EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PAGAMENTO DO CRÉDITO DO EXEQUENTE
CUSTAS
Sumário

Não tem o exequente a obrigação de pagar na execução o valor resultante da liquidação de todas as responsabilidades do executado, efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 846.º e 847.º do CPC, pois se não trata do pedido de pagamento dos honorários e despesas devidos ao Agente de Execução, previstas no seu artigo 721.º.
Sumário do Relator

Texto Integral

RECURSO Nº. 1.079/10.2-A – APELAÇÃO (ABRANTES)


Acordam os juízes nesta Relação:

A Apelante/Executada “Companhia de Seguros (…), SA”, com sede na Av. da (…), n.º 242, em (…), vem interpor recurso do douto despacho saneador-sentença proferido em 26 de Novembro de 2014 (ora a fls. 69 a 78), no Tribunal Judicial da comarca do Entroncamento, vindos do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, nestes autos de embargos de executado, por si deduzidos contra o Apelado/Exequente (…), residente na Rua do (…), nº 622, (…), (…) [correndo a execução pelo valor de € 8.651,89 (oito mil, seiscentos cinquenta e um euros, oitenta nove cêntimos) e juros] – decisão que julgou improcedente a oposição mediante embargos, com o fundamento que aí se aduz de que “a executada foi notificada de que poderia reclamar da liquidação efectuada, no prazo de dez dias, e de que deveria pagar o saldo em dívida, através de guia de pagamento anexa”; mas “não apresentou reclamação, nem pagou o saldo da liquidação”; “assim sendo, verifica-se que a Sr.ª Agente de Execução, ao determinar o prosseguimento da execução, por falta de pagamento daquele valor, limitou-se a cumprir o previsto no n.º 4 do artigo 847º do NCPC, não padecendo aquela decisão de qualquer ilegitimidade ou nulidade”; “a extinção da execução apenas se poderia verificar caso aqueles valores tivessem sido liquidados (alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do NCPC), pelo que, não o tendo sido, teria necessariamente de prosseguir a execução” –, ora intentando ver revogada essa decisão da 1ª instância e alegando, para tanto e em síntese, que, ao contrário do decidido, “incumbia ao exequente efectuar o pagamento das custas (honorários, despesas) que se mostrem devidas ao agente de execução, não sendo aplicável o regime da liquidação da responsabilidade do executado, prevista nos artigos 846.º e 847.º do Código de Processo Civil”, pelo que o prosseguimento da execução, nos termos em que foi efectuado, “é ilícito e ilegal, sendo o acto processual nulo (artigo 195.º do CPC), porquanto resulta da prática de um acto que a lei não admite, podendo influir no exame ou decisão da causa”. Termos em que deverá vir a ser revogada a douta decisão recorrida.
O Apelado (…) apresenta contra-alegações (fls. 105 a 112 dos autos), para dizer, também em síntese, que “confunde a recorrente a oportunidade da elaboração da conta do agente de execução/custas de parte com a liquidação da responsabilidade do executado, prevista nos artigos 846º e 847º do Código de Processo Civil”, pois que “essa liquidação visa apurar se o valor entregue extrajudicialmente pelo executado para pagamento é ou não suficiente para fazer face ao valor global do crédito do exequente e custas do processo”. E não tendo pago a liquidação que foi feita, tem a execução que prosseguir a sua tramitação, o que aconteceu, nada tendo de ilegal. São termos em que se deverá manter a decisão recorrida, assim improcedendo o presente recurso de apelação.

Vêm dados por provados os seguintes factos:

