DOENÇA PROFISSIONAL
NEXO DE CAUSALIDADE
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário


I. Ao invés do que sucede com o acidente de trabalho, que, como se sabe, se trata de um evento naturalístico, súbito ou inesperado de que o trabalhador possa ser vítima no exercício da sua atividade laboral ou por causa dela e que seja gerador de consequências danosas no seu corpo ou na sua saúde, determinantes de uma redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho ou da sua morte, a doença profissional surge de uma forma lenta e insidiosa, sendo provocada por agentes nocivos a que o trabalhador, por força das suas funções laborais, está habitual e continuadamente exposto ao longo do tempo de desempenho das mesmas no seu local de trabalho ao serviço da sua entidade empregadora.
II. Não tendo resultado demonstrado que uma empregada de balcão de uma ourivesaria, por força do exercício das suas funções laborais, estava, habitual ou continuadamente, sujeita, no seu tempo e local de trabalho, a movimentos repetitivos e regulares nas tarefas de mudança de pilhas, acerto de relógios, ajuste de braceletes em aço e conferência de mercadorias em computador, não há como estabelecer um nexo causal entre o síndrome do redondo pronador de que a autora padeceu e a sua actividade profissional.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora.

I – Relatório.
AA (…), com o patrocínio do Ministério Público, instaurou no Tribunal do Trabalho de Setúbal a presente ação emergente de doença profissional, com processo especial contra o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais, sito na Av.ª da República, n.º 25 – 1º esq., 1069-036 Lisboa.
Pede que a ação seja julgada procedente e que, em consequência, o R. seja condenado a pagar à A.:
a) A quantia de € 1285,49 correspondente às despesas que a A. efetuou em consequência da doença que constitui o objeto dos presentes autos; e
b) A pensão anual a calcular com base no resultado da junta médica que requer.
Alega como fundamento e em síntese, que iniciou a sua prestação de trabalho como 3ª caixeira em 22 de outubro de 1992, sob as ordens, direção e fiscalização da “BB”, competindo-lhe o desempenho de tarefas relacionadas com o atendimento dos clientes, a decoração da loja, a exposição dos produtos e a limpeza do estabelecimento.
No exercício destas suas funções, as quais duram há já mais de 19 anos, efetuou movimentos braçais continuados e de precisão, tais como mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador.
Há cerca de 10 anos começou a sentir dormência no braço direito com frequência, dormência que, nos últimos 5 anos, se transformou em dor crónica.
Na sequência do diagnóstico de síndroma canal cárpico bilateral, mais acentuado à direita, foi operada em 13/04/2011 à mão direita, tendo sido efetuada a participação obrigatória ao R. Centro Nacional de Proteção Contra Riscos Profissionais.
Após aquela cirurgia e mantendo dores no braço direito, veio a ser operada em 02/11/2011 ao cotovelo direito por síndroma do redondo pronador (compressão alta do nervo mediano).
Foi submetida a avaliação médica no Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais, tendo-lhe sido indeferido o pedido de pensão por incapacidade permanente, com o parecer de que não teria qualquer doença profissional.
Inconformada, reclamou e juntou um novo relatório clínico, tendo-lhe sido marcada uma nova avaliação médica, após a qual lhe foi mantida a posição anteriormente assumida de indeferimento “em virtude dos dados clínicos disponíveis no processo não serem suficientes para alterar”.
Não concorda com este resultado, uma vez que entende que o seu estado clínico se enquadra numa situação de doença profissional, devendo-lhe ser atribuída a respetiva desvalorização.
Encontra-se de baixa desde 13/04/2011 e desde o dia 4 de outubro que não recebe qualquer quantia apesar de estar de baixa.
Por força da doença de que padece efetuou despesas médicas no montante de € 1226,59 e gastou € 58,90 em deslocações.
Requereu que fosse submetida a exame por junta médica, para a qual formulou os quesitos de fls. 5.

Citado o R., o Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu contestação, alegando em síntese e com interesse que, a A., em 27-04-2011, apresentou nos serviços do R. participação obrigatória e, em 04-07-2011, apresentou requerimento de pensão por incapacidade permanente para o trabalho, por suspeita de doença profissional “síndroma do túnel cárpico bilateral, mais acentuado à direita, com cirurgia realizada em 13-04-2011”, por desempenhar, durante 19 anos, como vendedora/empregada de balcão, trabalhos com movimentos repetitivos e continuados, exigindo-lhe um esforço físico permanente e diário na empresa BB, em Setúbal.
A A. foi observada nos serviços clínicos do R. em 29-05-2012 por apresentar “dormência, formigueiro e falta de forças na mão direita causada pelos gestos manuais repetitivos durante 19 anos, no desempenho da sua actividade profissional na empresa BB.
Contudo, da observação objetiva da A. concluiu-se pela não existência de doença profissional com a seguinte fundamentação “síndrome reumatológico poliarticular; raquialgias cervicais – operada à col. cervical – prótese C5-C6, na clinica da Reboleira; raquialgias dorsais – redução mamária no British; síndrome do túnel do carpo bilateral, operada à direita no Hospital de Santiago; síndrome do redondo pronador à direita, cicatriz operatória que evoluiu para queloide – doença natural e sem nexo de causalidade com a profissão de empregada de ourivesaria. Não justifica ITA desde 14-04-2011”.
