A responsabilidade pelo excesso de carga transportada em veículo de transporte rodoviário cabe, não ao condutor do mesmo, mas sim ao respetivo proprietário ou locatário.
I
1 – Nos autos de contra-ordenação em referência, a arguida, CAACS, foi condenada, pela prática de factos consubstanciadores de uma contra-ordenação prevista e punível nos termos do disposto no artigo 31.º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho (transporte rodoviário de mercadorias com excesso de peso), na coima de € 1.300,00 – decisão de10 de Outubro de 2013, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP.
2 – A arguida levou impugnação judicial daquela decisão administrativa.
3 – A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, por decisão de 5, depositada a 6 de Maio de 2014, julgou aquele recurso improcedente.
4 – A arguida interpôs recurso desta decisão.
Pretende ver-se absolvida.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«I. A Arguida foi condenada pela prática da contraordenação prevista no art. 31º/2 do DL nº 257/2007, conjugado com o art. 33º do mesmo diploma o qual imputa a responsabilidade pelas infrações ali previstas à «pessoa que efectua o transporte» das mercadorias.
II. A infracção está, quanto aos seus elementos objectivo, em alguém (sem o alvará respectivo) ter efectuado o transporte de mercadorias com o excesso de peso em questão.
III. O único elo que existe e foi dado como provado entre a Arguida e os factos é ser, à data dos factos, proprietária do veículo no qual se procedia ao transporte das mercadorias.
IV. Como relevantes para o processo e o presente recurso, foram ainda dados por provados que a arguida não conduzia o veículo, quem conduzia era RCS, e que não era titular de Alvará de licença para a actividade de transportadora de mercadorias.
V. Não se alegou nem provou que o condutor do veículo transportava a mercadoria por incumbência ou mandato ou por acordo da Arguida.
VI. Pelo elemento literal, gramatical do art. 33º referido, por «pessoa que efectua o transporte» deve entender-se quem efectivamente procede à ação de transportar, o sujeito da acção de transportar, a pessoa que procede à operação material de transporte da mercadoria, não o transportador, e muito menos o proprietário, a não ser que um ou outro estejam a realizar de facto o transporte.
VII. Do elemento teológico resulta o mesmo, uma vez que a razão de ser da norma tem que ver com o interditar da prática, do exercício efectivo do transporte de mercadorias por quem não seja «transportador», ou seja, por quem não tenha a devida licença emitida pelo IMTT, até porque se fosse efectivamente transportador não poderia praticar essa infração, por impossibilidade legal e lógica, uma vez que estaria titulado (art. 2º h) e i), 3º/1 DL 257/2007; art. 2º/2 DL 239/2003).
VIII. Do elemento sistemático resulta o mesmo sobretudo confrontando a disposição em causa com o art. homólogo do DL 251/98, de 11.08, art. 32º, conjugado com o art. 28º do mesmo diploma), o que demonstra que nos casos de falta de título de transportador, é ao autor da acção de transporte que é imputável a infração e sua sanção.
IX. Pelo que quem estava de facto a efectuar o transporte da mercadoria era RCS, sendo tal conduta proibida imputável ao mesmo e não à arguida.
X. De qualquer forma não existe no caso qualquer norma que impute ao proprietário, só por o ser, a infração e sua sanção, pelo que quer a decisão administrativa impugnada quer a sentença recorrida incorreram, portanto, em violação do princípio da legalidade.
XI. Incorreu ainda a sentença em erro de julgamento por interpretação incorrecta do art. 33º do DL 257/2007 e, consequente qualificação e subsunção erradas.
XII. Responsável de acordo com esta norma é o agente imediato da acção proibida, aquele que efectuava o transporte, o seu autor com a conotação jurídica de autoria da infração, como vem definida em termos criminais e de direito sancionatório.
XIII. A Arguida apenas seria autora da infração se a sua actuação coubesse no conceito de autor mediato e o condutor fosse um mero “instrumento” não detentor do domínio da acção, o que não corresponde ao provado nem tal consta da “decisão/acusação”.
XIV. Também não se alegou nem provou a intervenção na acção da parte da arguida a qualquer título de “comparticipação”, caso em que também se teria indicado e constituído arguido no mínimo o condutor e talvez ainda o expeditor.
XV. Responsabilidade essa do “autor” ou do “comparticipante” e não do proprietário enquanto tal só ela se coaduna com princípio da culpa, verdadeiro fundamento constitucional do “sistema jurídico sancionatório”.
XVI. Ainda que subsistissem dúvidas quanto a determinação de quem efetuava o transporte das mercadorias, em tal caso deveria prevalecer, no silêncio da lei, o princípio in dubo pro reo também aplicável em matéria contraordenacional, sendo este princípio aplicável não só em termos de prova, mas de interpretação de normas.
XVII. A sentença recorrida inferiu a responsabilidade da arguida a título de dolo eventual sem que fosse alegada e muito menos provada qualquer circunstância ou facto, para além da simples propriedade do veículo, designadamente por considerar que nenhum relevo tem o facto de a arguida estar ou não presente, uma vez que o veículo lhe pertence, sendo, por isso, responsável pela sua circulação.»
XVIII. De acordo com a coerência sistemática do ordenamento e tomado por base o ordenamento estadal, em matéria de infrações ao código de estrada, qualquer pessoa pode ser proprietária de um veículo automóvel e não é por isso que é responsabilizada por infrações cometidas por alguém que use com o seu consentimento o seu veículo, a não ser que esta última actue a mandato daquela ou em coautoria ou autoria mediata, mas al teria que constar do objecto da acusação e da prova.
XIX. O Tribunal a quo acabou por assumir uma perspectiva de responsabilidade objectiva em matéria contraordenacional, na medida em lhe bastou que a arguida fosse a proprietária do veículo para que fosse responsabilizada, o que viola, mais uma vez, o princípio da culpa (a culpa não foi provada), bem como o princípio da presunpção de inocência, e, finalmente, ao decidir sem prova viola o princípio da prova.
XX. Finalmente, a falta da averiguação, alegação e prova de factos e de circunstâncias comprovantes da autoria ou comparticipação da arguida na infração em causa viola o princípio do inquisitório e da verdade material.
XXI. Foram violados os seguintes arts: 31º/2; 33º DL 257/2007; 2º, 16º 8º/1 RGCO; arts 290º e 340º, CPP; art. 32º/2 CRP; art. 6º CEDH.
XXII. Sem prescindir, para caso inesperado de o presente recurso e o supra concluído não procederem, por uma razão de coerência e também devido ao princípio de in dubio pro reo deveria entender-se ter havido no caso no máximo uma actuação negligente, a semelhança do decidido contra a ora arguida no outro processo sobre os mesmos factos, Proc. (….), reduzindo-se a coima para metade.»
5 – O recurso foi admitido, por despacho de 10 de Setembro de 2014.
6 – A Dg.ª Magistrada do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, sem extrair conclusões da respectiva minuta, propugnando pela confirmação do julgado.
7 – Nesta instância, o Dg.º Procurador-Geral Adjunto, louvado na resposta, é de parecer que o recurso não merece provimento.
8 – Atento o teor das conclusões da motivação do recurso que (afora matéria cujo conhecimento se imponha de ofício) define e demarca o respectivo objecto (artigo 412.º, do Código de Processo Penal, ex vi do disposto nos artigos 41.º n.º 1 e 74.º n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), importa fazer exame da questão atinente ao invocado erro da Mmª Juiz do Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito, seja em sede subsuntiva, seja em matéria de escolha e medida da coima.
9 – A decisão revidenda é do seguinte teor:
«I. MATÉRIA DE FACTO:
A) Factos provados:
1) No dia 13.12.2012, pelas 09h10m, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula (….), pertencente à arguida, seguia no IC1, Km 647 e, ao ser submetido a pesagem pelas balanças Captels ORA 10, série 857, aprovadas pela ANSR, com o certificado de conformidade nº B 1191/2011, acusou o peso total de 5.360 Kg, excedendo o peso de 1.860 Kg correspondente a 53% em relação ao peso bruto do veículo de 3.500 Kg.
2) O veículo era conduzido por RCS.
3) Ao actuar da forma supra descrita, a arguida representou como possível a ilicitude da sua conduta, conformando-se com a mesma.
4) O vencimento da arguida, no mês de Setembro de 2013, foi de € 1.193,55.
5) No ano de 2012, o marido da arguida teve um rendimento anual de cerca de € 14.514,78.
6) A arguida e o marido têm a seu cargo créditos pessoais no montante de € 1.058,07.
B) Factos não provados:
Não se provou:
7) RCS é filho da arguida.
8) O veículo automóvel supra referido pertencia ao filho da arguida, que o havia adquirido.