1) No dia 02 de Dezembro de 2013 foi instaurada a execução de que os presentes autos constituem um apenso, correndo nos próprios autos e tramitada de forma autónoma, para cobrança da quantia exequenda de €183.984,66 (cento e oitenta e três mil, novecentos oitenta e quatro euros, sessenta e seis cêntimos), correspondente ao montante fixado em sentença condenatória (€ 180.000,00), acrescido de juros de mora (€ 3.984,66).
2) Em 16 de Dezembro de 2013, a aí executada, ora embargante, efectuou o pagamento integral da quantia exequenda directamente junto do exequente, ora embargado, que assinou um recibo no valor de € 183.964,93 (cento e oitenta e três mil, novecentos e sessenta e quatro euros e noventa e três cêntimos).
3) Em 03 de Janeiro de 2014 o exequente, ora embargado, comunicou aos autos de execução ter a executada, ora embargante, procedido ao pagamento da dívida exequenda, tendo ainda requerido a extinção da execução, por inutilidade superveniente da lide, bem como cancelamento da penhora de saldos bancários.
4) Em 6 de Janeiro de 2014 a Sr.ª Agente de Execução proferiu a seguinte decisão nesses autos de execução: “tendo a executada procedido ao pagamento, voluntária e directamente, da quantia exequenda ao exequente, decide-se, nos termos do artigo 846.º, n.º 4, do C.P.C.: suspender a execução e proceder à liquidação da responsabilidade da executada”.
5) Em 6 de Janeiro de 2014 a Sr.ª Agente de Execução requereu, ainda, a junção aos autos de execução “de nota discriminativa de honorários e despesas elaborada nos termos da Portaria 282/2013, de 29/08, apurando-se assim a responsabilidade da executada” e informou também que “nesta data procedeu-se à notificação das partes, nos termos do artigo 533.º do CPC e artigo 29.º e seguintes do RCP”.
6) Em 06 de Janeiro de 2014, nos autos de execução, a Sr.ª Agente de Execução remeteu notificação para a executada, ora embargante, nos seguintes termos: “Nos termos do disposto nos artigos 30.º do RCP e 533.º do CPC, fica V. Exª notificado da nota discriminativa e justificativa de despesas e honorários elaborada nos termos da Portaria n.º 282/2013, de 29/08, com apuramento da responsabilidade, nos termos do artigo 847.º do CPC.
Dela pode reclamar no prazo de 10 (dez) dias.
Uma vez que se apura um saldo ainda em dívida de 8.651,89 euros, deverá tal montante ser pago através da guia de pagamento anexa.
Nos termos do artigo 721.º, n.º 5, do CPC, a presente nota discriminativa de honorários e despesas, não sendo reclamada, poderá constituir título executivo”.
7) Em 06 de Janeiro de 2014, nos autos de execução, a Sr.ª Agente de Execução remeteu notificação para o exequente, ora embargado, nos seguintes termos: “Nos termos do disposto nos artigos 30.º do RCP e 533.º do CPC, fica V. Exª notificado da nota discriminativa e justificativa de despesas e honorários elaborada nos termos da Portaria n.º 282/2013, de 29/08, com apuramento da responsabilidade, nos termos do artigo 847.º do CPC.
Dela pode reclamar no prazo de 10 (dez) dias”.
8) E, em 28 de Janeiro de 2014, a Sr.ª Agente de Execução apresentou requerimento nos autos de execução, com o seguinte teor: “(...) vem solicitar balanço de custas, nos termos do artigo 29º do RCP, com vista à oportuna extinção da instância.
Mais informa que:
O exequente requereu a extinção da instância executiva, não se mostrando ainda assegurado o pagamento das custas, cujo apuramento se anexa.
Pelo que solicita, ainda, que seja informada sobre se foi apresentada reclamação da conta/apuramento da responsabilidade”.
9) A 29 de Janeiro de 2014 a Secção notificou a Sr.ª Agente de Execução: “(...) não foi apresentada nos autos qualquer reclamação da conta/apuramento da responsabilidade”.
10) Em 07 de Fevereiro de 2014, a Sr.ª Agente de Execução apresentou requerimento nos autos de execução, solicitando “(...) que se digne ordenar esclarecer se se encontra depositada pela Executada a quantia apurada da sua responsabilidade, sendo que em caso negativo, ordenar-se o prosseguimento da execução”.
11) Em 10 de Fevereiro de 2014 a Secção notificou a Sr.ª Agente de Execução “(...) de que até à presente data não foi efectuado qualquer depósito nos presentes autos”.
12) Em 10 de Fevereiro de 2014, nos autos de execução, a Sr.ª Agente de Execução notificou o exequente, ora embargado, nos seguintes termos: “Fica V.ª Ex.ª notificada de que a executada, notificada do apuramento da sua responsabilidade, com saldo devedor de 8.651,89 euros, no qual se inclui honorários e despesas de agente de execução e juros compulsórios a favor dos Cofres, não procedeu ao seu depósito ou pagamento, nem reclamou desse apuramento.
Considerando a comunicação de V.ª Ex.ª de 03/01/2014, na qual requereu a extinção da presente execução com fundamento no pagamento da quantia exequenda pela executada, notifica-se V.ª Ex.ª para vir informar se a executada procedeu ao pagamento ao exequente da quantia apurada de 8.651,89 euros e, em caso negativo, se mantém o pedido de extinção ou, se pelo contrário, pretende o prosseguimento da execução quanto ao valor remanescente apurado”.
13) Em 28 de Fevereiro de 2014, o exequente apresentou, então, dois requerimentos, cujos destinatários eram a Sr.ª Agente de Execução e o Tribunal, através dos quais informava que o montante recebido da executada seria insuficiente (face ao apuramento da responsabilidade da executada), tendo requerido que fosse dado sem efeito o anterior “pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente” e “prosseguimento da execução da quantia que se mostra ainda em dívida, no montante de 8.651,89 euros, caso a executada ainda não tenha liquidado o saldo à Sra. Agente de Execução”.
14) Em 28 de Fevereiro de 2014 a Sr.ª Agente de Execução proferiu decisão determinando o prosseguimento da execução “pelo valor remanescente de 8.651,89 euros”.
15) E em 07 de Março de 2014, nos autos de execução, foi penhorado o “saldo bancário na conta de depósitos à ordem no ‘Banco (…), S.A.’ em nome da Executada Companhia de Seguros (…), S.A.”, no montante de € 8.651,89, tendo a Executada sido citada para a execução e, em simultâneo, notificada daquele acto de penhora.

*

Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se está correcta a decisão de fazer prosseguir a execução para pagamento das entretanto apuradas responsabilidades da executada, depois desta ter pago, directa e extrajudicialmente, ao exequente a quantia exequenda e os juros em que havia sido condenada por douta sentença transitada em julgado. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Mas, adiantando razões, e salva sempre melhor opinião, se constata ter o douto despacho ora recorrido decidido acertadamente a questão que lhe estava colocada: duma pretensa ilegalidade da prossecução da execução, a impulso do exequente e da Sr.ª agente de execução, para pagamento das responsabilidades da executada/embargante, ora apelante, pois partiu a Mm.ª Juíza do pressuposto – correcto, em face dos elementos de que dispunha – de que fora a executada quem dera causa a tais despesas e se não aplicava o regime legal que impunha ao próprio exequente o pagamento dessas despesas, considerando, até, que esta problemática nem sequer seria fundamento para deduzir oposição à execução.

[A M.ª Juíza veio a exarar, com efeito, acertadamente, no douto despacho recorrido, a fls. 73 dos autos:
“Após instauração da execução, a executada, ora embargante, procedeu ao pagamento da quantia exequenda indicada no requerimento executivo e o exequente comunicou aos autos esse pagamento. Na medida em que esse pagamento foi posterior à propositura da execução, não constitui fundamento bastante para deduzir oposição à execução”.
E a fls. 75:
“De facto, o artigo 846.º do NCPC continua a contemplar casos de pagamento efectuado no processo e fora do processo executivo, sendo que em ambos os casos o procedimento é similar: susta-se a execução e liquida-se toda a responsabilidade do executado. Do ponto 4 dos factos provados verifica-se que foi esse o procedimento adoptado pela Sr.ª Agente de Execução, que assim sustou devidamente a execução para liquidação da responsabilidade da executada”.]

Aliás, nem se entende muito bem onde é que está, afinal, a dificuldade.
Pois que a Seguradora foi condenada a pagar ao Sinistrado uma quantia de € 180.000,00 e juros, por um acidente ocorrido já em 01 de Outubro de 2007.
A sentença condenatória da 1ª instância data de 10 de Maio de 2013.
Foi confirmada na íntegra, nesta Relação, a 17 de Outubro de 2013.
Tal condenação transitou em julgado em 20 de Novembro de 2013.
Consequentemente, como qualquer cidadão ou empresa, a Seguradora só tinha que pagar, mas não pagou.
Deixou instaurar a execução (em 2 de Dezembro de 2013), pelas quantias de € 180.000,00, e de € 3.984,66, de juros já vencidos.
Pagou, a seguir, a 16 de Dezembro, tais quantias, extrajudicialmente.
Não pagou mais nada.
Tem, naturalmente, que responder por todas as custas a que deu azo.
Foi feita essa liquidação num valor de € 8.651,89, que lhe foi notificada.
Dela não reclamou. Nem a pagou.
Tem de prosseguir a execução.
Foi o que se decidiu.

Por isso, que, mesmo entendendo que os embargos teriam sempre de ser julgados improcedentes, por não ter sido invocado um fundamento previsto para tal – solução que não vemos sequer impugnada nesta sede de recurso –, a douta sentença da 1ª instância não deixou de elucidar a executada/embargante sobre o regime legal adequado ao caso, para que não restassem dúvidas e, assim, obviar a que, na execução, se voltasse a suscitar a questão.
Ora, está correcto um tal enquadramento.

Com efeito – e como nem poderia deixar de ser –, é isso que resulta do regime estabelecido na lei, no artigo 846.º do novo CPC (igual ao artigo 916.º do anterior CPC): “Em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida” (nº 1); “Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, suspende-se logo a execução e liquida-se a responsabilidade do executado” (nº 5). Nessa responsabilidade do executado incluem-se, naturalmente, as custas (nº 1 do artigo 847.º do CPC), que são constituídas pela taxa de justiça, encargos e custas de parte (artigo 529.º, n.º 1, CPC). E as custas de parte são as relativas a despesas com taxas de justiça pagas, encargos suportados, remunerações pagas ao agente de execução e despesas por ele efectuadas e honorários e despesas do mandatário (artigo 533.º, n.º 2, do CPC).

Mas não pode ser o exequente a pagá-las, como pretende a executada, nos termos do artigo 721.º do CPC (naturalmente, se as pagasse, sempre as podendo reaver da executada, caso não pudessem sair do produto da venda, pelo que, até por aí, se duvida do interesse, para a própria executada, tanto da oposição, como do recurso), não podendo ser o exequente a pagá-las, dizíamos, porquanto está aqui em causa a liquidação de todas as responsabilidades da executada, como se referiu supra (nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC) – que, note-se, nada depositou no processo executivo por conta das despesas a ele inerentes, apenas tendo pago extrajudicialmente a quantia exequenda e os juros que constavam do título executivo – e não apenas o simples pedido de pagamento dos honorários e despesas do agente de execução.

E o exequente não tem, naturalmente, que depositar o valor resultante da liquidação de todas as responsabilidades da executada.

Como se escreveu, adequadamente, na douta sentença, a fls. 76 e 77:
“Mas tal liquidação tem um objecto mais amplo (pode englobar o cálculo de juros de mora entretanto vencidos ou quantias que sejam devidas ao Estado) que o simples pedido de pagamento de honorários e despesas.
Essa liquidação visa apurar se o valor entregue extrajudicialmente pela Executada para pagamento é ou não suficiente para fazer face ao valor global do crédito do Exequente e custas do processo e, para tanto, há que proceder, além do mais, ao cálculo das custas (por referência aos actos praticados no processo até àquele momento)”.

Já quanto à problemática do concreto valor apurado, isso já não poderá a executada discutir, porquanto foi oportunamente notificada da liquidação e dela não reclamou.

Razão para que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se deva manter, intacto na ordem jurídica, o douto despacho da 1ª instância que assim decidiu, e improcedendo o presente recurso de Apelação.

E, em conclusão, dir-se-á:

Não tem o exequente a obrigação de pagar na execução o valor resultante da liquidação de todas as responsabilidades do executado, efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 846.º e 847.º do CPC, pois se não trata do pedido de pagamento dos honorários e despesas devidos ao Agente de Execução, previstas no seu artigo 721.º.

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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o saneador-sentença recorrido.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Évora, 16 de Abril de 2015
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral