EXEQUIBILIDADE DA SENTENÇA CONTRA TERCEIROS
ILEGITIMIDADE PASSIVA PARA A EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE DO EXEQUENTE
Sumário


I-Prevê o artigo 55º do Código de Processo Civil, uma extensão da eficácia subjetiva do caso julgado, com um carácter excecional, ou seja, sempre que exista uma norma especial que estende a força de caso julgado a terceiros que não foram objeto da sentença condenatória, esses terceiros podem ser demandadas em sede de ação executiva.
II-Provado apenas que as oponentes à execução/penhora são sócias da executada empregadora, daí não se pode extrair a verificação dos pressupostos exigidos pelos artigos 334º e 335º do Código do Trabalho, para se concluir pela existência de uma responsabilidade solidária, que justificasse a aplicação do supra referido artigo 55º.
III-A responsabilidade civil do exequente, prevista no supra citado artigo 858º, pressupõe os seguintes requisitos: a) que a penhora tenha sido efetuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição à execução, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível.
IV-Apresentando a exequente uma tese jurídica para deduzir a execução também contra outras pessoas, para além da devedora que foi condenada na sentença apresentada como título executivo, agiu a mesma com a prudência com que agiria um bom pai de família para garantir todas as possibilidades de execução do seu crédito, deixando a apreciação e decisão de direito para o tribunal, sabendo de antemão que a tramitação da ação executiva, também permite o exercício do direito de oposição por parte do executado. Pelo que não se pode assacar ao exequente um comportamento do qual resulte que, ao intentar a presente execução, não agiu com a prudência normal exigível ou que visou causar danos às oponentes/apelantes ou prevendo a possibilidade desse resultado.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Por apenso à execução com o nº 437/12.2TTEVR, na qual é exequente BB, as executadas CC, Lda. e DD, Sgps, S.A. deduziram oposição à execução e à penhora, alegando que inexiste título executivo que condene as oponentes na obrigação exequenda, pelo que a mesma não é exigível e a penhora realizada mostra-se ilegal. Sustentam que a execução apenas ter deveria ter sido intentada contra a sociedade EE, Lda., condenada a pagar à exequente a quantia exequenda.
Concluem, peticionando a suspensão imediata da execução contra as oponentes, sem exigência de caução, devendo a final, ser extinta a execução e condenada a exequente e mandatários como litigantes de má-fé, no reembolso de todas as despesas realizadas, incluindo os honorários do mandatário, a calcular em execução de sentença.
Devidamente notificada, veio a exequente contestar, invocando que, não obstante, as oponentes não tenham sido condenadas na sentença que se ofereceu como título executivo, no requerimento executivo foram alegados factos (não impugnados na oposição) que demonstram a relação societária das executadas e aqui embargantes que se encontram numa relação de participações recíprocas, de domínio e de grupo, justificando a responsabilidade solidária das oponentes e a sua demanda na ação executiva.
Mais requereu que as oponentes prestem caução, no montante de € 10.000,00.
Responderam as oponentes, mantendo o alegado no requerimento de oposição.
Realizada a diligência de audiência prévia, foi tentada, sem êxito, a conciliação das partes processuais. Foi, então, proferida sentença que julgou improcedente a oposição e ordenou o prosseguimento dos termos da execução.
Inconformadas com esta decisão, vieram as oponentes interpor recurso da mesma, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«A. As apelantes discordam em absoluto da sentença recorrida, uma vez que o Tribunal a quo decidiu que as Apelante eram parte ilegítima na execução promovida pela apelada, e entendeu, ainda, que a execução era legal;
B. O Tribunal recorrido fundamentou erradamente a sua decisão, extraindo conclusões de factos que não foram dados como provados ou que nem sequer foram alegados pelo Apelada, procedendo a uma aplicação automática dos preceitos legais que cita, sem sequer justificar ou mesmo explicar de que forma integrou o caso dos autos na previsão das normas legais que aplicou.
C. As Apelante são parte ilegítima na presente ação executiva, fruto da inexistência de qualquer responsabilidade sua pelos créditos laborais da Apelada, nos termos dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho.
D. O Tribunal a quo não poderia ter concluído que, pelo simples facto de a Apelante ser sócia da executada EE, Lda, aquela poderia ser executada, com o entendimento de que o título executivo valeria também contra elas;
E. À luz do artigo 55.º do CPC é parte legítima como exequente e executado quem no título executivo figurar como credor e devedor, sendo o campo de eficácia subjetiva passivo do título executivo alargado por meio do disposto no artigo 57.º do CPC (aplicado in casu para fundar a suposta legitimidade passiva da Apelante), que estatui que a execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida não só contra o devedor, mas também contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado;
F. A regra quanto ao caso julgado é a da sua eficácia relativa, ou seja, a mesma apenas tem eficácia entre as partes na ação, existindo, porém, exceções – como aquelas para as quais aponta o artigo 57.º do CPC – segundo as quais a execução pode correr não só contra o devedor (condenado na sentença da ação declarativa), mas também contra terceiros que não foram objeto da sentença condenatória, desde que exista uma disposição especial que lhes estenda a força de caso julgado.
G. O caso vertente não se reconduz a nenhuma das situações para que o artigo 57.º do CPC foi gizado pois as Apelante nem sequer foram chamadas na ação declarativa.