Não se provaram quaisquer outros factos, sendo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.
C) Motivação:
A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados e não provados, foi adquirida a partir da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, bem como da prova documental junta aos autos e com recurso a juízos de experiência comum e à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A prova dos factos descritos nos pontos 1) e 2) assentou no auto de notícia e no talão junto a fls. 6/, de onde resulta que, no dia em apreço, o veículo de matrícula (….), pertencente à arguida, circulava no IC1, efectuando o transporte de mercadorias por conta de outrem com um peso total de 5.360 Kg, sendo o seu peso bruto de 3500 Kg. Resulta, ainda, que o seu condutor se chama RCS.
Por outro lado, da guia de transporte junta a fls. 8 resulta que a mercadoria transportada deveria ser descarregada em Faro, junto do “cliente” S.
Por fim, encontra-se ainda junto a fls. 10 o certificado de verificação metrológica.
A arguida não indicou quaisquer meios de prova que permitissem, em primeiro lugar, colocar em causa a factualidade considerada provada pela autoridade administrativa e o teor do auto de notícia (ou, pelo menos, suscitar a dúvida séria e fundada) e, por outro lado, alicerçar a sua posição, vertida nas alegações de recurso.
Por assim ser, pese embora se tivesse demonstrado que não foi a arguida quem conduziu o veículo automóvel (cfr. auto de notícia), já quanto à sua propriedade, não juntou quaisquer documentos, nem tão pouco indicou prova testemunhal. Assim, a ser verdade o que diz, quando é que o seu filho adquiriu o veículo? A quem? Por que motivo não efectuou o registo?
Em suma, não juntou quaisquer documentos ou arrolou testemunhas que pudessem, de algum modo, colocar em causa a prova documental a que já fizemos referência.
Não provou, pois, que o veículo automóvel pertencia ao seu filho ou, pelo menos, que já não era seu.
Por outro lado, desconhece-se se o condutor do veículo, de nome RCS, é filho da arguida, pois não foi junto o seu assento de nascimento.
Por conseguinte, teve o Tribunal que considerar provados os factos descritos nos pontos 1) e 2) e não provados os factos dos pontos 7) e 8).
No que respeita ao ponto 3), tendo resultado provado que o veículo em questão efectuava o transporte rodoviário de mercadorias com um peso total de 5.360 Kg, excedendo o peso de 1.860 Kg correspondente a 53% em relação ao peso bruto do veículo de 3.500 Kg, facilmente se concluirá que a arguida, proprietária do veículo, representou como possível a ilicitude da sua conduta, conformando-se com a mesma.
Ademais, é do conhecimento público que os veículos não podem circular na via pública com excesso de peso.
A prova dos factos constantes dos pontos 4) a 6) assentou nos documentos juntos pela arguida com as suas alegações de recurso (fls. 28 e ss.).
II. O DIREITO:
A questão essencial decidenda consiste em saber se pode ser imputada à arguida a prática da infracção pela qual foi condenada pela autoridade administrativa.
O presente diploma legal aplica-se ao transporte rodoviário de mercadorias efectuado por meio de veículos automóveis ou de conjuntos de veículos de mercadorias, com peso bruto igual ou superior a 2.500Kg, sendo por isso aplicável ao caso vertente na medida em que o veículo em questão tem um peso bruto de 3.500 Kg (artigo 1º, nº 1 do diploma legal).
Para efeitos do diploma legal, entende-se por “ «transporte rodoviário de mercadorias» a actividade de natureza logística e operacional que envolve a deslocação física de mercadorias em veículos automóveis ou conjuntos de veículos, podendo envolver ainda operações de manuseamento dessas mercadorias, designadamente grupagem, triagem, recepção, armazenamento e distribuição” e por “ «mercadorias» toda a espécie de produtos e objectos, com ou sem valor comercial, que possam ser transportados em veículos automóveis ou conjuntos de veículos” (alíneas a) e d) do artigo 2º do Decreto-lei supra citado).
No caso vertente, resultou provado que, no dia 13.12.2012, pelas 09h10m, a arguida efectuava transporte de mercadorias, pesando o veículo 5.360 Kg.
Debruçando-nos agora sobre a contra-ordenação aplicada, cumpre chamar à colação o nº 2 do artigo 31º do Decreto-lei nº 257/2007, de 16.07, segundo o qual “Sempre que o excesso de carga seja igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, a infracção é punível com coima de € 1.250,00 a € 3.740,00”.
Foi assim intenção do legislador, como refere o preâmbulo do diploma legal, formular “um regime sancionatório mais ajustado e dissuasor, designadamente no que respeita à aplicação da sanção acessória por excesso de carga, que passa a poder ser aplicada quer a transportadores por conta de outrem quer por conta própria”.
Resultou provado em audiência de julgamento que o veículo supra referido tinha um peso bruto de 3500Kg, sendo este constituído pelo conjunto da tara e da carga que o mesmo pode transportar. Por sua vez, a tara corresponde ao “peso do veículo em ordem de marcha sem passageiros nem carga, com reservatório cheio de combustível, líquido de arrefecimento, lubrificantes e roda de reserva, quando esta seja obrigatória” (cfr. Portaria nº 850/94, de 22.09).
Mais resultou provado que, não obstante possuir um peso bruto de 3.500 Kg, quando submetido a pesagem acusou um valor de 5.360 Kg, excedendo em cerca de 1.860 Kg o valor legalmente permitido, porquanto não temos dúvida acerca do preenchimento do tipo objectivo de ilícito contra-ordenacional.
No que concerne agora ao elemento subjectivo, a infracção em causa é punível a título doloso ou negligente (artigo 22º, nº 2).
Age com dolo eventual quem representa como possível a realização de um facto ilícito e se conforma com a realização (artigo 14º, nº 3 do Código Penal).
No caso sub iudice, julgamos que a arguida actuou com dolo eventual, uma vez que, como refere a autoridade administrativa, “é do conhecimento público que os veículos não podem circular na via pública com excesso de carga”. Por outro lado, em face da elevada percentagem que trazia em excesso (53%), é de acreditar que a arguida representou como possível a ilicitude da sua conduta e que se conformou com este resultado.
Assim, nenhum relevo tem o facto de a arguida estar ou não presente, uma vez que o veículo lhe pertence, sendo, por isso, responsável pela sua circulação.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerandos, entende o Tribunal estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da contra-ordenação imputada à recorrente.
Improcede o recurso interposto pela arguida.
IV. MEDIDA DA COIMA:
A determinação da medida concreta da coima é feita, nos termos do artigo 18º, nº 1 do RGCO, em função: a) da gravidade da contra-ordenação; b) da culpa; c) da situação económica do agente; d) do benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.
Importará, pois, analisar se a decisão recorrida contém os elementos necessários para o efeito e, contendo-os, qual a coima que em concreto deve ser aplicada à arguida.
A conduta imputada à arguida é punida com coima de € 1.250,00 a € 3.740,00 (artigo 31º, nº 2 do Decreto-lei nº 257/2007, de 16.07).
Ora, todos os apontados elementos, apesar de não abundarem, ainda se conseguem retirar dos factos provados.
Vejamos.
No que concerne à gravidade da contra-ordenação, tal resulta da análise objectiva do próprio facto (integrador da contra-ordenação) em si mesmo e da sua comparação com outros factos integradores da mesma contra-ordenação, para se aferir da sua gravidade relativa.
Ora, o próprio facto em si está devidamente descrito nos factos provados constantes da decisão recorrida, nomeadamente a natureza e a gravidade da infracção.
Relativamente à culpa da arguida, podemos retirar dos factos provados, que a mesma actuou com dolo eventual, como já se fez referência.
O veículo circulava em excesso de peso, excedendo o peso em 1.860 Kg, correspondente a 53% em relação ao peso bruto do veículo de 3.500 Kg.
Quanto à situação económica da arguida, têm-se em atenção os factos constantes dos pontos 4) a 6) da factualidade provada.
Face ao exposto, nada há a apontar à medida da coima, revelando-se, por isso, proporcional e adequada à ilicitude e à medida da culpa.»
10 – A recorrente defende que a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido incorreu em erro de jure, no ponto em que responsabiliza a arguida pela prática da contra-ordenação relativa à realização de transporte rodoviário com excesso de carga, quando o veículo era, comprovadamente, tripulado por outrem, dando por incorrectamente interpretado o disposto no artigo 33.º, do DL n.º 257/2007 e, de par, afirmando violado o disposto nos artigos 31.º n.º 2 e 33.º, do mesmo DL n.º 257/2007, os artigos 2.º, 8.º n.º 1 e 16.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, os artigos 290.º e 340.º, do CPP, o artigo 32.º n.º 2, da Constituição, e o artigo 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
11 – O DL n.º 257/2007, de 16 de Julho (que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 1/2007, de 11 de Janeiro, institui o regime jurídico aplicável aos transportes rodoviários de mercadorias, por meio de veículos com peso bruto igual ou superior a 2500 kg – entrado em vigor a 15 de Agosto de 2007), determina que a realização de transportes com excesso de carga, sempre que tal excesso seja igual ou superior a 25% do peso bruto de veículo, é punível com coima de € 1250 a € 3740 e, ademais, que, sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa (os transportes por conta de outrem em que o veículo é utilizado no conjunto da sua capacidade de carga por um único expedidor, figurando-se este como a pessoa que contrata com o transportador a deslocação das mercadorias), a infracção é imputável ao expedidor e ao transportador, em comparticipação – artigo 31.º n.os 1, 2 e 4 e artigo 2.º alíneas n) e q).
12 – De par, estabelece o artigo 33.º, do mesmo DL, que as infracções ao disposto no diploma em referência são da responsabilidade da pessoa singular ou colectiva que efectua o transporte – mas isto sem prejuízo, designadamente, do disposto no n.º 4 do citado artigo 31.º, que responsabiliza a entidade transportadora pela infracção sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa – que não da responsabilidade do condutor do veículo.
13 – Nos termos prevenidos no artigo 135.º n.º 3, do Código da Estrada (sendo coincidente, neste particular, a normação anterior e a posterior à publicação da Lei n.º 72/2013, de 13 de Setembro), a responsabilidade pelas infracções previstas no CE e legislação complementar recai, no que respeita às infracções atinentes às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, sobre o titular do documento de identificação do veículo – só recaindo (tal responsabilidade) sobre o condutor do veículo relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução.
14 – Neste sentido, de que a responsabilidade pelo excesso de carga transportada em veículo de transporte rodoviário cabe, não ao condutor do mesmo mas antes ao respectivo proprietário ou locatário, vejam-se os acórdãos, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Janeiro de 1998 (Processo 0052813), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Abril de 1999 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, tomo 2, pág. 57), e de 5 de Maio de 1999 (Processo 142/99) – disponíveis, em www.dgsi.pt.
15 – Como assim, no ponto em que a sentença revidenda responsabiliza a arguida, proprietária do veículo tripulado com excesso de carga, não se verifica qualquer erro de julgamento em matéria de direito, não cabendo pois qualquer averiguação outra, designadamente no apuramento de factos relativos à autoria ou comparticipação da arguida na infracção em causa, como não se verifica, de todo em todo – e sem desdouro para o esforço argumentativo da recorrente – qualquer violação do disposto nos artigos 31.º n.º 2 e 33.º, do mesmo DL n.º 257/2007, nos artigos 2.º, 8.º n.º 1 e 16.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, nos artigos 290.º e 340.º, do CPP, no artigo 32.º n.º 2, da Constituição, e no artigo 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
16 – Em matéria de escolha e medida da pena, defende a recorrente que, «por uma razão de coerência e também devido ao princípio de in dubio pro reo», deveria ter-se entendido que, no caso, haveria «no máximo uma actuação negligente», «reduzindo-se a coima para metade».
17 – Ora, ressalvado o devido respeito, tal argumento não pode proceder, desde logo na medida em que a materialidade de facto sedimentada, como provada, no Tribunal a quo, a respeito do tipo subjectivo da infracção, não pode ser conhecida neste Tribunal ad quem, em instância que conhece apenas da matéria de direito, conforme o disposto no artigo 75.º n.º 1, do RGCO.
18 – Por outro lado, diga-se, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.
19 – Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.
20 – De resto, sublinhe-se, designadamente à luz do disposto no artigo 18.º, do RGCO, que a pena concretizada junto ao limite mínimo da moldura abstracta, ademais com fundamentação não impugnada pela recorrente, não consente a conclusão de que a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial – por isso que a sentença recorrida não merece nem suscita, também neste particular, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.
21 – Termos em que, também nesta fracção, o recurso não pode lograr provimento.
22 – A responsabilidade tributária da recorrente decorre do disposto nos artigos 93.º n.º 3 e 94.º, do RGCO, e no artigo 8.º n.º 5 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.
23 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pela arguida, CAACS; (b) condenar a arguida na taxa de justiça que se fica em 2 (duas) unidades de conta.
Évora, 6 de Janeiro de 2015
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto)