REGISTO
DESENHO INDUSTRIAL
MODELO INDUSTRIAL
Sumário

1º- O registo do desenho ou modelo comunitário junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos, confere ao respectivo titular não só o d ireito exclusivo de utilizar o referido modelo de solas e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento, conforme o disposto no art. 19º nº1 do Regulamento (CE ) nº 6/2002, mas também a presunção de validade do desenho ou modelo registado consagrada no art. 85º, nº1 do mesmo Regulamento, ficando o mesmo isento do ónus de provar que esse desenho ou modelo preenche os requisitos da protecção enunciados no art. 4º do dito regulamento, ou seja, que as suas características de aparência são “novas” e “singulares”nos termos definidos nos artigos 5º e 6º do mesmo regulamento.

2º- Nos termos do citado art. 85º, nº1, esta presunção só pode ser contestada por via de pedido reconvencional de declaração de nulidade ou por via de excepção, no caso do requerido alegar que o desenho ou modelo comunitário poderia ser declarado nulo devido à existência de direito nacional anterior que lhe pertence.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

B..., Lda. veio propor contra C..., Lda., ambas melhor identificadas nos autos a presente acção sob a forma de processo ordinária, pedindo a condenação da ré a:
a) reconhecer à Autora a titularidade de fabricar e comercializar, em exclusivo, as solas melhor identificadas no articulado;
b) abster-se de fabricar e comercializar as referidas solas;
c) pagar à Autora, a título de indemnização por danos patrimo c) pagar à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar, em face da prova a produzir, cujo cômputo fica relegado para execução de sentença, sem prejuízo da aplicação do artigo 565º do CC;
d) pagar à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de 60.000 EUR, por concorrência desleal;
e) pagar à Autora, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de 25.000 EUR.
Subsidiariamente, quanto aos danos patrimoniais, a condenação da Ré a pagar à Autora, a título de indemnização por enriquecimento sem causa, a quantia que se vier a apurar em face da prova a produzir, cujo cômputo fica relegado para execução de sentença.
f) publicar, a expensas suas, a sentença condenatória a proferir nestes autos.
Alegou, para tanto e em síntese, ter criado e registado junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno –Departamento de Desenhos e Modelos, o modelo de sola “JINFA” e que a ré começou a fabricar e comercializar modelos de solas semelhantes ou idênticas às criadas pela Autora, as quais vende a um preço bem inferior àquele que corresponde às solas da Autora.

Contestou a Ré, impugnando parte dos factos alegados pela autora.
E deduziu pedido reconvencional, com o qual pretende a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de 52.960 EUR, a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais já liquidados, bem como no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da impossibilidade de satisfazer encomendas que lhe sejam solicitadas, enquanto se mantiver a apreensão dos moldes respectivos, cujo montante de deixa para posterior liquidação.

A autora, contestou este pedido.

Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 573 a 586.

A final, foi proferida sentença que:
A) julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
1. condenou a Ré a reconhecer à Autora a titularidade de fabricar e comercializar, em exclusivo, as solas melhor identificadas na PI, denominadas “JINFA”,
2. condenou a Ré a abster-se de fabricar e comercializar as solas “Bruxa”, melhor identificadas ainda na PI;
3. absolveu a Ré dos demais pedidos contra si deduzidos.
As custas da acção ficaram a cargo de ambas as partes, na proporção de 2/4 para cada uma delas, atento o decaimento da Autora.
B) Julgou a reconvenção inteiramente improcedente, por não provada, absolvendo a Autora/reconvinda do pedido e condenado a ré no pagamento das custas.
Mais ordenou o levantamento da apreensão decretada em sede de procedimento cautelar a estes autos apenso.

Não se conformando com esta decisão dela apelou a ré reconvinte, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I- Ao contrário do defendido pela recorrida nos seus articulados, o Instituto de Harmonização no Mercado Interno, nunca aprecia os requisitos materiais da novidade, singularidade ou outros substanciais do mode “I- Ao contrário do defendido pela recorrida nos seus articulados, o Instituto de Harmonização no Mercado Interno, nunca aprecia os requisitos materiais da novidade, singularidade ou outros substanciais do modelo ou desenho durante o procedimento administrativo de concessão do registo.
II- O Regulamento (CE) n° 6/2002, institui um sistema de registo de Desenhos e Modelos em que apenas passam pelo crivo dos examinadores os requisitos formais a saber: conformidade das características da aparência com a ordem pública os bons costumes e a possibilidade do objecto enquanto característica da aparência.
III- Daí que a presunção derivada do registo e a tutela do direito industrial que lhe está subjacente, não pode ultrapassar os requisitos que são analisados pelos examinadores do Instituto.
IV- Referem e defendem os autores do parecer junto aos autos uma redução teleológica da presunção consagrada no artigo 85 n° l do Regulamento em causa, com a consequente imposição ao titular do direito, do ónus da prova da verificação dos requisitos substanciais do modelo ou desenho registado.
V- Assim não entendeu a Senhora Juíza Recorrida, considerando mesmo a proposta de redução teleológica da presunção uma interpretação contra legem e a ser aceite seria uma "evicção arbitrária" do regime pelo qual optou o legislador comunitário.
VI- Com todo o devido respeito, não operar a chamada redução teleológica da presunção derivada do registo, é cair no absurdo de uma protecção arbitrária, onde acabarão protegidos e consequentemente apropriados em favor de alguma entidade sem escrúpulos, modelos ou desenhos do chamado domínio público das formas.
VII- Existe a possibilidade séria, efectiva e real duma qualquer entidade, em um qualquer sector de actividade e num qualquer estado da União, poder apropriar-se do exclusivo de fabricar um desenho ou modelo que esteja no "domínio público" das formas impedindo deste modo a salutar concorrência de o fabricar, com distorções ainda que momentâneas no mercado, de todo intoleráveis aos objectivos e finalidades do próprio regulamento e a uma saudável concorrência entre empresas em favor dos consumidores e do emprego.
VIII- No caso dos autos, qualquer cidadão minimamente atento, que frequente de vez em quando e talvez de há uns 20 anos a esta parte, secções de calçado em hipermercados ou lojas da especialidade, aperceber-se-á de que o modelo de sola "Jinfa" da A. assim como o modelo de sola "Bruxa" da R. recorrente, são solas cuja forma, cai no chamado "domínio público das formas" livremente utilizáveis.
IX- Ora sendo possível registar o modelo de sola em apreço desde logo porque não são analisados os requisitos substanciais da sua validade, o âmbito de protecção desse registo só pode abarcar os requisitos que hajam sido sindicados pelos examinadores do Instituto aquando do processo administrativo e nunca aqueles em que nem sequer análise sumária existe.
X- Aceitar que o âmbito da aludida presunção, ultrapasse os requisitos que são efectivamente objecto da análise dos examinadores do Instituto de Harmonização do Mercado Interno é reconhecer direito ao que pode não ser direito ao que pode não ser modelo ou desenho que mereça a tutela X- Aceitar que o âmbito da aludida presunção, ultrapasse os requisitos que são efectivamente objecto da análise dos examinadores do Instituto de Harmonização do Mercado Interno é reconhecer direito ao que pode não ser direito ao que pode não ser modelo ou desenho que mereça a tutela do Regulamento.
XI- Não obstante os argumentos expendidos pela Senhora Juiz para afastar a redução teleológica da presunção de validade do direito industrial defendida pelos Autores do parecer junto aos autos, o certo é que aqueles fundamentos colidem de todo com a segurança da actividade económica e a paz social, valores primários e estruturantes de todo o sistema jurídico, podendo a interpretação do Regulamento quanto à extensão da presunção, com a amplitude que lhe dá a Senhora Juiz Recorrida, destruir esses valores estruturantes da actividade económica com querelas inertes e desgastantes entre os agentes económicos, sendo evidente que não terá sido essa a intenção do legislador comunitário.
XII- A recorrente demonstrou no processo o modo de actuar da Recorrida, quanto ao que chama "criação" e ao "design" de modelos de solas, pelos inúmeros documentos que juntou aos autos, onde é evidente a cópia e contrafacção por esta de solas de modelos de marcas conceituadas como Gant, Lacoste, Gola, etc.
XIII- Levar-se por diante a interpretação da presunção com a amplitude que lhe dá a Senhora Juiz teria como corolário lógico impedir os titulares dos modelos copiados de fabricar as referidas solas.
XIV- Tendo ainda como consequência que os utilizadores de modelos livremente utilizáveis se vejam confrontados com condenações judiciais que os proíbam de produzir esses modelos ou desenhos, sem que o pseudo-titular do registo e do direito industrial a ele inerente sobre tais modelos, tenha sequer de fazer a prova de que o modelo objecto dessa protecção é novo e singular, ou possa ser em concreto um modelo ou desenho comunitário.
XV- A redução teleológica da presunção derivada do registo, tal como ela é proposta pelos Ilustres Autores do parecer junto aos autos impõe-se ao intérprete do Regulamento (CE) n° 6/2002 como um escudo protector, sob pena de consequências catastróficas no mundo da indústria pela insegurança e alarme social.
XVI- Não obstante não ter a recorrente, deduzido pedido reconvencional peticionando a declaração de nulidade do registo o certo é que, defendeu-se por excepção acabando por invocar a invalidade daquele registo.
XVII- Ao contrário do que entende a Senhora Juiz, o absolutismo da validade do desenho ou modelo registado não pode abranger os requisitos que não são objecto de análise dos examinadores do Instituto e quanto a eles não pode a presunção ser-lhe estendida.
XVIII-A não ser assim, está instituída uma presunção de consequências imprevisíveis que ultrapassa a intenção e alcance do legislador comunitário que na aparência apenas quis criar um sistema de registo célere, com custos reduzidos e não mais do que isso, nomeadamente um sistema que presume a validade do direito industrial registado sem terem sido analisados os requisitos substanciais do modelo ou desenho.
XIX- O Tribunal não pode permitir que se crie uma situação em que se monopolizem características da aparência que, antes da protecção concedida a um desenho ou mo XIX- O Tribunal não pode permitir que se crie uma situação em que se monopolizem características da aparência que, antes da protecção concedida a um desenho ou modelo comunitário, já se encontravam no domínio público das formas até aí divulgadas. Fazê-lo, é, em situações como a dos autos e em último recurso legitimar uma situação de completo abuso de direito.
XX- O sistema de um registo célere e barato instituído pelo Regulamento (CE) 6/2002, não foi criado, para permitir a apropriação e monopolização de formas do domínio público como o da sola "Jinfa" registada pela Recorrida.
XXI- Foi criado, antes, para defender a verdadeira criatividade e originalidade, o verdadeiro designer, a indústria de moda que cria e impõe os seus desenhos e modelos e não a cópia mascarada de criação artística.
XXII- Como resultou provado a sola "Jinfa" é um conceito de sola "Ali Star" que existe no mercado há mais de 20 anos e se bem anotamos na resposta ao quesito 1° da base instrutória a Senhora Juiz que presidiu ao julgamento não deu como provada a criação ou seja a originalidade, mas antes e tão só a produção daquela sola.
XXIII- A admitir-se a presunção derivada do registo de modelos e desenhos ao abrigo do Regulamento (CE) 6/2002, nos termos amplos como referidos na sentença recorrida abre-se caminho para situações de puro abuso de direito, pois efectivamente ao titular do "direito" são permitidas situações de verdadeira antijuridicidade, violando-se o fim económico e social do próprio registo e do direito a ele imanente em medida claramente superior aos limites impostos pela boa-fé e bons costumes,
XXIV- Ao não limitar a presunção deriva do registo impondo-lhe a referida redução teleológica, defendida pelo Ilustres subscritores do Parecer junto aos autos, a Senhora Juiz Recorrida violou por erro de interpretação a norma do artigo 85° n°l do Regulamento (CE) n° 6/2002, impondo-se a revogação da sentença, e absolvendo-se do pedido a Recorrente por se verificar que a recorrida não cumpriu com o ónus da prova no que respeita ao requisitos substanciais da validade do modelo de sola denominado "Jinfa" registado no Instituto de Harmonização no Mercado Interno.
XXV- Mesmo que não se entenda violado o aludido preceito do Regulamento por erro de interpretação, a situação relatada nos autos é de verdadeiro "abuso de direito" por parte da Recorrida e ao não conhecê-la violou a sentença Recorrida também o artigo 334° do C.C.”

