ACUSAÇÃO
JULGAMENTO
FORMA
REQUERIMENTO
Sumário

O requerimento feito pelo MP nos termos do art. 16º, nº 3 do CPP na acusação por ele deduzida contra duas arguidas não necessita de ser repetido em requerimento autónomo se apenas uma das arguidas vem a ser pronunciada.

Texto Integral







Proc. 135/11.4TAADV.E1
1ª Sub-Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 135/11.4TAADV, que corre termos na Comarca de B, o M.P., usando a faculdade prevista no Artº 16 nº3 do CPP, acusou, em Tribunal Singular, as arguidas IT e PS pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato.

Inconformada, a arguida IT requereu a abertura de instrução, finda a qual, veio a ser pronunciada apenas esta arguida, para ser julgada, em Tribunal Singular, como autora material de um crime de peculato, na forma continuada.

O despacho de pronúncia foi recebido por despacho de Fls.776 (06/10/2014), tendo sido determinada a autuação dos autos como processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e sido designada data para julgamento.

A Fls.792 (21/10/2014), a Mm.ª Juiz de julgamento - pessoa diversa da que proferiu o despacho de Fls.776 - declarou o Tribunal Singular incompetente para o julgamento da causa, em virtude de o M.P. não ter reiterado, em requerimento autónomo, após ter sido notificado do despacho de pronúncia, a vontade de continuar a ser utilizada a faculdade prevista no Artº 16 nº3 do CPP.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P, concluindo da seguinte forma (transcrição) :

1. O despacho recorrido enferma de nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, al. e) do CPP.
2. A Mma. Juiz de julgamento fez uma errada interpretação da aplicação do artigo 16,º n.º 3 do CPP, ao decidir remeter o julgamento para tribunal colectivo.
3. A aplicação do artigo 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal é da exclusiva competência do Ministério Público.
4. O Ministério Público na acusação determinou aplicação do artigo 16.º n.º 3 do Código de Processo Penal, e por via disso, no caso concreto, fixou a competência material ao nível da primeira instância.
5. E, não obstante decorrida a fase de instrução, que pronunciou a arguida, a competência material mantem-se inalterada.
6. A Mma. Juiz de julgamento ao decidir remeter os presentes autos para julgamento colectivo, efectivamente, sindicou a competência do Ministério Público relativamente às prorrogativas conferidas pelo disposto no art. 16.º, n.º 3 do C. P. Penal, que é matéria da exclusiva competência deste último.
7. O despacho recorrido violou o princípio da legalidade do processo, na versão decorrente do art. 2.º do C. P. Penal e os direitos de defesa da arguida, na perspectiva de que vai estender a determinação judicial da pena ao correspondente limite máximo legal, que antes, por via da opção inicial do Ministério Público (e, igualmente, do despacho do juiz de instrução) estava balizada no limite de cinco anos).
8. Não podia o tribunal a quo, após a decisão de pronuncia, afastar-se de tais pressupostos de fixação de competência material, visto que, encontrava-se vinculado à posição assumida pelo Ministério Público com base do artigo 16.º, n.º 3 do CPP.
9. Reitera-se que, por via disso, o despacho judicial recorrido (de fls. 792) encontra-se ferido de nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, al. e) do CPP.
10. Em consequência, deve ser revogado e deve ser substituído por outro que remeta o julgamento para o tribunal singular.

C – Resposta ao Recurso

O arguido não apresentou resposta ao recurso.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que militou pela procedência do recurso e consequente revogação do despacho recorrido.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão ao recorrente na questão que suscita, ou seja, se o despacho recorrido está, ou não, ferido de nulidade, nos termos do Artº 119 al. e) do CPP.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, cuja simplicidade de pressupostos não demanda aprofundadas considerações jurídicas, parece-nos e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a razão não pode deixar de assistir ao recorrente, que estrutura o seu recurso do único modo que é compatível com a legislação aplicável.
O despacho em crise é do seguinte teor ( transcrição ) :

Compulsados os autos constata-se que o Ministério Público, usando a faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3 do CPP, perante Tribunal Singular, deduziu acusação contra IT e PS imputando-lhes a prática, em co-autoria e na forma continuada, de um crime de peculato, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 30°, n° 2,79° e 375° do Código Penal.
Inconformada, a arguida IT requereu a abertura de instrução.
Finda a instrução, a Mma. Juíza de Instrução pronunciou, apenas a arguida IT, como aurora material de um crime de peculato, na forma continuada, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 30°, n.º 2. 79° e 375.° do Código Penal.
O Ministério Público notificado do teor da decisão nada requereu, designadamente, não foi requerida ou manifestada a vontade de continuar a ser utilizada a faculdade prevista no artigo 16°, n° 3 do CPP, o que seria exigível perante a pena abstractamente aplicável.
Ora o crime em apreço é punido com a pena de 1 a 8 anos de prisão.
Dispõe o artigo 14.º, n.º 2. al b). do C.P.P. que, compete ao Tribunal Colectivo julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo Tribunal Singular (por não se verificar nenhumas das situações previstas no artigo 16°, n.º 2 e 3 do C.P.P.), respeitarem a crimes "cuja pena máxima. abstractamente aplicável, for superior a cinco anos de prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, for interior o limite máximo correspondente a cada crime"
Ora, face à pena máxima abstractamente aplicável, o disposto nos artigos 14°, n° 2, al. b). e 16.°, nº 2, al. b), ambos do C.P.P, e uma vez que na sequência do despacho de pronúncia não foi utilizada a faculdade prevista no artigo 16.°, n.º 3, do C.P.P, o Tribunal Singular é incompetente para o julgamento dos presentes autos c competente o Tribunal Colectivo.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 14.°, n.º 2, al. b), 16,° n.º 2. al. b) e 32, nº1, todos do CP.P. declaro o Tribunal Singular incompetente para o julgamento dos presentes autos e competente o Tribunal Colectivo.
Notifique, e após trânsito, remeta os presentes autos a Secção Central, da Comarca de B
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Atento o supra decidido dou sem efeito as datas agendadas para julgamento.
Notifique.
D.N.
Salvo melhor opinião, mal se entende a lógica do despacho recorrido.
Com efeito, tendo o M.P. acusado duas arguidas nos termos do Artº 16 nº3 do CPP, vindo uma delas a ser pronunciada pelo crime em causa e tendo o despacho de pronúncia, expressamente remetido os autos para julgamento sob a forma de tribunal singular, não se vê qualquer necessidade de o M.P., em requerimento autónomo, renovar a vontade de efectuar o julgamento sob essa forma processual.
Tratar-se-ia sempre de um acto redundante, logo desnecessário, nessa medida inútil e por isso proibido por lei, nos termos combinados do Artsº 4 do CPP e 137 do C. Civil.
A possibilidade legalmente conferida ao M.P. de, utilizando a norma do nº3 do Artº 16 do CPP, confinar determinado julgamento ao tribunal singular, ainda que o mesmo, em abstracto, pudesse ser julgado em tribunal colectivo, tem a ver, como se sabe, com razões de estratégia processual e a ponderação dos valores em jogo, nos casos em que a gravidade dos factos não justifica uma pena superior a cinco anos de prisão.
Acusando nesses termos, a competência material para o julgamento fica, em princípio, fixada, como aliás sucedeu nos autos, em que tal competência foi acolhida pela Juiz de instrução que, repete-se, determinou a autuação do processo como comum singular e desse modo designou data para Audiência de Julgamento.
Nesta medida e independentemente de quaisquer considerações sobre a constitucionalidade da norma em causa, ou da vinculação temática dela resultante – que aqui nem sequer se configuram como essenciais para a resolução do litígio – é seguro a total desnecessidade da exigência afirmada no despacho recorrido de o M.P. reiterar, após o despacho de pronúncia, a faculdade prevista no Artº 16 nº3 do CPP.
Se já a tinha usado e se esta foi expressamente reafirmada no despacho de pronúncia, qual a precisão de nela insistir?
Não se vê, de todo, razão para tanto, sendo assim evidente, sem necessidade de mais considerações, que o despacho judicial recorrido incorreu na nulidade prevista na al. e) do Artº 119 do CPP, devendo, por isso, ser objecto de revogação.
Procede pois, manifestamente, o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que remeta o julgamento dos autos para tribunal singular.
Sem tributação.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
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Évora, 0000000
( Renato Damas Barroso )
( António Manuel Clemente Lima )