H. As apelante não só não foram chamadas a intervir no processo declarativo – como parte principal ou acessória, a título de litisconsórcio necessário ou voluntário – como a sentença da ação declarativa não dedica uma linha sequer a apreciar a sua eventual responsabilidade pelo pagamento dos créditos laborais em causa, isto é, nem as apelante tiveram qualquer intervenção na ação declarativa, nem a sentença recorrida se pronunciou ou fez qualquer referência sobre a Apelante, maxime condenando-a solidariamente com EE, Lda a pagar o montante em causa à Apelada.
I. O artigo 57.º do CPC foi erroneamente aplicado pelo Tribunal a quo (in casu para justificar a suposta legitimidade passiva das apelantes), pois nenhum dos casos que constituem o campo de aplicação daquele dispositivo legal se reconduz ao caso sub specie.
J. No que respeita à aplicação dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho consideram também as apelantes que o Tribunal a quo andou mal ao radicar nos mesmos a alegada legitimidade passiva da apelada;
K. A responsabilidade prevista no artigo 334.º do Código do Trabalho funda-se na mera existência de uma relação de coligação intersocietária relevante, remetendo para o Código das Sociedades Comerciais, mais exatamente para as relações intersocietárias, de “participações recíprocas, de domínio ou de grupo”, tal como estas são definidas nos seus artigos 481.º e seguintes, ou seja, às sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio, e aos grupos constituídos por domínio total, por contrato de grupo paritário, e por contrato de subordinação.
L. Nada resulta dos Factos Provados da sentença recorrida quanto ao vencimento (ou não) há mais de três meses dos créditos laborais da Apelada, que é um dos requisitos previstos para a aplicação do artigo 334.º do Código do Trabalho.
M. Da mesma forma, deveria ainda ter sido alegada pela Apelada a suposta relação societária entre as Apelante e EE, Lda, e, ainda que alegada deveria essa mesma relação ter sido dada como provada pelo Tribunal a quo, o que também não sucedeu.
N. O Tribunal a quo apenas deu como provado que as Apelante eram sócia da EE, Lda, mas tal é manifestamente insuficiente para que o Tribunal a quo tenha retirado a conclusão a que chegou e que foi a de entender que estava preenchida a previsão normativa do artigo 334.º do Código do Trabalho e, por conseguinte, que a Apelante era parte legítima, podendo ser executada por uma dívida da EE, Lda;
O. Não deu como provado o Tribunal a quo (e nem sequer foi alegado pelo Apelada) a existência de uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo entre as Apelante e a EE, Lda, pelo que o Tribunal a quo não poderia ter concluído nesse sentido, como o fez.
P. A legitimidade passiva das Apelante não pode ser retirada apenas do facto de serem sócias da EE, Lda, como fez o Tribunal recorrido.
Q. O Tribunal a quo não deu como provados factos – um único que fosse – que permitissem reconduzir o caso dos autos à previsão do artigo 334.º do Código do Trabalho (e, por conseguinte, fundar a legitimidade passiva das apelantes para serem executadas), devendo, por isso, ser julgada procedente, por provada, a exceção de ilegitimidade suscitada pelas apelantes.
R. A sentença cita como fundamento de direito o Ac. TREVORA de 17.1.2013 que reza:« II- Provado apenas que a oponente à execução/penhora é sócia da executada, daí não se pode extrair a verificação dos pressupostos exigidos pelos artigos 334º e 335º do Código do Trabalho, para se concluir pela existência de uma responsabilidade solidária, que justificasse a aplicação do supra referido artigo 57º.»
S. Revendo um a um os factos provados da sentença condenatória, verifica-se, sem qualquer dúvidas que apenas foi dado como provado:« - A executada EE, Lda conforme consta no Registo Comercial - Ap. 5812001.11.14- com capital social de € 250.000,00 euros, tem como únicos sócios as sociedades CC, Lda com o NIPC ... e DD - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA com o NIPC ..., sendo cada uma destas titular de uma quota de € 125000,00 euros.»;
T. Provado apenas que as oponentes à execução são sócias da executada, daí não se pode extrair a verificação dos pressupostos exigidos pelos artigos 334º e 335º do Código do Trabalho, para se concluir pela existência de uma responsabilidade solidária, que justificasse a aplicação do supra referido artigo 57º;
U. O decidido pelo Tribunal a quo é a antítese do acórdão que citou para fundamentar a improcedência da oposição.
V. Mas, ainda que se entenda que o Tribunal a quo baseou a sua decisão, quanto à exceção de ilegitimidade, no artigo 335.º do Código do Trabalho (o que apenas se pondera por mero dever de patrocínio, e sem conceder), também por essa via a conclusão a que se deveria ter chegado é diametralmente oposta àquela que acabou por ser vertida na sentença.
W. A regra constante do artigo 335.º do Código do Trabalho permite que os trabalhadores, sempre que o empregador seja uma sociedade comercial e se verifiquem os pressupostos nela enunciados, exijam a satisfação dos créditos laborais que detenham sobre a sociedade, seja aos seus sócios, seja aos respetivos gerentes, administradores ou diretores.
X. Como é evidente, a efetivação desta responsabilidade depende, quer no caso da responsabilidade do sócio, da alegação e prova, nos termos gerais, pelo trabalhador, dos seus pressupostos (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade).
