1.Provado que está ter o acidente resultado de violação de normas legais sobre segurança no trabalho, a responsabilidade agravada pela reparação do acidente deve ser imputada ao empregador cujo encarregado na obra em causa não cuidou da correta montagem de um andaime, de onde veio a cair o sinistrado.
2.A imperatividade do regime jurídico da reparação dos danos causados por acidentes de trabalho determina que, neste domínio, se for caso disso se condene para além do pedido, tal como prevê o art.º 74º do Código de Processo do Trabalho.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal do Trabalho de Faro correu termos processo especial emergente de acidente de trabalho, ocorrido a 2/5/2005, que vitimou J…, quando este desempenhava funções da sua profissão de pedreiro, e do qual o mesmo veio a falecer a 21 do referido mês e ano. Na tentativa de conciliação nesse âmbito realizada a 18/5/2006, e na qual, para além dos beneficiários legais do falecido sinistrado, compareceram também, enquanto presumíveis responsáveis, a A… – Companhia de Seguros, S.A., e a entidade empregadora JM…, não foi no entanto possível obter acordo das partes: a seguradora declinou a sua responsabilidade por alegadamente o acidente ter resultado de incumprimento de normas de segurança estipuladas para a atividade em causa; o empregador, por sua vez, alegou ter a sua responsabilidade devidamente transferida, e também ter o acidente sido devido ao facto de a vítima ter desrespeitado as normas de segurança individual que lhe teriam sido indicadas pelo responsável da obra.
Suspensa a instância nos termos do art.º 119º, nº 4, do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a 25/3/2013, e patrocinados pelo MºPº, vieram os filhos do sinistrado D… e C…, (esta representada pelo seu tutor A…, por ser ainda menor), na qualidade de beneficiários legais e de únicos herdeiros de sua mãe M…, viúva do sinistrado e entretanto falecida, instaurar a competente ação contra os referidos responsáveis. Alegaram para além do mais que à data do acidente a vítima auferia o salário de € 609 x 14 meses/ano, acrescido de subsídio de refeição de € 5,75 x 22 dias x 11 meses/ano, prestação esta que no entanto não estaria coberta pelo seguro. E concluíram pedindo a condenação dos demandados, na proporção das respetivas responsabilidades, no pagamento das seguintes prestações:
‘A Ré A… Companhia de Seguros (85,97%):
1. 314,99 € (trezentos e catorze euros e noventa e nove cêntimos) respeitantes a indemnização por 19 dias de ITA (entre 2.05.2005 e 21.05.2005);
2. A pensão anual e vitalícia, no montante de 2.557,80 € (dois mil quinhentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos), devida à viúva M…, até 6.07.2006, data do óbito desta;
3. A pensão anual e temporária, no montante de 3.410,40 € (três mil quatrocentos e dez euros e quarenta cêntimos), devida aos filhos, o Autor D… e a menor C…, sendo 1.705,20 € (mil setecentos e cinco euros e vinte cêntimos) para cada um deles;
4. 2.297,60 € (dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) respeitante a subsídio de funeral, por ter havido transladação;
5. 4.496,40 € (quatro mil quatrocentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos), respeitante a subsídio por morte.
O Réu JM… (14,03%):
a) 51,41 € (cinquenta e um euros e quarenta e um cêntimos) respeitante a indemnização por 19 dias de ITA (entre 2.05.2005 e 21.05.2005);
b) A pensão anual e vitalícia no montante de 417,45 € (quatrocentos e dezassete euros e quarenta e cinco cêntimos) devida à viúva M… até 6.07.2006, data do óbito desta;
c) A pensão anual e temporária, no montante de 556,60 € (quinhentos e cinquenta e seis euros e sessenta cêntimos), devida aos filhos, o Autor D… e a menor C…, sendo 278,30 € (duzentos e setenta e oito euros e trinta cêntimos), para cada um deles’ .
Devidamente citados, ambos os RR. vieram contestar.
No seu articulado, a seguradora aceitou a transferência da responsabilidade relativamente à retribuição de € 609 x 14 meses/ano, mas alegou dever responder pela reparação do acidente a título meramente subsidiário, dado que o sinistro se terá devido apenas ao incumprimento das condições de segurança no trabalho por banda do empregador.
Por sua vez, o R. JM… veio desde logo excecionar a sua ilegitimidade, por alegadamente ter a sua responsabilidade inteiramente transferida para a R. seguradora, incluindo a parte respeitante a subsídio de refeição; por impugnação, reafirmou que o acidente foi causado pelo próprio sinistrado, que não respeitou as regras de segurança nem as indicações que lhe foram dadas; e concluiu pela improcedência da ação, ou, sem conceder, pela responsabilidade da seguradora.
Foi proferido despacho saneador, que desatendeu a exceção suscitada, consignou a matéria de facto considerada assente, e elaborou a base instrutória.
Procedeu-se a audiência de julgamento, em cujo âmbito foi decidida a factualidade controvertida, em despacho que mereceu reclamação dos AA., a qual veio a ser deferida.
Foi finalmente proferida sentença, que concluiu ter o acidente em causa resultado da violação de regras de segurança no trabalho por parte do R. empregador, e, julgando a ação procedente condenou a pagar:
‘O Réu JM… como entidade empregadora e a título principal:
1. A pensão anual e vitalícia no montante de 5.115,60 € (cinco mil cento e quinze euros e sessenta cêntimos) devida desde o dia 22 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), à viúva M… e até à data da sua morte ocorrida em 06 de Julho de 2006, cujo montante reverterá em partes iguais para os filhos do sinistrado após a morte da viúva e enquanto estes tiverem direito a receber as pensões arbitradas nesta sentença;
2. A pensão anual no montante de 3.410,40 € (três mil quatrocentos e dez euros e quarenta cêntimos), devida desde o dia 22 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da morte do sinistrado) e até perfazerem 19, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior ou sem limite de idade se afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, aos filhos do sinistrado D… e C…, paga mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de natal, respectivamente, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer, sendo 1.705,40 € (mil setecentos e cinco euros e quarenta cêntimos) para cada um deles;
3. O Subsidio por morte no montante de 4.496,40 € (quatro mil quatrocentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos);
4. A reparação por despesas de funeral no montante de 2.297,60 € (dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos);
5. O montante de 435,73 € (quatrocentos e trinta e cinco euros e setenta e três cêntimos) respeitante à indemnização devida pelo período em que o sinistrado esteve afectado de ITA;
6. Juros de mora sobre as prestações indemnizatórias devidas, à taxa legal, desde o respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento;
A Ré «A… – Companhia de Seguros, S. A», a título subsidiário:
1. A pensão anual e vitalícia no montante de 2.557,80 € (dois mil quinhentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos) devida desde o dia 22 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), à viúva M… e até à data da sua morte ocorrida em 06 de Julho de 2006;
2. A pensão anual no montante de 3.410,40 € (três mil quatrocentos e dez euros e quarenta cêntimos), devida desde o dia 22 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da morte do sinistrado) e até perfazerem 19, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior ou sem limite de idade se afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, aos filhos do sinistrado D… e C…, paga mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de natal, respectivamente, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer, sendo 1.705,20 € (mil setecentos e cinco euros e vinte cêntimos) para cada um deles;
3. O Subsidio por morte no montante de 4.496,40 € (quatro mil quatrocentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos);
4. A reparação por despesas de funeral no montante de 2.297,60 € (dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos);
5. O montante de 305,01 € (trezentos e cinco euros e um cêntimo) respeitante à indemnização devida pelo período em que o sinistrado esteve afectado de ITA;
6. Juros de mora sobre as prestações indemnizatórias devidas, à taxa legal, desde o respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento.’
*
Inconformado com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar o R. JM…. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
- Estão incorrectamente julgados as respostas dadas á matéria de facto a que correspondem os quesitos 3, 4, 5,7,8,9.
- O tribunal deu como provada a matéria do quesito 2 e deu também a do quesito 3º, contudo, a colocação da tábuas na travessa dos prumos a 70 cm abaixo da media devida, não inviabilizava a colocação das 4 tábuas de pé, de sorte a preencher a superfície do andaime no seu todo. Uma vez que a opção de colocar as tábua nas escadas de subida, em vez de as colocar no andaime, foi do sinistrado.
- É o que resulta do depoimento da testemunha T… cujo depoimento se acha assinalado na ata de 1/04/2014 Rotação 3m29” a 4m 43”.
- De igual forma se cometeu erro de julgamento quanto á matéria do quesito 4 uma vez que as medidas aí referidas e condições aí referidas dizem respeito ao andaime tal qual se encontrava no local, e não às características do tipo de andaime que aí se encontravam é o que refere a mesma testemunha de 5m, 07” a 6m01m a 6,33”.
- Em consequência a matéria do quesito 4 deveria ter tido resposta diferente pois o ferro tubular com cerca de 5 centímetros de diâmetro, está colocado a cerca de 90 cm das tabuas de pé e a cerda de 70 da tábuas que o sinistrado colocou na escada de subida, pelo que a resposta ao quesito 4 deveria ter sido não provado. Aliás, é o que resulta da resposta dada aos quesitos 8 e 9 e 10.
- A própria vítima que deu origem ao acidente ao alterar as condições de segurança do andaime, sendo certo que até fazia parte da equipa que procedia á montagem de andaimes e tinha conhecimentos das normas de segurança em obra.
- No caso, o andaime levava 4 tábuas e que até foram levadas para a obra, mas que o sinistrado só colocou duas; tendo alterado não só o numero de tabuas como o local da sua colocação, pois colocou-as na escada de subida.
- Dessas forma o relatório da inspecção de trabalho, o que descreveu foi o andaime alterado pelo sinistrado, e não o andaime em concreto com o material que se encontrava no local.
- Aliás, quer o andaime, quer o material, que foi levado para o local, era o adequado á montagem do andaime, caso o sinistrado o não tivesse alterado. O sinistrado tinha experiência e conhecimentos na montagem do andaime, até poderia ter escolhido outro.
- As regras de segurança foram violadas por parte da vitima.
- A sua violação foi voluntária, ainda que intencional, uma vez que foi a vítima que tendo conhecimento das regras de segurança escolheu e procedeu á montagem do andaime, e alterou voluntariamente as condições de segurança do andaime.
- Na verdade apesar de ter levado parar o local da montagem quatro tábuas que podiam e deveriam ter sido colocadas no local próprio, e adequado no respectivo andaime, não colocou as quatro tábuas, no local mas na escada de subida, aonde só cabiam duas.
- Dessa forma alterou as condições de segurança do andaime, de modo a ter ficado a cerca de 70 cm do topo do andaime, quando se as tivesse colocado no local devido ficavam a 90 cm do topo e protegido pelas guardas de protecção que estavam devidamente colocadas no andaime. Em consequência, ao alterar as condições da andaime, o acidente teve como origem entre outras essa alteração, pois o sinistrado acabou por ficar desprotegido.
É isto mesmo que resulta do depoimento da testemunha de ML…, 44 anos de idade, Solteiro, profissão: Servente da Construção Civil, residente em C… assinalado, na ata de 1/04/2014 tendo o seu depoimento sido gravado através do sistema informático em uso neste Tribunal, com a duração de 36:30 ms.; , rotações 3,m,00” a 10m,28”, e De 11m49” a 14m01” .
- Pelo que é mais do que claro que o acidente não resultou da falta de observação das regras de segurança no trabalho, mas da alteração que o sinistrado voluntariamente decidiu fazer no andaime.
- Termos em que se conclui pela exclusão da responsabilidade do recorrente tendo em conta o disposto no artº 7 da lei 100/97 de 13 de Setembro.
- Fez-se incorrecta aplicação dos artigos 7, , 37 nº 2 da Lei 100/97 de 13 de Setembro.
E concluiu o recorrente pedindo o provimento do recurso interposto, e a exclusão da sua responsabilidade.
*
Notificados AA. E R. seguradora da interposição do recurso, apenas os primeiros vieram apresentar contra-alegações, aí pugnando pela manutenção do julgado.
Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre pois decidir.
*
Foi a seguinte a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal recorrido:
1. O sinistrado J… no dia 21 de Maio de 2005, no estado de casado com M… (certidão de óbito de fls. 34);
2. O Autor D… nasceu em 20 de Outubro de 1992 e é filho do Sinistrado J… e de M… (certidão do assento de nascimento de fls. 26);
3. A Autora C… nasceu em 17 de Maio de 1999 e é filha do Sinistrado J… e de M… (certidão do assento de nascimento de fls. 27);
4. M... faleceu no dia 06 de Julho de 2006, no estado de viúva do Sinistrado J… (certidão do assento de óbito de fls. 125);
5. Na Conservatória do Registo Civil de F… foi lavrado o escrito que faz fls. 149 a 149 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos. Habilitação de Herdeiros nº …. Declarante, R… (…) Declarante, P… (…) Declarante, E… (…) Autor da Herança, J…, nascido a 12 de março de 1968, falecido no estado de casado em únicas núpcias de ambos com M…, no regime de comunhão de adquiridos, natural da freguesia de O…, concelho de C…, filho de AB… e de MR…, de nacionalidade portuguesa, com última residência habitual em M…, com o nif …. Autora da Herança, M…, nascida a 12 de novembro de 196, falecida no estado de viúva de J…, natural da freguesia de M…, concelho de F…, filha de AF… e de ER…, de nacionalidade portuguesa, com última residência habitual na rua do …, nº …, V…, F…, com o nif …. Herdeiro, D…, de 20 anos de idade, nascido a 20 de outubro de 1992, no estado de solteiro, maior, natural da freguesia de M…, concelho de F…, filho de J… e de M…, de nacionalidade portuguesa, com residência habitual na rua do …, nº …, M…, F…, com o nif …. Herdeiro, C…, de 13 anos de idade, nascida a 17 de Maio de 1999, no estado de solteira, menor, natural da freguesia de Q…, concelho de L…, filha de J… e de M…, de nacionalidade portuguesa, com residência habitual na rua …, nº …, M…, F…, com o nif …. Presentes: os declarantes. Declarações prestadas pelos declarantes. O autor da herança, J…, faleceu no dia vinte e um de maio de dois mil e cinco, na freguesia de Faro (Sé), concelho de Faro. O autor da herança não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade. Declarados herdeiros do falecido: O cônjuge sobrevivo: - M…; E os filhos: - D…; e – C…. A autora da herança, M…, faleceu no dia seis de Julho de dois mil e seis, na freguesia de São Martinho do Bispo, concelho de Coimbra. A autora da herança não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade. Declarados herdeiros da falecida: Os filhos: - D…; e – C…. Que não há quem lhes prefira ou com eles possa concorrer na sucessão (…) O título foi lido e o seu conteúdo explicado aos intervenientes (…) Data: 20 de Dezembro de 2012. Conservador LF…, por competência própria (...)” (documento de fls. 148 a 149);
6. No Tribunal Judicial da Comarca de Fafe correm termos os autos nº … nos quais foi proferida a sentença que faz fls. 150 a 153 destes autos, no essencial com o seguinte teor: “I – Relatório: O Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer a instauração de tutela ao menor D…, nascido a 20 de Outubro de 1992, natural da Freguesia de M…, F… e de C…, nascida a 17 de Maio de 1999, natural da Freguesia de Q…, L…, filhos de J… e de M…. Alega para o efeito que os pais dos menores faleceram e que os menores se encontram a residir com um tio materno – A… -, o qual vela pelas suas necessidades e interesses, nomeadamente no que respeita à saúde, educação e alimentação (…) III. Decisão: Nestes termos, face ao exposto e ao abrigo do disposto no art. 1931º do C. C. nomeio tutor dos menores D… e C… o referido tio materno A… (…) Fafe, 20/04/07 (…)”;
7. O sinistrado J… celebrou com o Réu JM… acordo denominado “contrato de trabalho”, mediante o qual o sinistrado trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização do Réu JM… desempenhando as funções atinentes à categoria profissional de pedreiro, auferindo uma contrapartida monetária;
8. No dia 02 de Maio de 2005, cerca das 11 horas e 15 minutos, quando exercia as suas funções de pedreiro para o Réu JM… ao executar um furo com berbequim eléctrico no tecto do interior de uma moradia unifamiliar, correspondente ao lote 35, em Terraços do Pinhal Velho em Vilamoura, quando se encontrava sobre as tábuas de pé do andaime, com os braços esticados, pressionando o berbequim de modo a furar a laje sobre a sua cabeça, desequilibrou-se e caiu no solo;
9. Nesse local o pé direito atingia 4,9 metros e o sinistrado executava essa tarefa sobre um andaime com dois níveis com estrutura metálica e tábuas de pé em madeira;
10. Como consequência directa e necessária dessa queda referida em H), J… sofreu fractura crâneo-encefálica (fractura do occipital temporal com fundamento) e hemorragia cerebral, que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida em 21 de Maio de 2005;
11. O sinistrado J… permaneceu internado no serviço de U. C. I. P. do Hospital Distrital de Faro entre 02 de Maio de 2005 e 21 de Maio de 2005;
12. Em 02 de Maio de 2005 o Réu JM… tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Ré «A… - Companhia de Seguros, S. A» mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº …, na modalidade de prémio variável;
13. Na tentativa de conciliação realizada no dia 18 de Maio de 2006, a Ré «A… - Companhia de Seguros, S. A.» aceitou a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho; o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e a morte e aceitou que foi transferido o salário no montante de 609,00 € (seiscentos e nove euros) x 14 meses, não aceitando responsabilizar-se pelas consequências do acidente por considerar que o mesmo se verificou porque não foram cumpridas as normas de segurança estipuladas para a construção civil;
14. O Réu JM… esteve também presente na tentativa de conciliação, reconhecendo a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e a morte do sinistrado e o salário anual de 609,00 € (seiscentos e nove euros) x 14 meses, mas não aceitou qualquer responsabilidade relativamente ao mesmo por considerar que a responsabilidade por acidentes de trabalho se encontrava regular e integralmente transferida para a Ré seguradora e porque o sinistrado não teria cumprido, nem respeitado as normas de segurança individual estipuladas para aquela actividade e serviço que estava a realizar;
15. A Inspecção-Geral do Trabalho elaborou o escrito de fls. 46 a 52 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “Inspecção-geral do Trabalho. Inquérito de Acidente de Trabalho. Nº 1205010. Data da visita: 2005.05.03. Data da elaboração do inquérito 2005.07.25 1. Identificação da Empresa: 1.1 Designação Social: JM… (…) 2. Identificação dos Acidentados: 2.1 Nome: J… (…) 2.4 Categoria profissional: Pedreiro de 1ª – Rem Mensal – 609 € acrescido de 5,75 €/dia de subs. Alimentação (…) 3. Acidente: 3.1 Data: 2005.05.02 hora: 11h15m (…) Em conclusão: Como acontece na maioria dos pequenos estaleiros, os trabalhos tidos como esporádicos ou ocasionais não são na generalidade planificados tendo em contas as medidas preventivas a adoptar. Os trabalhadores em estaleiro, nos quais se inclui o encarregado possuem autonomia para a execução das suas tarefas normais utilizando sem impedimento ou informação todos os equipamentos que encontram disponíveis no local. Também são regra geral, como neste caso, utilizados equipamentos e materiais que não obedecem às regras e regulamentos em vigor ou aquando da sua montagem não são montados todos os elementos de modo a executar-se o trabalho em condições de segurança. Assim, embora conhecendo e possuindo montados na zona periférica exterior da construção andaimes devidamente montados os quais garantiam boas condições de segurança para os respectivos utilizadores, no que respeita aos trabalhos no interior como o do acidente de trabalho não foi aplicado o mesmo princípio. O plano de segurança que me foi apresentado pelo empregador era genérico e interiorizado pela entidade empregadora como tratando-se de mais um documento que era obrigado a possuir não se atingindo assim o objectivo do seu uso e consulta ao longo do processo construtivo. A entidade empregadora, que é simultaneamente o dono da obra, não atribuiu qualquer relevância ao risco da utilização de um andaime por si colocado em obra que, aquando da sua montagem, não cumpria as regras de segurança impostas pelo regulamento da construção civil – guarda costas de ambos os lados colocados a 0,90 m de altura com a secção mínima de 14x2,5 cm; escadas interiores de acesso aos diferentes patamares, tábuas de pé em número de 4, devidamente pregadas e perfazendo a largura total de 72 cm. O facto do andaime possuir no lado da queda do trabalhador um ferro colocado a 70 cm de altura que se pretendia servir como guarda costas não evitou a queda do trabalhador. Daí se pode concluir que as medidas tidas como de prevenção que não obedecem às condições regulamentares e legislação em vigor não actuam com eficácia na prevenção da vida e segurança dos trabalhadores e podem surtir o falso efeito de segurança (…) 5. Disposições legais infringidas. Artº 23º e artº 21º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 6 Outros Risco. Foi elaborada notificação de tomada de medidas que seguiu em processo separado (…) A Inspectora de Trabalho PN… (…)”;
16. As tábuas de pé que constituíam o local de trabalho do sinistrado foram colocadas na travessa dos prumos, 70 centímetros abaixo da medida devida (resposta ao artigo 2º da base instrutória);
17. …o que inviabilizou a colocação das 4 tábuas de pé de sorte a preencher a superfície do andaime no seu todo, tendo sido colocadas apenas duas tábuas de pé cobrindo 38 centímetros de largura (resposta ao artigo 3º da base instrutória);
18. O andaime instalado no centro do edifício estava apenas guarnecido com um guarda corpos constituído por uma ferro tubular com cerca de 5 centímetros de diâmetro e colocado a aproximadamente 70 centímetros acima das tábuas de pé (resposta ao artigo 4º da base instrutória);
19. Nas circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas em H) da matéria assente estava na obra o encarregado o qual tinha indicado o trabalho a executar pelo sinistrado, dizendo-lhe para montar o andaime (resposta ao artigo 5º da base instrutória);
20. O sinistrado tinha conhecimento das regras de segurança que deviam ser observadas para realização daquele trabalho, tendo prática na montagem de andaimes (resposta ao artigo 6º da base instrutória);
21. A montagem do andaime foi feita pelo sinistrado e pelo trabalhador ML… com conhecimento do encarregado que trabalhava por conta do Réu JM… e que era o responsável pela montagem dos andaimes na obra (resposta ao artigo 7º da base instrutória);
22. No momento da montagem do andaime foram levados para o local quatro tábuas e o sinistrado colocou apenas duas na escada de subida (resposta aos artigos 8º e 9º da base instrutória);
23. O andaime montado pelo sinistrado e pelo trabalhador ML… e sobre o qual o sinistrado se encontrava aquando do acidente é o que consta nas fotografias que fazem fls. 68 a 69 dos autos, sendo o andaime composto por dois módulos com cerca de 2 metros de altura cada, permitindo a colocação de quatro tábuas de pé à altura de cerca 2 metros e à altura de cerca de 4 metros a contar do solo (resposta ao artigo 10º da base instrutória);
24. O sinistrado em outras situações, e por várias vezes, não aceitava as orientações que lhe eram dadas desrespeitando por vezes as normas de segurança que lhe eram impostas e numa obra da Galé tendo sido chamado à atenção para cumprir as normas de segurança, por esse motivo abandonou o trabalho, não tendo aceite a recomendação (resposta ao artigo 11º da base instrutória);
25. Com deslocações obrigatórias ao Tribunal, M… despendeu o montante de 30,00 € (trinta euros) (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
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Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – arts.º 635º, nº 3, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (C.P.C.) de 2013, aqui aplicável por força do art.º 7º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26/6 – são no essencial duas as questões que no caso dos autos vêm suscitadas na apelação interposta.
Em primeiro lugar, são impugnados alguns dos pontos da decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido, cujo julgamento se pretende agora ver alterado, em suposto benefício da posição processual do recorrente. Depois, como consequência dessa alteração da factualidade relevante, e na lógica argumentativa do recurso, haverá também lugar a um outro sentido da decisão de direito, concluindo-se que o acidente foi devido a inobservância, pelo sinistrado, de normas sobre segurança no trabalho, e por isso revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o recorrente.
Há porém duas questões, não afloradas no recurso, que não podem deixar de ser agora consideradas, pelas óbvias implicações que poderão acarretar na própria decisão a proferir pela Relação, e sobre as quais passamos desde já a pronunciarmo-nos.
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O acidente em causa ocorreu em 2005, sendo-lhe portanto aplicáveis as disposições da Lei nº 100/97, de 13/9, (LAT), e do respetivo Regulamento (Dec.-Lei nº 143/99, de 30/4). Ora, a ação foi instaurada contra a R. seguradora e contra o R. empregador, não para efeitos de ser determinada, em sede de fase contenciosa, qual a entidade responsável pela reparação do acidente, mas apenas porque alegadamente a retribuição auferida pela vítima não se encontrava totalmente coberta pelo seguro. Nessa medida, na p.i. os pedidos foram formulados de forma proporcional, e tendo em conta essa previsível repartição de responsabilidades, em conformidade com a regra do art.º 37º, nº 3, da referida LAT.
Certo é que a sentença recorrida veio a condenar o R. empregador pela responsabilidade agravada prevista no art.º 18º da mesma LAT, por ter concluído que a causa do acidente fora efetivamente devida a violação de regras de segurança no trabalho, violação que seria imputável àquele demandado. Ou seja, foi proferida condenação ultra petitum, em prestações de montantes largamente superiores àqueles que haviam sido peticionados contra o recorrente.
Como se sabe, tal eventualidade é admitida, em processo laboral, pelo art.º 74º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.): o tribunal ‘deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada … de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho’.
No caso dos autos, os factos que fundamentaram o sentido da decisão proferida pelo Ex.º Juiz a quo resultaram de matéria alegada pelas partes, e em particular pela R. seguradora, cuja defesa assentava precisamente em imputar ao ora recorrente a responsabilidade principal pela reparação do acidente, por alegada violação de regras de segurança. Por outro lado, e sendo também certo ser inequívoca a imperatividade do regime jurídico respeitante à reparação de acidentes de trabalho (cfr. art.º 35º da citada LAT), não parecem restar dúvidas quanto a estarem reunidas as condições exigidas por aquele art.º 74º.
Nada obstava pois a que a sentença recorrida tivesse condenado para além dos valores que vinham peticionados[1], questão que como se referiu não foi sequer suscitada em sede de recurso. Acrescentaremos apenas que, na mesma lógica, o mencionado princípio será válido em todas as instâncias, e designadamente à decisão a proferir pela Relação, se for esse o caso em função da factualidade apurada e do Direito aplicável.
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Outro ponto também não invocado pelo recorrente, mas que se reflete decisivamente na decisão a proferir, e que acaba por entroncar com o que acabou de afirmar-se, tem a ver com a factualidade consignada, na sentença recorrida, como matéria provada.
Como já se referiu, na audiência de julgamento a decisão sobre a matéria de facto julgada provada e não provada foi objeto de reclamação por parte dos AA., que pretendiam ver dado como provado o art.º 1º da base instrutória. O Ex.º Juiz deferiu tal pretensão (cfr. despacho proferido a 23/4/2014, na ata junta a fls. 236/243), reconhecendo estar provada a matéria ali incluída, onde se perguntava se ‘além da retribuição mensal base de 609,00 €, o sinistrado auferia também o subsídio de refeição no montante de 5,75 € x 22 dias x 11 meses’.
Certamente por lapso, tal facto não veio a ser incluído na matéria dada como provada e como tal enumerada na sentença recorrida, que acima se transcreveu. Incompreensível será no entanto vir depois afirmar-se, a dado passo dessa mesma sentença, que ‘Resultou provado que entre o sinistrado J… e o Réu JM… foi celebrado um contrato de trabalho, … , tendo sido acordada a retribuição anual de 609,00 € (seiscentos e nove euros) x 14 meses (cfr. alíneas M e N da matéria assente e resposta ao artigo 1º da base instrutória), sendo certo que os Autores alegaram que para além da retribuição mensal base o sinistrado auferia também o subsidio de alimentação no montante diário de 5,75 €, recaindo sobre eles o ónus da prova de tal alegação (cfr. nº 1 do artigo 342º, do Código Civil), mas não lograram fazer essa prova…’. Nessa lógica, a condenação proferida, ao calcular o valor das prestações devidas aos AA., desconsiderou o valor daquele subsídio de refeição
Convirá notar que não parece ser a melhor técnica vir, na factualidade relevante, reconduzir-se a retribuição auferida pela vítima à data do acidente, que é facto essencial à quantificação da reparação pecuniária que no caso seja devida, a uma mera aceitação de valores, pelos presumíveis responsáveis, na tentativa de conciliação que encerrou a fase conciliatória do processo[2]. Num relato de factos que se pretende seja lógico e coerente, é indispensável que se se refira antes, clara e expressamente, qual era essa retribuição, para depois poder então avançar-se para a aceitação da mesma, ou não, por quem terá o dever de reparar os danos resultantes do acidente.
Impõe-se portanto, e desde já, corrigir o lapso e aditar oficiosamente à matéria de facto a matéria incluída no art.º 1º da base instrutória, esclarecendo ainda que o salário base mensal era auferido 14 meses ao ano.
Assim sendo, e ao abrigo do art.º 662º, nº 1, do C.P.C., considera-se também provada a seguinte matéria, que se incluiu na factualidade assente como ponto 15-A:
Á data do acidente o sinistrado auferia a retribuição mensal base de € 609,00 x 14 meses/ano, acrescida de subsídio de refeição no montante de €5,75 x 22 dias x 11 meses.
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Esclarecidos que estão os pontos prévios que importava abordar, ocupemo-nos então do mérito do recurso.
Como se referiu, a primeira das questões suscitadas pelo recorrente respeita à decisão de facto proferida na 1ª instância, e que aquele, como resulta desde logo da primeira das conclusões da sua alegação, pretende ver alterada no que respeita às respostas dadas aos arts.º 3º, 4º, 5º, 7º,8º e 9º da base instrutória.
Ora, a modificabilidade dessa decisão de facto, admissível dentro dos limites definidos pelo referido art.º 662º, depende desde logo que a impugnação da mesma em sede de recurso tenha observado os requisitos exigidos pelo art.º 640º, nº 1, do C.P.C..
Ou seja, ‘…deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas’.
Por outro lado, no caso da al. b) deve ainda observar-se o seguinte (nº 2 do mesmo art.º640º)
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
De qualquer forma, e aplicando estes princípios à hipótese dos autos, o que se verifica é que o recorrente, depois de nas conclusões da sua alegação começar por manifestar a sua discordância relativamente às respostas dadas aos arts.º 3º, 4º, 5º, 7º, 8º e 9º da base instrutória, se limitou afinal a pugnar pela resposta ‘ não provado’ àquele art.º 4º, fundamentando para além do mais a sua pretensão com as respostas dadas aos arts.º 8º, 9º e 10º, dos quais os dois primeiros antes afirmara também estarem incorretamente julgados…
Significa isto, desde logo, que em conformidade com a al. a) do referido nº 2 se impõe a imediata rejeição do recurso em tudo o que excede a matéria incluída no facto 18, supra transcrito, onde se contém a resposta dada ao art.º 4º da base instrutória.
E no que respeita concretamente a este facto, que como se disse o recorrente entende não ter sido provado, poderemos também adiantar desde já que a pretensão do recurso não merece qualquer acolhimento.
Com efeito, para fundamentar a sua tese o recorrente lançou mão de passagens dos depoimentos das testemunhas T…, arrolada pelo R. recorrente, e ML…, comum aos AA. e a ambos os RR., respetivamente pedreiro e servente da construção civil, ambos colegas de trabalho do falecido sinistrado, e trabalhadores na obra onde ocorreu o acidente.
Certo é que, ouvido o conjunto da prova produzida em audiência, que relembremos teve lugar quase nove anos após os factos em discussão, e considerados em particular aqueles dois depoimentos, nenhum deles infirmou minimamente a estrutura do andaime nos termos em que a mesma se acha descrita naquele facto 18. Ambas as testemunhas teceram considerações sobre a intervenção que a vítima teve na montagem do andaime, a experiência que o mesmo tinha na execução de semelhantes trabalhos, e o modo como aquela estrutura foi adaptada às dimensões específicas do local em causa. Mas em boa verdade nenhuma delas contrariou os factos objetivos que eram perguntados no art.º 4º da base instrutória.
Ademais, neste particular entendemos ser bastante mais fiável e esclarecedor o depoimento da testemunha PN…, inspetora do trabalho que se deslocou ao local no dia seguinte ao do acidente, e sobretudo o relatório que a mesma elaborou e que também se encontra junto aos autos, onde se descreve com objetividade e precisão a forma como fora montado o andaime de onde a infeliz vítima veio a cair e a estatelar-se no solo.
Daí que, sem necessidade de mais considerações, concluamos pela improcedência do recurso, na parte em que impugnava a factualidade dada como provada na 1ª instância, e demos essa mesma matéria de facto como definitivamente assente, com a ressalva do já apontado aditamento do facto 15-A.
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Na impugnação da decisão de direito proferida pelo Tribunal recorrido, e na sequência da pretendida alteração dos factos julgados provados, o apelante não veio questionar que o acidente em causa se deveu à inobservância de normas de segurança no trabalho, centrando sim a sua tese na imputação à vítima da responsabilidade por essa inobservância. Na tese do recurso o acidente estaria descaracterizado, nos termos do art.º 7º da LAT, não dando por isso direito a qualquer reparação.
E na verdade não restam dúvidas que foi a deficiente estrutura do andaime onde se encontrava o sinistrado que causou a queda do mesmo, após se ter desequilibrado quando, de pé e com os braços esticados, pressionava um berbequim de modo a furar a laje sobre a sua cabeça.
A insuficiente largura das tábuas de pé (facto 17), e a irregular colocação do guarda-costas (facto 18), em flagrante violação das dimensões e das características definidas nos arts.º 21º, 23º e 25º, do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (Dec. 41.821, de 11/8/1958), não protegeram devidamente o trabalhador quando o mesmo se desequilibrou, assim permitindo que o mesmo caísse e se estatelasse no solo, sofrendo as lesões que depois vieram a provocar-lhe a morte.
O que pode discutir-se é se tais infrações não serão afinal da exclusiva responsabilidade do sinistrado que, sendo pessoa experiente na montagem de andaimes (facto 20), teria acabado por desobedecer a instruções da hierarquia, e levantado a estrutura de modo desadequado às normas regulamentares e às exigências do trabalho que ia executar.
Da factualidade relevante que a tal respeito foi apurada entendemos, no entanto, que não pode concluir-se no sentido que é pretendido pelo recorrente.
Com efeito, como princípio geral é sabido que neste domínio, e para além do mais, o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho; por sua vez, constitui também obrigação do trabalhador cumprir as prescrições estabelecidas em disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador (cfr. arts.º 273º, nº 1, e 274º, nº 1, al. a), do Código do Trabalho de 2003, em vigor ao tempo dos factos dos autos).
Ora, na hipótese em causa, e com interesse para a decisão, resultou designadamente provado que:
- …. estava na obra o encarregado o qual tinha indicado o trabalho a executar pelo sinistrado, dizendo-lhe para montar o andaime (facto 19);
- o sinistrado tinha conhecimento das regras de segurança que deviam ser observadas para realização daquele trabalho, tendo prática na montagem de andaimes (facto 20);
- a montagem do andaime foi feita pelo sinistrado e pelo trabalhador ML… com conhecimento do encarregado que trabalhava por conta do Réu JM… e que era o responsável pela montagem dos andaimes na obra (facto 21);
- no momento da montagem do andaime foram levados para o local quatro tábuas e o sinistrado colocou apenas duas na escada de subida (facto 22);
- o sinistrado em outras situações, e por várias vezes, não aceitava as orientações que lhe eram dadas desrespeitando por vezes as normas de segurança que lhe eram impostas e numa obra da Galé tendo sido chamado à atenção para cumprir as normas de segurança, por esse motivo abandonou o trabalho, não tendo aceite a recomendação (facto 24).
A circunstância de estar no local o encarregado da obra, que trabalhava por conta do recorrente, de ser ele o responsável pela montagem dos andaimes, e que foi quem ordenou que o sinistrado montasse aquela estrutura, afigura-se particularmente relevante. Enquanto representante do empregador, o dito encarregado deveria ter-se certificado que esse trabalho estava corretamente executado, e que o andaime cumpria as pertinentes normas regulamentares sobre segurança no trabalho. A violação de tais regras não pode por isso deixar de ser imputada ao R. empregador, cujo representante na obra não exigiu a devida observância das mesmas, como lhe competia.
É neste sentido que, aliás, aponta também o relatório da Inspeção-Geral do Trabalho elaborado na sequência do acidente, cujas conclusões se acham reproduzidas na matéria de facto julgada provada.
Concluímos pois, em sintonia com o entendimento acolhido na sentença recorrida, que o acidente em causa resultou da inobservância de regras de segurança no trabalho, e que o R. recorrente é o responsável por esse incumprimento.
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A improcedência do recurso, também na parte em que questionava a decisão de direito, não invalida que discordemos do segmento dispositivo da referida sentença, na medida em que quantificou as prestações pecuniárias devidas aos beneficiários legais da vítima.
Como se referiu, a reparação do acidente que foi objeto da condenação proferida pela 1ª instância desconsiderou o subsídio de refeição auferido pela vítima, que naturalmente constitui também remuneração atendível para efeitos de cálculo das prestações devidas, à luz do conceito amplo de retribuição que se acha contemplado no art.º 26º, nsº 3 e 4, da LAT. Ou seja, ao invés duma remuneração anual de 8.526,00 €, correspondente ao valor do salário mensal de 609,00 € x 14 meses/ano, havia que considerar um total anual de 9.917,50 €, fazendo acrescer àquele montante os 1.391,50 € do referido subsídio (5,75 € x 22 dias x 11 meses/ano).
Importa por isso corrigir o erro, e cumpre fazê-lo por força da aplicação ao caso dos autos da regra do citado art.º 74º do C.P.T., para o efeito não relevando pois o facto de a condenação que agora se profere ser na prática mais gravosa para o recorrente.
De referir todavia que nada há a alterar quanto aos montantes devidos aos AA. a título de subsídio por morte e de despesas de funeral, nem quanto à responsabilidade subsidiária da R. seguradora. Por um lado, o cálculo dos primeiros acha-se referenciado apenas à remuneração mínima mensal garantida mais elevada (cfr. art.º 22º, nsº 1 e 3, da LAT), por outro o seguro só cobria o salário mensal de 609,00 € x 14, sendo portanto indiferente, num e noutro caso, o valor de subsídio de refeição pago ao sinistrado.
Uma nota final para afirmar que acompanhamos o entendimento da sentença recorrida quanto ao montante total das pensões devidas aos beneficiários. Sendo essas prestações de valor equivalente à retribuição da vítima (art.º 18º, nº 1, al. a), da LAT), também entendemos que o montante em causa deverá ser repartido pelos beneficiários que em cada momento sejam titulares do direito à reparação, de acordo com as proporções estabelecidas no art.º 20º da mesma Lei.
De qualquer forma, e enquanto coexistiram viúva e filhos como beneficiários da pensão, as respetivas pensões também não foram corretamente repartidas na sentença recorrida, no que toca à responsabilidade principal do R. recorrente (já na responsabilidade subsidiária da seguradora a proporção das pensões acha-se bem calculada). Sendo à primeira devida uma pensão correspondente a 30% da retribuição do sinistrado, e aos dois filhos de 40% (nº 1, al. a) e c), daquele art.º 20º), será nesta proporção que deverão calcular-se aquelas prestações: pensão de 4.250,36 € para a viúva, e pensão de 5667,14 € para os filhos.
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Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, alterando porém a sentença recorrida, nos termos do art.º 74º do C.P.T., e nessa medida condenam o R. JM… a pagar aos AA. D… e C…, por si e enquanto herdeiros de sua mãe M…:
1. A pensão anual e vitalícia no montante de 4.250,36 € (quatro mil duzentos e cinquenta euros e trinta e seis cêntimos) devida desde o dia 22 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), à viúva M… e até à data da sua morte ocorrida em 06 de Julho de 2006, cujo montante reverterá em partes iguais para os filhos do sinistrado após a morte da viúva e enquanto estes tiverem direito a receber as pensões que aqui também lhes são arbitradas;
2. A pensão anual no montante de 5667,14 € (cinco mil seiscentos e sessenta e sete euros e catorze cêntimos), devida desde o dia 22 de Maio de 2005 (dia seguinte ao da morte do sinistrado) e até perfazerem 19, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior ou sem limite de idade se afetados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, aos filhos do sinistrado D… e C…, paga mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de natal, respetivamente, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer, sendo 2.833,57 € (dois mil oitocentos e trinta e três euros e cinquenta e sete cêntimos) para cada um deles;
3. O montante de 523,42 € (quinhentos e vinte e três euros e quarenta e dois cêntimos) respeitante à indemnização devida pelo período em que o sinistrado esteve afetado de ITA.
Em tudo o mais, designadamente condenação de subsídio por morte, reparação de despesas de funeral, responsabilidade subsidiária da R. seguradora, e juros de mora, mantém-se o decidido na sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Évora, 26/03/2015
(Alexandre Ferreira Baptista Coelho)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)
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[1] No mesmo sentido v. Ac. desta Relação de 8/5/2012, e Ac. Rel. Porto de 30/9/2013, ambos em www.dgsi.pt
[2] V. aqui factos 13 e 14, supra