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INSOLVÊNCIA
DESTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR
JUSTA CAUSA
Sumário
Existe “justa causa” de destituição do administrador da insolvência que reiteradamente não satisfaz as notificações do tribunal para prestação de informações sobre o exercício das suas funções, o que, constituindo violação grave dos deveres do administrador, tornam objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo. Sumário da Relatora
Texto Integral
APEL. Nº 873/12.4TBVNO-F.E1
1ª SECÇÃO
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
Nos presentes autos de insolvência com o nº 873/12.4TBVNO-F que correm termos na Instância Central da Comarca de Santarém – Sec. Comércio – J 1, foi declarada a insolvência de (…) PINTURAS, LDA., tendo sido nomeado Administrador da Insolvência, (…).
Pelo despacho certificado a fls. 43/44, datado de 24/04/2014, a Exma Juíza destituiu o Administrador de Insolvência substituindo-o por (…).
Inconformado apelou o Administrador de Insolvência, alegando e formulando as seguintes conclusões:
A – O recurso ora apresentado tem na sua génese a douta decisão que determinou a destituição do aqui recorrente ao abrigo do preceituado no artº 56º do CIRE.
B – No douto despacho, o Mmº Juiz fundou a sua decisão no facto de, no âmbito do apenso de apreensão de bens, ter sido o recorrente, por diversas vezes notificado para prestar esclarecimentos e não o ter feito.
C – Alega ainda que “Para além do mais, ouvidos os credores, verifica-se a quebra de confiança destes na sua actuação, motivo que acresce à referida causa de destituição”.
D – São duas as questões que cumprem clarificar (a) a existência de fundamento legal para a destituição do Administrador Judicial, à luz do regime previsto no artº 56º do CIRE e (b) a concreta conduta do Administrador Judicial que esteve na origem da sua destituição.
E – Quanto à primeira questão, e pese embora o preceituado na aludida norma, a lei não cuida de facultar definição de justa causa nem tão pouco apresenta critérios norteadores para o seu preenchimento.
F – Atendendo ao carácter indeterminado do conceito, Doutrina e Jurisprudência têm vindo a ocupar-se de obter entendimento sobre o conceito de justa causa apontando para casos de “violação grave dos deveres do Administrador ou quaisquer outras circunstâncias que tornem verdadeiramente insustentável a sua manutenção no cargo”.
G – Prosseguem referindo que a justa causa “assenta na possibilidade de, pelas mais diversas circunstâncias (práticas pouco claras; levantamento indevido de quantias da massa falida; apropriação ilegítima de bens; decisões irracionais) os credores da massa falida perderem a confiança no Administrador da insolvência, deixando a sua pessoa de merecer credibilidade para o exercício das respectivas funções”.
H – Em qualquer circunstância, “a justa causa será sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do Administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções. A justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão”
I – Ou seja, a justa causa a existir, terá de ser revelada nos factos alegados e provados no processo.
J – Mais, terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a gestão do Administrador de Insolvência.
K – No caso concreto, o despacho de que ora se recorre limita-se a invocar genericamente o artº 56º do CIRE, como fundamento para a destituição do Administrador Judicial.
L – Daquele despacho não se infere comportamento que objectivamente inviabilize a manutenção das suas funções e, muito menos, que tenha produzido consequências negativas, directas e necessárias na administração da massa, em severo prejuízo dos credores e dos demais princípios norteadores do CIRE.
M – Pese embora a falta de resposta atempada aos autos, o recorrente não olvidou, em momento algum, os deveres aos quais está adstrito, e dos quais foi incumbido nos autos.
N – Não descurou as suas funções, nem mesmo desmazelou o processo, deixando-o ao abandono.
O – Diligenciou no sentido da venda dos bens, através da obtenção de propostas para a venda dos mesmos, cujo conhecimento foi dado à Comissão de Credores – doc. junto.
P – De entre os bens cuja venda se encontrava a promover estavam incluídas as carrinhas, objecto de requerimento que serve de fundamento à destituição do recorrente.
Q – A 16/10/2013, mediante requerimento que fez juntar aos autos, o recorrente prestou informação detalhada sobre a venda dos bens.
R – Pese embora ter sido mencionado no douto despacho que os credores foram ouvidos para se pronunciarem sobre o pedido de destituição, certo é que o recorrente não foi notificado daquelas respostas, para querendo, exercer o contraditório.
S – Caso lhe tivesse sido dada a oportunidade de defesa, teria certamente confrontado os credores – que desconhece quem são – com tal facto, e aí certamente, não se verificaria a alegada quebra de confiança.
T – Conjugando os factos descritos com os comentários que os antecederam, não se vislumbra, com a necessária clareza, de onde possa ser extraída uma situação de violação grave dos deveres do A.J. aqui recorrente.
U – A decisão de destituição não atentou nem pôs em causa a competência, a preparação técnica e/ou a aptidão do apelante, tão pouco a sua inquestionável isenção e independência .