A final pede seja revogada a decisão recorrida nos termos das suas conclusões e a sua substituição por outra que condene a autora na reconvenção, em montante que se vier a liquidar no respectivo incidente.

Também inconformada com esta decisão dela apelou a autora, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A. O recurso agora apresentado tem na sua génese a consideração do julgador a quo de que não se provou a culpa e a de ordenar a restituição dos moldes à recorrida, o que promove a ameaça de nova consumação.
B. Deste modo, o objecto do presente recurso centra-se na análise crítica do juízo interpretativo dos arts. 70.º, 342.º, 349.º e 351, 483.º, 496.º do Código Civil e ainda do art. 481.º, B. Deste modo, o objecto do presente recurso centra-se na análise crítica do juízo interpretativo dos arts. 70.º, 342.º, 349.º e 351, 483.º, 496.º do Código Civil e ainda do art. 481.º, al. a) do Código de Processo Civil, que no entender da recorrente revelou-se desconforme com o justo sentido e alcance que a Doutrina e a Jurisprudência lhes recortaram.
C. A douta sentença admitiu como provados todos os factos integradores da responsabilidade civil delitual, tendo apenas faltado, no juízo da Meritíssima Juiz a quo, provar a culpa.
D. O julgador deve trabalhar com a realidade de um modo naturalístico e não excepcional, ou seja, deve compreender os factos provados de acordo com as regras da experiência da vida e dos princípios da lógica.
E. Assim sendo, impunha-se concluir que só por uma excepcional coincidência é que a recorrida poderia, desconhecendo a sola da recorrente, desenhar a sola BRUXA, dado que “à vista desarmada” as coincidências, os pontos de justaposição são decalques de uma extraordinária raridade no mercado.
F. A recorrida agiu com dolo, na medida em que conhecia a sua sola e depois copiou-a.
G. Concorrem para a conclusão da culpa da recorrida múltiplos factos índices, tais como os constantes das alíneas C a F do relatório da sentença como prova do direito anterior da recorrente, os constantes das alíneas G a H do mesmo relatório, e o mais decisivo de todos as próprias solas, interpretadas segundo um critério de razoabilidade naturalística, pois seria impossível a verificação de tantas e diversas semelhanças entre as duas solas se a recorrida não conhecesse a sola da recorrente.
H. Chegados a esta conclusão de facto, teria o julgador de concluir que se a recorrida conhecia a sola da recorrente e ainda assim decidiu copiá-la naquelas já identificadas semelhanças, decidiu construir os moldes, decidiu comercializar a dita sola, agiu com dolo directo.
I. A defesa da recorrida sempre foi de que a recorrente não detinha o exclusivo do desenho, o que inculca claramente a ideia de que conhecia a sola da recorrente e que mesmo assim e só por defender tal entendimento é que decidiu fabricar e comercializar a sua sola BRUXA e depois em sede de reconvenção alegou que tinha o direito exclusivo.
J. A recorrida mesmo depois de saber que a recorrente se arrogava proprietária do desenho da sola JINFA, ter requerido e logrado a providência de arresto, ter conhecido o registo da recorrente sobre o dito desenho, ter intentado a presente acção, onde se declarava única e legítima proprietária decidiu, consciente e voluntariamente, registar, como sua propriedade, a cópia que efectuara. Maior dolo não se vislumbra.
K. De má fé actuou seguramente, atento o disposto no art. 481.º, al. a) do Código de Processo Civil.
L. Deste modo, deverá ser interpretado o art. 483.º do Código Civil com o alcance de que a culpa se poderá provar com o recurso a presunções judiciais, justamente nos termos já alegados e concluir-se que de facto a recorrida agiu com dolo directo.
SEM PRESCINDIR:
Da Negligência:
M. No limite, a recorrida actuou com negligência, dado que omitiu de modo claro um dever de diligência, aquela que é exigível a um bom pai de família em face das circunstâncias do caso.
N. Note-se que a recorrida julgava estar a criar um modelo diferente dos existentes no mercado, disse ela, ou seja, pretendia firmar créditos no mercado dos desenhos e modelos, razão pela qual devia tomar cautelas desde logo para saber junto do mercado, especialmente do mais próximo, se alguns dos seus concorrentes detinham tal modelo ou modelo semelhante, e/ou consultar os boletins de registos nacionais e internacionais.
O. O facto dado como provado de que a recorrente perdeu clientes da sola JINFA, por causa da recorrida comercializar sola por si produzida com características semelhantes à sola JINFA, demonstra que a similitude e confundibilidade e a satisfação sucedânea operada por ambas as solas foram de imediato reconhecidas pelo mercado.
P. A recorrida, por estar incluída neste mesmo mercado, teve conhecimento, e esta conclusão terá de ser formatada por recurso a uma presunção judicial, em virtude de constituir um ditame de lógica e das mais elementares regras da experiência comum.
Q. Entende, portanto, a recorrente que a recorrida, actuou com negligência consciente.
R. O que se deixa aqui dito vale para a indemnização por concorrência desleal.
S. Foi judiciariamente julgado estarem reunidos todos os pressupostos da concorrência desleal, ou seja, a recorrida praticou actos susceptíveis de criar confusão com (…) os produtos (…) dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue, tendo adoptado actos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica.
T. Por usos desonestos devemos entender como um comportamento pautado de má fé, alheio à lealdade de se conduzir com um sentido vincadamente ético.
U. Neste particular teremos de enquadrar esta má fé, e esta reconduz-se nos autos ao conhecimento de uma posição alheia (da recorrente) e na danosidade que provocaria na mesma, não obstante aquele conhecimento; in limite, este prejuízo foi provocado, in limite, por desconhecimento, por violação manifesta dos deveres de cuidado e diligências de um qualquer homem médio, embora se verifique efectivamente um conhecimento esclarecido por parte da requerida.
V. Pelo exposto, deveria a Meritíssima Juiz a quo ter concluído pela culpa da recorrida, na violação dos interesses legalmente reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, e, consequentemente, condená-la nos prejuízos causados.
Dos Danos Patrimoniais:
W. Não se tendo dado como provado o exacto lucro que a recorrente deixou de auferir em razão do fabrico e comercialização da sola BRUXA, deveria a Meritíssima Juiz a quo ter decidido por equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do Código Civil.
X. Esta tarefa deverá tomar por referência o facto provado na al. I do relatório da sentença) e que a “esperança de vida” das solas são de 3 anos, dado que é apreensível pela experiência comum.
Y. Por esta razão deverá importar em EUR. 60.000,00, resultado da operação que teve em conta ao valor unitário de cada par de solas a vender e ao valor de custos fixos (um terço da facturação) e durante 3 anos (EUR. 90.000,00).