Y. O n.º 1 do artigo 335.º do Código do Trabalho apenas abrange a responsabilidade dos denominados “sócios controladores”, isto é, aqueles que, à luz do artigo 83.º n.º 1 do CSC, genericamente, podem designar gerente, e eleger ou destituir gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização da sociedade.
Z. Contudo, a responsabilidade do “sócio controlador” depende sempre da responsabilidade do gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização por si designado ou eleito (ou não destituído), ou seja, o “sócio controlador” responde solidariamente desde que o gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização incorra em responsabilidade perante os respetivos trabalhadores.
aa. A responsabilidade do “sócio controlador” depende ainda da culpa do próprio (seja culpa in eligendo, seja quando pelo uso da sua influência tenha determinado a prática ou a omissão do ato gerador de responsabilidade civil do gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização).
ab. Dos Factos Provados não é possível extrair – nem de perto nem de longe – a eventual qualidade de “sócio controlador” das apelantes, nem tão-pouco a sua culpa, portanto, de fundamento fáctico a decisão do Tribunal sobre a eventual responsabilidade (e legitimidade) das apelantes enquanto sócias.
ac. O Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação incorretas dos artigos 57.º do CPC e 334.º e 335.º do Código do Trabalho, ao considerar que as ora Apelante deveriam ser consideradas parte legítima na execução da sentença que condenou EE, lda, devendo, antes, concluir-se, em conformidade com o supra alegado, que as Apelante são parte ilegítima nos presentes autos e, portanto, que a Oposição à Execução deverá ser julgada procedente, nos termos do artigo 814.º alínea c) do CPC, com as consequências legais, nomeadamente a extinção da execução, por efeito do n.º 4 do artigo 817.º do CPC.
ad. No entanto, ainda que se entenda que as apelantes são parte legítima nos presentes autos, em virtude da forma como a relação material controvertida foi configurada pelo Apelada (hipótese que apenas se pondera por mero dever de patrocínio e sem conceder), deverá, mesmo assim, a Oposição à Execução ser julgada procedente, fruto da inexistência de responsabilidade das apelantes pelos créditos laborais da apelada, nos termos dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho, concluindo-se, igualmente, pela extinção da execução.
ae. Por outro lado, as apelantes deveriam ter sido declaradas parte ilegítima nos presentes autos, em virtude da inexistência de título executivo, facto que, por si, deveria ter sido suficiente para, ao abrigo do artigo 814.º alínea a) do CPC, julgar procedente a Oposição à Execução e, por conseguinte, extinguir a execução.
aF. Sendo o título executivo a sentença condenatória referida nos Factos Provados, ela não cumpre os requisitos legais a que devem obedecer os títulos executivos, em matéria de identificação dos executados, em especial no que respeita às executadas/ apelantes, que nela nem sequer figura como condenadas, motivo pelo qual a sentença em causa não faz, obviamente, caso julgado relativamente aos sócios de EE, Lda, entre ele e as apelantes.
ag. A sentença (declarativa) condenatória de EE, Lda, não investe as Apelantes em qualquer obrigação, nem certificam a existência de qualquer obrigação da qual as mesmas Apelantes sejam sujeito passivo, sendo certo que os artigos 53.º, 54.º sse 58.º do CPC não podem constituir como executado quem a lei substantiva não prevê - ou não admite - que o seja, isto é, aquelas disposições legais não têm a idoneidade para, sem mais, criar títulos executivos.
ah. No caso dos autos, e pelo facto de de EE, Lda ser uma sociedade por quotas, apenas o património social daquela poderia responder perante os credores pelas dívidas da sociedade (Cfr. artigo 197.º n.º 3 do CSC).
ai. Aliás, mesmo que fosse possível executar os sócios de EE, Lda (neste caso, as apelantes) por essas dívidas, haveria sempre, e para que tal fosse possível, que demandar os sócios, individualmente considerados, conjuntamente com a sociedade, o que manifestamente não aconteceu no caso em apreço.
aj. De acordo com o regime previsto no artigo 78.º do CSC, o sócio apenas responde para com os credores sociais quando, pela inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinados à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos, sendo, portanto, necessário que o credor da sociedade alegue “inobservância culposa” do gerente (de normas destinadas à proteção dos credores) e dela faça necessariamente prova, nada disso se tendo verificado em sede declarativa, nem se encontrando alegados no requerimento executivo quaisquer factos nesse sentido ou com essa finalidade.
ak. O Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação incorretas do artigo 55.º do CPC, ao considerar que existia título executivo contra as Apelantes, devendo, antes, concluir-se, em conformidade com o supra alegado, que esse título inexiste, quer atendamos às Apelantes como sócias deveria ter sido julgada procedente, nos termos do artigo 814.º alínea a) do CPC, com as consequências legais, nomeadamente a extinção da execução, por efeito do n.º 4 do artigo 817.º do CPC.
al. Mais uma vez, ainda que se entenda que as Apelantes são parte legítima nos presentes autos, em virtude da forma como a relação material controvertida foi configurada pelo apelada (hipótese que apenas se concebe por mera hipótese académica e sem conceder), deverá, mesmo assim, a Oposição à Execução ser julgada procedente, fruto da inexistência de título executivo contra as Apelantes, concluindo-se, igualmente, pela extinção da execução.
am. A ilegitimidade passiva das Apelantes (fruto da falta de preenchimento dos requisitos dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho, bem como da inexistência de título executivo) deveria, igualmente, ter tido consequências ao nível da Oposição às Penhoras formulada pelas ora Apelantes.
an. As sociedades por quotas (como é o caso da EE, Lda) são sociedades de responsabilidade limitada e os seus sócios respondem unicamente pela sua entrada e solidariamente pelas entradas dos restantes sócios tais como convencionadas no contrato (artigo 197.º n.º 1 do CSC), mas não pelas dívidas da sociedade, ou seja, as apelantes não são responsáveis pelas dívidas de EE, Lda.
ao. As penhoras efetuadas aos saldos das contas bancárias da apelante CC, Lda, pela ilegitimidade da apelante, são ilegais; e são ilegais por grosseira violação do disposto no artigo 863.º-A alínea c) do CPC, na justa medida em que essas penhoras incidem sobre bens (depósitos bancários de contas tituladas pela apelante – sócia da executada EE, Lda) que não respondem, nos termos do direito substantivo pela dívida exequenda,
ap. Pelo que os valores penhorados nunca deveriam ter sido atingidos pela diligência de penhora, devendo, por isso, as penhoras efetuadas ter sido de imediato levantadas pelo Tribunal a quo e dadas sem efeito (Cfr. n.º 4 do artigo 863.º-B do CPC).
aq. Caso o presente Recurso venha a obter provimento – como se espera – a questão da responsabilidade da Apelada (Cfr. artigo 819.º do CPC) deverá ser devidamente analisada e ponderada à luz do que foi alegado pelas Apelantes na sua Oposição à Execução, nomeadamente responsabilizando a apelada por todos os danos causados às Apelantes em virtude das penhoras efetuadas.
ar. A apelada, na ação executiva intentada, não agiu com a prudência normal, o que vale por dizer que, ao dar início, sem qualquer fundamento jurídico e/ou de facto, à presente ação executiva contra as Apelantes, mais do que ter agido de forma temerária, desabrida, a roçar a litigância de má fé, agiu sobretudo em violação grosseira e intolerável de disposições (processuais e substantivas) que claramente impedem o efeito pretendido com a presente execução.
as. A apelada procurou, com a execução, a satisfação de um crédito por parte de pessoas (físicas e coletivas) relativamente às quais não podia desconhecer que a tal não eram legalmente obrigadas, além de estar desprovido de título executivo suficiente.
at. A apelada causou, por força da sua conduta processual ilícita, danos às ora Apelante, traduzidos na fragilização da imagem, da credibilidade e da idoneidade daquela junto dos bancos com que trabalha, ARS e ADSE, bem como no facto da apelante CC, Lda., se ter visto privada, desde a data das penhoras, das quantias ilegalmente penhoradas, num montante considerável.
au. Caso venha a ser julgado procedente o presente Recurso de Apelação, e uma vez que a execução das apelantes foi efetuada sem citação prévia, a apelada deverá ser exemplarmente condenado na multa prevista no artigo 819.º do CPC, em quantia a arbitrar.
av. Devendo ainda, ao abrigo desse mesmo artigo, indemnizar a Apelante pelos danos causados, que se estimam em montante não inferior a 5.000,00 (cinco mil euros).
aw. A sentença violou o disposto nos artº 57º, 814º, 817º do C.P.C., artº 334º e 335º do Código do Trabalho e artº 78º, 79º e 83º do CSC.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a Oposição à Execução, ordenando a consequente extinção da execução e o levantamento das penhoras, e que condene a apelada no pagamento de uma multa, em valor a arbitrar pelo Tribunal, assim como no pagamento às apelantes de uma indemnização por danos morais, em montante não inferior a 5.000,00 (cinco mil euros), nos termos do artigo 819.º do CPC.»
A exequente contra-alegou, concluindo que a sentença recorrida deve ser confirmada.
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Tendo os autos subido à Relação e mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo Civil
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pugnando pela parcial procedência do recurso, quanto à ilegitimidade passiva das recorrentes para a execução e quanto à invocada inexistência de título executivo em relação às oponentes/recorrentes. Com referência à peticionada condenação da recorrida no pagamento de uma indemnização no valor de € 5.000,00, bem como de uma multa, sustenta-se a absolvição no peticionado.
A recorrida veio responder a tal parecer, manifestando discordância parcial com o mesmo, por entender que as executadas oponentes têm legitimidade passiva para a execução e que a sentença oferecida constitui título executivo bastante para o fim em vista.
Foram dispensados os vistos, com a anuência dos Exmos. Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.

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II-Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Em função destas premissas, as questões que importa apreciar e conhecer são as seguintes:
1ª Ilegitimidade passiva das recorrentes para a execução;
2ª Inexistência de título executivo contra as recorrentes;
3ª Ilegalidade da penhora realizada;
4ª Pedido de condenação da exequente no pagamento da multa prevista pelo artigo 819º do Código de Processo Civil, assim como no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às recorrentes.
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III. Matéria de Facto
De seguida, iremos enunciar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância. Todavia, como a mesma não foi sujeita a qualquer numeração ou identificação por alíneas, iremos numerá-la para facilitar a abordagem da mesma.
E a factualidade dada como assente foi a seguinte:
1- Por sentença transitada em julgado em 26-09-2013 a executada EE, Lda. foi condenada a pagar a quantia € 16.852,33 acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação até integral pagamento.
2- A executada EE, Lda. não pagou quaisquer quantias em que foi condenada.
3- A executada EE, Lda. conforme consta no Registo Comercial – Ap. 58/2001.11.14- com capital social de € 250.000,00 euros, tem como únicos sócios as sociedades CC, Lda., com o NIPC ... e DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, com o NIPC ..., sendo cada uma destas titular de uma quota de € 125.000,00 euros.
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Por resultar dos elementos do processo, designadamente da certidão junta a fls. 101 e seguintes dos autos, salienta-se, ainda, a seguinte factualidade relevante, ao abrigo do artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão contida no nº1 do artigo 87º do Código de Processo do Trabalho:
4- Em 23 de outubro de 2013, BB apresentou requerimento executivo contra CC, Lda., DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. e EE, Lda., juntando como título executivo a sentença a que se alude no ponto 1.;
5- No requerimento executivo, é referido:
«(…) 9. Acontece que a executada EE, Lda. está em relação societária com as outras duas executadas numa situação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos do artº. 334º do Cód. do Trabalho, conforme se constata pelos documentos do Registo Comercial que se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Doc’s 1 a 3.
10. A executada EE, Lda., conforme consta do Registo Comercial – Ap. 58/2001.11.14 – com o capital social de € 250.000,00 euros, tem como únicos sócios as sociedades CC, Lda., com o NIPC ... e DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., com o NIPC ..., sendo cada uma destas titular de uma quota de € 125.000,00 euros. Doc.1.
11. Por sua vez, CC, Lda., com o capital social de € 612.500,00, conforme consta no Registo Comercial – Ap. 162/2008.01.16 – com o capital social de € 612.500,00 euros, tem como únicos sócios as sociedades DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., titular de duas quotas, uma de € 420.000,00 euros e outra de € 12.500,00 e como o NIPC ... a DD – Prestação de Serviços Médicos, S.A. esta titular de uma quota de € 180.000,00 euros. Doc. 2.
12. A relação societária destas sociedades (e de outras mais de cinco dezenas) constituem um grupo empresarial poderoso, em que a empresa mãe DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. através da sua participação, direta ou indireta, no capital das outras exerce de facto uma posição de domínio e de poder efetivo, cujas características se subsumem ao disposto no art.º 334º do Cód. do Trabalho e artºs 481º e seguintes do Cód. das Sociedades Comerciais. São, assim, solidariamente responsáveis pelo pagamento do crédito da exequente, tendo por isso legitimidade para serem demandadas na presente execução.»
6- CC, Lda., com o capital social de € 612.500,00 euros, tem como únicos sócios as sociedades DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., titular de duas quotas, uma de € 420.000,00 euros e outra de € 12.500,00 e como o NIPC ... a DD – Prestação de Serviços Médicos, S.A. esta titular de uma quota de € 180.000,00 euros.
7- DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., tem como objeto: «Gestão de Participações Sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício das atividades económicas».
8- Na ação executiva, foram penhorados saldos de contas bancárias da titularidade das executadas/oponentes.
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IV. Ilegitimidade passiva das recorrentes para a execução
Em sede de recurso, invocam as apelantes a sua ilegitimidade passiva para a execução, fruto da inexistência de qualquer responsabilidade sua pelos créditos laborais da exequente/apelada, nos termos dos artigos 334º e 335º do Código do Trabalho. Logo, ao considerar as apelantes parte legítima, o tribunal recorrido aplicou erroneamente o artigo 57º do Código de Processo Civil.
Apreciemos a questão suscitada.
Atenta a data da interposição da ação executiva (23/10/2013), mostra-se aplicável aos autos o Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.
Sobre a legitimidade do exequente e do executado, dispõe o artigo 53º do aludido Código, estipulando, na parte que agora nos interessa para aferir da invocada ilegitimidade passiva, que a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Na concreta situação dos autos, dos elementos do processo, resulta que o título executivo apresentado foi a sentença condenatória mencionada no ponto 1 dos factos assentes. Na mesma consta como devedor da exequente, ora apelada, a sociedade EE, Lda., ou seja, as apelantes não constam no título executivo apresentado como devedoras da apelada.
O tribunal de 1ª instância considerou, com interesse para a questão em análise, que:
«Atenta a matéria de facto provada e o disposto no artigo 334º do Código do Trabalho estas duas sociedades integram como únicas sócias a executada EE, Lda pelo que atento o disposto no artigo 55º do CPC e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-01-2013 podem estar enquanto sócias da EE, Lda serem demandadas conjuntamente com a executada em sede de ação executiva.»
Tal entendimento não encontra apoio legal, nem sequer está conforme à jurisprudência citada.
Efetivamente, consagra o artigo 55º do Código de Processo Civil que «[a] execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado.»
Estipula, pois, este preceito, uma extensão da eficácia subjetiva do caso julgado, com um carácter excecional, ou seja, sempre que exista uma norma especial que estende a força de caso julgado a terceiros que não foram objeto da sentença condenatória, esses terceiros podem ser demandados em sede de ação executiva.
Importa, então, analisar, se, no caso em apreço, existe algum normativo que estenda a eficácia subjetiva do caso julgado às apelantes
Do segmento da sentença recorrida supra citado, retira-se que o tribunal a quo considerou que se justificava demandar as apelantes na ação executiva, com fundamento na responsabilidade atribuída pelo artigo 334º do Código do Trabalho.
Apreciemos tal comando legal.
Prevê o artigo 334º, o seguinte:
“Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e a sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos pelo artigo 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”.
Ora, em face da factualidade assente, a única relação que é possível estabelecer entre a EE, Lda. e as ora apelantes é que estas são sócias daquela (cfr. ponto 3 dos factos assentes).
Por “relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo”, deve entender-se:
a) Sociedades em relação de participações recíprocas – é uma coligação de sociedades em que cada uma participa no capital social da outra, devendo o montante das participações ser igual ou superior a 10%, até ao limite dos 50%, (cfr. artigos 481º, 483º, 485º e 486º, todos do Código das Sociedades Comerciais);
b) Sociedades em relação de domínio – é uma coligação de sociedades em que uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou indiretamente uma influência dominante. Este domínio revela-se, no essencial, pela participação maioritária no capital, pela possibilidade de designação de mais de metade dos membros da administração e por dispor de mais de metade dos votos, (cfr. artigos 481º e 486º do Código das Sociedades Comerciais);
c) Sociedades em relação de grupo – é uma coligação de sociedades em que uma entidade tem o domínio das sociedades pertencentes ao grupo, isto é, tem o poder de direção unitária das sociedades. Prevalece o interesse do grupo sobre o interesse de cada uma das sociedades.
Ora, na situação em apreço nos autos, não se provou que a EE, Lda., participe no capital social de qualquer uma das apelantes ou que exista relação de domínio entre aquela e as recorrentes, bem como não ficou demonstrado que a DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., tem a direção unitária de um grupo de sociedades, que integra as suas co-executadas.
Em suma, a única relação societária demonstrada reconduz-se à circunstância das apelantes serem sócias da EE, Lda..
E tal realidade não permite responsabilizar solidariamente as apelantes pela satisfação do crédito exequendo, ao abrigo do artigo 334º do Código do Trabalho.
Logo, mal andou o tribunal recorrido ao considerar justificada a legitimidade passiva das apelantes para a ação executiva, com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 334º do Código do Trabalho e 55º do Código de Processo Civil.
Alegam, ainda, as apelantes que o artigo 335º do Código do Trabalho (invocado pela exequente, no requerimento executivo), também não poderia justificar a exequibilidade da sentença condenatória apresentada em relação às recorrentes.
Analisemos!
O aludido normativo consagra a responsabilidade de sócio, gerente, administrador ou diretor.
Na situação sub judice, apenas nos interessa a responsabilidade do sócio, considerando que as apelantes são sócias da EE, Lda.
Estatui o aludido artigo 335º, nº 1:
«1- O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido.»
Por sua vez, o artigo 83º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais, preceitua:
«1. O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha, por força de disposições do contrato de sociedade, o direito de designar gerente sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação responde solidariamente com a pessoa por ele designada, sempre que esta for responsável, nos termos da lei, para com a sociedade ou os sócios e se verifique culpa na escolha da pessoa designada
(…)
3. O sócio que, pelo número de votos de que dispõe, só por si ou por outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha a possibilidade de fazer eleger gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização responde solidariamente com a pessoa eleita, havendo culpa na escolha desta, sempre que ela for responsável, nos termos desta lei, para com a sociedade ou os sócios, contanto que a deliberação tenha sido tomada pelos votos desse sócio e dos acima referidos e de pelo menos metade dos votos dos outros sócios presentes ou representados na assembleia.
4. O sócio que tenha possibilidade, ou por força de disposições contratuais ou pelo número de votos de que dispõe, só por si ou juntamente com pessoas a quem esteja ligado por acordos parassociais de destituir ou fazer destituir gerente, administrador ou membro de órgão de fiscalização e pelo uso da sua influência determine essa pessoa a praticar ou omitir um ato responde solidariamente com ela, caso esta, por tal ato ou omissão, incorra em responsabilidade para com a sociedade ou sócios, nos termos desta lei».
No que concerne ao artigo 78º, nº1 do mesmo Código, estipula tal normativo que os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos.
Já o artigo 79º, nº1, estatui que os gerentes ou administradores respondem, também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros, pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.
Sobre o específico regime da responsabilidade dos gerentes pelos créditos dos trabalhadores derivados duma relação de trabalho ao serviço das sociedades que gerem, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Douto Acórdão de 24 de novembro de 2011, P. 3365/04.1TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere:
«O art.º 78.º, n.º 1 do CSC prevê expressamente a responsabilidade civil dos gerentes, administradores ou diretores perante os credores sociais.
Esta responsabilização depende da verificação de dois requisitos:
a) Inobservância de disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais;
b) Insuficiência do património social para a satisfação dos respetivos créditos.
O primeiro pressuposto refere-se à ilicitude e à culpa, ou seja, deve tratar-se de uma violação culposa de normas legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais.
Esta modalidade de responsabilidade civil é de natureza extracontratual e situa-se no quadro da chamada responsabilidade pela violação de normas de proteção, prevista no art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil. As normas de proteção relevantes são aquelas que protegem a função de garantia do capital social para os credores sociais. (…)
A responsabilidade direta dos administradores só surge quando a inobservância culposa das normas de proteção provoque uma insuficiência patrimonial. (…)
Nos termos do art.º 79.º, n.º 1 do CSC, os gerentes respondem, nos termos gerais, para com terceiros, pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.
Esta norma prevê uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos do art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil, norma jurídica, segundo a qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Está em causa, portanto, a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de direitos subjetivos absolutos ou de normas de proteção.
Cabe, então, ao Autor, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade aquiliana, nos termos gerais: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O art.º 79º, n.º 1 do CSC procede, contudo, a uma delimitação especial da responsabilidade civil dos gerentes, nos termos da qual, esta cobre apenas os danos diretamente causados ao terceiro.
A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos, o que redunda, em termos valorativos, numa restrição desta responsabilidade, como defende Menezes Cordeiro, aos casos de «práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado»; ou de «práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa.».
Também o douto Acórdão do mesmo Tribunal de 21/11/2012, P. 3365/04.1TTLSB.L1.S1, disponível na mesma base de dados, se pronunciou no sentido de fazer depender a responsabilidade solidária do sócio gerente, ao abrigo do artigo 379.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, (que corresponde ao nº 2 do artigo 335º do Código do Trabalho atual), que remete para os artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais, da violação de normas de proteção da integridade do capital social e da prova dos pressupostos gerais da responsabilidade aquiliana (art.º 483º, n.º 1 do Código Civil).
Do que se teve a oportunidade de referir emerge que a responsabilidade do sócio prevista no artigo 335º do Código do Trabalho, para além de estar dependente da verificação dos pressupostos referidos nos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais, também está dependente de o mesmo, por si ou através de acordo parassocial, se encontrar nas situações descritas no artigo 83º deste último Código, isto é, mostra-se necessário que o mesmo, por força de disposições do contrato de sociedade, tenha o direito de designar gerente sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação.
Por conseguinte e também em consonância com a mencionada jurisprudência, para que se verifique a responsabilização do sócio, é necessário:
(i) Que a atuação do mesmo tenha constituído inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas a proteger os interesses dos credores sociais;
(ii) Que o restante património da sociedade se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos credores sociais;
(iii) Que se verifique nexo causal entre o ato do sócio/gerente e a insuficiência de satisfação de credores sociais (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2005, Processo 05B3016 e Acórdão desta Relação de 17/05/2011, Processo nº 649/09.6TTSTB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Constituindo estes pressupostos elementos constitutivos de um direito que visa garantir os créditos do trabalhador, naturalmente, que o ónus de alegação e prova da verificação concreta dos aludidos elementos compete ao autor, de harmonia com a regra geral estatuída no artigo 342º, nº1 do Código Civil.
Na concreta situação dos autos, a exequente/apelada não logrou demonstrar a verificação dos aludidos pressupostos.
Deste modo, as apelantes não podem ser responsabilizadas pela satisfação do crédito exequendo, ao abrigo do preceituado no artigo 335º do Código do Trabalho.
Por conseguinte, não é possível estender a eficácia subjetiva do caso julgado, (referimo-nos, naturalmente à sentença condenatória mencionada no ponto 1. dos factos assentes) às executadas, ora apelantes, nos termos do artigo 55º do Código de Processo Civil, com fundamento na responsabilidade solidária prevista pelos artigos 334º e 335º, ambos do Código do Trabalho.
Destarte, não havendo lugar à aplicação do referido artigo 55º e não figurando as apelantes como devedoras no título executivo apresentado, as mesmas são parte ilegítima para a ação executiva.
Mostram-se, pois, procedentes as alegações e conclusões do recurso, na parte agora analisada.
A procedência da primeira questão suscitada em sede de recurso, não obstante tornar desnecessária a apreciação das demais questões que fundamentam a visada procedência das oposições à execução e penhora, sempre fará este tribunal uma referência às mesmas, ainda que breve, até pela sua manifesta improcedência.
Em relação à invocada inexistência de título executivo, a razão mostra-se do lado das apelantes.
É sabido que é o título executivo que determina o fim e os limites da ação executiva (cfr. artigo 10º, nº5 do Código de Processo Civil).
Tendo sido apresentado como título executivo, uma sentença condenatória, transitada em julgado, e não tendo as apelantes sido condenadas no âmbito da mesma, não existe, com efeito, título executivo quanto às oponentes/recorrentes. Logo, também por este fundamento, sempre haveria que julgar procedente o recurso.
No que respeita à suscitada ilegalidade da penhora efetuada sobre saldos de contas bancárias pertencentes às apelantes, haverá que referir que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 197º, nº1 e 207º do Código das Sociedades Comerciais, na qualidade de sócias, as apelantes apenas poderiam responder pela sua entrada e solidariamente pelas entradas dos restantes sócios, tais como convencionadas no contrato, pelo que, a penhora de bens próprios das apelantes com vista ao pagamento do crédito exequendo, não se mostra legalmente admissível, em termos de direito substantivo, pelo que a penhora realizada sempre seria ilegal.
Pelo exposto, também a 2ª e 3ª questão supra enunciadas no ponto II, supra, levariam à procedência das conclusões de recurso, com vista à revogação da sentença recorrida.
Porém, concluindo, em face da ilegitimidade passiva das apelantes para a ação executiva, há que julgar procedente o recurso e, consequentemente, impõe-se a revogação da sentença recorrida.
Há ainda que declarar procedente a oposição à execução deduzida, com a consequente extinção da execução em relação às apelantes (artigo 732º, nº4 do Código de Processo Civil), devendo ser ordenado o imediato levantamento da penhora efetuada sobre bens das apelantes.
*
V. Responsabilidade da exequente
Em sede de recurso, as apelantes peticionam, ainda, a condenação da exequente/apelada:
- em multa cujo valor deverá ser fixado pelo tribunal;
- no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às apelantes, em montante não inferior a 5.000,00 (cinco mil euros);
Apreciemos, então, a visada responsabilização da exequente.
Dispõe o normativo inserto no artigo 858º do Código de Processo Civil:
“Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.”
Esta norma (que corresponde, com ligeiras alterações, ao anterior artigo 819º revogado), "consagra um controlo a posteriori da legalidade da pretensão do exequente e da inerente legitimidade do recurso à ação executiva. Dado que ao executado não foi conferida oportunidade de se defender em momento anterior à penhora dos seus bens, tendo o legislador dado prevalência à celeridade processual até esse momento, caso a pretensão do exequente venha a revelar-se infundada, com a consequente produção de danos para o executado, além de este sujeito poder exigir o ressarcimento de tais danos, o exequente será simultaneamente penalizado por ter traído a confiança que a ordem jurídica depositou na veracidade da pretensão de quem se apresenta munido de um título executivo" (cfr. “A Responsabilidade do exequente e de outros intervenientes processuais”, Maria Olinda Garcia, pag.61).
Deste modo, à semelhança do revogado artigo 819º, a responsabilidade civil do exequente, prevista no normativo, pressupõe os seguintes requisitos:
a) que a penhora tenha sido efetuada sem a citação prévia do executado;
b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado;
c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição à execução, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível, (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 9/11/2010, P. 292/08.7TBSAT-A.C1 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 12/5/2011, P. 1123/10.3TBSCR-A.L1-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e, também, sobre o novo Código de Processo Civil, ver “A ação executiva no Novo Código de Processo Civil, de Lurdes Mesquita e Francisco Costeira da Rocha, 2ª edição, pág. 63).
Na concreta situação dos autos, entendemos que, desde logo, não se pode afirmar que a exequente agiu sem a prudência normal exigível, ou seja, não agiu como agiria nas mesmas circunstâncias um bom pai de família (cfr. Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol.3º, Coimbra Editora, pág. 331).
Na realidade, a exequente/apelada interpôs a ação executiva também contra as apelantes, com fundamento numa alegada responsabilidade solidária.
Saber se existia ou não a invocada responsabilidade solidária é, manifestamente, uma questão de direito que, como tal, era suscetível de discussão e foi efetivamente discutida nos autos.
É sabido que na ação executiva, o exequente visa exercitar coercivamente a sua pretensão.
Na presente execução, o exequente apresenta uma teoria jurídica para deduzir a execução também contra outras pessoas, para além da entidade empregadora (que consta como devedora no título executivo).
Alega que tem direito a satisfazer o seu crédito (judicialmente reconhecido), coercivamente, contra várias sociedades, que no seu entender, são legalmente responsáveis por tal satisfação.
No fundo, a exequente agiu com a prudência com que agiria um bom pai de família para garantir todas as possibilidades de execução do seu crédito, deixando a apreciação e decisão sobre o direito aplicável, ao tribunal, sabendo de antemão que a tramitação da ação executiva, permite o exercício do direito de oposição por parte do executado.
Pelo exposto, consideramos que não se pode assacar à exequente um comportamento do qual resulte que, ao intentar a presente execução, não agiu com a prudência normal exigível ou que agiu culposamente, visando causar danos às oponentes/apelantes ou prevendo a possibilidade desse resultado.
Por isso mesmo, entendemos que não se mostram preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 858º do Código de Processo Civil para a responsabilização da exequente.
Destarte, deverá a pretensão das apelantes, agora analisada, ser julgada improcedente.
Concluindo, o recurso mostra-se parcialmente procedente.

Custas na 1ª instância a suportar pela apelada e custas na 2ª instância a suportar pelas partes, na proporção do decaimento.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso e, consequentemente revogam a sentença recorrida e declaram:
- que julgam procedente a oposição à execução, com fundamento na ilegitimidade passiva das oponentes, julgando-se consequentemente extinta a execução em relação às mesmas, ordenando-se, em conformidade, o levantamento da penhora que recaiu sobre os seus bens;
- absolve-se a exequente do pedido de condenação do pagamento às apelantes de uma indemnização no valor de € 5.000,00, bem como no pagamento de uma multa.
Custas na 1ª instância a suportar pela apelada e custas na 2ª instância a suportar pelas partes, na proporção do decaimento.
Notifique.

Évora, 30 de abril de 2015

(Paula Maria Videira do Paço)

(Alexandre Batista Coelho)

(Acácio André Proença)