V – Diferentemente, a tónica é exclusivamente colocada numa ausência de respostas do recorrente às notificações que o Tribunal a quo lhe endereçou a 16/05/2013, 11/06/2013 e 8/10/2013, inclusivamente sob a cominação de multa.
X – Não pode ser sustentável uma destituição fundada num exercício de funções que nada de negativo transportou para os interesses da insolvência (bem pelo contrário), facto que de resto nem foi invocado pelo Tribunal.
Y – Pelo prisma da tutela dos interesses em causa, não pode ser imputável ao aqui recorrente qualquer incúria, inaptidão, desleixo ou sequer uma menor diligência no cumprimento das tarefas que legalmente lhe cabem.
Z – Tudo o alegado evidencia o desajuste da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do CPC), verifica-se que a única questão a apreciar e decidir é saber se existe justa causa de destituição do recorrente das funções de Administrador de Insolvência para que foi nomeado nos autos.
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Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
- No âmbito do apenso de apreensão de bens, foi o sr. administrador de insolvência notificado, em 16/05/2013, para em 10 dias pronunciar-se sobre requerimento apresentado por um dos credores;
- Nada disse, pelo que foi novamente notificado para o efeito em 11/06/2013;
- Como nada respondeu, foi uma vez mais notificado, a 9/07/2013, desta vez com a advertência da condenação em multa.
- Decorridos mais três meses, sem que o sr. administrador respondesse ao solicitado, foi este condenado em multa e, uma vez mais, notificado, em 08/10/2013, para o efeito, com a advertência de nova condenação em multa e de eventual destituição.
- Veio o sr. administrador da insolvência responder em 16/10/2013;
- Desta resposta vieram os credores solicitar esclarecimentos, tendo o sr. administrador da insolvência sido notificado em 05/12/2013 para, em cinco dias, vir prestar os referidos esclarecimentos, o que não fez.
- Assim, foi novamente notificado para o efeito, em 13/01/2014, sob pena de condenação em multa e destituição, atentas as sucessivas omissões de resposta ao Tribunal.
- Não tendo apresentado qualquer resposta, foram os credores notificados para se pronunciarem sobre a eventual destituição do sr. administrador de insolvência, tendo estes se pronunciado favoravelmente.
- O sr. administrador da insolvência, por seu lado, pugnou pela sua não destituição.
Vejamos.
O administrador de insolvência tem o seu regime legal previsto nos artºs 52º a 65º do CIRE, na Lei 22/2013 de 26/02 que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial e que revogou a Lei 32/2004 de 22/07 (alterada pela Lei 34/2009 de 14/07 e pelo DL 282/2007 de 7/08) e ainda na Portaria 51/2005 de 20/01 (que fixa os valores da respectiva remuneração).
Nomeado pelo juiz na sentença de declaração de insolvência, cabe-lhe, em traços gerais, administrar e gerir a massa insolvente e assegurar a repartição do produto da venda pelos credores, repartição essa que se fará em função da graduação de créditos fixada por sentença (cfr. artº 36º nº 1 al. d); artº 52º nº1, 55º e 140º do CIRE e artº 2º do Estatuto do A.J.)
Dispõe o nº 1 do artº 56º do CIRE que “O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa”.
Está em causa nos autos saber se a conduta do recorrente integra ou não o conceito de justa causa acima enunciado.
O conceito de “justa causa” tal como definido na lei é um conceito vago e indeterminado devendo ser preenchido e densificado a partir da definição dos valores e princípios que a norma visa tutelar.
O artº 12 do E.A.J. preceitua no seu nº 1 que “Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes”.
Ainda no âmbito das suas funções e seu exercício, contempladas no artº 55º do CIRE, importa destacar, por interessar ao caso, o constante do nº 5 do normativo em apreço: “Ao administrador da insolvência compete ainda prestar oportunamente à comissão de credores e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente”.
No que respeita à definição da responsabilidade do administrador de insolvência prescreve o nº 1 do artº 59º do CIRE que “O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado”.
Esclarecendo o conceito de “justa causa” dizem Carvalho Fernandes e J. Labareda que “Cobrem-se todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e, segundo o entendimento que temos por correcto, aqueles que traduzem uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções” (C.I.R.E. Anotado, 2ª ed., p. 349)
Para Menezes Leitão, “a justa causa constitui um conceito vago e indeterminado que abrange naturalmente a violação grave dos deveres do administrador, mas também quaisquer outras circunstâncias que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo” – assim, constitui fundamento de destituição, por exemplo, a recusa do administrador em prestar ao juiz as informações a que está obrigado – Direito da Insolvência, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 123.
De acordo com o Ac. da RG de 16/04/2009 “A ideia de justa causa para destituição tem associada a da violação ou de incumprimento de algum dever no exercício das suas funções. (…) A justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade, inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções e terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão”. (in www.dgsi.pt)
Também no Ac. da R.P. de 03/02/2014 no que a esta questão respeita, se concluiu: “Importando para o processo de insolvência, mais especificamente para a interpretação do nº 1 do artº 56º do CIRE, o conceito doutrinário de “justa causa” tal como está densificado e concretizado no direito civil, concluímos que o integrará toda a conduta do Administrador Judicial susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo, enunciado no artº 1º do CIRE «liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».
O conceito de “justa causa legitimadora da destituição do Administrador Judicial num processo de insolvência preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta do administrador traduzida na inobservância culposa dos seus deveres “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (artº 59º/1 do CIRE); iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando em termos de razoabilidade, a manutenção das funções para que foi nomeado” (proc. 1111/11.2TJPRT-E.P1, in www.dgsi.pt)
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o recorrente no âmbito do apenso de apreensão de bens foi notificado, em 16/05/2013, para, em 10 dias, pronunciar-se sobre requerimento apresentado por um dos credores e nada disse.
Novamente notificado para o efeito em 11/06/2013, mais uma vez nada disse.
De novo notificado para o efeito, em 9/07/2013, desta vez com a advertência da condenação em multa, mais uma vez nada disse.
Em 08/10/2013, em face da sua omissão, foi o mesmo condenado no pagamento da multa correspondente a 2 UC e de novo notificado para dar cumprimento ao ordenado, no prazo de cinco dias, desta feita, com a advertência de eventual destituição.
Veio, então, o recorrente responder, em 16/10/2013, sem que apresentasse, todavia, qualquer justificação para o seu comportamento omissivo, não obstante ali fazer referência às diversas notificações que recebeu (cfr. fls. 12).
Notificados do teor do seu requerimento, vieram os credores solicitar novos esclarecimentos, pelo que foi o recorrente notificado, em 05/12/2013 para, em cinco dias, vir prestar os referidos esclarecimentos, o que mais uma vez, não fez.
Assim, foi novamente notificado para o efeito, em 13/01/2014, sob pena de condenação em multa e destituição, atentas as sucessivas omissões de resposta ao Tribunal e, mais uma vez, nada disse.
Não tendo apresentado qualquer resposta, foram os credores notificados para se pronunciarem sobre a eventual destituição do sr. administrador de insolvência, tendo estes vindo pronunciar-se pela sua destituição.
A respeito da posição dos credores, diz o recorrente nas conclusões R) e S) da sua alegação, que não foi notificado das suas respostas para, querendo, exercer o contraditório e que se “lhe tivesse sido dada a oportunidade de defesa teria certamente confrontado os credores (…) e aí certamente não se verificaria a alegada quebra de confiança”.
Ora, embora acuse a falta do exercício do contraditório sem invocar a respectiva nulidade, o certo é que, mesmo que existisse a referida falta de notificação das respostas dos credores (o que se desconhece), tal omissão configuraria uma nulidade processual prevista no artº 195º nº 1, a arguir nos termos do artº 199º do CPC, pelo que, não o tendo feito e não se verificando a situação a que se refere o nº 3 deste normativo, sempre a mesma se teria por sanada.
Retomando a análise que vínhamos fazendo da aplicação do direito pertinente à factualidade acima enunciada, cabe desde já referir que é bem censurável o comportamento do recorrente plasmado nos autos.
Com efeito, a decisão recorrida de destituição teve por fundamento “as sucessivas omissões de resposta por parte do sr. administrador da insolvência” concluindo que “o mesmo não tem cumprido cabalmente as suas funções, impedindo a tramitação célere do processo”.
E, na verdade, assim é. O comportamento do recorrente demonstra um total desrespeito para com o Tribunal e credores, não obstante o recorrente estar, ou dever estar, ciente dos deveres que o exercício do cargo lhe impõe, de informação (artº 55º nº 5 do CIRE: “Ao administrador da insolvência compete ainda prestar oportunamente à comissão de credores e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente”), de sujeição à fiscalização do juiz (artº 58º: “o administrador da insolvência exerce a sua actividade sob a fiscalização o juiz que pode, a todo tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação” e dever geral de colaboração para com o Tribunal, sendo certo que os administradores judiciais, como se referiu, “devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes”. (artº 12º do EAJ)
Ora, num processo em que o objectivo precípuo é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores (cfr. preâmbulo do CIRE) e da celeridade imposta pelo carácter urgente do processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos (artº 9º do CIRE), não se pode aceitar o comportamento do recorrente, de total desprezo pelas notificações do tribunal, causador de delongas processuais, e sem que no requerimento em que apresentou a sua defesa relativamente à destituição, tivesse invocado quaisquer razões justificativas das omissões em que incorreu.
De resto, o comportamento de desrespeito e incumprimento das notificações que lhe foram efectuadas, já se manifestaram anteriormente à situação enunciada na factualidade provada, pois, como se vê da certidão junta aos autos, para instruir o presente recurso, tal comportamento omissivo já se verificara em diversas situações entre 08/11/2012 (fls. 2) e 03/04/2013 (fls. 8).
É, pois, merecida a censura que o Tribunal e os credores fizeram da actuação do recorrente que conduziu à quebra de confiança nele depositada e consequente destituição com justa causa.
Por todo o exposto, improcedem, in totum, as conclusões da alegação do recorrente, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.
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DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Évora, 26 de Fevereiro de 2015
Maria Alexandra de Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves