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CAPACIDADE JUDICIÁRIA
MASSA FALIDA
Sumário
O insolvente goza de capacidade judiciária para mover acção de insolvência contra terceiros.
Texto Integral
Proc. nº 264/14.2TBETZ-B.E1
ACÓRDÃO
Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de Évora Instância Local, Secção de Competência Genérica, Juiz 1, corre termos o Processo de Insolvência nº 264/14.2TBETZ que (…) moveu a (…) e a (…).
Neste processo, em sede de ata de audiência e julgamento, sessão de 7-1-2015, foi proferido o seguinte despacho:
“Da falta de capacidade judiciária do Requerente Em sede de oposição vêm os requeridos invocar a falta de capacidade judiciária do requerente, alegando para tanto que na ação que ora contestam se verifica que o requerente age de "motu próprio", sem estar devidamente representado por Administrador de Judicial. Concluem que o requerente não tem capacidade judiciária para propor a presente ação, na medida em que foi declarado falido em 2001. No exercício do contraditório, veio o Requerente pugnar pela improcedência da invocada exceção, alegando para tanto e em síntese que a sua declaração de insolvência não obsta a que intente a presente ação, porquanto pela mesma visa garantir bens e ou direitos que beneficiam o património da massa falida. Cumpre apreciar. Dispõe o nº 1 do artigo 15 do Código de Processo Civil que a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo, fluindo do nº 2 que a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos. A falta de capacidade das partes quando verificada configura uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância (artigo 278, 576, 577, aI. c) e 578, todos do CPC). Estabelece o nº 1 do artigo 147 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril que "a declaração de falência priva imediatamente o falido (...) do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial", acrescentando o nº 2 que é o liquidatário judicial que "assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à falência". Mais resulta do disposto no artigo 81 nº 1 do CIRE que: "sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência". Daqui resulta que, como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda in Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 3ª ed., pág. 392, o liquidatário judicial assume a representação do falido para os efeitos patrimoniais relativos à falência, "o que significa, tal como dizia a lei antiga, ser a «inibição» do falido inoperante quanto às matérias de natureza pessoal, em geral, e quanto às patrimoniais estranhas à falência." Na verdade, traduzindo-se a falência numa liquidação universal do património do falido/insolvente, tendo em vista a proteção e satisfação dos direitos dos credores, compreende-se que aquele não possa praticar atos sobre os bens que integram a massa e que possam causar prejuízo aos credores, quer diminuindo o seu património, quer prejudicando o direito dos credores de obterem pagamento dos seus créditos à custa desses bens. Nesta senda, acompanhamos o ensinamento de Manuel de Andrade (in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra Editora, pág.l13.), que se mantém atual, no sentido de que “Na inibição do falido deve julgar-se estabelecida e sancionada em correspondência com o motivo que a inspirou, isto é, consoante o exigir a proteção que se quis dispensar aos interesses dos credores. Nada menos do que isso, mas também nada mais do que isso.” De igual modo, acompanhamos o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 906/2005-6, datado de 12/05/2012 disponível em www.dgsi.pt de acordo com o qual: Nos interesses dos credores mostram-se acautelados pela proteção que lhes é conferida pela lei ao privar o falido da administração e do poder de disposição dos seus bens, presentes ou futuros, atribuindo a sua administração e o poder de disposição sobre os mesmos ao liquidatário judicial, não sendo necessária para o efeito uma incapacidade absoluta do falido que o impeça de realizar atos que valorizem ou aumentem o seu património (neste sentido Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 16.04.1974, de 18.03.2004 e de 23.09.2004). As limitações resultantes da declaração de falência não retiram ao falido a capacidade de exercício de direitos como o que os autores pretendem fazer valer através da presente ação, que tem por objeto a anulação de uma procuração e de um contrato, que só a dita procuração possibilitou, com a consequente reintegração de uma fração autónoma no seu património." De facto e revertendo ao caso dos autos, esta atividade do Requerente não envolve qualquer diminuição do património do falido, antes podendo trazer vantagens para os seus credores, os quais, caso a ação proceda, poderão ter mais possibilidades de satisfazer os seus créditos. Neste conspecto e com os fundamentos supra expostos, entendemos assistir ao Requerente capacidade judiciária ativa para intentar a presente ação, por versar sobre matéria de natureza patrimonial estranha à falência, improcedendo assim a invocada exceção dilatória.”
Inconformados, recorreram os requeridos, apresentando as seguintes conclusões:
(…)
O requerente/recorrido contra-alegou e concluiu:
(…)
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº4 do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684 nº3 e 685-A nº1 do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635 nº 4, 637 nº2 e 639 do N. Cód. Proc. Civil.
Nesta conformidade, a recorrente coloca à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
- O insolvente goza de capacidade judiciária para mover ação de insolvência contra terceiros (?)
A capacidade judiciária, como pressuposto processual, consiste na suscetibilidade de estar, por si em juízo.
Trata-se de uma qualidade intrínseca, natural da pessoa que se traduz no plano jurídico processual na possibilidade de exercitar validamente por si próprio os direitos processuais respetivos. Tal possibilidade, que aparece muitas vezes designada na doutrina, segundo uma antiga terminologia, por legitimidade formal (legitimatio ad processum), não deve de modo algum confundir-se com a legitimatio ad causam, que é a legitimidade para agir (em certa e determinada causa) – cfr. Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, pá. 111.
A distinção entre capacidade processual e legitimidade patenteia-se claramente nos casos em que a parte carece de capacidade processual: o exercício dos seus direitos processuais é então conferido pela lei a terceiros, os quais, por virtude dessa investidura legal, passam a ter legitimidade formal e atuam no processo, mas praticando todos os atos processuais em nome e em benefício da parte que eles representam – cfr. Liebman, Manual, I, pág.136, na ob. cit.
Dispõe o nº 1 do artº 15 do Código de Processo Civil que a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo.
No que tange à legitimidade "ad causam", ela existe da parte do demandante que possua interesse direto em demandar, exprimindo-se este pela utilidade derivada da procedência do pedido – cfr. art. 30 nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, decisão aliás assumida no mesmo aresto que conheceu a capacidade judiciária ao requerente e que os recorrentes colocaram à apreciação deste tribunal.
Retira-se do despacho recorrido que o requerente foi declarado falido em 2001, data em que vigorava o CPEREF, sendo que o art. 12 do DL. 53/2004 de 18 de Março que aprovou o atual CIRE estatuiu que o CPEREF continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e da falência pendentes à data da entrada em vigor daquele código.
Assim, refere o nº 1 do seu artº 147º, que "a declaração de falência priva imediatamente o falido ... do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial", e o nº 2 “ o liquidatário judicial assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à falência".
Como retirar destas disposições legais a solução para a situação em apreço (?)
Para Carvalho Fernandes e João Labareda, "Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência", Anotado, 3ª ed., pág. 392, o descrito nº 2 do art. 147 não estabelece regime diferente do anterior nº 3 do art. 1189 do Código de Processo Civil, pois que, ao estatuir que “o liquidatário judicial assume a representação do falido” para os efeitos patrimoniais relativos à falência, mais não significa que a inibição do falido se revela inoperante relativamente às matérias de natureza pessoal em geral, e outrossim, quanto às patrimoniais estranhas à falência.
Sendo assim, a declaração de falência implica a "inibição" do falido para administrar e dispor dos seus bens, sendo representado, salvo direitos exclusivamente pessoais ou estranhos à falência, pelo administrador da falência.
E o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-4-74, BMJ 236, pág. 112, foi mais longe “… nada obsta a que realize atos que possam valorizar ou aumentar esse património"
Aliás quer ao abrigo das disposições do Código de Processo Civil de 1967, quer ao abrigo das disposições do subsequente do CPEREF, apenas os negócios realizados pelo falido posteriormente à declaração de falência são "inoponíveis" à massa falida, podendo mesmo ser confirmados pelo liquidatário judicial, quando nisso haja interesse para a massa falida (cfr. art. 1.190º do Código de Processo Civil de 1967 e 155º do CPEREF).
Como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 2004, Proc. nº 04B591, em www.dgsi.ptIII. Se bem que a declaração de falência acarrete a "inibição" do falido para administrar e dispor dos seus bens, sendo representado, salvo direitos exclusivamente pessoais ou estranhos à falência, pelo administrador da falência, tal nada obsta a que realize atos que possam valorizar ou aumentar esse património. IV. O falido não é propriamente um incapaz, já que conserva a sua plena capacidade de exercício de direitos, pois que, quer à sombra das disposições do CPC67, quer ao abrigo das disposições do subsequente CPEREF, apenas os negócios realizados pelo falido posteriormente à declaração de falência são "inoponíveis" à massa falida, podendo mesmo ser confirmados pelo liquidatário judicial quando nisso haja interesse para a massa falida”.
Ora, sendo o processo de insolvência um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores – art. 1º do CIRE - a invocação da apontada irregularidade processual para o processo em causa não se enquadra propriamente na limitação da capacidade patrimonial do falido que a lei consagra nos citados preceitos como efeito necessário da declaração de falência .
Acompanhamos por isso a decisão recorrida quando refere “… De facto e revertendo ao caso dos autos, esta atividade do Requerente não envolve qualquer diminuição do património do falido, antes podendo trazer vantagens para os seus credores, os quais, caso a ação proceda, poderão ter mais possibilidades de satisfazer os seus créditos…”
É que da sua pretendida atuação, o autor, ora recorrido, poderá até, teoricamente, aumentar a possibilidade de satisfação dos direitos dos seus credores.
Perante esta ordem de considerações, com reporte aos direitos patrimoniais decorrentes do ato (definitivo) da decisão declaratória de falência, desnecessário se torna invocar o argumento «a majore ad minus» ou «a fortiori» para que se reconheça ao recorrido o pleno exercício dos seus direitos processuais na ação em curso.
Decisão:
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)
Évora, 16-04-2015
Assunção Raimundo
Sérgio Abrantes Mendes
Luís da Mata Ribeiro