Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
VALOR DAS DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
FORÇA PROBATÓRIA
Sumário
I - Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusar a responder, no exercício do direito ao silêncio. II - A apreciação do valor probatório das declarações do arguido, feitas contra um seu co-arguido no mesmo processo ou em processo conexo, deve suscitar especiais cautelas ao julgador. Assim, viola o princípio da presunção da inocência a fundamentação exclusiva da condenação na valoração das declarações do co-arguido, sendo necessária uma corroboração probatória dessas declarações. III - No caso dos autos, o arguido JM não se furtou ao contraditório oriundo dos demais arguidos. E a sua versão de que os demais dois arguidos tinham intervindo no assalto é complementada pelo depoimento do ofendido AMM, quando refere terem sido três os assaltantes, com a particularidade de um deles usar uma caçadeira de canos serrados e o outro uma pistola, e quando descreve o assalto em termos coincidentes com a descrição que do mesmo fez o arguido JM, acrescendo ainda o pormenor de o auto-rádio - que foi retirado do interior do carro do ofendido - ter sido encontrado, poucos dias depois, no interior do carro do arguido TMSN.
Texto Integral
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, da Comarca de Santarém, Instância Central, Secção Criminal, Juiz 2, os arguidos TMSN e RMLD foram, na parte que agora interessa ao recurso, condenados pela prática de:
> O arguido TMSN:
-- Cinco crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art.º pelos art.º 210.º, n.º 1 e n.º 2 al.ª b) e 204.º, n.º 2 al.ª e) e g), do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão por cada um deles; e
-- Um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 154.º, n.º 1, 155.º, n.º 1 al.ª a), 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido TMSN condenado na pena única de 8 anos de prisão.
> O arguido RMLD:
-- Quatro crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art.º pelos art.º 210.º, n.º 1 e n.º 2 al.ª b) e 204.º, n.º 2 al.ª e) e g), do Código Penal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão por cada um deles; e
-- Um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 154.º, n.º 1, 155.º, n.º 1 al.ª a), 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido RMLD condenado na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.
#
Inconformados com o assim decidido, cada um daqueles arguidos interpôs recurso, apresentando o do arguido TMSN as seguintes conclusões:
a) O recorrente confessou de forma integral e sem reservas os factos descritos no NUIPC 470/12.4GGSTB;
b) Pelo que, deve beneficiar de atenuação na medida da pena, nos termos do disposto no art. 71º do Código Penal;
c) Relativamente ao NUIPC 686/12.3GBCCH, é bem de ver que a condenação do ora recorrente se bastou nas declarações do co-arguido JM e nas declarações da testemunha AMM;
d) A confissão incriminatória do referido arguido, à luz do disposto no art. 344º e 345º e, bem assim da jurisprudência assente sobre a matéria, não deveria ter merecido qualquer credibilidade por parte do Tribunal a quo;
e) Com efeito, as declarações do arguido JM estão inquinadas por evidente ressentimento contra os demais co-arguidos, nomeadamente o recorrente e pretendiam, essencialmente, o benefício de um tratamento judicial mais favorável o que logrou obter pela atenuação verificada na medida de pena daquele;
f) O depoimento da Testemunha AMM, não corrobora o descrito na acusação – art. 54º - ao invés, a contradiz, quando expressamente refere que o veículo dos suspeitos era de cor azul-bebé e, não cinzento claro;
g) No que respeita ao NUIPC 686/12.3GBCCH, deveria o tribunal a quo ter decidido em benefício do recorrente, por força do princípio in dubio pro Reu.
h) Andou mal o Tribunal a quo ao condenar o recorrente e demais arguidos, pela prática de crime de coação agravada na forma tentada, p.p. nos arts. 22º, 23º, 154º e 155º, nº1, alínea a) do Código Penal, quando tendo dado por assente que os factos foram praticados por apenas um arguido, veio a condenar os três;
i) Com efeito, não tendo sido provada a autoria daqueles factos, que ademais têm a particularidade de serem de natureza individual e de domínio pessoal, o tribunal a quo além de mal aplicar as normas condenatórias, violou, novamente, o princípio in dubio pro réu.
Termos em que, dando provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão ora em crise e condenando-se o recorrente em pena não superior a 6 anos de prisão, se fará acostumada JUSTIÇA.
#
Por sua vez, o recurso interposto pelo arguido RMLD apresenta as seguintes conclusões:
1. Verificam-se graves deficiências ao nível da gravação da audiência de julgamento, o que, em abstracto, configura uma nulidade sujeita à disciplina dos artigos 120º a 122º do Código de Processo Penal;
2. Sem embargo, entende o recorrente que apenas um dos arguidos tem o chamado “domínio funcional do facto” no que respeita ao crime de coacção agravado na forma tentada;
3. Dois dos arguidos em nada contribuíram para a realização do facto típico, não devendo considerar-se co-autores;
4. Da análise dos factos dados como assentes, bem como da prova produzida, desconhece-se quem se dirigiu ao ofendido e lhe dirigiu as “promessas de um mal futuro”,
5. o que colocaria o Tribunal recorrido numa situação de non liquet que, em obediência ao princípio do in dúbio pro reo, legal e constitucionalmente consagrado, determinaria a absolvição do recorrente do crime de coacção agravado na forma tentada;
6. A condenação do recorrente pelo crime de roubo agravado relativo ao NUIPC 686/12.3GBCCH foi fundamentalmente sustentada nas declarações do co-arguido;
7. Co-arguido este que adoptou uma postura titubeante ao longo de todo o processo, com confissões estratégicas, parciais, ao sabor da dinâmica da produção de prova;
8. Entende-se que o Tribunal recorrido sobrevalorizou as declarações do co-arguido, em detrimento das declarações do recorrente, que adoptou uma postura de coerência e rectidão das suas declarações;
9. Devendo, à semelhança do que sucedera com outros inquéritos em investigação nestes autos, impor-se a absolvição do recorrente nesta parte;
10. O recorrente confessou integral, tempestiva e decisivamente os factos relativos ao NUIPC 470/12.4GGSTB, ao contrario do consignado da Douta Decisão, não tendo tal confissão sido devidamente valorada na pena aplicada em concreto;
11. As penas parcelares aplicadas não refletem adequadamente a ponderação das circunstâncias que militam a favor do recorrente,
12. Mostrando-se a pena única, em cúmulo jurídico, desproporcional, injusta e desadequada, devendo situar-se próxima dos seis anos de prisão.
