RESOLUÇÃO DE CONTRATO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
COMUNICAÇÃO
Sumário

O declaratário fica vinculado não só quando o conteúdo da declaração chega efectivamente ao seu poder e conhecimento, mas ainda quando ela seja colocada ao seu alcance e só uma atitude sua o impediu de dela tomar conhecimento. Ora, num caso de encerramento do estabelecimento, de não levantar a carta na Estação dos CTT estando para isso avisado, ou de pedido de devolução da correspondência, existe um acto voluntário impeditivo de saber o conteúdo da carta que lhe era dirigida.

Texto Integral

P.3753/12.0TBSTB-G.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…), credora no processo de insolvência em que é insolvente (…), veio recorrer do despacho proferido pelo Mm.º Juiz “a quo”, o qual confirmou a resolução de hipoteca voluntária, constituída a favor da credora supra identificada, sobre o prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho da Marinha Grande, composto de casa de rés-do-chão destinada a habitação, dependência destinada a garagem e arrumos e logradouro, com a área coberta de 168 m2, dependência com a área de 80 m2 e logradouro com a área de 1148 m2, inscrito na matriz urbana com o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o n.º (…), com o valor patrimonial tributário de € 14.007,96, resolução essa oportunamente efectuada pelo Administrador da Insolvência mediante notificação, por carta registada com A/R, da referida credora, nos termos e para os efeitos previstos no art. 123º do CIRE.
Inconformada com o dito despacho dela apelou a credora supra identificada, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto do douto despacho de fls. (ref. 77311442) no âmbito do qual é considerada como válida e eficaz, ao abrigo do artigo 224º, nº 2, do C.C., a pretensa comunicação do Senhor Administrador de Insolvência, no âmbito do qual este terá alegadamente procedido à resolução da hipoteca voluntária constituída a favor da ora recorrente sobre um imóvel do insolvente, nos termos do artigo 125º do CIRE.
B. Sucede que não chegou à ora recorrente qualquer comunicação, nem ao seu poder nem conhecimento.
C. Sendo que também que não há qualquer acto imputável à ora recorrente no não recebimento da referida comunicação.
D. Uma análise da carta na qual alegadamente constava a comunicação em apreço (carta da qual apenas teve conhecimento depois de notificada do presente despacho, por consulta dos autos – continuando a desconhecer o conteúdo da comunicação do senhor Administrador de Insolvência) para percebermos que a morada ali inscrita é a seguinte: Rua (…) (…), 28, 5º-Dto., em (…).
E. Quando a morada efectiva da recorrente se situa na Rua (…), 28, 5º-Dto, em Lisboa, morada que aliás é conhecida pelo douto Tribunal, que procedeu à notificação do douto despacho ora recorrido, notificação que foi pela recorrente recebida.
F. Logo por aqui se verifica que de facto a não recepção da comunicação nunca poderia ser imputável à recorrente, pelo que não tem aplicação o supra citado nº 2 do artigo 224º do C.C. e, em conformidade, não produz qualquer efeito a declaração (nº 1 a contrario).
G. Aliás, nota-se da consulta ao sítio de internet dos CTT que a carta não terá sido entregue, verificando-se inclusivamente a menção empresa encerrada, sendo certo que a morada em questão se refere a domicílio pessoal da recorrente, nele não se encontrando sediada nenhuma empresa.
H. Mais se estranha que, ao invés de proceder pelos meios legais normais, por exemplo, informando o douto tribunal dos constrangimentos na notificação e, em conformidade requerendo pesquisas sobre a morada actual da ora recorrente, se satisfaça com a mera questão a um terceiro (mandatário do insolvente) ao qual a recorrente é alheia.
I. O que é mais gravoso se tivermos em consideração a relevância do acto em causa, que se traduz na resolução de um acto no qual está constituído um importante direito a favor da recorrente,
J. Resolução face à qual, nos termos em que é feita não houve oportunidade para a mesma de apresentação da sua defesa, entenda-se o meio processual adequado a reagir, a acção de impugnação.
K. A entender-se como se faz no douto despacho precludiria o direito da recorrente sem que esta tivesse a oportunidade de o exercer, negando-se assim claramente o acesso ao mesmo. Mas caso assim V. Exas. não entendam,
L. É aplicável subsidiariamente ao processo de insolvência, por via do artigo 17º do CIRE, o CPC.
M. Considerando a natureza do acto em causa, entende a recorrente que a comunicação do Exmo. Sr. Administrador de Insolvência deve revestir, com as necessárias adaptações, as formalidades da citação.
N. E nestes termos, estamos perante uma nulidade por falta de citação, nos termos dos artigos 188º, nº 1, alínea e) e 191º, do CPC.
O. Pelo que também por esta via não foi a comunicação devidamente efectuada e não deverá produzir efeitos.
P. E ainda que se considerasse que tal comunicação reveste a natureza de notificação ao invés de citação a conclusão não seria diversa, tanto pela aplicação, em tudo o que não contrarie a respectiva natureza, das normas aplicáveis à citação.
Q. Como pela aplicação do artigo 249º, nº 2, do CPC, visto que não foi de facto a credora notificada na sua residência (não foi notificada em absoluto).
R. De notar ainda que, independentemente do entendimento que se siga, mesmo tendo tomado conhecimento da realização da referida notificação por via do douto despacho recorrido, a verdade é que tal não significa que tenha tomado cabal conhecimento da comunicação, pois é necessário o cumprimento nos termos dos formalismos da lei, para que a ora recorrente possa verificar e oportunamente pronunciar-se acerca do preenchimento ou não dos requisitos legais para a sobredita resolução, pelo que em circunstância alguma poderá deixar a referida notificação de ser repetida.
S. Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em conformidade:
- revogado o douto despacho recorrido, sendo substituído por outro que considere ineficaz a comunicação operada pelo senhor administrador de insolvência e ordene a repetição da mesma para a morada efectiva da ora recorrente. Ou, caso assim V. Exas. não entendam,
- Ser o presente Recurso julgado procedente e, em conformidade, revogado o douto despacho recorrido, sendo substituído por outro que considere nula a comunicação operada pelo senhor administrador de insolvência e ordene a repetição da mesma para a morada efectiva da ora recorrente. E apenas caso assim V. Exas. não entendam, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe,
- Ser revogado o douto despacho recorrido, sendo substituído por outro que considere ineficaz a comunicação efectuada pelo Exmo. Administrador de Insolvência e, como tal, não decorrido o prazo previsto no artigo 123º do CIRE, sendo concedido novo prazo à recorrente. Em qualquer dos casos, só assim se fazendo Justiça.
A massa insolvente de (…) apresentou contra-alegações de recurso nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Atenta a não complexidade da questão a dirimir, foram dispensados os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n,º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela credora (…), ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a mesma não se pode ter por notificada para os efeitos previstos do art. 123º do CIRE, dado não ter recebido tal notificação – que, por isso, é nula ou ineficaz – e, consequentemente, deverá ser ordenada a repetição da mesma para a morada efectiva da ora recorrente.
Apreciando, de imediato, a questão supra referida importa antes de mais referir a tal propósito que a resolução em benefício da massa insolvente é um mecanismo que visa dar ao administrador de insolvência o poder de, com alguma eficácia, fazer reingressar naquela bens ou direitos que possam ter sido alienados por actos praticados no intuito de os furtar à garantia da satisfação dos credores que vierem reclamar os seus créditos na insolvência.
Na verdade, como se esclarece no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/3, diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua nota 41 – “prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a «resolução em benefício da massa insolvente» – que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”. O que se justifica na medida em que “a finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente”. Posto o que “importa apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa”.
Tal faculdade de resolução foi concedida, de forma incondicional, relativamente aos actos taxativamente apontados no art. 121º do CIRE, desde que praticados dentro de certo prazo que anteceda o início do processo de insolvência, que varia, conforme o tipo de acto, entre seis meses e dois anos.
Por outro lado, nos termos do artigo 120º do CIRE, a mencionada resolução pode ainda ser actuada relativamente a actos praticados dentro dos quatro anos anteriores a essa data, desde que sejam prejudiciais à massa e o terceiro neles interveniente esteja de má-fé. Por depender da verificação de certos requisitos, vem-se chamando a esta, por contraposição àqueloutra, resolução condicional.
Ora, a resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se, ao abrigo do estipulado no art. 123º do CIRE, através de carta registada com A/R, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
Além disso, a aludida resolução poderá ser impugnada pela outra parte no acto resolvido ou por terceiro afectado pela resolução, a quem incumbe o ónus de intentar a acção correspondente, a qual, nos termos do disposto no art. 125º do CIRE, correrá termos por dependência do processo de insolvência, sendo certo que, nessa acção, o que está em causa é saber se inexiste, de todo, fundamento para a resolução operada pelo administrador de insolvência.
No caso em apreço, o administrador de insolvência declarou resolvido em benefício da massa insolvente a hipoteca voluntária constituída a favor da ora recorrente sobre um imóvel do insolvente, devidamente identificado nos autos, com fundamento que reportou aos artigos 120º e 121º, nº 1, alínea c), do CIRE, tendo notificado de tal resolução a credora, aqui Apelante, através de carta registada com A/R, enviada para a sua residência (cfr. art. 123º), a qual, no entanto, foi devolvida com os dizeres “destinatário ausente; empresa encerrada, avisado na loja CTT, S. Domingos de Benfica (Lisboa)”.
Por isso, importa agora saber se, não obstante a devolução de tal carta, a recorrente deve considerar-se devidamente notificada nos termos e para os efeitos previstos no citado artigo 123.º.
Analisando os autos, resulta claro que a morada constante na carta registada com A/R dirigida à recorrente não tinha escrito o último nome da rua onde a mesma reside (“Av. (…), 28, 5º-Dto., em Lisboa”, quando o nome completo da dita avenida é (…), muito embora tal morada estivesse correcta relativamente à identificação do destinatário, aos restantes nomes da rua, ao número da porta e identificação da fracção, incluindo até o código postal devidamente completo.
Daí que, não foi o lapso de omissão do último nome da artéria em causa que, de todo, impediu o carteiro dos CTT de fazer o depósito do aviso de recepção na respectiva caixa do correio da apelante, por força da indicação aposta na carta devolvida de “destinatário ausente”.
Além disso, sempre se dirá que a morada da credora, ora recorrente, é, sem qualquer margem para dúvidas, a supra referida (Av. …, 28, 5º Dto., Lisboa), uma vez que é essa a morada da apelante que também consta da Segurança Social, das Finanças, do cartão do cidadão, da carta de condução e até do registo automóvel.
Acresce que, a designação tipo dos CTT “destinatário ausente; empresa encerrada” não significa qualquer erro de distribuição mas é antes uma menção tipo, para que possa vir a ser aplicada a ambos os casos, ou seja, quer a pessoas singulares, quer a pessoas colectivas.
Deste modo, se consta a menção de destinatário ausente é porque a entrega não foi conseguida e o destinatário existe, sendo o aviso entregue na morada correcta pelo carteiro – atenta o código postal correcto e completo da dita avenida – e a carta de resolução era susceptível de ser reclamada pela credora, ora apelante, na correspondente estação dos CTT (S. Domingos de Benfica, Lisboa).
Porém, a mencionada carta de resolução esteve a aguardar ser levantada, de 16/5/2014 a 27/5/2014, na supra referida estação dos CTT, não o tendo sido pela destinatária, aqui apelante, o que só pode conduzir – como bem afirmou o Mm.º Juiz “a quo” que proferiu o despacho recorrido – à aplicação do conceito de culpa de não recebimento pelo destinatário e a consequente consideração de eficácia à declaração – cfr. nº 2 do art. 224º do Cód. Civil.
