o transporte” (Mónica Pereira, loc. cit.).
Também “a empresa que celebra o contrato com o expedidor pode não ser comerciante, porquanto situações há em que o transportador contratual e o transportador de facto não coincidem na mesma entidade” (Mónica Pereira, loc. cit.).
A contra-ordenação dos presentes autos encontra-se prevista no nº 1 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 257/2007 que preceitua que “a realização de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, por meio de veículos automóveis com peso bruto igual ou superior a 2500 Kg, por entidade que não seja titular de alvará a que se refere o artigo 3º, é punível com coima de (…)”, a pagar pela pessoa (singular ou colectiva) que efectua o transporte (art. 33º do mesmo diploma).
No caso presente, e perante o enquadramento dado aos factos na versão da acoimada, os factos provados não permitiriam concluir ter sido ela “a pessoa que efectua o transporte”. Pois tal conclusão não poderia retirar-se sem mais dos factos provados – sem, pelo menos, se ter curado de ajuizar da eventual responsabilidade alternativa da pessoa que se apresentava, afinal, a conduzir o veículo e, de certa maneira, aparentemente a efectuar o transporte.
Os factos dados como provados (do tipo contra-ordenacional objectivo, que é o que releva para a imputação objectiva) dizem-nos apenas quem era o proprietário do veículo e quem era o seu condutor. O que é insuficiente para se determinar quem, afinal, efectuava o transporte.
E só depois se poderia, ou não, ter concluído que “ao actuar da forma supra descrita, a arguida violou o dever de cuidado a que estava obrigada”, ou seja, se poderiam ter retirado os factos do tipo subjectivo.
Nos casos de transporte levado a cabo por quem não seja titular de alvará, ou seja, por pessoa não habilitada a exercer a actividade transportadora, como sucede no caso presente (e é essa a conduta que constitui a contra-ordenação), a pessoa que, em concreto, se apresenta como condutor do veículo de transporte de mercadorias não pode ser, sem mais, excluída do processo de averiguação dos factos que interessam à imputação objectiva. O que, no entanto, sucedeu, no caso presente logo na fase administrativa do processo, e depois se manteve na fase judicial.
Olhando a decisão da autoridade administrativa, resulta que a defesa então apresentada (na fase administrativa) terá sido logo depreciada com o argumento de que a responsabilidade recairia sempre “sobre o titular do documento de identificação do veículo, nos termos da alínea b) do nº 3 do art. 135º do Código da Estrada” (fls. 65), nada mais relevando ou podendo relevar.
Mas isto não é o que resulta do preceito legal invocado.
Na verdade, o art. 135º do Código da Estrada define contra-ordenação rodoviária como “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à ANSR, e para o qual se comine uma coima.”
Acontece que o regime sancionatório previsto no Decreto-Lei nº 257/2007 não se integra no Código da Estrada e é da competência do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP). Conforme art. 21º do Decreto-Lei nº 257/2007, “a fiscalização do cumprimento do disposto no presente decreto-lei compete às seguintes entidades: a) Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P.; b) Guarda Nacional Republicana; c) Polícia de Segurança Pública”.
O segmento final da alínea b) do nº 3 do art. 135º do Código da Estrada não se aplica, pois, às contra-ordenações previstas no Decreto-Lei nº 257/2007.
Por outro lado, as circunstâncias concretas do caso também não permitiriam retirar da norma (indevidamente) invocada a conclusão a que se chegou no despacho. Atente-se melhor na redacção do art. 135º nº 3-b) do Código da Estrada: “A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no titular do documento de identificação do veículo relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor”.
Ora, o condutor do veículo foi logo identificado pela própria autoridade policial, aquando do levantamento do auto de contra-ordenação.
De tudo o que se disse resulta que a sentença omite factos que seriam relevantes para a decisão. A base factual mostra-se insuficiente para suportar a condenação, mormente no que respeita à decisão sobre a imputação objectiva (e, consequentemente, à subjectiva). Base factual que não considerou a versão da arguida, como devia, pois esta apresentava-se como relevante de acordo com uma das soluções jurídicas possíveis.
Dos factos provados não é possível descortinar a identidade da pessoa que efectuava o transporte, se a proprietária do veículo, se o condutor, se ambos
O vício da insuficiência da matéria de facto provada verifica-se, como se sabe, quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E existe quando o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa. É uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 69).
Ao ter proferido decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da responsabilidade da recorrente, o tribunal lavrou decisão ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº2, al. a) do Código de Processo Penal, aplicável em processo contra-ordenacional por força do art. 41º do Regime Geral das Contra-ordenações.
Dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, mas que é ainda recurso em matéria de direito, não fazendo sentido, com todo o respeito, o alegado (pela Senhora Procuradora-geral Adjunta no seu parecer) incumprimento do disposto no art. 412º do Código de Processo Penal, atento o art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-ordenações que restringe o recurso à matéria de direito.
4. Face ao exposto, acordam as juízas da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho, que deverá ser substituído por nova decisão que supra as insuficiências apontadas, precedida de produção de prova se necessário.
Sem custas.
Évora, 16.12.2014
Ana Maria Barata de Brito
Maria Leonor Vasconcelos Esteves
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[1] - Sumariado pela relatora.