#
A Ex.ma Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu ao recurso do arguido TMSN, concluindo da seguinte forma:
1º - Ao contrário do referido no recurso interposto, o Tribunal valorou a confissão parcial dos factos dados como assentes, relativamente ao arguido TMSN - cf. fls. 2230v (18v do acórdão sob recurso).
2- Em qualquer caso, dir-se-á que dispõe o art.º 72º do C. Penal que o tribunal atenua especialmente a pena “para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
3- Daqui resulta que, fora dos casos expressamente previstos –vg. tentativa – a atenuação especial da pena não funciona de forma automática e só ocorre quando circunstâncias especiais o justifiquem.
4-Na situação sub iudicie, não consta da matéria provada quaisquer circunstâncias que imponham a atenuação especial da pena relativamente ao recorrente, sendo de realçar a gravidade dos crimes (roubo agravado) e a forma de actuação (com armas de fogo, rosto coberto e em concertação de esforços), pelo que não se vislumbra motivo para que seja alterada, por esta via, a pena aplicada.
5- A valoração das declarações de co-arguido é possível, quando suportada noutros elementos de prova, in casu, as declarações do co-arguido JM são suportadas no depoimento da testemunha AMM.
6- O Tribunal fundamenta a credibilidade das declarações desta testemunha (fls. 2235), não dando relevo à curta distância que existe na valoração das cores do veículo- de azul bebe para cinza claro, o que, também a nosso ver, não é suficiente para descredibilizar o seu depoimento.
7-A aplicação do princípio in dubio pro reo verifica-se quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido –cf., entre outros, Ac. STJ de 17.3.2005, proc. 362/01, www.dgsi.pt.
8- Não se verificando esta hipótese, como sucede na situação em apreço em que é visível que o Tribunal foi firme na sua convicção, restou apenas fazer uso do disposto no art.º 127º do Código de Processo Penal (livre apreciação da prova, onde se destaca desde logo e com interesse no presente recurso, a valoração do princípio da mediação).
9- No caso sub iudice o Tribunal não ficou na dúvida sobre os factos que determinaram a condenação do arguido, nem deveria ter ficado já que estes permitem o raciocínio que foi realizado.
10- Não houve violação de qualquer das disposições legais citadas ou quaisquer outras, designadamente do disposto no art.º 127º do Código Penal, por não se mostrar excedido o princípio da livre apreciação da prova que, ao contrário do que pretende o recorrente, não redunda, necessariamente, na aplicação do princípio in dubio pro reo.
11- Relativamente à condenação pela prática do crime de coacção agravada, sob a forma tentada, importa notar que os arguidos foram condenados, em co-autoria, pela prática deste crime, constando nos factos provados - cf. fls 2229 – “52- “Mais quiseram impedir o ofendido FS de chamar as autoridades policiais, por um determinado período de tempo, a fim de lhes permitir fugir do local, ameaçando-o de morte, o que apenas não lograram fazer por motivo alheio à sua vontade”.
12- Ou seja, para a condenação releva a existência de uma decisão conjunta no sentido da sua prática e uma colaboração activa na sua execução (cf. p. 53) que, no casu, se traduz no facto de a conduta só ter sido levada a efeito por força da permissibilidade que decorreu da presença de todos os arguidos, que criou as condições necessárias para que um dos agentes actuasse, verbalizando o necessário para a consumação do crime.
13- Provados os pressupostos da co-autoria e a utilização da expressão integradora do ilícito, restava ao tribunal a condenação de todos os arguidos pelo crime em apreço, nos termos em que o fez.
4- Não invoca o recorrente factos concretos dos quais se imponha a alteração da pena aplicada ou, pelo menos, não se vislumbra em que critérios se fundamentou para ter como adequada uma pena “inferior a seis anos de prisão”.
15- A determinação da medida concreta da pena opera nos termos do art.º 71º do Código Penal, isto é, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Assim, o direito criminal encontra-se estruturado com base no princípio da culpa sendo que esta, não sendo o fim último da pena, constitui o limite inultrapassável da medida da pena por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
16-A prevenção geral positiva constitui a finalidade primordial da pena e se esta não pode ultrapassar a medida da culpa então a moldura concreta há-de situar-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente.
17- Os factos provados revestem gravidade, tal como os ilícitos criminais que integram, pelo que a pena encontrada se mostra adequada aos fins da pena.
Termos em que, mantendo a condenação do arguido nos seus precisos termos, farão V.ª Ex.ª a costumada JUSTIÇA!
#
A Ex.ma Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido também respondeu ao recurso do arguido RMLD, concluindo da seguinte forma:
1º - Ao contrário do referido no recurso interposto, o Tribunal valorou a confissão parcial do recorrente relativamente aos factos dados como assentes - cf. fls. 2230v (18v do acórdão sob recurso).
2- A prova que respeita ao Nuipc 686/12.3 GBCCH foi fundamentada não só nas declarações do co-arguido JM como também no depoimento da testemunha AMM.
3-A valoração das declarações do co-arguido é possível, quando suportada noutros elementos de prova, in casu, no depoimento da testemunha AMM.
O Tribunal fundamenta a credibilidade das declarações desta testemunha (fls. 2235) na forma “séria e objectiva” como depôs, coincidentes com outros elementos objectivos constantes dos autos, como seja a apreensão efectuada no interior do veículo de um dos co-arguidos, TMSN.
4- A aplicação do princípio in dubio pro reo verifica-se quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido –cf., entre outros, Ac. STJ de 17.3.2005, proc. 362/01, www.dgsi.pt.
5- Não se verificando esta hipótese, como sucede na situação em apreço em que é visível que o Tribunal foi firme na sua convicção, restou apenas fazer uso do disposto no art.º 127º do Código de Processo Penal (livre apreciação da prova, onde se destaca desde logo e com interesse no presente recurso, a valoração do princípio da mediação).
6- No caso sub iudice o Tribunal não ficou na dúvida sobre os factos que determinaram a condenação do arguido, nem deveria ter ficado já que estes permitem o raciocínio que foi realizado.
7- Assim sendo, não houve violação de qualquer das disposições legais citadas ou quaisquer outras, designadamente do disposto no art.º 127º do Código Penal, por não se mostrar excedido o princípio da livre apreciação da prova que, ao contrário do que pretende o recorrente, não redunda, necessariamente, na aplicação do princípio in dubio pro reo.
8- Impõe-se notar que os arguidos foram condenados, em co-autoria, pela prática do crime de coacção agravada, sob a forma tentada, constando nos factos provados - cf. fls 2229 – “52- “Mais quiseram impedir o ofendido FS de chamar as autoridades policiais, por um determinado período de tempo, a fim de lhes permitir fugir do local, ameaçando-o de morte, o que apenas não lograram fazer por motivo alheio à sua vontade”.
9- Para a condenação releva a existência de uma decisão conjunta no sentido da sua prática e uma colaboração activa na sua execução (cf. p. 53) que, no casu, se traduz no facto de a conduta só ter sido levada a efeito por força da permissibilidade que decorreu da presença de todos os arguidos, que criou as condições necessárias para que um dos agentes actuasse, verbalizando o necessário para a consumação do crime.
10- Provados os pressupostos da co-autoria e a utilização da expressão integradora do ilícito, restava ao tribunal a condenação de todos os arguidos pelo crime em apreço, nos termos em que o fez.
11- Não invoca o recorrente factos concretos dos quais se imponha a alteração da pena aplicada ou, pelo menos, não se vislumbra em que critérios se fundamentou para ter como adequada uma pena “próxima dos seis anos de prisão”.
12º- A determinação da medida concreta da pena opera nos termos do art.º 71º do Código Penal, isto é, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Assim, o direito criminal encontra-se estruturado com base no princípio da culpa sendo que esta, não sendo o fim último da pena, constitui o limite inultrapassável da medida da pena por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
13º-A prevenção geral positiva constitui a finalidade primordial da pena e se esta não pode ultrapassar a medida da culpa então a moldura concreta há-de situar-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente.
14º- Os factos provados revestem gravidade, tal como os ilícitos criminais que integram, pelo que a pena encontrada se mostra adequada aos fins da pena.
15º- Os factos provados revestem gravidade, tal como os ilícitos criminais que integram, pelo que a pena encontrada se mostra adequada aos fins da pena.
Termos em que, mantendo a condenação do arguido nos seus precisos termos, farão V.ª Ex.ª a costumada JUSTIÇA!
#
Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
(……..).
III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.
De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
Postas pelo arguido RMLD:
1.ª – Que o julgamento deve ser mandado repetir na parte referente à audição da testemunha FS (NUIPC 696/12.0 GBCCH), uma vez que o seu depoimento ficou mal gravado, o que confugura uma nulidade sujeita à disciplina dos artigos 120.º a 122.º do Código de Processo Penal;
2.ª – Que, ao contrário do que o tribunal "a quo" consignou a fls. 23 de seu acórdão, o arguido RMLD confessou a prática dos factos relativos ao NUIPC 470/12.4 GGSTB, pelo que deve, em consequência, beneficiar de alteração da pena parcelar respectiva, a qual não deverá ultrapassar os 3 anos de prisão;
3.ª – Que, no que toca aos factos relativos ao NUIPC 696/12.0GBCCH, como ficou provado que foi apenas um dos arguidos, sem que ficasse estabelecido qual deles, que ameaçara o ofendido FS de Vais ficar aqui 5 minutos sem ligar a ninguém e sem accionar alarmes, senão vou descobrir quem és e deixo-te estendido à porta de casa, não poderia nenhum dos outros dois arguidos ser condenado pelo crime de coacção agravada, quanto mais serem condenados os três, como o foram, tendo sido violado o princípio "in dubio pro reo";
4.ª – Que, no que toca aos factos relativos ao NUIPC 686/12.3 GBCCH, não devia o tribunal "a quo" ter condenado o arguido RMLD baseado nas declarações do co-arguido JM por estas não merecerem credibilidade; e
5.ª – Que as penas parcelares aplicadas ao arguido RMLD pelos crimes de roubo deviam ter ficado mais próximas do limite mínimo de 3 anos e a aplicada pelo crime de coacção agravada na forma tentada mais próxima do limite mínimo de 1 mês; sendo que a pena única de 7 anos e 3 meses de prisão aplicada pelo tribunal "a quo" é exagerada, devendo antes ser fixada próximo dos 6 anos.
#
Postas pelo arguido TMSN:
1.ª – Que, ao contrário do que o tribunal "a quo" consignou a fls. 23 de seu acórdão, o arguido TMSN confessou a prática dos factos relativos ao NUIPC 470/12.4 GGSTB, pelo que deve, em consequência, o recorrente beneficiar de alteração da pena parcelar respectiva;
2.ª – Que, no que toca aos factos relativos ao NUIPC 696/12.0GBCCH, como ficou provado que foi apenas um dos arguidos, sem que ficasse estabelecido qual deles, que ameaçara o ofendido FS de Vais ficar aqui 5 minutos sem ligar a ninguém e sem accionar alarmes, senão vou descobrir quem és e deixo-te estendido à porta de casa, não poderia nenhum dos outros dois arguidos ser condenado pelo crime de coacção agravada, quanto mais serem condenados os três, como o foram, tendo sido violado o princípio "in dubio pro reo";
3.ª – Que, no que toca aos factos relativos ao NUIPC 686/12.3 GBCCH, em que a convicção do tribunal para a condenação dos arguidos sobre estes factos resultou das declarações do arguido JM que incriminou os co-arguidos, do depoimento da testemunha AMM e, bem assim, da circunstância do auto-rádio que terá sido subtraído no decurso dos factos, ter sido encontrado no interior do veículo do recorrente, conforme o auto de apreensão (ponto 7 da motivação), aquelas declarações do arguido JM não deveriam ter merecido qualquer credibilidade, tendo sido violado o princípio "in dubio pro reo"; e
4.ª – Pelo que, na procedência das questões anteriores, o recorrente TMSN deve ser condenado em pena única não superior a 6 anos.
#
Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas pelo arguido RMLD, a de que o julgamento deve ser mandado repetir na parte referente à audição da testemunha FS (NUIPC 696/12.0 GBCCH), uma vez que o seu depoimento ficou mal gravado, o que configura uma nulidade sujeita à disciplina dos artigos 120.º a 122.º do Código de Processo Penal:
A testemunha foi ouvida em 3-4-2014.
O arguido RMLD solicitou em 6-8-2014 cópia das gravações, que lhe foram entregues no mesmo dia.
A questão da deficiente gravação só foi suscitada em recurso, o qual foi interposto em 26-8-2014.
Ora o STJ, no seu acórdão n.º 13/2014, publicado no DR 183, Série I, de 2014-09-23, fixou jurisprudência – da qual não vemos razão para divergir –, de que a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada.
Procedimento que o recorrente não efectuou.
Pelo que a nulidade se considera sanada.
#
No tocante à 2.ª das questões postas pelo arguido RMLD, a de que, ao contrário do que o tribunal "a quo" consignou a fls. 23 de seu acórdão, o arguido RMLD confessou a prática dos factos relativos ao NUIPC 470/12.4 GGSTB, pelo que deve, em consequência, beneficiar de alteração da pena parcelar respectiva, a qual não deverá ultrapassar os 3 anos de prisão:
Esta questão é comum à 1.ª questão do recurso do arguido TMSN, o qual, porém, não fixa o tecto dos 3 anos, pretendendo apenas que seja beneficiado com a alteração da pena parcelar respectiva.
E realmente, a fls. 23 do acórdão, ainda na parte referente à fundamentação da decisão da matéria de facto, ficou consignado que no que concerne aos factos relativos ao NUIPC 470/12.4GGSTB, embora os arguidos TMSN e RMLD tenham negado a sua participação (…).
Acontece que, ouvida a gravação das declarações em audiência de julgamento prestadas por cada um dos recorrentes e realmente delas consta, sem margem para qualquer dúvida, a confissão de ambos da prática dos factos relativos ao NUIPC 470/12.4 GGSTB (embora, no caso do arguido RMLD, ele negue a existência da pistola na ocorrência).
Pretendem pois agora os recorrentes que, por terem confessado os factos relativos ao NUIPC 470/12.4 GGSTB, têm direito a uma pena parcelar menor do que aquela que lhes foi aplicada e que foi a de 3 anos e 3 meses para o arguido TMSN e 3 anos e 2 meses para o arguido RMLD.
Mas trata-se, com o devido respeito, de uma falsa questão.
Na verdade, e como consta da fundamentação da decisão da matéria de facto, ambos os recorrentes confessaram a prática dos factos relativos aos NUIPC 502/12.6GABNV, 696/12.0GBCCH e 725/12.8GCBNV (e o recorrente TMSN ainda os do 427/12.5GEBNV, porque não se provou que o RMLD neste tenha participado) – o que quer dizer que apenas não confessaram os factos relativos ao NUIPC 686/12.3GBCCH e, de acordo com a versão do tribunal "a quo" que se acabou de ver estar incorrecta, os do 470/12.4 GGSTB. Ora na parte do acórdão recorrido referente à ponderação das penas concretas a aplicar aos ora recorrentes, apesar de o tribunal "a quo" ter considerado a assunção parcial da sua culpa, o certo é que acabou por dar penas parcelares iguais aos roubos cometidos por cada um dos recorrentes, quer eles os tivessem confessado, quer não.
Ou seja, subjacente ao raciocínio dos recorrentes parece estar a ideia que por o tribunal "a quo" não ter consignado a confissão relativa ao 470/12 eles tiveram uma pena parcelar mais gravosa no tocante a esse caso. Mas tal não ocorreu. Pelo que não vemos motivos para diferenciar essa pena parcelar agora.
#
No tocante à 3.ª das questões postas pelo arguido RMLD, a de que, no que toca aos factos relativos ao NUIPC 696/12.0GBCCH, como ficou provado que foi apenas um dos arguidos, sem que ficasse estabelecido qual deles, que ameaçara o ofendido FS de Vais ficar aqui 5 minutos sem ligar a ninguém e sem accionar alarmes, senão vou descobrir quem és e deixo-te estendido à porta de casa, não poderia nenhum dos outros dois arguidos ser condenado pelo crime de coacção agravada, quanto mais serem condenados os três, como o foram, tendo sido violado o princípio "in dubio pro reo":
Esta questão é comum à 2.ª das questões do recurso do arguido TMSN, pelo que solucionaremos ambas em conjunto.
Nesta questão existem duas interrogações: a primeira, se só o arguido que proferiu a ameaça poderia ser condenado pelo crime de coacção agravada; a segunda, se, não se tendo provado qual deles é que ameaçou, não pode, afinal, nenhum deles ser condenado.
Comecemos pela primeira:
E por relembrar que dos pontos 50 e 52 da matéria de facto assente como provada resulta que:
50. Em todas as supra descritas actuações os arguidos (…)
52. (…) quiseram impedir o ofendido FS de chamar as autoridades policiais, por um determinado período de tempo, a fim de lhes permitir fugir do local, ameaçando-o de morte, o que apenas não lograram fazer por motivos alheios à sua vontade.
Antes de mais, convém afastar quaisquer dúvidas, que aliás nem constam de qualquer dos recursos, sobre a existência de concurso real entre o crime de roubo e o de coacção, pois que, segundo o acórdão do STJ de 16-4-1998, processo 97P1474, acessível em www.dgsi.pt, os interesses protegidos pela incriminação do roubo são o património e a liberdade, integridade física e vida da pessoa ofendida, enquanto no crime de coacção "o interesse protegido é diferenciado, porquanto, embora os meios de realização do crime (a violência ou ameaça) possam ser comuns ao roubo, já o escopo fundamental deste crime não é o atentado contra o património alheio, mas sim o constrangimento de outra pessoa a uma acção ou omissão ou ao suportamento de uma actividade". Entre o crime de coacção e o de roubo, contra o mesmo ofendido, é possível portanto – dada a assinalada diferença de fins e interesses –, que se estabeleça uma relação de concurso real.
Posto o que, voltemos à 1.ª das interrogações acima enunciadas, a de se só o arguido que proferiu a ameaça poderia ser condenado pelo crime de coacção agravada
A questão da co-autoria posta pelos recorrentes tem sido apreciada de modo uniforme e reiterado pela jurisprudência e até pela doutrina.
A respeito deste assunto, bastará dizer, citando o Código Penal Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos, 3.ª ed., pág. 339, que "há ainda, pois, co-autoria quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras da experiência comum".
Também Germano Marques da Silva; in “Direito Penal Português”, II-283, escreve que a co-autoria é a execução colectiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.
A co-autoria pressupõe – escreve Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Tradução, Comares Editorial, 2002, pág. 731 – uma execução conjunta, traduzida numa participação directa do co-autor, ou seja, numa participação co-decisiva, em que o seu contributo seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto (teoria do domínio funcional do facto), mas não é imprescindível que o co-autor realize todos os elementos do tipo: basta que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, encaixando-se a sua parcela de actividade na dos restantes co-autores, de modo a, ajustadamente e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico ilícito. Daí que a cada um dos intervenientes seja imputada a parcela de actividade dos restantes, como se se tratasse de acção própria.
Na verdade, segundo o art.º 26.º do Código Penal, é autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, neste último segmento se prevendo a co-autoria, com as suas componentes subjectiva e objectiva.
A componente subjectiva basta-se com o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação.
A exigência objectiva requer, por sua vez, a participação na execução do facto criminoso. Cada interveniente deve efectuar uma contribuição objectiva essencial para a consumação do tipo legal de crime visado.
Ora, no caso dos autos, na sequência de um assalto a uma bomba de gasolina, em que o arguido JM fica ao volante do carro e os outros dois entram encapuzados, um com uma caçadeira de canos serrados e o outro com uma arma de fogo curta de calibre 6,35, forçam o empregado a entregar-lhes uma caixa com 200 € – e é evidente que nenhum dos arguidos quer que o funcionário da bomba alerte de imediato as autoridades, antes que fique quieto durante algum tempo por forma a que eles possam fugir em segurança. Daí que um deles tenha ameaçado o funcionário, dizendo-lhe Vais ficar aqui 5 minutos sem ligar a ninguém e sem accionar alarmes, senão vou descobrir quem és e deixo-te estendido à porta de casa. Podia ter sido o arguido TMSN ou o RMLD ou o JMou até os três em coro, que o resultado prático da ameaça interessava a todos eles e todos eles, um ao volante do carro e os outros dois armados com armas de fogo contribuíam intimidatoriamente para a aparência de seriedade da ameaça.
De resto, a nossa jurisprudência é unânime no entendimento de que a comparticipação criminosa responsabiliza um e todos pelos factos, bastando um acordo tácito para a sua realização.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2005, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, 2007, III-224, expendeu-se que, uma vez que cada co-autor age com e através de outros, são de imputar a cada co-autor, como próprios, os contributos do outro para o facto, como se ele próprio os tivesse prestado.
Também o acórdão do STJ de 10-1-2008, proferido no processo 07P4277, acessível em www.dgsi.pt, considera que verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.
E o acórdão do STJ de 7-5-2009, CJ dos acórdãos do Supremo, 2009, II-193, expende que na co-autoria (…) não é necessário que o comparticipante pratique todos os actos conducentes à realização do facto típico; basta que a sua participação, segundo o acordo entre todos eles (acordo que pode ser tácito) se ajuste à dos restantes, de forma co-decisiva, para produzir o evento que a lei incriminadora quer evitar. O comparticipante a título autoral torna-se, desse modo, co-responsável por todos os actos que levam ao resultado do crime.
No mesmo sentido: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-3-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, 1998, I-220; e ainda, disponível em www.dgsi.pt: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-99, com o n.º convencional JSTJ00039067; e, agora em www.pgdlisboa.pt, acórdãos do STJ, de 8-3-2007, Proc. n.º 447/07 - 5.ª Secção; e de 18-10-2006, Proc. n.º 2812/06 - 3.ª.
Termos em que improcedem as objecções apontadas, não sem que, porém, antes se diga que a invocação neste contexto da violação do princípio "in dubio pro reo" é, com o devido respeito, descabida, por tal princípio não dizer respeito à qualificação jurídica dos factos.
#
No tocante à 4.ª das questões postas pelo arguido RMLD, a de que, no que toca aos factos relativos ao NUIPC 686/12.3 GBCCH, não devia o tribunal "a quo" ter condenado o arguido RMLD baseado nas declarações do co-arguido JM por estas não merecerem credibilidade:
Esta questão é comum à 3.ª das questões do recurso do arguido TMSN – que apenas lhe acrescenta a alegação da violação do princípio "in dubio pro reo" –, pelo que solucionaremos ambas em conjunto.
Consta da fundamentação da decisão da matéria de facto, a fls. 23 e ss. do acórdão recorrido, a propósito de tal matéria, o seguinte:
No que concerne aos factos referentes ao NUIPC 686/12.3GBCCH, a convicção do tribunal resultou das declarações prestadas pelo arguido JM o qual confirmou a sua participação bem como a dos demais arguidos nos factos descritos, sendo certo que a versão dos factos relatados na acusação é confirmada pela testemunha AMM, o qual depôs de uma forma séria e objectiva, tendo, por isso, merecido a credibilidade do tribunal. A isto acresce o facto de o auto-rádio subtraído no decurso dos factos em causa nesse mesmo inquérito ter sido apreendido aos arguidos, no interior do veículo do arguido TMSN, conforme resulta do auto de apreensão junto no 1º volume dos autos. Esclareça-se que a sua não descrição por extenso nos objectos apreendidos, não excluiu a convicção do tribunal que o mesmo se encontrasse dentro do referido veículo, já que se encontra fotografado nas folhas seguintes à descrição por extenso, onde conta a fotografia de todos os objectos apreendidos, sendo certo que tais fotografias fazem parte integrante do auto de apreensão. Por estes motivos fica afastada a versão dos arguidos TMSN e RMLD de que não terão participado em tais factos.
Já no âmbito da redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-8, (que acrescentou ao art.º 345.º o n.º 4, com a seguinte redacção: «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de um outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos do nºs 1 e 2») o Supremo Tribunal de Justiça asseverava num seu acórdão de 19-12-96, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, 1996, III-214 e ss., que um arguido tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, mas sem que a tal seja obrigado ou que o seu silêncio o possa desfavorecer: art.º 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo, ou seja, tanto sobre os factos que só a ele digam respeito, como sobre os factos que também respeitem a outros arguidos.
E não há qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido.
Não há pois qualquer impedimento do arguido depor nessa qualidade contra os co-arguidos do mesmo processo e, consequentemente, de valorar a prova feita por um arguido contra os seus co-arguidos.
Também Marques Ferreira, in “Jornadas de Direito Processual Penal – CEJ”, a pág. 249, esclarecia que as declarações sobre o objecto do processo prestadas por um arguido constituem um meio de prova a apreciar livremente pelo tribunal, de acordo com o disposto no art.º 127.º (no mesmo sentido, Germano Marques da Silva, “Processo Penal”, 2002, III-191-192).
Como também nos dá conta Medina de Seiça, in “ O Conhecimento Probatório do Co-Arguido”, Studia 42, Coimbra Editora, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta”.
Significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações. [1] Ou, noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante.
Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto.
A regra da corroboração, como salienta Medina de Seiça, ob. citada, a fls.226, “não constitui uma regra legal no sentido de impor um juízo, de dar por assente um determinado resultado probatório apenas pelo facto dele ser oriundo desta ou daquela fonte de valor tarifado. Traduz-se, antes, numa exigência acrescida de verificação de um material probatório, que não pode sustentar, por si só, enquanto narração de um dado enunciado factual, o juízo valorativo e consequente decisão, pois requer uma confirmação adicional para que tal enunciado, já considerado atendível de um ponto de vista intrínseco, possa ser apresentado como razão de convencimento.”
E o Supremo Tribunal de Justiça vinha repetidamente decidindo que as declarações de co-arguido são meios de prova e como tal o tribunal pode valorá-los para fundar a sua convicção acerca dos factos que deu como provados: cf. acórdãos de 10-11-04, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.004, III-45; de 20-6-01, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.001, II-230; e de 23-10-97, Boletim do Ministério da Justiça n.º 470-237.
Contudo, há duas limitações a fazer:
Primeiro, não pode valer como meio de prova o depoimento de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusar a responder, no exercício do direito ao silêncio (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 524/97 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-2-99, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, 1999, I-229). Esta jurisprudência está agora, como vimos, consagrada pela Lei n.º 48/2007, de 29-8, no n.º 4 do art.º 345.º.
Segundo, a apreciação do valor probatório do depoimento do arguido feito contra um seu co-arguido no mesmo processo ou em processo conexo deve suscitar especiais cautelas ao julgador. Assim, viola o princípio da presunção da inocência a fundamentação exclusiva da condenação na valoração do depoimento do co-arguido (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-7-2006 e 7-12-2005, na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, respectivamente de 2006, II-241 e de 2005, III-227); é pois necessária uma corroboração probatória das declarações do co-arguido.
Ora no caso dos autos, o arguido JM não se furtou ao contraditório oriundo dos demais arguidos. E a sua versão de que os demais dois arguidos tinham intervindo no assalto é complementada pelo depoimento do ofendido AMM, quando refere terem sido três os assaltantes, com a particularidade de um deles usar uma caçadeira de canos serrados e o outro uma pistola e ter descrito o assalto em termos coincidentes com a descrição que do mesmo fez o arguido JM e ainda o pormenor de o auto-rádio que foi retirado do interior do carro do ofendido ter sido encontrado poucos dias depois no interior do carro do arguido TMSN.
Diz agora o arguido TMSN que o depoimento do ofendido não é fiável, porque em audiência trocou a cor do carro usado pelos arguidos, que é cinzento, com a de azul claro, e ainda o ter dito que a caçadeira usada era de canos sobrepostos, quando a que foi apreendida é de canos justapostos… francamente, para quem, em virtude do carro que conduzia se ter avariado, é assaltado sozinho às 00h40 num local ermo por três indivíduos, dois dos quais saem para o ofendido encapuzados e de pistola e caçadeira de canos serrados, exigir-se-lhe que, de noite, quando, como se costuma dizer, todos os gatos são pardos, não confunda o cinzento com o azul claro, e se deprecia a veracidade do depoimento por ter dito que a caçadeira de canos serrados que lhe é apontada é de canos sobrepostos, quando, afinal, é de canos justapostos – bem… continuemos num registo de compostura institucional: é exigir demais à testemunha.
Quanto à alegada violação do princípio in dubio pro reo, esta pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-3-99, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1999, I-247; ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, esta resultar evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3-3-1999 e 4-10-2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e ainda da Relação de Évora de 30-1-2007, no mesmo sítio da Internet.
Como é sabido, o princípio do in dúbio pro reo é um corolário da presunção de inocência, consagrada constitucionalmente no art.º 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (cf. art.º 18.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; 11.°, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais, e 14.°, n.º 2, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).
Com efeito, enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. O que quer significar que só a prova de todos os elementos constitutivos de uma infracção permite a sua punição. Mas esse é um problema de direito probatório em processo penal. Como acentua Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Parte General, 4.ª ed., pág. 127 e segs., tal princípio "serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do Direito que surjam numa situação probatória incerta".
Vem tudo isto a propósito de que da leitura da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o tribunal a quo não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, também não tem, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal a quo, face a algum ou alguns factos, tivesse ficado em dúvida "patentemente insuperável", como se referiu no Ac. do STJ de 15-6-00, publicado na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.000, II-228, ou se, embora o tribunal "a quo" não reconhecesse o estado de dúvida, ele resultasse do texto da decisão recorrida só por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, só não sendo declarada pelo tribunal "a quo" por força de erro notório na apreciação da prova, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio in dubio pro reo, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser, como foi, elidida em julgamento.
A fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido não evidencia qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido.
E não havendo dúvida, nada há para resolver, pro ou contra quem quer que seja. É que, como bem se salienta no Acórdão do STJ de 14-4-2011 (rel. Cons. Souto de Moura), acessível in www.dgsi.pt., “a situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e designadamente através da sentença. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido”.
Em face da prova, resultou a certeza da prática pelos arguidos TMSN e RMLD do ilícito descrito sob o NUIPC 686/12.3 GBCCH, não tendo havido qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
#
No tocante à 5.ª das questões postas pelo arguido RMLD, a de que as penas parcelares aplicadas ao arguido RMLD pelos crimes de roubo deviam ter ficado mais próximas do limite mínimo de 3 anos e a aplicada pelo crime de coacção agravada na forma tentada mais próxima do limite mínimo de 1 mês; sendo que a pena única de 7 anos e 3 meses de prisão aplicada pelo tribunal "a quo" é exagerada, devendo antes ser fixada próximo dos 6 anos:
Esta questão é aparentada à 4.ª e ultima das questões postas pelo arguido TMSN, a de que, na procedência das questões anteriores, o recorrente TMSN deve ser condenado em pena única não superior a 6 anos. E embora as questões anteriores não tenham procedido, sempre aferiremos o acerto da pena única que lhe foi aplicada.
Ora bem.
O tribunal "a quo" fundamentou a escolha e graduação das penas da seguinte maneira:
O crime de roubo agravado previsto e punível pelo artigo 210º, n.º1, e n.º2, al. b) do Código Penal é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos.
O crime de coacção, na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 154º, 155º, 22º, 23º e 73º do Código Penal é punido com pena de prisão de um mês a três anos e quatro meses de prisão.
O art.º 71º do Código Penal fornece critérios para a determinação da medida da pena, determinando no seu n.º 2 que, dentro dos limites abstractos definidos por lei, ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Por sua vez, o art.º 40º do mesmo diploma, tomando posição sobre as finalidades das penas, determina no seu n.º1 que a aplicação destas tem como fins a prevenção geral (positiva de integração:«protecção de bens jurídicos») e a prevenção especial («reintegração do agente na sociedade»).
Na determinação da medida concreta da pena não têm apenas relevância considerações de prevenção geral e de prevenção especial. A culpa desempenha também um papel relevante.
Um dos princípios fundamentais do nosso Código Penal reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico - normativo uma culpa concreta (normativo - concreta), pelo facto (e pela personalidade nele reflectida).
O princípio da culpa significa que a culpa não constitui apenas o pressuposto - fundamento de validade da pena, afirmando-se também como limite máximo inultrapassável da mesma pena.
Tal como Figueiredo Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e ss. entendemos que, a medida da pena há-de ser dada fundamentalmente pela necessidade de tutela dos bens jurídicos em face do caso concreto. Entendemos que é a prevenção geral positiva de integração que fornece um «espaço de liberdade ou de indeterminação», o qual abrange o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o limiar mínimo em que tal tutela é ainda efectiva e consistentemente assegurada, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa de uma forma irremediável a sua função tutelar.
A culpa, constituindo o limite máximo da medida da pena, tem como função a proibição do excesso: constitui um limite intransponível por quaisquer considerações de prevenção, quer geral quer especial.
Entre o ponto ideal e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela dos bens jurídicos devem actuar as considerações de prevenção especial de socialização, sendo estas que determinam em última instância a medida concreta da pena, a qual deve evitar a quebra de inserção social do agente e favorecer a sua reinserção na comunidade. In casu as exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas, já que, são frequentes condutas como as dos arguidos, em que munidos de armas brancas ou de fogo, grupos de duas ou mais pessoas ameaçam os cidadãos com o propósito de os despojarem dos seus bens, logrando alcançar os seus intentos.
São também elevadas em relação ao crimes de coacção, já que são inúmeras as vezes em que os cidadãos são ameaçados para não denunciarem práticas ilícitas às competentes autoridades.
No caso sub iudice o grau de culpa é elevado em relação a todos os crimes, uma vez que os arguidos agiram com a modalidade mais intensa do dolo - dolo directo em relação a todos eles.
O grau de ilicitude é elevado, tendo em conta os objectos retirados (natureza e valor) e as ameaças proferidas.
A favor dos arguidos milita a ausência de antecedentes criminais.
Não poderá o tribunal olvidar também e favoravelmente aos arguidos o facto de todos serem pessoas com vidas organizadas segundo os padrões normativos, com suporte familiar, e inserção profissional, o que mostra que os factos praticados, com curta distância temporal entre eles, são fruto de uma época menos boa nas suas vidas, com problemas financeiros.
Também não poderá o tribunal deixar de ponderar o profundo e sincero arrependimento manifestado pelos arguidos, patente, especialmente quanto ao arguido JM, na confissão de todos os factos pelos quais vai condenado e, quanto aos demais na assunção parcial da sua culpa.
A favor dos arguidos há a ponderar igualmente o seu bom comportamento em termos prisionais, bem como a possibilidade de inserção profissional quando em liberdade.
Pondera, igualmente, o tribunal a tentativa e efectiva reparação dos prejuízos causados por parte do arguido JM.
Ponderando todos estes factores afigura-se-nos justo e adequado fixar as seguintes penas: Arguido TMSN: - três anos e três meses de prisão, por cada um dos cinco crimes de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 210º, n.º1, n.º2, al. b) e 204º, n.º2, als. e) e g) do Código Penal.
- nove meses de prisão, pela prática do crime de coacção agravado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, 155º, 22º e 23º do Código Penal.
Arguido JM: - três anos e dois meses de prisão, por cada um dos cinco crimes de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 210º, n.º1, n.º2, al. b) e 204º, n.º2, als. e) e g) do Código Penal.
- seismeses de prisão, pela prática do crime de coacção agravado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, 155º, 22º e 23º do Código Penal.
Arguido RMLD - três anos e três meses de prisão, por cada um dos quatro crimes de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 210º, n.º1, n.º2, al. b) e 204º, n.º2, als. e) e g) do Código Penal.
- nove meses de prisão, pela prática do crime de coacção agravado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, 155º, 22º e 23º do Código Penal.
Do cúmulo jurídico
Nos termos do disposto no artigo 77º, n.º1 do Código Penal, sempre que alguém praticar vários crimes antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer um deles, é condenado numa pena única, sendo que, na determinação da pena única serão ponderados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas ao arguido e como limite máximo a soma dessas penas, não podendo ultrapassar os 25 anos no caso de prisão e 900 dias se se tratar de pena de multa (art.77º, n.º2 do Código Penal.
A pena aplicável ao arguido TMSN tem como limite mínimo três anos e três meses de prisão e como limite máximo dezassete anos de prisão.
A pena aplicável ao arguido JM tem como limite mínimo três anos e dois meses de prisão e como limite máximo dezasseis anos e quatro meses de prisão.
A pena aplicável ao arguido RMLD tem como limite máximo treze anos e nove meses de prisão e como limite mínimo três anos e três meses de prisão.
Tendo em conta o normativo supra referido e ponderando os factos e a personalidade dos arguidos revelada nos factos praticados (a sua repetição, a violência utilizada) e na postura assumida em audiência de julgamento (a confissão total do arguido JMe parcial dos demais), a sua inserção profissional e familiar, decide-se fixar as penas únicas em: - oito anos e de prisão para o arguido TMSN; - sete anos e seis meses para o arguido JM; - sete anos e três meses para o arguido RMLD.
Como se vê, o tribunal "a quo" esgotou os considerandos teóricos que sobre o assunto razoavelmente se poderiam tecer, bem como a enumeração e ponderação das várias circunstâncias de facto a atender na escolha e graduação, quer das penas parcelares, quer da que do seu respectivo cúmulo jurídico resultou.
No tocante às penas parcelares pelos roubos e porque as mesmas ficaram a 2 e 3 meses acima do limite mínimo, não se vê qualquer necessidade de as esmerilar. E o mesmo se passa com a aplicada pelo crime de coacção agravada.
Quanto às penas únicas, elas mostram-se fixadas de acordo com o quadro fáctico geral de cada um dos recorrente e sopesaram correctamente as circunstâncias agravantes e atenuantes de cada um deles, pelo que também não merecem censura.
IV
Termos em que se decide negar provimento aos recursos e manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelos arguidos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, que é individual, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em cinco UC’s (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).
Para os efeitos do disposto no art.º 215.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, remeta à 1.ª Instância, ao processado mencionado no art.º 414.º, n.º 7, do mesmo diploma legal, certidão do presente acórdão, fazendo nela menção de que o mesmo não transitou ainda em julgado.
Évora, 24-02-2015
(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)
João Martinho de Sousa Cardoso
Ana Maria Barata de Brito
__________________________________________________
[1] - Impõe-se salientar que o art.º 344.º n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.