Z. Tarefa a efectuar pela Relação, nos termos do art. 712.º, n.º 1, al. a), Z. Tarefa a efectuar pela Relação, nos termos do art. 712.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte e al. b) do Código de Processo Civil, sem prejuízo, claro está, de aplicação do n.º 4 do mesmo preceito.
Dos Não Danos Patrimoniais:
AA. Ficou provado que a conduta da recorrida causou ao produzir uma sola semelhante à sola da recorrente, a recorrida causou prejuízos na imagem daquela e estes revelam-se com manifesta gravidade.
BB. Actos desta natureza, face ao ganho que se obtém ou pelo menos ao diminuto prejuízo que dos mesmos advém causam um efeito pernicioso no mercado desgastando-o e minando o seu desenvolvimento.
CC. Cabe, portanto, a esta Relação decidir o quantum compensatório, nos termos do art. 496.º do Código Civil, deixando-se aqui expressamente reproduzidos tudo o já alegado quanto aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, reportando-se adequado e de inteira justiça o valor de EUR. 25.000,00.
Do pedido de destruição dos moldes da recorrida e publicação da decisão:
DD. A conduta ilícita e culposa da recorrida provocou danos de imagem da recorrente (integrando-se aqui o bom-nome comercial), o que, hoc sensu, ser considerado um direito de personalidade.
EE. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de atenuar os efeitos da ofensa cometida.
FF. Assim, vislumbra-se que a devolução dos moldes potenciará sempre a consumação de uma nova ameaça.
GG. No limite, deverá ordenar-se a destruição do desenho decalcado no molde.
HH. As mesmas razões procedem para a condenação de publicação da decisão num dos jornais mais lidos da região.
SEM PRESCINDIR:
Do enriquecimento sem causa:
II. É pacífico na doutrina e na jurisprudência é a subsidariedade do instituto do enriquecimento sem causa, caso possam ser aplicados outros meios ressarcimento do empobrecido, pelo que importa apenas determinar o quantum a restituir à recorrente e isto porque foram dados como provados os pressupostos do instituto em questão.
JJ. A recorrida teve desde logo o enriquecimento de poupança de investimento na criação, na poupança de despesas com a divulgação do desenho e modelo da sola.
KK. Estamos no domínio da intromissão em bens ou direitos alheios, pelo que deve o empobrecido receber o rendimento ou as vantagens proporcionadas por estes bens ao enriquecido, segundo a sua ordenação ou destinação jurídica.
LL. É preciso não ignorar que o duplo limite ínsito no art. 479.º do Código Civil, na medida em que este benefício só se aplica ao enriquecido de boa fé, o que não ocorre nos presentes autos.
MM. A recorrida deve ser condenada a pagar à recorrente, atendendo ao dado como provado, ou mais precisamente, à impossibilidade revelada pela Meritíssima Juiz a quo de computar o seu prejuízo, devia ter decidido segundo juízos de equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do Código Civil, atendendo ao valor de exploração segundo a orientação já indicada.
NN. Este erro constitui um erro de julgamento, o que é passível de ser corrigido pela Veneranda Relação, enquanto Tribunal ad quem, o que desde já se peticiona.
OO. O erro da Meritíssima Juiz a quo constitui um erro de julgamento, o que é passível de ser corrigido pela Veneranda Relação, em sede de recurso.
PP. Tudo o deixado exposto evidencia o desajuste da decisão recorrida.
QQ. Foram violados, entre outros, o art. 484.º do Código de Processo Civil, art. 70.º, 342.º, 349.º e 351, 483.º, 496.º do Código Civil”.

A final pede seja revogada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que condene a ré no pedido formulado na petição inicial, ou, segundo juízos de equidade conforme e nos termos alegados.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dois factos provados e os números dos artigos da base instrutória) são os seguintes:
A. A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao fabrico e comercialização de componentes de calçado.
B. Os componentes fabricados pela autora são essencialmente solas para calçado.
C. A autora divulgou a sola denominada JINFA antes de proceder ao seu registo no Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos.
D. No mês de Dezembro de 2006, a autora produziu, por intermédio da empresa denominada “D..., Lda.,” um modelo de solas denominado “JINFA”, com as características constantes dos documentos n.ºs 1 e 3 juntos ao procedimento cautelar e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.
E. No dia 12 de Dezembro de 2006, a autora procedeu ao registo do modelo da sola identificada em D. junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos.
F. Os delegados comerciais da A divulgaram junto dos seus clientes habituais e potenciais novos clientes a existência da sola identificada em D., e entregaram-lhes amostras da mesma.
G. A Ré, até à data em que foi executado o arresto de fls. 83 e ss. da providência cautelar, encontrava-se a fabricar e comercializar solas com características semelhantes à sola identificada em D., uma vez que ambos os designs têm a mesma forma global da sola com as mesmas proporções, biqueira semelhante colocada na parte dianteira da sola, rebordo superior da sola, partes laterais espessas e superfície global da textura semelhantes na parte lateral esquerda inferior da sola.
H. As solas produzidas pela Ré poderão ser confundidas com a sola identificada em D., já que são susceptíveis de produzir a mesma impressão no utilizador informado, isto é, no comerciante que compra as solas para as incorporar no sapato.
I. A autora comercializa cada exemplar da sola “JINFA” a 1,80 euros.
J. A autora perdeu clientes da sola JINFA, por causa da ré comercializar sola por si produzida com características semelhantes à sola JINFA. L. A sola produzida pela ré difere da sola identificada em D. ao nível da cor do rebordo superior da sola, da inclinação da biqueira, nos contornos gravados na parte lateral inferior da sola.
M. Com a produção da sola pela ré semelhante à sola identificada em
D., a autora, nos últimos três anos, deixou de D., a autora, nos últimos três anos, deixou de vender tal sola em quantidade que não foi possível apurar, deixando de auferir um lucro não apurado.
N. Ao produzir uma sola semelhante à sola identificada em D., a ré causou prejuízos na imagem da autora.
O. A sola identificada em D. pertence a um conceito de sola “All Star” que existe há mais de 20 anos.
P. A sola produzida pela ré foi registada no Instituto de Harmonização no Mercado Interno em 07.08.2007, tendo sido emitido um Parecer daquele Instituto de Harmonização no Mercado Interno em 29.09.2008 pronunciando-se pela invalidade do aludido registo.
Q. O decretamento do arresto das solas produzidas pela Ré suscitou no mercado uma suspeição sobre os produtos fabricados por esta.
R. Com a apreensão dos moldes e o decretamento da providência, a ré deixou de auferir um rendimento com a produção e venda dessas solas que não foi possível apurar.
S. Nos moldes apreendidos, a ré despendeu da quantia de 6.600,00 euros.
T. Com o decretamento da providência, a ré deixou de ter novas encomendas para a sua sola.

FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

A- Assim, quanto à APELAÇÃO interposta pela RÉ RECONVINTE, as questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª- há que fazer operar a chamada redução teleológica da presunção de validade do desenho ou modelo derivada do registo e consagrada no artigo 85º, nº1 do Regulamento ( CE ) nº. 6/2002;

2ª- a conduta da autora configura abuso de direito.

*
B- Relativamente à APELAÇÃO interposta pela AUTORA, as questões a decidir consistem em saber se:

1ª- existe por parte da ré obrigação de indemnização pela prática de acto ilícito;

2ª- existe por parte da ré obrigação de indemnização por concorrência desleal;

3ª- existe por parte da ré obrigação de indemnização por enriquecimento sem causa;

4ª- há lugar à destruição dos moldes e publicação da decisão.

*
Antes, porém, de entrarmos na análise detalhada de cada uma destas questões, diremos, desde logo, que todas elas foram objecto de um desenvolvido e aprofundado estudo e mostram-se devidamente analisadas na mui douta sentença recorrida, com cujos fundamentos de direito concordamos e para os quais remetemos, nos termos do disposto no art. 713, nº5 do C. P. Civil.
Resta-nos, por isso, reforçar alguns destes fundamentos e rebater os agora invocados pelos apelantes.

A-I- Porque a resposta a dar à primeira das supra enunciadas questões, passa pela compreensão do regime comunitário instituído pelo Regulamento ( CE ), nº6/2002, de 12 de Dezembro de 2001 , importa, desde logo, explanar ainda que em traços gerais tal regime.
Vejamos, então, a razão de ser do regime comunitário Vejamos, então, a razão de ser do regime comunitário instituído por este Regulamento.
A construção de um Mercado Interno é assumida e apresentada como um dos objectivos imediatos ou instrumentais do Tratado CE, na medida em que, através dele, procura-se alcançar, em toda a comunidade, os fins enunciados no artigo 2º do TCE, designadamente o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas, um alto grau de competitividade e de convergência dos comportamentos das economias e a coesão económica entre os Estados.
Para alcançar estes fins, a acção da comunidade implica, entre outros, “ Um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias (…)”[alínea c) do art. 3º do TCE]; “Um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno” [alínea g) do art. 3º do TCE]; “A aproximação das legislações dos Estados-Membros na medida do necessário para o funcionamento do mercado comum” [alínea f) do art. 3º do TCE]; “O reforço da capacidade concorrencial da indústria da Comunidade” [alínea m) do art. 3º do TCE]; “A promoção da investigação e do desenvolvimento tecnológico” [alínea n) do art. 3º do TCE].
Mas, se num primeiro momento da construção do Mercado Interno , a intervenção do Tribunal de Justiça foi garantindo a observância das regras de mercado, a verdade é que as exigências cada vez maiores da eficácia do seu funcionamento, acompanhadas pela tomada de consciência da necessidade de se avançar para a construção de um Mercado Único , acabou por revelar a insuficiência da via jurisprudencial para garantir a observância do princípio da livre circulação com respeito pelos direitos privativos industriais conferidos pelas diferentes ordens jurídicas nacionais.
Estavam, assim, criadas as condições para a integração jurídica através da aprovação de directivas comunitárias de aproximação de legislações nacionais, abrindo-se, deste modo, as portas para um segundo estádio da evolução que, após o Tratado da União Europeia, em 1992, e já numa terceira fase de consolidação e aperfeiçoamento do Mercado Único, passou para a adopção, preferencial, de regulamentos comunitários como instrumentos legislativos criadores de um direito único válido em todo o território da União Europeia, que seja mais acessível e adaptado às necessidades do mercado interno e não suscite riscos de distorção para a concorrência a nível comunitário.
A plena realização do Mercado Interno, passa, assim, pela adopção de um conjunto de medidas com vista à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros, que tenham incidência directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum, entre as quais sobressai, na matéria que ora nos interessa, a harmonização de legislações no domínio da protecção legal de desenhos e modelos, através da Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, e na instituição de um sistema unificado para a obtenção de um desenho ou modelo comunitário, beneficiando de protecção uniforme A plena realização do Mercado Interno, passa, assim, pela adopção de um conjunto de medidas com vista à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros, que tenham incidência directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum, entre as quais sobressai, na matéria que ora nos interessa, a harmonização de legislações no domínio da protecção legal de desenhos e modelos, através da Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, e na instituição de um sistema unificado para a obtenção de um desenho ou modelo comunitário, beneficiando de protecção uniforme e produzindo os mesmos efeitos em todo o território da Comunidade, por via do Regulamento ( CE ) nº 6/2002, de 12 de Dezembro de 2001.
A protecção dos desenhos ou modelos comunitários é justificada com base em duas ordens de considerações.
Em primeiro lugar porque “as diferenças substanciais que se verificam entre as legislações dos Estados-Membros em matéria de desenhos ou modelos impedem e distorcem a concorrência a nível comunitário entre os produtores”, podendo “conduzir à divisão do mercado interno no que diz respeito aos produtos com incorporação de um desenho ou modelo sujeito a direitos nacionais detidos por diversas pessoas, constituindo assim um obstáculo à livre circulação de mercadorias” [ cfr. 3º e 4 considerandos do Regulamento ( CE ) nº 6/2002 ].
Em segundo lugar, porque “o reforço da protecção da estética industrial tem como efeito não só encorajar os criadores individuais a contribuírem para estabelecer uma superioridade da Comunidade neste domínio, como também para incentivar à inovação e ao desenvolvimento de novos produtos e ao investimento na produção” [ cfr. 7º considerando do mesmo ].
De salientar, porém, como escreve Luís Couto Gonçalves , que o “Regulamento consagra o princípio da coexistência com o direito de desenho ou modelo nacional (cfr. art. 25º, nº1, al. d) ; art. 95º ) e não se opõe ao princípio da protecção cumulativa do direito de autor conferida pela legislação dos Estados- Membros ( art. 96º, nº2)”.
Para efeitos do Regulamento ( CE ) nº 6/2002, considera o seu art. 3º, al. a) como “desenho ou modelo” a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto resultante das suas características, nomeadamente, das linhas, contornos, cores, forma textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação.
Segundo o disposto no seu art. 4º, merecem protecção legal os desenhos ou modelos comunitários que sejam novos e possuam carácter singular, quer considerados em si mesmos (nº1), quer quando aplicados ou incorporados num produto que constitua um componente de um produto complexo ( nº2), sendo que, neste último caso será ainda de exigir que os mesmo se mantenham visíveis durante a utilização normal do produto.
Neste domínio, o Regulamento (CE ) nº 6/2002, adoptou, no dizer de Luís M. Gonçalves um “sistema sui-generis”, estabelecendo dois regimes diferentes, consoante se trate de um desenho ou modelo comunitário não registado [ cfr. arts. 5º, nº1, al. a), art. 6º, nº1, al. a) e 11º] e ou de um desenho ou modelo Comunitário registado [ cfr. arts. 5º, nº1, al. b), art. 6º, nº1, al. b) e 12º].
Centraremos a nossa análise nesta última categoria, pois só ela se reveste com interesse para a resolução do presente litígio.
Nos termos do citado artigo 5º, nº1, al b), um desenho ou modelo comunitário registado será considerado novo se nenhum desenho ou modelo idêntico tiver sido divulgado ao público, antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é reivindicada protecção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridad Nos termos do citado artigo 5º, nº1, al b), um desenho ou modelo comunitário registado será considerado novo se nenhum desenho ou modelo idêntico tiver sido divulgado ao público, antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é reivindicada protecção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade, aferindo-se este conceito de “divulgação ao público”, à luz dos conhecimentos dos profissionais do sector que operam na Comunidade no decurso da sua actividade corrente, conforme o disposto no art. 7º, nº1 do mesmo regulamento.
Poder-se-á, pois, dizer que os desenhos ou modelos comunitários são novos quando as características da aparência não são razoavelmente conhecidas para os profissionais do sector que operam na Comunidade, no âmbito do exercício da sua actividade .
No que concerne à singularidade, considera o citado art. 6º, nº 1, al. b) que um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público, estabelecendo o seu nº 2 que, na apreciação do carácter singular, será tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo .
Parafraseando J. P. Remédio Marques e M. Nogueira Serens , dir-se-á que a “singularidade dos desenhos ou modelos é um plus relativamente à novidade”, porquanto “um desenho novo pode produzir, em, princípio, a mesma impressão global em relação a características da aparência anteriormente divulgadas. Por essa razão, exige-se, a par da novidade, que o desenho ou modelo ostente diferenças suficientemente marcadas relativamente às características da aparência já divulgadas - apartando-se de forma significativa da impressão geral causada por outros desenhos ou modelos já divulgados e que tenham chegado ao conhecimento dos meios especializados na Comunidade - , de modo a poder incidir, de uma maneira clara e inequívoca, na impressão global que suscita junto dos utilizadores informados ”.
Fundamental, para a apreciação do carácter singular de um desenho ou modelo, é, por um lado, que ela seja feita por um utilizador informado, ou seja, conhecedor “do corpus preexistente de um determinado acervo de características da aparência aplicadas nos produtos que ele usa, conhece ou utiliza frequentemente” .
E, por outro lado, que haja uma diferença clara entre a impressão global suscitada pelo desenho ou modelo no utilizador informado e a impressão nele suscitada pelo património de desenhos ou modelos existente, pois a verdade é que, apesar do citado art. 6º, nº1 não o referir, é isso que consta do (14 ) Considerando do Regulamento (CE) nº 6/2002 .
Desde que não seja contrário à ordem pública ou aos bons costumes ( cfr. art. 9º ), o desenho ou modelo comunitário goza da protecção conferida pelo registo por um período de cinco anos a contar da data de depósito do pedido, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo até um máximo de 25 anos ( cfr. artigo 12º).
O registo do desenho ou modelo atribui ao seu titular o direito exclusivo de utilizar, abrangendo, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto O registo do desenho ou modelo atribui ao seu titular o direito exclusivo de utilizar, abrangendo, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos, atribuindo ainda o direito de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento ( cfr. art. 19º, nº1), ou seja, o titular do referido DMCR poderá proibir a cópia e comercialização de qualquer produto que produza uma impressão semelhante à do desenho ou modelo industrial registado.
Nos termos do art. 2º do Regulamento ( CE ) nº 6/2002, a entidade encarregada do processo de registo dos desenhos ou modelos comunitários é o Instituto de Harmonização no Mercado Interno (Marcas, Desenhos e Modelos), instituído pelo Regulamento ( CE ) nº 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993.
A ele compete verificar se o pedido de registo preenche os requisitos formais aludidos no art. 45º do Regulamento ( CE) nº 6/2002 e se ocorrem os requisitos substanciais a que aludem as alíneas a) e b) do nº1 do art. 47º do mesmo Regulamento, ou seja, se o desenho ou modelo para o qual se requer protecção corresponde à definição dada na alínea a) do art. 3º e se o mesmo é contrário à ordem pública ou aos bons costumes.
Trata-se, pois, de um mero exame formal, que não recai sobre a verificação dos requisitos substanciais de novidade e de singularidade nem averigua da possibilidade de o requerente pretender fazer concorrência desleal ou de esta ser possível independentemente da sua intenção.
Sendo o pedido apresentado de forma regular ( ou se tiver sido regularizado nos termos do art. 46º e 47º, nº2 ), o Instituto registará o pedido no Registo de Desenhos e Modelos comunitários como desenho ou modelo comunitário ( cfr. art. 48º).
E, uma vez efectuado o registo, este atribui ao titular do desenho ou modelo comunitário registado a presunção da validade do seu direito.
Com efeito, determina o art. 85º, nº1 do Regulamento nº 6/2002 que “ Nos processos resultantes de acções de contrafacção ou de acções por ameaça de contrafacção de um desenho ou modelo comunitário registado, os tribunais (…) considerarão o desenho ou modelo comunitário como válido. A validade só poderá ser contestada por meio de um pedido reconvencional de declaração de nulidade. A excepção de nulidade do desenho ou modelo comunitário apresentada por outra via que não seja um pedido reconvencional será, porém, admissível se o requerido alegar que o desenho ou modelo comunitário poderia ser declarado nulo devido à existência de um direito nacional anterior, na acepção do disposto na alínea d) do nº1 do artigo 25º, que lhe pertence”.
Quanto ao alcance a dar a tal preceito legal, firmaram-se duas posições nos presentes autos.
Uma delas, seguida pela Mmª Juiza a quo, que, fazendo uma interpretação literal do citado art. 85º, considerou que o registo atribui ao titular do direito registado a presunção da validade do seu direito.
Por isso, tendo a autora procedido ao registo do modelo da sola denominada JINFA no Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos, tal modelo passou a beneficiar de protecção em todos os países da EU por um período de cinco anos a contar da data do depósito do pedido, nos termos d Por isso, tendo a autora procedido ao registo do modelo da sola denominada JINFA no Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos, tal modelo passou a beneficiar de protecção em todos os países da EU por um período de cinco anos a contar da data do depósito do pedido, nos termos do disposto no art. 12º do referido regulamento.
Mais considerou que, mercê desse registo, a autora tornou-se titular do direito exclusivo de utilizar o referido modelo de solas e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento, conforme o disposto no art. 19º nº1 do Regulamento (CE ) nº 6/2002.
E, por outro lado, relativamente àquele modelo de solas, passou a beneficiar da presunção de validade consagrada no art. 85º, nº1 do Regulamento (CE ) nº 6/2002, a qual, segundo este mesmo preceito, só pode ser contestada por via de pedido reconvencional de declaração de nulidade ou por via de excepção, no caso do requerido alegar que o desenho ou modelo comunitário poderia ser declarado nulo devido à existência de direito nacional anterior que lhe pertence.
Considerou ainda ter esta presunção importantes reflexos na questão do ónus da prova, já que, na presente acção destinada a apreciar e a julgar a violação ou a ameaça de violação do modelo registado de solas “JINFA”, a autora não necessita de provar que este modelo de solas preenche os requisitos da protecção enunciados no art. 4º do dito regulamento, ou seja, que as suas características de aparência são “novas” e “singulares”nos termos definidos nos artigos 5º e 6º do mesmo regulamento.
E, porque, no caso dos autos, a ré não deduziu pedido reconvencional, pedindo a declaração de nulidade do registo, situação em sobre ela impenderia o ónus de provar a falta ou falecimento dos mencionados requisitos de protecção, concluiu no sentido de que « é “absoluta” a afirmação da validade do desenho ou modelo registado a favor da autora».
Contrariamente, defende a ré/apelante, perfilhando o entendimento expendido pelos Professores Remédio Marques e Nogueira Serens, no douto parecer junto a fls. 510 a 566 , que uma vez que, de harmonia com o disposto nos arts. 11º e 47º do Regulamento ( CE ) nº 6/2002, o exame do Instituto de Harmonização no Mercado Interno apenas incide sobre o cumprimento dos requisitos formais de protecção e sobre a possibilidade do objecto para constituir a aparência de um produto e a eventual violação da ordem pública e dos bons costumes, há que fazer operar uma redução teleológica da presunção de validade estabelecida no citado art. 85º, nº1.
E, deste modo, considerar que esta presunção de validade do desenho ou modelo comunitário registado só pode valer relativamente aos requisitos substanciais de protecção que são objecto de exame e de apreciação por parte do referido Instituto, ou seja, a possibilidade do objecto de protecção e a ofensa da ordem pública ou dos bons costumes.
Vale tudo isto dizer que, uma vez impugnada a novidade e singularidade do desenho ou modelo comunitário registado, cabe à parte que pretende exercer os direitos conferidos pelo registo o ónus de provar tais características da aparência e que, no caso de dúvida sobre a sua existência, a acção deve ser julgada contra esta parte.
Significa isto, no caso dos autos, que, tendo a ré excepcionado, em sede de contestação, a invalidade do registo do modelo da sola Significa isto, no caso dos autos, que, tendo a ré excepcionado, em sede de contestação, a invalidade do registo do modelo da sola “JINFA”, à luz da redução teleológica do disposto no citado art. 85º, nº1, era sobre a autora que recaía o ónus de provar a novidade e a singularidade daquele modelo de sola, o que esta não logrou fazer, pois que, por um lado, ficou provado que a sola “JINFA” pertence a um conceito de sola “All Star” que existe há mais de 20 anos.
E, por outro lado, resulta da resposta restritiva dada ao artigo 1º da base instrutória, que o Tribunal a quo não deu como provada a criação da sola, mas apenas e tão só a sua produção .
Daí que, na dúvida sobre se as características da aparência da sola “JINFA” são novas ou singulares, há que aplicar a regra consubstanciada no art. 516º do C. P. Civil, devendo, por isso, a questão ser resolvida contra a autora, concluindo-se pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional.

Que dizer?

Desde logo que, não obstante o enorme respeito pela sapiência jurídica dos autores do parecer que serve de suporte à tese sustentada pela ré, tal como a Mmª Juíza a quo, não subscrevemos a defendida redução teleológica da presunção de validade estabelecida no art. 85º, nº1 do Regulamento ( CE ) nº 6/2002.
E muito menos subscrevemos os argumentos avançados pela ré, nas suas alegações de recurso, no sentido de que não fazer operar esta redução “é cair no absurdo de uma protecção arbitrária, onde acabarão protegidos (…) modelos ou desenhos do chamado domínio público das formas” e é “ reconhecer direito ao que pode não ser direito, ao que pode não ser modelo ou desenho que mereça a tutela do Regulamento”, fazendo perigar a segurança da actividade económica e a paz social.
É que basta atentar nos Considerandos 18 e 24 do Regulamento (CE) n.º 6/2002, para facilmente se constatar que foi intenção do legislador comunitário reduzir ao mínimo as formalidades necessárias à obtenção do registo e criar um processo de registo que não implicasse a realização de um exame prévio destinado a determinar se o desenho ou modelo satisfaz as condições de obtenção da protecção e que represente um mínimo de custos e dificuldades, por forma a torná-lo facilmente acessível às pequenas e médias empresas e aos criadores individuais independentes.
O legislador comunitário quis criar um procedimento administrativo de registo célere e sem oposição ( cfr. arts. 45º a 47º do Regulamento), provido tão só de um exame meramente formal, respeitante á verificação dos requisitos formais enunciados no art. 45º, e que tem natureza substancial apenas no que respeita á questão de se verificar se a realidade para que se pede protecção é um desenho ou modelo (possibilidade do objecto) e, em caso afirmativo, se as características da sua aparência ofendem a ordem pública e os bons costumes ( cfr. arts. 3º, 9º, artigo 11º, n.º 1 do Regulamento).
E nem sequer se pode afirmar que não tenha ponderado as vantagens e desvantagens deste sistema de registo, pois que, no seu Parecer de 27.01.2000, §3.8, o Comité Económico e Social junto da Comunidade Europeia (Parecer de 27.01.2000, §3.8), alertando para o risco E nem sequer se pode afirmar que não tenha ponderado as vantagens e desvantagens deste sistema de registo, pois que, no seu Parecer de 27.01.2000, §3.8, o Comité Económico e Social junto da Comunidade Europeia (Parecer de 27.01.2000, §3.8), alertando para o risco de os terceiros serem obrigados a litigar durante muito tempo contra os pseudo-titulares de um direito de propriedade industrial, reputou essencial que o exame substantivo prévio devesse incluir a verificação de todos os requisitos substanciais de protecção ou, pelo menos, do requisito da novidade.
Mas, a verdade é que esta solução acabou por ser abandonada por entender-se que a realização daquele exame sobrecarregaria a agilidade e celeridade queridas do sistema, prevalecendo, deste modo, a posição dos profissionais do sector, partidários de um sistema de protecção que dispensasse o exame de fundo do pedido de protecção , preferindo-se, antes, um sistema de controlo à posteriori do cumprimento dos requisitos substanciais de protecção feito, quer através de um pedido de declaração de nulidade do registo junto da Divisão de Invalidação do mesmo Instituto de Harmonização ( cfr. arts. 24º e 52º), quer através de uma acção judicial proposta pelo titular do direito registado contra o alegado violador ( cfr. art. 84º), caso em que segundo o disposto no citado art. 85º o Tribunal considerará válido o desenho ou modelo comunitário, sem prejuízo de a invalidade poder ser invocada por via reconvencional.
Mas, se essa foi a opção do legislador comunitário, não pode, agora, o intérprete operar uma “redução teleológica” da presunção de validade estabelecida no citado art. 85º, fazendo recair esta presunção apenas e tão só sobre os requisitos formais de protecção e sobre os requisitos substanciais de protecção que são objecto de exame e de apreciação por parte do Instituto de Harmonização, ou seja, sobre a possibilidade do objecto e a ofensa à ordem pública ou aos bons costumes.
Daí reconhecermos assistir razão à Mmª Juíza a quo quando afirma que aceitar a proposta “redução teleológica” corresponderia a uma “evicção arbitrária” do regime querido pelo legislador comunitário, dando azo a uma interpretação contra legem, quando é certo decorrer para o juiz nacional, por força dos princípios da lealdade europeia e da tutela jurisdicional efectiva do direito da União Europeia, a obrigação de, no exercício das suas funções interpretativas da ordem jurídica comunitária e com vista a assegurar a aplicabilidade directa e uniforme da norma europeia, recorrer não só ao elemento sistemático como também ao elemento teleológico ou finalista, isto é, ao efeito útil das disposições comunitárias.
E nem se diga, como o faz a ré/apelante, que “ não operar a chamada redução teleológica da presunção derivada do registo, é cair no absurdo de uma protecção arbitrária, onde acabarão protegidos e consequentemente apropriados em favor de alguma entidade sem escrúpulos, modelos ou desenhos do chamado domínio público das formas”, “ (…) é reconhecer direito ao que pode não ser direito ao que pode não ser modelo ou desenho que mereça a tutela do Regulamento”, colocando em risco a “ segurança da actividade económica e a paz social, valores primários e estruturantes de todo o sistema jurídico”.
E que é ainda abrir caminho para situações d E que é ainda abrir caminho para situações de abuso de direito, pois permite-se ao titular do direito situações de verdadeira antijuridicidade, violando-se, deste modo, o fim económico e social do registo e do direito a ele imanente em medida claramente superior aos limites impostos pela boa fé e bons costumes.
É que, como ensina Victor M. Sáez López-Barrantes , é falsa a sensação de falta de segurança jurídica adveniente da feitura de um registo sem a realização de um exame prévio da novidade do desenho ou modelo comunitário já que sempre subsistente o risco de aquela novidade não ter correspondência com a realidade das criações verificadas à escala mundial.
Acresce que se é verdade que a feitura de um registo sem a realização de um exame prévio dos requisitos substanciais de protecção enunciados no art. 4º pode levar o Instituto de Harmonização a atribuir protecção a desenhos ou modelos comunitários que não sejam novos nem singulares, também não é menos verdade que, conforme já se deixou dito, o próprio legislador comunitário consagrou um sistema de controlo à posteriori do cumprimento dos requisitos substanciais de protecção, contemplando a possibilidade dos interessados na declaração de nulidade do registo poderem ilidir a presunção de validade do desenho ou modelo comunitário registado estabelecida no citado art. 85º, nº1, exigindo apenas, para tanto, que a validade do desenho ou modelo seja contestada por via de pedido reconvencional de declaração de nulidade, ou por via de excepção nesse sentido, no caso de existir um direito nacional anterior.
Significa isto ter o legislador comunitário consagrado, para salvaguarda dos interesses particulares de determinadas pessoas, um regime de nulidade relativa ou mista, impondo como condição, para que a nulidade do desenho ou modelo comunitário possa ser declarada e surtir efeitos, a sua invocação por meio de dedução de um pedido reconvencional de declaração de nulidade ou por via de excepção no caso de existir um direito nacional anterior.
Mas se assim é, então, é bom de ver que mesmo nos litígios resultantes de acções destinadas a apreciar e a julgar a violação ou a ameaça de violação de um desenho ou modelo comunitário, o legislador garantiu aos interessados na declaração de nulidade do registo a possibilidade de arguírem esse vício e de obterem essa declaração, pelo que, no caso dos autos, estava na disponibilidade da ré formular pedido reconvencional nesse sentido.
Se não o fez por esta via, enveredando, antes, por excepcionar a nulidade do registo, sem a comprovada existência de um direito nacional anterior, só ela é responsável pela falta do uso do meio processual imposto pela lei, pelo que terá de sofrer as consequências advenientes do não cumprimento do ónus da prova do contrário do facto presumido no citado art. 85º, nº1.
Daí não se ver razão para acusar o legislador de estar a criar, com a consagração desta presunção legal juris tantum, situações abusivas e manifestamente contrárias ao fim económico e social do registo.
Fica, assim, legitimada a decisão tomada pela Mmª Juíza a quo Fica, assim, legitimada a decisão tomada pela Mmª Juíza a quo no sentido de que “ nos termos e para os efeitos do artigo 85º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 6/2002, tem de haver-se como válido o desenho ou modelo comunitário registado a favor da Autora, o que determina que esta esteja dispensada de fazer a prova dos requisitos da protecção do modelo ou desenho que logrou registar “, não havendo, assim, que “cuidar da prova ou demonstração pela Ré da falta ou falecimento dos requisitos de protecção do modelo ou desenho de cujo registo beneficia a Autora”, nem da alegada “insusceptibilidade de protecção das características da aparência da sola enquanto características de partes componentes”.

Improcedem, por isso, as I a XXII e XXIV conclusões da ré/apelante.

II- Finalmente, sustenta a ré/apelante que a situação relatada nos autos integra abuso de direito por parte da autora/apelada.

Nos termos do art. 334º do C. Civil é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Aquele que age em abuso de direito invoca um poder que formalmente lhe pertence mas que não tem fundamento material.
O abuso de direito, como esclarece o Prof. Antunes Varela , é o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em aberta contradição seja com o fim económico e social a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético jurídico – boa fé, bons costumes – que, em cada época histórica tem o seu reconhecimento.
Ora, é de todo evidente que, tendo a autora/apelada produzido, por intermédio da “D..., Ldª” o modelo de solas denominado “JINFA” e procedido ao registo deste modelo no Instituto de Harmonização no Mercado Interno, tornou-se a mesmo titular do desenho ou modelo registado, nos termos dos art. 14º, nº3 e 17º, passando a gozar da protecção conferida pelo registo, a qual abrange, nos termos do disposto no art. 10º, nº1, qualquer desenho ou modelo que não suscite no utilizador informado uma impressão global diferente .
O juízo quanto à impressão global não distinta ou possibilidade de confusão de um desenho ou modelo registado com outro existente no mercado é feito, através do seu confronto, pelo utilizador informado, tendo em consideração o grau de liberdade do criador do desenho ou modelo.
Fundamental, para este efeito, é, assim, a memória que existe do primeiro desenho ou modelo quando aparece o segundo, o que implica, nesse momento, o destaque das semelhanças.
Ora, estando em causa o desenho ou modelo de uma sola rasa com a parte lateral inferior e biqueira texturadas, é bom de ver que o utilizador informado (no caso, o fabricante do produto onde será aplicada a sola cujo desenho está registado, com os conhecimentos e experiência profissionais), irá prestar mais atenção as características em que o criador do desenho ou modelo não esteve limitado na sua criatividade, ou seja, à forma das partes laterais da sola, à configuração da biqueira e da parte lateral inferior da sola e, sobretud Ora, estando em causa o desenho ou modelo de uma sola rasa com a parte lateral inferior e biqueira texturadas, é bom de ver que o utilizador informado (no caso, o fabricante do produto onde será aplicada a sola cujo desenho está registado, com os conhecimentos e experiência profissionais), irá prestar mais atenção as características em que o criador do desenho ou modelo não esteve limitado na sua criatividade, ou seja, à forma das partes laterais da sola, à configuração da biqueira e da parte lateral inferior da sola e, sobretudo, aos elementos decorativos.
Assim sendo e porque, no caso dos autos, ficou provado que as solas “Bruxas”, fabricadas e comercializadas pela ré tem características semelhantes à sola “JINFA” (ambos os designs têm a mesma forma global da sola com as mesmas proporções, biqueira semelhante colocada na parte dianteira da sola, rebordo superior da sola, partes laterais espessas e superfície global da textura semelhantes na parte lateral esquerda inferior da sola), julgamos não poder deixar de concluir no sentido de que as solas “Bruxa” produzidas pela Ré são susceptíveis de produzir no utilizador informado a mesma impressão que as solas “JINFA”, produzidas pela autora.
Por isso, ao demandar a ré, por ter produzido solas que poderão ser confundidas com as ditas solas “JINFA”, mais não está a autora do que a exercer um direito que lhe é conferido por lei.
É o que resulta do disposto nos arts 10º, 12º, 19º, e 89º, nº1, al.a) do Regulamento ( CE ) nº 6/2002.
Acresce que não se vê que o exercício deste direito exceda manifestamente o respectivo fim económico ou social nem ao limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, de nada relevando, para tal efeito e pelas razões acima referidas, a circunstância da autora beneficiar da presunção legal estabelecida no citado art. 85º, nº1.
Daí, ser de concluir que os factos provados e supra transcritos não fundamentam abuso de direito por parte da autora/apelada.

Improcedem, pois, todas as demais conclusões da ré/apelante.

B- I- Conhecendo, agora, da APELAÇÃO interposta pela AUTORA, importa averiguar se existe, por parte da ré, obrigação de indemnização pelo facto de ter produzido solas que podem ser confundidas com as solas “JINFA.
E a este respeito, diremos, desde logo, que não prevendo o Regulamento (CE) nº 6/2002 uma tutela sancionatória em termos de responsabilidade civil por facto ilícito, de harmonia com o disposto no art. 88º, nº2 , tal tutela deve ser apreciada à luz do direito nacional.
Assim, de harmonia com o disposto no art. 483º, nº1 do C. Civil, a violação do modelo das solas de cujo registo beneficia a autora para gerar a obrigação de indemnizar por facto ilícito extracontratual tem, desde logo, de consubstanciar uma actuação culposa.
Isto porque, no nosso direito, a regra base é de que não há responsabilidade sem culpa (cfr. art. 483º, n.º1 do C. Civil) e de que só existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei ( cfr. n.º2 do citado artigo).
Nos danos que cada um sofre, só lhe será possível ressarcir-se à custa de outrem quanto àqueles que, provindo de facto ilícito, sejam imputáveis à conduta culposa de terceiros .
Exige-se, assim, antes de tudo o mais, que haja um facto voluntário do agente, pois só este pode agir com culpa, exprimindo esta um juízo de reprovabilidade ou censurabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo .
Daí recair sobre a autora o ónus de provar que a ré, ao produzir e ao comercializar Daí recair sobre a autora o ónus de provar que a ré, ao produzir e ao comercializar as solas “Bruxa”, sabia ou tinha a obrigação de saber, que a sua criação e autoria pertencia à autora e que, mesmo assim, não se absteve de as comercializar, como se fossem da sua autoria.
Ora, a verdade é que nada disto se provou, sendo certo que, contrariamente ao defendido pela autora, nem se vê que, da circunstância da autora ter divulgado a sola “JINFA” antes de proceder ao seu registo no Instituto de Harmonização e dos delegados comerciais da autora terem divulgado a existência desta mesma sola, junto dos seus clientes habituais e potenciais novos clientes, a quem entregaram amostras, se possa presumir e dar como assente que a ré conhecia a sola “JINFA” e copiou-a.
E muito menos se vê que a actuação da ré em ter procedido ao registo do modelo da sola “Bruxa” junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno, depois de decretado o arresto requerido pela autora, integre má fé subsumível à previsão do artigo 487º, nº1, al.a) do C. P. Civil e que, com base nela, se possa presumir e dar como provado que agiu com dolo ao fabricar e comercializar aquele modelo de sola.
Do mesmo modo, não se nos afigura que, à luz do critério do bónus paterfamilias, fosse de exigir à ré que, antes de comercializar as solas “Bruxa”, tivesse de fazer uma pesquisa no mercado nacional para saber se eram iguais ou semelhantes às da autora ou a outras solas comercializadas em Portugal e/ou tivesse que consultar os boletins de registo nacionais e internacionais.
Isto porque nem está provado que as solas “JINFA” estejam registadas em Portugal
E ainda porque a diligência exigida à ré, nos termos do art. 487º, nº2 do C. Civil, não postulava uma averiguação de tal ordem que superasse os cuidados e a diligência que um fabricante, medianamente cauteloso e conhecedor das regras da actividade industrial, estaria obrigado a adoptar.
Assim, não actuando a ré com culpa ( dolo ou negligência) excluída está a obrigação de indemnizar a autora.

Improcedem, por isso, as conclusões da Ré/apelante vertidas nas alíneas A) a Q).

II- Vejamos, agora, se sobre a ré recai a obrigação de indemnizar a autora pela prática de concorrência desleal.

É inquestionável que a conduta da ré de comercializar solas que podem ser confundidas com as solas “JINFA”, pode ainda configurar uma situação susceptível de constituir concorrência desleal, a qual, de harmonia com o disposto no citado art. 88º, nº2 do Regulamento ( CE ) nº 6/2002, há-se ser apreciada à luz do nosso direito nacional, ou seja, do Código de Propriedade Industrial .
Na verdade, é através do regime jurídico da propriedade industrial que a nossa lei procura garantir um regular funcionamento de mercado e proteger a liberdade de concorrência na actividade económica, proibindo os comportamentos desonestos e incorrectos.

No dizer de Carlos Olavo , a concorrência desleal, resultante desses comportamentos, é ilícita porque constitui um abuso da liberdade de concorrência.
O nosso legislador, através da cláusula geral estabelecida no art. 317º do CPI, proibiu expressamente “todo o acto O nosso legislador, através da cláusula geral estabelecida no art. 317º do CPI, proibiu expressamente “todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”, enumerando exemplificativamente, nas diversas alíneas do nº1 deste mesmo artigo, certas situações que integram a prática de concorrência desleal.
No caso dos autos, é evidente que, ao produzir e comercializar solas “Bruxa” com características semelhantes às solas “JINFA” e susceptíveis de produzir no consumidor profissional e especializado a mesma impressão que estas solas produzidas pela autora, está a ré a criar uma situação de confusão no mercado acerca destes dois produtos, pelo que a sua actuação insere-se, claramente, na situação prevista na alínea a) do nº1 do citado art. 317º.
Mas se é verdade que, para efeito de integração da previsão do citado preceito legal, basta tão só a susceptibilidade de verificação objectiva da situação de concorrência desleal, sem necessidade de verificação da culpa ( na modalidade de dolo ou de negligência), também não é menos verdade que o requisito da culpa não pode deixar de relevar para efeitos de indemnização cível.
É que, conforme resulta do disposto no art. 483º, nº1 do C. Civil, não há responsabilidade se indemnizar sem culpa.
Assim sendo e porque não resulta dos autos que a ré com aquela sua actuação quis fazer concorrência desleal ou que soubesse ou tivesse obrigação de saber que estava a criar tal situação, arredada fica a possibilidade de se fazer recair sobre ela a obrigação de indemnizar a autora.

Daí improcederem as conclusões da autora/apelante constantes das alíneas R) a V), ficando prejudicado o conhecimentos das conclusões vertidas nas alíneas W) a CC).

III- Quanto à terceira questão, sustenta a autora/apelante que a ré sempre estaria obrigada a indemnizá-la com base no r enriquecimento sem causa.
Carece, contudo, de qualquer razão.
Senão vejamos.
Estabelece o art. 473º, n,º1 do C. Civil, que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquece à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou”.
No dizer de Vaz Serra , o enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação de restituir, tem a sua razão de ser nos casos em que, embora o direito considere legal a produção de certos efeitos, estes representam um enriquecimento injusto de alguém à custa alheia.
E tal enriquecimento pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:
a) que alguém obtenha um enriquecimento;
b) que o enriquecimento não tenha causa justificativa;
c) e que o obtenha à custa de quem requer a sua restituição.
Conforme ensina, Pereira Coelho , “O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de ser encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado”.
A inexistência de c A inexistência de causa justificativa - quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido - traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento.
Como refere Antunes Varela , “o enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro”.
E o nexo causal, que resulta da fórmula legal “à custa de outrem”, significa que entre o enriquecimento e o empobrecimento deve existir uma certa conexão ou correspondência, exigindo ainda parte da doutrina (muito embora se trate de requisito não expressamente formulado no artigo 473º e, quando muito dedutível do artigo 481º do C. Civil) que o primeiro tenha sido obtido directa e imediatamente do segundo, derivando a vantagem e o sacrifício do mesmo facto ou circunstância.
De referir que, nos termos do art. 342º, n.º1 do C. Civil, incumbe ao autor o ónus de prova destes requisitos.
Acresce que, de harmonia com o disposto no art. 474º do C. Civil, a acção baseada nas regras de enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, ou seja, esta acção só é admitida quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial.
Assim, como escreve Galvão Telles , se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos arts. 473º e ss.
Ora, o que acontece no caso dos autos é que a autora podia obter o ressarcimento dos danos por ela sofridos em consequência da actuação da ré, através do instituto da responsabilidade civil por facto ilícito e só não conseguiu obtê-lo por não ter logrado provar, tal como lhe competia nos termos do disposto no art. 342º, nº1 do C. Civil, a culpa da ré.
Mas se assim é, então, é bom de ver que, não fora a falta de prova de um dos requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, este instituto garantiria a tutela da situação em concreto, pelo que afastado fica o requisito negativo da subsidiariedade do enriquecimento sem causa, o que inviabiliza, desde logo, o recurso a este meio.

Improcedem, por isso, as conclusões da ré/apelante vertidas nas alíneas II) a QQ).

IV- Finalmente e no que respeita à pretendida destruição dos moldes e publicação da decisão, diremos, desde logo, que indemonstrada que ficou qualquer actuação culposa por parte da ré, inviabilizado fica também o recurso à aplicação subsidiária do regime do DL nº 28/84, de 20 de Janeiro, nos termos do art. 320º do CPI, carecendo, por isso, de fundamento legal aquelas pretensões.

Daí improcederem todas as demais conclusões da autora/apelante.

CONCLUSÃO:
Do exposto poderá extrair-se que:

1º- O registo do desenho ou modelo comunitário junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Mode 1º- O registo do desenho ou modelo comunitário junto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno – Departamento de Desenhos e Modelos, confere ao respectivo titular não só o direito exclusivo de utilizar o referido modelo de solas e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento, conforme o disposto no art. 19º nº1 do Regulamento (CE ) nº 6/2002, mas também a presunção de validade do desenho ou modelo registado consagrada no art. 85º, nº1 do mesmo Regulamento, ficando o mesmo isento do ónus de provar que esse desenho ou modelo preenche os requisitos da protecção enunciados no art. 4º do dito regulamento, ou seja, que as suas características de aparência são “novas” e “singulares”nos termos definidos nos artigos 5º e 6º do mesmo regulamento.

2º- Nos termos do citado art. 85º, nº1, esta presunção só pode ser contestada por via de pedido reconvencional de declaração de nulidade ou por via de excepção, no caso do requerido alegar que o desenho ou modelo comunitário poderia ser decla rado nulo devido à existência de direito nacional anterior que lhe pertence.

DECISÃO:
Pelo exposto, julgam-se improcedentes as apelações, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães,