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ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário
1 - O Regulamento (CE) 4/2009 de 18 de dezembro de 2008 é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, incluindo os pedidos de alteração dessas obrigações, formulados pelo devedor.
2 – Residindo o filho maior, assim como sua mãe em França, os tribunais franceses são os competentes para apreciar o pedido de alteração da prestação alimentar devida pelo ora Requerente a seu filho.
Texto Integral
Relatório:
N. C., residente na Praceta ..., Braga veio instaurar ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais contra C. M. e N. M., os dois residentes em Rue …., França.
Alega que por sentença proferida em 9/11/04, no processo nº 1222/03.8TMBRG foram reguladas as responsabilidades parentais do 2º Requerido, nascido a 18/03/1999.
O Requerente pretende que o regime fixado seja alterado no que respeita ao regime de visitas e à pensão de alimentos que o ora Requerente ficou obrigado a entregar à ora Requerida.
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Na sequência da apresentação deste pedido foi proferida decisão que, com base no Regulamento nº 2201/2003 julgou os tribunais portugueses absolutamente incompetentes, absolvendo os Requeridos da instância.
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Inconformado veio o Requerente recorrer formulando as seguintes Conclusões:
I - O Recorrente intentou ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho N. M., maior, demandando este e a progenitora mãe, ambos residentes em frança. II – O Juízo (Juiz 1) de Família e Menores da Instância Central de Braga tendo apreciado oficiosamente da (in)competência absoluta do mesmo, declarou-se incompetente pelo facto de o maior viver com a mãe em França, considerando aplicável ao caso concreto o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, e invocou o disposto no art. 8º nº 1 desse Regulamento, que refere que “Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado em Tribunal.” III - Com efeito, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, só se aplica, salvo melhor opinião em contrário, a crianças a partir do nascimento até à idade de 18 anos, encontrando-se assim fora do âmbito de incidência pessoal do referido Regulamento o aqui Recorrido N. M. por ser já maior, devendo por esse motivo ser aplicada a legislação nacional/interna. IV - Deste modo, afigura-se-nos, sem quebra do devido respeito, que andou mal o Tribunal a quo, quando concluiu que a questão em apreço caía no âmbito de aplicação do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27 de Novembro, não equacionando devidamente a situação e não tendo feito a correta leitura, interpretação e aplicação dos instrumentos de cooperação judiciária; V – Com efeito, entende o Recorrente que é internacionalmente competente o tribunal português, por força do disposto no artigo 62º do CPC e artigo 9.º, n.º 7 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), nomeadamente o Juízo (Juiz 1) de Família e Menores de Braga da Instância Central da Comarca de Braga na medida em que:
- por um lado o Recorrente pleiteava na ação em apreço ao abrigo de proteção jurídica por insuficiência de meios económicos o que só por si impossibilitava a propositura da ação no estrangeiro, pelo que só poderia tornar efetivo o seu direito através de ação proposta em território português;
- e por outro lado, todos os intervenientes têm nacionalidade portuguesa, o Recorrente reside em Portugal (artigo 9.º, n.º 7 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) bem como a demais família paterna do Recorrido, e até porque o uso da língua portuguesa é conhecida e melhor entendida pelos intervenientes, existindo assim uma forte ligação de todas as partes ao ordenamento jurídico português, pelo que não há, no entender do Recorrente, elemento mais ponderoso de conexão para que a decisão fosse proferida nos tribunais portugueses; VI - Ainda assim, estipula o artigo 57.º, do Código Civil, que as relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais, devendo portanto no caso concreto aplicar-se a legislação nacional/interna. VII - Ainda que se entenda, que nesta matéria seja de aplicar o referido regulamento comunitário, o que não se aceita e que por mera cautela de patrocínio se coloca, andou mal a douta sentença recorrida, salvo melhor opinião em contrário, ao não reconhecer como absolutamente competentes os tribunais portugueses para o conhecimento do pretendido pelo Recorrente; VIII - Uma das exceções previstas à regra geral mencionada no artigo 8º encontra-se presente no nº 3 do artigo 12º do dito regulamento, segundo o qual: “os tribunais de um Estado-Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidades parental em processos que não os referidos no nº 1, quando: a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro; e b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.”, exceção esta que deve ser considerada como preenchida; IX - Ora, in casu, foram as responsabilidades parentais reguladas em 2005 no tribunal português em e, já na altura, o agora maior Recorrido N. M., residia fora do território nacional com a Recorrida Mãe, conforme o recorrente demonstrou no alegado no ponto 5 do seu requerimento inicial, tendo todo o processo seguido os seus termos até final, sem que nenhum dos progenitores em nenhum momento questionasse a competência da jurisdição portuguesa; X – Devendo este silêncio dos intervenientes ser considerado como declaração de aceitação expressa e inequívoca de que todas as partes da competência internacional dos tribunais portugueses para a decisão da causa e que a mesma é exercida no superior interesse do menor. XI – Em 19 de Agosto de 2016, deu entrada no mesmo tribunal a quo, incidente de incumprimento das responsabilidades parentais suscitado pela aqui Recorrida, que apesar de residir em França há mais de dez anos, optou pelo tribunal português por considerar naturalmente que este ordenamento jurídico era o internacionalmente competente para decidir das questões relacionadas com o filho de ambos e que melhor acautelava o superior interesse do menor à data, não tendo novamente nenhuma das partes colocado em causa em nenhum momento a competência do tribunal português, nem mesmo o próprio tribunal a quo! XII - Pelo que é nosso entendimento, salvo melhor opinião em contrário, que a competência internacional da jurisdição portuguesa legitima-se no caso concreto pois, atenta as circunstâncias não estará na realidade nenhum outro tribunal melhor preparado e em melhores condições de acautelar de forma competente o supra referido interesse do maior do que os tribunais portugueses, nem nenhum outro tribunal estará melhor preparado e em melhores condições de conhecer das condições de vida do Recorrente (sociais e económicas) que possam ser discutidas e que são essenciais à boa decisão da causa, em virtude de a pretendida alteração incidir sobre material convivial e alimentícia, na medida em que foram aqui reguladas as responsabilidades parentais, todas as partes envolvidas são de nacionalidade portuguesa, o recorrente reside em Portugal e a competência internacional dos tribunais portugueses foi aceite expressamente e de forma inequívoca por todas partes, nunca se colocando em causa essa questão. XIII - Encontrando-se desta foram preenchidos todos os requisitos previstos no nº 3 do artigo 12º do citado regulamento deve por este motivo ser reconhecida a competência internacional dos tribunais portugueses, em virtude da consequente aplicação do artigo 9.º, n.º 7 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível ex vi artigo 989.º, n.º 1, do CPC que estipula o seguinte: “Se no momento da instauração do processo [o jovem] residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente […].”, motivo pelo qual, não tendo o tribunal a quo procedido desta forma, não foi observada a norma constante do artº 12 do citado regulamento, mostrando-se a mesma violada.
Termos em que, com os mais de direito com que V.ª Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido, julgado totalmente procedente devendo, em consequência, ser revogada a sentença de que se recorre proferida pelo tribunal a quo, decidindo-se pela competência internacional dos tribunais portugueses, in casu, pelo Juízo de Família e Menores – Juiz 1 – da Instância Central da Comarca de Braga, ordenando-se assim o prosseguimento dos autos de alteração das responsabilidades parentais intentada contra os aqui recorridos, com a citação dos mesmos, para os efeitos processuais legais, assim se fazendo JUSTIÇA.
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Factos com relevância para a presente decisão:
1 - Por sentença proferida em 9/1/2004 foram reguladas as responsabilidades parentais de N. M. tendo este ficado entregue à guarda e cuidados da mãe, fixado o regime de visitas do pai a este e ficando o pai obrigado a prestar a título de alimentos a quantia de 75,00€ mensais a atualizar anualmente de acordo com índice de preços do consumidor mas em valor nunca inferior a 5%.
2 – N. M. nasceu a 18/03/1999
3 - N. M. e a Requerida, mãe deste, residem em França.
Cumpre apreciar e decidir:
Tendo em conta o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cabe aqui analisar se os tribunais portugueses são ou não competentes para apreciar a questão suscitada pelo Requerente.
Nos presentes autos foram reguladas as responsabilidades parentais do, na altura menor, N. M. que atingiu a maioridade em 18/03/2017.
O seu pai, ora Requerente, vem pedir a alteração dessa regulação no que concerne ao regime de visitas e aos alimentos.
Ora, no que respeita ao regime de visitas a competência deste tribunal cessou em consequência de o filho de Requerente e Requerida ter já atingido a plena capacidade de exercício de direitos (v. art. 1877º do C. Civil e 123º do mesmo Código, este a contrario).
Com efeito, no momento em que o jovem atinge a maioridade cessa automaticamente a incapacidade decorrente da menoridade e portanto a necessidade de que tal incapacidade seja suprida pela figura do poder paternal ou responsabilidades parentais (v. art. 124º do C. Civil).
Desta forma, não estando já o filho do Requerente sujeito às responsabilidades parentais, não poderia este (ou outro) tribunal impor-lhe os convívios com o progenitor ora Requerente.
Assim, e nesta parte, improcede o pedido do Requerente.
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E quanto ao direito a alimentos?
Com o aditamento do nº 2 do art. 1905 do C. Civil, operado através da Lei nº 122/2015 de 1/09 estabeleceu-se que a obrigação de alimentos a favor do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que atinge 25 anos de idade e enquanto se mantiver o processo educacional ou formação profissional daquele.
Deste modo, a obrigação alimentar fixada nestes autos, prolongou-se para além da maioridade do Requerido N. M..
Vejamos pois, se os tribunais portugueses são competentes para apreciar a alteração à mencionada obrigação alimentar peticionada pelo Requerente já que os Requeridos residem em França.
No Tribunal a quo entendeu-se que não com base no Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de novembro (Regulamento Bruxelas II bis)
No entanto, como se verifica pela leitura do disposto no art. 1º desse mesmo Regulamento, não está no seu âmbito de aplicação a obrigação alimentar (v. al. e) do nº 3 do art. 1º), ou melhor, a mesma está expressamente excluída de tal âmbito.
Por outro lado, não se encontra no domínio de tal Regulamento a proteção a filhos maiores, pois o mesmo diz respeito a decisões em matéria matrimonial e à responsabilidade parental.
Ora, no caso não está causa, obviamente, matéria matrimonial e, como acima já se viu, também não está em causa matéria de responsabilidade parental porque estamos perante um filho já adulto (v. ainda a definição de responsabilidade parental estabelecida no ponto 7 do art. 2º do Regulamento ora em análise).
Na verdade, como se refere no Ac. do STJ de 18/12/2012 (in www.dgsi.pt ), do âmbito de aplicação material do Regulamento (CE) nº 2201/2003 encontram-se excluídas medidas de proteção instituídas a favor de maiores, nada permitindo interpretar extensivamente tal regime.
Assim, o caso em apreço não cai no âmbito de aplicação do mencionado instrumento mas sim do Regulamento (CE) 4/2009 de 18 de dezembro de 2008, que é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou afinidade (art. 1º, nº 1) e, nomeadamente, estabelece regras comuns relativas à competência.
Este Regulamento abrange, não só os pedidos de fixação de prestações alimentares, como os de alteração, neste caso também pelo devedor, entendido como qualquer pessoa singular que deve ou à qual são reclamados alimentos (v. arts. 2º, nº 11 e 56º, nº 2 – e)).
Estabelecido o âmbito de aplicação do Regulamento 4/2009, vejamos qual é, à luz do mesmo, o tribunal competente para apreciar o pedido de alteração da prestação alimentar devida pelo ora Requerente a seu filho.
As regras gerais de definição do foro encontram-se no art. 3º do Regulamento em análise e que tem o seguinte teor:
Artigo 3.º
Disposições gerais
São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados-Membros:
a) O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou b) O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou c) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; ou d) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.
Uma vez que o pedido de alteração de alimentos não é acessório de qualquer outro, não são aplicáveis ao caso as normas estabelecidas nas al. c) e d).
É assim, competente para apreciar o pedido formulado pelo Requerente, o tribunal do Estado-Membro em que o Requerido ou o credor tem a sua residência habitual, ou seja, no caso o tribunal francês já que é França o centro social e efetivo onde se desenvolve a vida dos Requeridos/credores, sendo certo que não foi alegado qualquer pacto de jurisdição (v. art. 4º do Regulamento).
O facto de o pedido inicial de regulação das responsabilidades parentais e respetivo incumprimento terem corrido termos em Portugal em nada altera o que acima foi dito pois nessa altura, tendo em conta a matéria em apreciação (responsabilidades parentais) as regras de competência teriam que ser aferidas com base noutras normas e nas circunstâncias verificadas à data, que determinavam essa competência.
O Regulamento diretamente aplicável em todos Estados Membros da União Europeia e prevalece perante as normas internas reguladoras da competência internacional, nomeadamente as previstas nos artigos 62º e 63º do C. P. Civil (art. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e art. 8º da Constituição da República Portuguesa).
Deste modo, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar o pedido de alteração da prestação de alimentos do Requerente a seu filho, o que se declara.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida, embora com outros fundamentos.
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DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida, com diferentes fundamentos.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 12 de outubro de 2017
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)