No sentido por nós sustentado veja-se o Ac. da R.L. de 27/6/2002, in CJ, 2002, Tomo 3º, pág. 114, onde é referido o seguinte:
- Considera-se recebida pelo declaratário a declaração constante de carta registada com aviso de recepção que é devolvida ao remetente com a menção de “não reclamado”. Cabe ao declaratário o ónus de prova de ausência de culpa da sua parte no não recebimento dessa carta.
Nesse mesmo sentido, pode ver-se o Ac. desta Relação de 7/11/2002, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, se afirmou o seguinte:
- (…) a carta foi remetida para o endereço da Requerida, tal como esta o havia indicado no documento que subscreveu. Ora, dispõe o artigo 224º, nº 2, do Código Civil, que uma declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz em relação a este, embora a não tenha recebido oportunamente, por culpa sua. Consagra, pois, a lei, a Teoria da Recepção, mas numa forma mista: O declaratário fica vinculado não só quando o conteúdo da declaração chega efectivamente ao seu poder e conhecimento, mas ainda quando ela seja colocada ao seu alcance e só uma atitude sua o impediu de dela tomar conhecimento. Ora, num caso de encerramento do estabelecimento, de não levantar a carta na Estação dos CTT estando para isso avisado, ou de pedido de devolução da correspondência, existe um acto voluntário impeditivo de saber o conteúdo da carta que lhe era dirigida.
Em sentido idêntico veja-se ainda o Ac. do STJ de 3/5/2007, também disponível in www.dgsi.pt, que desde já passamos a transcrever:
- (…) Quanto ao facto de que sendo a notificação para se submeter a exames médicos uma declaração recepticia, competia à sua emissora provar que ela chegara realmente às mãos do notificando, cabe dizer que, na realidade, o provou, ao conseguir demonstrar que fora deixada na caixa do correio do recorrente.
Daí se segue que é aplicável o nº 2 do artº 224º do C. Civil que considera eficaz a declaração receptícia se apenas por culpa do destinatário dela não tomou este conhecimento.
Com efeito, nada mais competia à ré seguradora fazer – enviando a carta para a única residência do autor que conhecia – enquanto, por outro lado, competia ao titular da caixa de correio – o autor – ser diligente no sentido de ter em atenção o correio que ali era depositado. O que não foi o caso do recorrente.
Era a este que tinha o ónus de contrariar a culpa assim demonstrada, demonstrando que não houvera negligência da sua parte, para que pudesse beneficiar do nº 3 do referido artº 224º que considera ineficaz a declaração se não houver culpa do declaratário na falta de recepção. Mas o recorrente limitou-se a dizer que a deficiência era dos serviços de correio).
A eficácia da notificação não pode, pois, ser aqui posta em causa (sublinhado nosso).
Por último, o Ac. da R.G. de 6/11/2014, também disponível in www.dgsi.pt, o qual aborda um caso similar ao dos presentes autos, onde é afirmado o seguinte:
- (…) É indiscutível que a resolução, como declaração de vontade, a operar, no caso, mediante comunicação legalmente tarifada, é uma declaração recepticia, isto é, a respectiva eficácia depende do conhecimento do destinatário.
A recorrente põe em causa a validade, quanto a si, da resolução operada pela administradora da insolvência, por a mesma ter sido efectuada na pessoa do respectivo procurador no negócio, o Dr. (...), que segundo ela, uma vez que «não detinha poderes para receber a citação nos presentes autos, pela mesma ordem de ideias não detinha poderes para receber a comunicação da resolução nos termos do art. 123.º do CIRE.»
Mas não tem razão.
Nos termos do art. 224º do Código Civil:
1- “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (…);
2 – É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”; (sublinhado nosso).
O transcrito preceito consagra uma teoria mista: O declaratário fica vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou o documento não lhe tenham sido entregues.
Mas fica igualmente vinculado nos termos da teoria da recepção, isto é, logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela.
O que releva é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo (sublinhado nosso).
A solução legal visa, naturalmente, evitar fraudes e intencionais alheamentos por banda do destinatário: é por isso que se considera eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do destinatário, como sucede quando ele se ausenta para parte incerta, se recusa a receber a carta negocial ou não a levante em eventual apartado que possua.
O mencionado preceito consagra a regra geral no domínio da eficácia da declaração negocial – cfr. Ac. do STJ de 18.02.2009 (Sousa Grandão), proc. 08S2577, in www.dgsi.pt.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 09.02.2012 (Abrantes Geraldes) «[a] dificuldade está na apreciação dos comportamentos (acções ou omissões) do destinatário susceptíveis de integrar a situação prevista no nº 2 do art. 224º do CC. Lidando com conceitos indeterminados conexos com elementos subjectivos da responsabilidade contratual (a culpa e a exclusividade da culpa), a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual.
Deste modo, será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais.
Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do disposto no art. 799º, nº 2, do CC, sobre a culpa no âmbito da responsabilidade contratual e, por via remissiva, do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos da qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente”.
É também este o sentido interpretativo para que aponta Pais de Vasconcelos quando refere que o nº 2 do art. 224º do CC se destina a contrariar «as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhe são dirigidas”, para concluir que “ser necessário demonstrar que, sem acção ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebido. A concretização deste regime não dispensa um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou não recepção da declaração» – cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., pp. 457 e 458.
No caso em apreço, a administradora da insolvência enviou as cartas de resolução para as moradas dos réus e dos respectivos representantes, constantes da escritura de compra e venda, únicas existentes no processo, até porque do contrato de compra e venda não constavam outras moradas, sendo que não foi sequer alegado que tenha sido transmitido à senhora administradora uma outra morada da recorrente para lhe serem efectuadas eventuais comunicações relativas ao contrato em causa (sublinhado nosso).
Ademais, a notificação da resolução foi recebida pelo Dr. (…), procurador da recorrente que teve intervenção na escritura de compra e venda, o qual, por isso, tinha poderes para ser abordado relativamente à resolução operada, ou pelo menos para suscitar junto da administradora da insolvência a sua ilegitimidade para tal, o que não fez.
Assim, mesmo a admitir-se que a recorrente não tenha recebido a carta de resolução, o que não está sequer demonstrado, pode concluir-se, com elevado padrão de certeza, que a declaração de resolução apenas não foi do conhecimento efectivo da recorrente porque esta não quis. E se não quis, nem fez nada para inverter o rumo dos acontecimentos, não é legítimo que venha agora questionar a actuação da administradora da insolvência (sublinhado nosso).
Deste modo, atentas as razões e fundamentos supra referidos, forçoso é concluir que a credora, ora apelante, não recebeu a carta que o administrador de insolvência lhe enviou (ao abrigo do disposto no art. 123º do CIRE) apenas porque não quis, uma vez que o carteiro tentou entregar tal carta às 16 horas do dia 16/5/2014, estando a recorrente ausente, ficando aviso para o seu levantamento na estação dos CTT da área da sua residência (S. Domingos de Benfica), o que esta não fez até ao dia 27/5/2014 (data em que a mesma foi devolvida ao remetente), sendo certo que também não demonstrou nos autos qualquer impossibilidade da sua parte no levantamento de tal carta, por forma a evidenciar, “in casu”, a sua total ausência de culpa no ocorrido.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões entendemos que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente.
Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pela credora, ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Nos termos do disposto no art. 224º, nº 2, do Cód. Civil, a declaração negocial recipienda ou receptícia considera-se eficaz, não apenas quando é recebida pelo destinatário, como ainda quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida.
- Por isso, tendo o administrador de insolvência enviado a carta de resolução da hipoteca a favor da massa insolvente para a morada da aqui credora, o seu não recebimento deve-se a culpa exclusiva desta última.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se inteiramente a decisão proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pela credora, ora apelante.
Custas pelo Autor.
Évora, 16 de Abril de 2015
Rui Manuel Machado e Moura
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.

[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).

[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).

[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).