Em 12-09-2012, a A, foi notificada no âmbito de audiência prévia da decisão de indeferimento do requerimento de pensão por incapacidade permanente para o trabalho, com a seguinte fundamentação: “Não estar afectada de doença caracterizada como doença profissional ou não ter estado exposto ao risco pela natureza da indústria, actividade ou condições, ambiente e técnicas do trabalho habitual”.
Inconformada a A. reclamou e juntou novo relatório clínico.
Em 25-01-2013, após reapreciação clínica, a A. foi notificada da decisão de indeferimento com o seguinte fundamento: “Foi decidido manter a posição anteriormente assumida de indeferimento em virtude dos dados clínicos disponíveis no processo não serem suficientes para a alterar”, razão pela qual não foi a A. considerada portadora de doença profissional, mas de doença natural, pelo que não tem direito a qualquer pensão.
O R. desconhece o contexto laboral descrito na petição, bem como o esforço despendido nos movimentos da mão direita ao longo de vários anos.
Discorda o R. da pretensão da A. em ver reconhecida a doença como doença profissional de que diz padecer.
Mesmo que se venha a admitir que a A. seja considerada portadora de doença profissional e lhe seja fixada alguma incapacidade, à cautela dir-se-á que se terá de atender ao disposto no art. 113º da Lei n.º 98/2009 de 04-09 e a reparação é apenas correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se toda a incapacidade fosse imputada à doença profissional.
Por outro lado, tem de estar em causa o exercício de atividade (que tenha determinado a exposição ao risco gerador de eventual doença) declarada para a Segurança Social, bem como a vinculação à respetiva entidade empregadora.
O R. apenas assegura o reembolso de despesas com deslocações e com cuidados de saúde aos titulares do direito às prestações por doença profissional.
Conclui que a ação deve ser julgada improcedente, não se reconhecendo à A. a existência de doença profissional, com as legais consequências.
Concorda com a realização de exame por junta médica à A., formulando os respetivos quesitos (cfr. fls. 102).

Foi determinada a notificação da A. para informar se havia sofrido algum acidente de trabalho, tendo a mesma informado que tal nunca sucedera.
Foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixada a matéria de facto assente e foi organizada a base instrutória como resulta de fls. 113 a 115. Não foram deduzidas reclamações.
Determinou-se a abertura de apenso para fixação da incapacidade da A. na sequência de realização de junta médica.
Designada data para audiência de discussão e julgamento, procedeu-se à sua realização com registo da prova que oralmente aí foi produzida.
Foi proferida a decisão de fls. 143 e 144 sobre a matéria de facto que figurava na base instrutória. Não foram deduzidas reclamações.
Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 146 a 150 que culminou com a seguinte decisão:
«Face ao exposto, julgo a acção proposta por AA contra o Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais improcedente e, em consequência, absolvo o R. dos pedidos.
Custas a cargo da A., sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Valor processual: o da alçada da comarca mais € 0,01».

Inconformada com esta sentença, dela veio a A. interpor recurso de apelação para esta Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
1ª. A recorrente considera incorretamente julgados os factos relacionados com o não reconhecimento de doença profissional, designadamente a resposta ao ponto 3º da base instrutória quando dá como não provado que a recorrente apresenta síndrome do redondo pronador.
2ª. Resulta da matéria de facto provada que a recorrente foi operada 02/11/2011, ao cotovelo direito por síndrome do redondo pronador (compressão alta do nervo mediano). (alínea E) dos factos assentes).
3ª. Resulta da matéria de facto provada que a recorrente se encontrava incapacitada e temporariamente para o trabalho desde 13/04/2011. (alínea C) dos factos assentes).
4ª. Quer do relatório da junta médica, quer dos documentos juntos a fls 10, 11 e 19, apresentados pela sinistrada subscrito pelo Dr. VV, ortopedista, quer do depoimento prestado em julgamento, no dia 07 de Abril, por outro ortopedista Dr. CC– gravação dia 07 de Abril – 00.01 a 16.56 – resulta que estes ortopedistas consideram que a sinistrada tem uma doença profissional – síndroma do redondo do pronador direito, e que tal síndroma resultou da sinistrada ter desempenhado movimentos contínuos, frequentes e repetitivos relacionados com a sua atividade profissional, designadamente, o fazer com regularidade não apurada, mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador, movimentos estes que exigem movimentos de repetição dos membros superiores.
5ª. Salvo o devido respeito, deveria a M. Juiz ter valorado os referidos relatórios clínicos juntos aos autos a fls 10, 11 e 19 e subscrito por ortopedista, bem como a posição do mesmo ortopedista na junta médica e o depoimento do DR. CC, ortopedista de renome, em sede de audiência de discussão e julgamento, de forma a concluir que a recorrente é portadora de doença profissional e não cingir-se ao que resultou da posição maioritária junta médica.
6ª. Aliás na motivação da decisão de facto, a fls. 144 dos autos a M. Juiz considerou que a resposta negativa ao artº 3º da base resultou de “tendo ficado patente independentemente do nexo de causalidade, a apreciar em sede de sentença, que a A. sofreu do síndroma do redondo pronador, situação que ficou corrigida, sem sequelas”
7ª. Não aceita a recorrente que a M. Juiz conclua que da intervenção cirúrgica ao redondo pronador não resultaram sequelas quando as mesmas são bem visíveis nas imagens fotográficas existentes a fls 28 dos autos.
8ª. Na opinião da recorrente deveria a M. Juiz ter complementado a junta médica, apurando, pelo menos as incapacidades temporárias daí resultantes, fixando a data da alta e eventualmente considerando provadas as sequelas constantes do registo fotográfico constante do documento nº 21-fls 28 dos autos, mesmo que se viesse a entender que as mesmas não são suscetíveis de determinar incapacidade permanente para o trabalho.
9ª. Ao não fazê-lo incorreu em erro de apreciação da prova e omissão de pronúncia quanto a facto essenciais à determinação do direito da recorrente.
10ª. E não se diga como faz a M. Juiz que mesmo a existir doença do redondo pronador, não resultou apurado o nexo causal entre o estado clínico da recorrente e o trabalho.
11ª. Já que da matéria provada relacionada com a atividade da recorrente resulta que as lesões da recorrente vieram a manifestar-se após o decurso de vários anos de trabalho, trabalho que a recorrente desenvolveu, em exclusividade e diariamente ao longo dos anos, sem que tenha resultado apurado o exercício de qualquer outra profissão.
12ª. O que resultou provado foi que no âmbito da atividade profissional da recorrente, a mesma efetuou movimentos braçais repetitivos, continuados e de precisão, como mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador, sendo de estabelecer o nexo de causalidade entre a patologia invocada e a atividade profissional da recorrente, aliás como o expressou o ortopedista da sinistrada na junta médica e em julgamento foi referido pelo ortopedista Dr. CC, mesmo que não resulte apurado a regularidade com que efetuava tais movimentos.
13ª. De acordo com o artigo 94º da Lei 98/2009 a patologia invocada pela recorrente, síndroma do redondo pronador, consta da Lista das Doenças Profissionais, republicada pelo Decreto Regulamentar n.º 76/2007, de 17 de Julho, sendo caracterizada como doença provocada por agentes físicos, sob o código 45.03., constituindo fatores de risco a “pressão sobre nervos ou plexos nervosos devida à força aplicada, posição, ritmo, atitude de trabalho ou à utilização de utensílios ou ferramentas”, sendo suscetíveis de provocar a doença, nomeadamente, “trabalhos executados habitualmente em posição, ritmo ou atitude de trabalho, ou utilização de utensílios e ferramentas, que determinem compressão de nervos ou plexos nervosos.”
14ª. Ora verificando-se que a recorrente esteve exposto ao risco da sua atividade profissional já que a mesma efetuava movimentos braçais repetitivos, continuados e de precisão, como mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador, é possível estabelecer o nexo de causalidade entre a patologia invocada e a atividade profissional da recorrente, aliás como o expressou o ortopedista da sinistrada na junta médica e em julgamento foi referido por outro ortopedista Dr. CC– depoimento gravado no dia 07 de Abril – 00.01 a 16.56m.
15ª. Pelo que teria de reconhecer-se que a recorrente sofre de síndroma do redondo pronador, considerado doença profissional e alterando-se a resposta aos quesitos 3º, como provado e acrescentando à matéria assente na alínea C), por doença “profissional”.
16ª. Integrando a situação da recorrente uma situação típica de doença profissional com direito a reparação, por se mostrarem cumulativamente reunidos os pressupostos do artigo 95º da lei nº 98/2009.
17ª. Ao assim não ter decidido, a M. Juiz fez um errada apreciação da matéria de facto bem como um deficiente exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, existindo erro notório na apreciação da matéria de facto da constante dos autos, bem como na sua fundamentação o que conduziu a uma errada aplicação do direito.
18ª. Salvo melhor entendimento a douta sentença recorrida faz uma inadequada aplicação do direito, violando o disposto arts.º 94 a 99º da Lei nº 98/2009.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere que a Autora é portadora de doença profissional – síndroma do redondo pronador, com direito à consequente reparação, desde a data em que foi recebida a participação obrigatória no Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais.
Porém V. Exas., melhor apreciando,
Decidirão fazendo a costumada JUSTIÇA!

Contra-alegou o R. deduzindo as seguintes conclusões:
A- O douto despacho ora recorrido do Juiz a quo não poderia contrariar um juízo médico-legal de natureza técnica, que da conjugação dos dados colhidos, decidiu em sede própria (Junta Médica) objectivamente por maioria, pela inexistência de motivos clínicos para considerar a ora recorrente portadora de doença profissional,
B- A Junta Médica, por maioria deliberou, tendo em atenção a história clínica de poliradiculoneuropatia, o desempenho profissional e o sucesso da intervenção cirúrgica para correcção do síndrome do redondo do pronador direito, que a ora recorrente apresentou,
C- Da conjugação do laudo médico, bem como da circunstância de a recorrente não ter provado que desenvolvia diariamente movimentos repetitivos, continuados e de precisão dos punhos e mãos, não foi possível estabelecer-se o nexo de causalidade entre a patologia invocada e a actividade profissional desenvolvida de modo a considerar a recorrente portadora de doença profissional,
D- O ora recorrido não poderá aceitar a substituição da douta sentença ora recorrida por outra que considere a ora recorrente portadora de doença profissional com a consequente reparação, uma vez que aquela se encontra devidamente fundamentada de direito com a correcta correlação aos factos,
E- O Meritíssimo Juíz a quo não poderia decidir de maneira diferente do que decidiu, e decidiu bem.
F- Face ao exposto, a douta sentença a quo deverá ser mantida e confirmada por não padecer de qualquer ilegalidade
Mas, julgando V.ªs Ex.ªs farão como sempre a costumada JUSTIÇA.

Admitido o recurso na espécie própria, com adequado regime de subida e efeito, mantido o recurso, foram os autos ao visto simultâneo dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Apreciação.
Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o objeto deste, sem prejuízo do conhecimento de questões de natureza oficiosa, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
· Da impugnação de matéria de facto e necessidade de reapreciação de prova;
· Da que se afigura constituir arguição de nulidade da sentença;
· Do padecimento de doença profissional por parte da A./apelante e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Fundamentos de facto.
Em 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
A) A A. é beneficiária da segurança social com o n.º (...) e trabalha desde 22/10/1992 sob as ordens, direção e fiscalização de BB., como 3.ª caixeira. [alínea A) dos factos assentes];
B) No âmbito das suas atribuições competia-lhe além de tarefas relacionadas com o atendimento dos clientes, a decoração da loja, a exposição dos produtos e a limpeza do estabelecimento. [alínea B) dos factos assentes];
C) A A. encontra-se em situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença desde 13/04/2011. [alínea C) dos factos assentes];
D) Em 21/04/2011, na sequência de diagnóstico de síndroma de canal cárpico bilateral mais acentuado à direita, a que foi operada em 13/04/2011, a A. efectuou a participação obrigatória ao Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais (CNPCRP) por suspeita de doença profissional. [alínea D) dos factos assentes];
E) Após a referida cirurgia, e tendo mantido dores no braço direito, veio a ser operada, em 02/11/2011, ao cotovelo direito por síndrome do redondo pronador (compressão alta do nervo mediano). [alínea E) dos factos assentes];
F) Em Maio de 2012, foi convocada pelo CNPCRP para avaliação médica, na sequência da qual, em Setembro do mesmo ano, foi indeferido o pedido de pensão por incapacidade permanente, com parecer de que não padecia de doença profissional. [alínea F) dos factos assentes];
G) Na sequência de reclamação da A., foi esta convocada para nova avaliação médica em Dezembro de 2012. [alínea G) dos factos assentes];
H) Em 25/01/2013, o pedido de pensão por incapacidade permanente para o trabalho foi indeferido pelo CNPCRP, mantendo-se a decisão anterior por ter sido entendido que os dados clínicos disponíveis no processo não eram suficientes para a alterar. [alínea H) dos factos assentes];
I) A A., no trabalho que desenvolvia por conta de BB., fazia, com regularidade não apurada, mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador. (art. 1.º da base instrutória);
J) A A. desempenhou essas funções, pelo menos, até à participação de doença destes autos. (art. 2.º da base instrutória);
K) Há cerca de 10 anos a A. começou a sentir dormência e dor no braço direito. (art. 4.º da base instrutória);
L) A A. efectuou despesas médicas no valor de € 410,95. (art. 5.º da base instrutória).

· Da impugnação de matéria de facto e necessidade de reapreciação de prova.
Como se observa das conclusões de recurso apresentadas pela A./apelante e que, como se sabe, delimitam o seu objeto, esta insurge-se, quer contra a resposta de “não provado” dada pelo Tribunal a quo à matéria do quesito 3º da base instrutória oportunamente organizada nos autos, entendendo que a resposta a esse quesito deveria ser a de “provado”, quer contra a circunstância de, na alínea C) dos factos que oportunamente foram considerados como assentes por aquele Tribunal, se mencionar doença quando, no entender da Apelante, se deveria ter mencionado “doença profissional”.
Considera a Apelante que a alteração da resposta à matéria daquele quesito 3º da base instrutória e a alteração a esta alínea C) nos termos propostos, se impõem com base no relatório de junta médica, nos documentos de fls. 10, 11 e 19 subscritos pelo médico ortopedista Dr. VV e ainda com base no depoimento prestado em audiência pelo Dr. CC, mencionando os tempos de gravação correspondentes a este depoimento.
Do que acaba de referir-se, nada obsta a que este Tribunal da Relação proceda à reapreciação da prova produzida na audiência de julgamento efetuada pela 1ª instância, de forma a saber-se se assiste razão à A./apelante quanto à alteração da matéria de facto a considerar, nos termos que vêm propostos, uma vez que estabelecendo-se no art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26-06 e aqui aplicável por força do art. 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa», este dispositivo abarca, sem dúvida, as situações em que o Recorrente discorde da decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto a qualquer ponto da matéria de facto com relevância para a decisão do pleito, desde que, em simultâneo, aquele dê cumprimento ao disposto no art. 640º do mesmo Código de Processo Civil, o que, pelo que referimos, se verifica no caso em apreço.
Posto isto, dir-se-á, no entanto, que, quanto à pretendida alteração da matéria que consta da alínea C) dos factos que, oportunamente, foram considerados como assentes pelo Tribunal a quo, para além de, por isso mesmo, não constituir matéria submetida à discussão da causa em audiência de julgamento, não tendo, sobre ela, recaído a produção dos mencionados elementos de prova, trata-se de matéria em relação à qual não foi oportunamente deduzida qualquer reclamação, designadamente por parte da ora A./apelante.
Acresce, por outro lado, que a alteração pretendida por esta, ao entender que, na aludida alínea – a qual se mostra reproduzida supra – onde se menciona doença se deveria ter referido “doença profissional”, mais não constitui que uma alteração de índole marcadamente conclusiva ou de direito, já que traduz precisamente o “thema decidendum” dos presentes autos, saber se estamos em face de uma doença profissional ou de uma doença natural. Daí que, por qualquer das mencionadas razões se não possa deferir a pretensão da A./apelante quanto à pretendida alteração dessa alínea da matéria de facto assente.
Vejamos, pois, se assiste razão à A./apelante quanto à pretendida alteração da resposta de “não provado” que foi dada pelo Tribunal a quo à matéria do quesito 3º da base instrutória oportunamente organizada nos presentes autos.
Questiona-se nesse quesito 3º da base instrutória se «A A. apresenta síndrome do redondo pronador?».
Respondendo à matéria desse quesito após audiência de discussão e julgamento, a Sr. Juíza considerou a mesma como “Não provada”, referindo na sua decisão sobre matéria de facto que «[a] resposta negativa ao art. 3.º da base instrutória resultou do depoimento da testemunha CC (médico ortopedista que observou a A. após a realização de cirurgia), do teor do auto de exame de junta médica e dos esclarecimentos prestados em audiência pelos senhores peritos médicos que a integraram, tendo ficado patente, independente do nexo de causalidade a apreciar em sede de sentença, que a A. sofreu do síndroma do redondo pronador, situação que ficou corrigida, sem sequelas, após a intervenção cirúrgica a que foi submetida, não padecendo já da referida condição clínica».
Ora, apreciada a prova produzida em audiência de julgamento realizada na 1ª instância relativamente a essa matéria, apreciação que passou pela análise dos diversos documentos juntos ao processo, entre eles os de fls. 10, 11, 19, 28, 132, 133, bem como do laudo de exame médico por junta médica de fls. 16 a 18 do apenso para fixação de incapacidade 257/13.7TTSTB-A e ainda pela audição dos depoimentos das testemunhas indicadas sobre a matéria do mesmo quesito, ou seja, das testemunhas CC, médico ortopedista que observou a aqui A. em consulta que teve lugar já após intervenção cirúrgica efetuada ao cotovelo direito para correção de “síndroma do redondo pronador” e a testemunha TT, amiga e ex-colega de trabalho da A., bem como os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos senhores peritos que integraram a referida junta médica, temos de concluir não merecer qualquer censura a resposta de «não provado» dada pela Sr.ª Juíza do Tribunal a quo à matéria do aludido quesito.
Na verdade, para além da testemunha TT nada referir sobre a matéria desse quesito – aliás, verifica-se que nem sequer foi chamada a pronunciar-se sobre a mesma nem se vê como tal pudesse suceder atendendo à matéria em causa e à sua qualidade de amiga e ex-colega de trabalho da A., não referindo, portanto, ser possuidora de qualquer aptidão técnica para se poder pronunciar sobre tal matéria –, constata-se que, quer a testemunha Dr. CC, quer os senhores peritos médicos que intervieram em sede de junta médica e que foram chamados a prestar esclarecimentos em audiência de julgamento, foram unânimes em considerar que após a cirurgia a que a A. foi submetida tendo em vista a correção de “síndroma do redondo pronador” (compressão do nervo mediano ao nível do cotovelo pelo músculo redondo pronador), a mesma foi conseguida, não apresentando a A. o referido síndroma. Com efeito, a testemunha Dr. CC, a dado passo do seu depoimento, referiu que «segundo o que a senhora me disse (referindo-se à aqui A.), neste momento não tem sintomas, não tem desde que foi descomprimida a lesão que tinha ao nível do cotovelo» e, em esclarecimento pedido pela Sr.ª Juíza ao questioná-lo sobre se se podia considerar a A. curada dessa situação, começando por referir que «se houver novamente uma atividade profissional intensa, em que haja alguma funcionalidade e trabalho com aquele músculo pode ser uma situação recidivante, assim como ao nível do túnel cárpico. São situações que, na sua grande maioria não recidivam mas podem recidivar, há casos de recidiva». Perante insistência da Sr.ª Juíza no sentido de se saber se neste caso a A. com aquela cirurgia tinha ficado com a situação corrigida, referiu claramente «ficou corrigida a situação… a senhora, neste momento não tem parestesias nem dores… esta questão está resolvida, ficou resolvida com a cirurgia… agora esta situação concreta de compressão do nervo periférico, a situação ficou resolvida».
Também os senhores peritos que integraram a junta médica a que se fez referência vão no mesmo sentido.
Na verdade, o Sr. Dr. VV, ortopedista que operou a A. e que divergiu da posição assumida pelos restantes senhores peritos em sede de junta médica, referiu, a dado passo dos esclarecimentos que prestou em audiência, que, «do ponto de vista do síndroma do redondo pronador o problema está resolvido. Claro que é um braço que tem as suas fragilidades e estes síndromas de repetição funcionam como micro-síndromas comportamentais em que o movimento repetitivo causa uma baixa de oxigénio a nível circular com a afetação da mitocôndrias, etc. e, portanto, a medição de forças destes membros está sempre reduzida e, portanto, estes doentes nunca podem dizer que estão curados para o resto da vida».
Por sua vez, o Sr. Dr. NN, que interveio na junta médica em representação do CNPCRP, referiu a dado passo dos seus esclarecimentos que «…a doente sofre de dores articulares a nível dos dois ombros, a nível dos cotovelos, a nível dos punhos, etc. Teve uma intervenção cirúrgica com intenção curativa que, pelos vistos, foi bem sucedida, com atenuação/cura das lesões do lado direito, sendo uma doente dextra. Mas curiosamente apresenta também do lado contra/lateral lesões similares, o que quer dizer que não é apenas necessária e exclusivamente estes movimentos repetitivos que ela faz no trabalho que provavelmente estão na origem da lesão, existem quaisquer outras situações que podem e devem ter contribuído para o quadro clínico apresentado. Para além disso, para nós foi essencial, como em todos os casos de doença profissional, estabelecer uma relação de causalidade entre a exposição aos quadros de risco e aquilo que é o quadro clínico apresentado. E perante a sua descrição de funções que tenho aqui à minha frente, perante a exiguidade das dimensões da divisão em que trabalha e pelas quais é responsável pela sua limpeza, perante a limpeza dos objetos que estão na ourivesaria, isto para mim é que me parece que é essencial compreender qual é a carga de trabalho que aquela pessoa efetivamente tem. A substituição de pilhas de relógios, agora eletrónicos e que têm de substituir as pilhas de vez em quando.
Perante este tipo de trabalho, não me parece que exista uma carga de trabalho suficiente para um quadro clínico tão intenso. Existe um quadro clínico frondoso, com várias frentes, bilateral, independentemente da situação dos movimentos repetitivos que ela inevitavelmente tem de fazer, embora com uma frequência discutível no seu ambiente de trabalho, e, depois, aparece um quadro clínico que é bilateral e que é excessivamente intenso face à descrição do posto de trabalho que está no processo; abrir a loja, fechar a loja, mantê-la razoavelmente limpa, atender cuidadosamente os clientes, enfim, não é uma carga de trabalho comparável àquela que temos, por exemplo, na indústria».
Finalmente o Sr. Dr. JJ que interveio em sede de junta médica em representação do Tribunal, referiu apenas que corroborava o que se encontra no parágrafo único do laudo da junta médica, ou seja, que «A junta médica… por maioria, perito do Departamento de Proteção Contra Doenças Profissionais e do Tribunal, tendo em atenção a história clínica da examinada, de poliradiculoneuropatia, o seu desempenho profissional e o sucesso da intervenção cirúrgica a correção do síndroma do redondo do pronador direito, entende não ser possível estabelecer nexo de causalidade que permita considerar a patologia da examinada como doença profissional».
Ora, perante tais elementos de prova, de forma alguma este Tribunal adquire a convicção de que a A/apelante ainda apresente “síndrome do redondo pronador” no que concerne ao seu membro superior direito e daí que não mereça censura a resposta de “não provado” dada pela Sr.ª Juíza do Tribunal a quo à matéria do quesito 3º da base instrutória com base nas razões que invocou e que anteriormente reproduzimos.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pela Apelante.
Mantem-se, portanto, a matéria de facto considerada como assente pela 1ª instância por se não verem razões para se proceder à sua alteração.

· Da que se afigura constituir arguição de nulidade da sentença.
Nas conclusões 8ª e 9ª do seu recurso, refere a A./apelante que «… na opinião da recorrente deveria a M. Juiz ter complementado a junta médica, apurando, pelo menos as incapacidades temporárias daí resultantes, fixando a data da alta e eventualmente considerando provadas as sequelas constantes do registo fotográfico constante do documento nº 21-fls 28 dos autos, mesmo que se viesse a entender que as mesmas não são suscetíveis de determinar incapacidade permanente para o trabalho. Ao não fazê-lo incorreu em… omissão de pronúncia quanto a factos essenciais à determinação do direito da recorrente».
A omissão de pronúncia configura, como se sabe, nulidade da sentença nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26-06 e que é aqui aplicável por força do art. 1º n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Sucede que, como resulta do requerimento de interposição de recurso de fls. 156 dirigido à Sr.ª Juíza do Tribunal a quo, bem como das alegações e conclusões do mesmo, dirigidas a este Tribunal da Relação, e que constam de fls. 157 e seguintes, a, ao que tudo indica, pretendida arguição de uma tal nulidade de sentença apenas surge feita pela Apelante nas mencionadas alegações e conclusões de recurso, desrespeitando-se, portanto, o disposto no art. 77º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho ao estabelecer, claramente, que a arguição de nulidades da sentença deve ser feita de forma expressa e em separado no requerimento de interposição de recurso.
Ora, vem sendo entendimento pacífico ao nível da jurisprudência, designadamente a do Supremo Tribunal de Justiça e que também perfilhamos, o de que a arguição de nulidades da sentença sem a observância do estabelecido neste último preceito legal, leva a que se tenha por intempestiva ou extemporânea a arguição de tais nulidades não devendo as mesmas serem objeto de apreciação pelo Tribunal ad quem – cfr. neste sentido e entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2010 proferido no Proc. n.º 245/05.4TTSNT.L1.S1; de 08-05-2012 proferido no Proc. n.º 263/06.8TTCSC.L1.S1 e de 19-02-2013 proferido no Proc. n.º 2018/08.6TTLSB.L1.S1, bem como os Acórdãos desta Relação proferidos em 18-05-2010 no Proc. n.º 622/08.1TTSTR.E1 e em 19-09-2013 no Proc. n.º 435/11.3TTSTR.E1, todos eles publicados em www.dgsi.pt.
Deste modo e por extemporaneamente arguida, não se conhece aqui da que parece invocada nulidade de sentença.

· Do invocado padecimento de doença profissional por parte da A./apelante e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.
Refere a A./apelante, nas suas alegações e conclusões de recurso que a sentença recorrida faz uma inadequada aplicação do direito, violando o disposto arts.º 94 a 99º da Lei nº 98/2009, pelo que deverá ser dado provimento ao recurso revogando-se a mesma e substituindo-se por outra que considere que a A. é portadora de doença profissional – síndroma do redondo pronador – com direito à consequente reparação desde a data em que foi recebida a participação obrigatória no Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais.
Antes de mais, importa referir que ao caso em apreço é efetivamente aplicável o regime jurídico estabelecido em matéria de doenças profissionais pela Lei n.º 98/2009 de 04-09 e isto por força do disposto no n.º 2 do art. 187º dessa mesma Lei quando conjugada com a data do diagnóstico final de não reconhecimento de doença profissional a afetar a aqui A./apelante e que decorre dos documentos de fls. 16 e 18 dos presentes autos, emitidos, respetivamente, em 12 de setembro de 2012 e em 25 de janeiro de 2013.
Posto isto e à semelhança do que se verificava já no domínio da anterior Lei n.º 100/97 de 13-09 – artigo 27º e seguintes – a atual Lei n.º 98/2009 que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, nos artigos 93º e seguintes, não nos dá uma noção de doença profissional, resultando apenas do disposto no n.º 1 do seu art. 94º que são doenças profissionais as que constam da lista a que aí se faz referência e que, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 283º do Código do Trabalho, se trata da lista publicada em anexo ao Decreto Regulamentar n.º 6/2001 de 05-05 e posteriormente alterada e republicada em anexo ao Decreto Regulamentar n.º 76/2007 de 17-07, e ainda qualquer outra que, não incluída na referida lista, se demonstre ser consequência necessária e direta da atividade exercida pelo trabalhador e não represente normal desgaste do seu organismo, como decorre do disposto no n.º 2 do mesmo art. 94º.
Ainda assim e como afirma Carlos Alegre em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – Regime Jurídico Anotado – 2ª Edição, pag.ª 140 «é possível,…, conjugando todas as referências legais, chegar à noção de doenças profissionais como as que são provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuadamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função».
Importa, por outro lado, referir que, ao invés do que sucede com o acidente de trabalho, que, como se sabe, se trata de um evento naturalístico, súbito ou inesperado de que o trabalhador possa ser vítima no exercício da sua atividade laboral ou por causa dela e que seja gerador de consequências danosas no seu corpo ou na sua saúde, determinantes de uma redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho ou da sua morte, a doença profissional surge de uma forma lenta e insidiosa, sendo provocada por agentes nocivos a que o trabalhador, por força das suas funções laborais, está habitual e continuadamente exposto ao longo do tempo de desempenho das mesmas no seu local de trabalho ao serviço da sua entidade empregadora.
Invoca a A./apelante como suporte do reconhecimento da existência de doença profissional de que se encontra afetada, a circunstância de padecer de “síndroma do redondo pronador” a qual figura da mencionada lista de doenças profissionais, sob o código 45.03.
De acordo com este código 45.03 da mencionada lista, constituem doenças ou outras manifestações clínicas resultantes de fatores de risco traduzidos por pressão sobre nervos ou plexos nervosos devida a força aplicada, posição, ritmo, atitude de trabalho ou utilização de utensílios ou ferramentas, a síndrome do túnel cárpico; a síndrome do canal de Guyon, a síndrome da goteira epitrocleolecraneana (compressão do nervo cubital) e a síndrome do canal radial, todas elas com uma caracterização, ou seja, uma descrição de características ou sintomas principais num prazo indicativo de 30 dias, bem como outras síndromes paréticas ou paralíticas de nervos periféricos, com uma caracterização num prazo indicativo de 90 dias.
Por outro lado, de acordo com o mesmo código, constituem exemplos de trabalhos suscetíveis de provocar tais doenças profissionais, trabalhos que exijam movimentos frequentes e rápidos; trabalhos realizados em posições articulares extremas; trabalhos que exijam simultaneamente repetitividade e aplicação de força pelos membros superiores; trabalho em regime de cadência imposta; martelar, britar pedra, esmerilar, pintar, limar, serrar, polir, desossar, montagem de cablagens, trabalhos que impliquem híper-extensão e elevação mantidas do membro superior e a utilização da mão como batente.
Ora, considerando estes aspetos e revertendo ao caso em apreço, ficou provado que a A. trabalha desde 22 de outubro de 1992, sob as ordens direção e fiscalização da BB, como 3ª caixeira e que, no âmbito das suas atribuições, competia-lhe, além das tarefas relacionadas com o atendimento dos clientes, a decoração da loja, a exposição dos produtos e a limpeza do estabelecimento, bem como fazer, com uma regularidade não apurada, as tarefas de mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador [alíneas A), B) e I) dos factos provados].
É certo que também se demonstrou que, em 13 de abril de 2011, na sequência de diagnóstico de síndrome de canal cárpico bilateral, mais acentuado à direita, a A. foi operada, circunstância que a levou a efetuar a participação obrigatória ao Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais por suspeita de doença profissional e que, após cirurgia, tendo mantido dores no braço direito, veio a ser operada em 2 de novembro de 2011 ao cotovelo direito por síndrome do redondo pronador (compressão alta do nervo mediano) [cfr. as alíneas D) e E) dos factos provados] e que se crê poder enquadrar-se nas denominadas síndromes paréticas ou paralíticas de nervos periféricos, com uma caracterização num prazo indicativo de 90 dias.
Todavia, certo é também que, para além de se não haver demonstrado que a A./apelante ainda sofra de qualquer das referidas síndromes, mormente e no que aqui releva da síndrome do redondo pronador – situação resolvida com a mencionada cirurgia – nada resulta da matéria de facto provada, que possa levar a considerar que as síndromes de que padeceu a A./apelante tenham resultado de efeitos nocivos a que esta, por força do exercício das suas funções laborais ao serviço da sua entidade empregadora BB e que acima descrevemos, estivesse habitual ou continuadamente exposta no seu local e tempo de trabalho, de forma a poderem, de uma forma insidiosa e lenta determinar o surgimento de doença profissional.
Na verdade, a matéria de facto provada não permite estabelecer um nexo de causalidade entre as funções efetivamente desempenhadas pela A./apelante ao serviço da sua entidade empregadora e a que fizemos referência e o surgimento das mencionadas síndromes, bem pelo contrário, pois, resultando da mencionada lista de doenças profissionais que o período indicativo de caracterização, designadamente de outras síndromes paréticas ou paralíticas de nervos periféricos em que se incluirá a síndrome do redondo pronador se situa em 90 dias, certo é que, tendo a A. começado a desempenhar as já aludidas funções ao serviço da sua entidade empregadora BB em outubro de 1992, apenas por volta de março de 2003, ou seja, volvidos cerca de 10 anos e meio é que começou a sentir dormência e dor no braço direito, sendo que apenas em abril de 2011 lhe foram diagnosticadas as síndromas do canal cárpico e do redondo pronador (compressão alta do nervo mediano), a que foi operada com êxito, pois não se demonstrou continuar a padecer, designadamente e no que aqui releva, desta última síndrome [cfr. as alíneas K), D) e E)].
Acresce que, como bem se afirma na sentença sob recurso, «ainda que se tivesse provado que a A. padece do síndroma do redondo pronador, o certo é que, tendo em consideração os tipos de trabalhos elencados na lista de doenças profissionais que podem provocar a doença, que, conquanto sejam exemplificativos, identificam trabalhos em que o esforço braçal/articular é muito acentuado, comparativamente com as tarefas que se apurou serem realizadas pela A., não é crível que as tarefas desempenhadas pela A. fossem susceptíveis de provocar a doença. Na verdade, atenta a natureza das suas funções, e pese embora proceda à mudança de pilhas, acerto de relógios, corte e ajuste de braceletes em aço e conferências de mercadorias em computador, não se provou a regularidade com que o fazia, sendo que é do senso comum que quem se dedica ao atendimento de clientes[1] não realiza tais actividades em contínuo e de modo prolongado.
Acresce que, quer como se refere nas decisões do R., quer como decorre do parecer maioritário em sede de exame por junta médica, com o qual inexistem motivos para divergir, a A. sofre de outras patologias, nomeadamente poliradiculoneuropatia, o que, conjugado com a circunstância de não se ter provado que a A. desenvolvia diariamente movimentos braçais repetitivos, continuados e de precisão, não permite estabelecer o nexo de causalidade entre a patologia invocada e a actividade profissional de modo a concluir-se pela verificação de uma doença profissional.».
Não merece, pois, censura a sentença recorrida ao concluir não se poder reconhecer a existência de doença profissional no caso em apreço, julgando improcedente o pedido deduzido pela aqui A./apelante.

III – Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo da A./apelante, sem prejuízo do benefício de que goza nos presentes autos.
Évora, 15/01/2015
(José António Santos Feteira)
(Paula Maria Videira do Paço) (Acácio André Proença)
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[1] Em estabelecimentos do género do da sua entidade empregadora, diremos nós.