Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
DECISÃO INSTRUTÓRIA
REPETIÇÃO
Sumário
I - O debate instrutório só realiza a sua finalidade legal, presentes que sejam os princípios da continuidade e da oralidade, se houver identidade de juiz, isto é, se o juiz que proferir a decisão instrutória for o mesmo que presidiu ao debate instrutório, sob pena de insuficiência de ato essencial da instrução, que é nulidade dependente de arguição - artigo 120º, nº 2, al. d), do C. P. Penal. II - A disciplina relativa aos efeitos da declaração de nulidades está constituída na base do princípio do máximo aproveitamento possível dos atos do processo, expressamente inscrito no nº 3 do artigo 122º do C. P. Penal. III - Não tendo sido anulado o debate instrutório, nem estando o senhor juiz que a ele presidiu impossibilitado de proferir nova decisão instrutória, nos termos decididos no acórdão desta Relação de 06-01-2015, impõe-se, tendo em vista evitar a repetição de atos processuais, que seja ele a repetir a decisão anulada, no respeito pelo determinado por este Tribunal.
Texto Integral
I – Relatório
No âmbito do processo n.º---/10.0JASTB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, após realização da instrução, requerida pelo arguido, veio a ser proferida decisão instrutória no sentido de “não pronunciar o arguido A. pelos factos e incriminação constantes da acusação pública deduzida pelo Ministério Público a fls. 537 a 545 e acompanhada pela assistente a fls. 573. e pelos factos e incriminação constantes da acusação particular deduzida pela assistente B. a fls. 571-573 e acompanhada pelo Ministério Público a fls. 580.”
Na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público para esta Relação de Évora, decidiu-se, por acórdão de 6 de Janeiro de 2015, “anular o despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro onde constem todos os factos não indiciários que permitam concluir pela não pronúncia do arguido e bem assim a fundamentação respectiva”.
Remetidos os autos à Comarca de Setúbal e redistribuídos à Instância Central – Secção de Instrução Criminal J2 – o senhor juiz, cuja decisão instrutória foi anulada, a quem os autos foram conclusos, declinou a sua competência para proferir nova decisão instrutória, nos termos constantes de fls.25 a 30, de que se extrai, muito resumidamente, que, por via da reorganização judiciária de 2014, é à Instância Central de Setúbal – Instrução Criminal (do qual não é titular, por ter sido colocado na Instância Local Criminal de Setúbal J2) que cabe refazer a decisão instrutória; que o princípio da plenitude da assistência dos juízes não se impõe na fase da instrução até porque na mesma, ao contrário do julgamento, o julgador forma a sua convicção com base em prova que não foi produzida ou examinada na presença de todos os interessados (é o que se passa com a prova recolhida em inquérito, sobre a qual essencialmente assenta o julgamento a formular em sede de instrução); nada justifica, no caso concreto, o desvio da competência do titular do tribunal competente para a tramitação do processo para o titular de outra unidade orgânica.
Conclusos os autos à Senhora Juíza titular do processo, esta, por seu despacho de 19-03-2015, declinou igualmente a sua competência, nos termos e com os fundamentos seguintes (transcrição parcial):
“Em cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (fls. 927 a 9406) que anulou o despacho de não pronúncia recorrido foram os autos, por despacho de fls. 948, remetidos o Exmo. Colega que presidiu ao debate instrutório e consequentemente proferiu a Decisão instrutória.
Nessa sequência remetidos os autos ao Juiz que proferiu a decisão o mesmo declinou a "competência pessoal" para proferir nova decisão instrutória nestes autos, por considerar que atualmente e por via da reorganização judiciária de 2014 é à Instância Central de Setúbal, -Instrução Criminal do qual o mesmo não é titular que cabe refazer a dita decisão.
Do teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, verifica-se que, foi ordenada a substituição do despacho recorrido e anulado "por outro onde constem todos os factos não indiciários que permitam concluir pela não pronúncia do arguido e bem assim a fundamentação respectiva".
Entendendo o referido Acórdão que existe uma nulidade insanável, por não se elencarem os factos não indiciários que permitiram a não pronúncia do arguido, entende-se que a despacho que deve ser substituído por outro que venha a suprir a omissão da falta dos factos não indiciários é da competência do meritíssimo Juiz que o proferiu e presidiu ao debate instrutório e não do actual juiz de instrução.
Acresce que, não foi anulado o debate instrutório nem ordenada a prática de novos actos de instrução.
Nos termos do preceituado no art.º 307º do CPP é ao Juiz que preside ao debate instrutório que compete a prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, independentemente da colocação que venha ter o Juiz que ao mesmo presidiu por decorrência de movimentos judiciais.
Ademais, não pode ser a signatária a reformular o despacho, limitando-se a inserir factos que considere não indiciários e a respectiva fundamentação até porque o restante despacho se mantém e esse despacho foi proferido pelo anterior Juiz de instrução.
Se bem analisamos o CPP, não vislumbramos norma directa que defina uma situação destas.
Distrate, uma vez que foi proferida decisão do Tribunal Superior para que se supra a nulidade do despacho de não pronúncia, fundamentando a mesma através da narração de factos não indiciários, somos do entendimento que essa fundamentação deve ser feita pelo então juiz que a proferiu, como já acima exposto, e actualmente a exercer funções na Instância Criminal Local J2 pois que o mesmo não está impossibilitado de o fazer, nomeadamente, por baixa médica prolongada (quanto às situações de impossibilidade veja-se Ac. RG de 19/05/2014 consultado in www.dgsi.pt).
E, não se trata de uma impossibilidade de obter a fundamentação pelo mesmo juiz, uma vez que este se encontra em exercício de funções na Instância Local Criminal desta Comarca.
Conclui-se do exposto que não pode a juiz que não presidiu ao debate reparar o despacho recorrido pelo que se declara a mesma, também incompetente para sanar o vício apontado a tal despacho proferido pelo actual Juiz da Instância Local Criminal.
Notifique. (…)”
Cumprido o disposto no artigo 36.º, n.º 1 do CPP, apenas a Exma. Magistrada do Ministério Público nesta Relação se pronunciou quanto à resolução do conflito, nos termos seguintes (transcrição parcial):
“No caso concreto, a questão a apreciar é a de saber se perante o circunstancialismo invocado nos autos, deve o Senhor Juiz que proferiu o despacho recorrido considerar-se legalmente impossibilitado de proferir novo despacho onde constem todos os factos não indiciários que permitam concluir pela não pronúncia do arguido, nos exactos termos determinados no acórdão desta Relação, proferido em 06 de Janeiro de 2015.
Para a resolução de tal questão importa sublinhar, o regime específico aplicável ao debate instrutório que, para além de obrigatório, representa o culminar de toda a fase preparatória do processo penal.
Na verdade, consagra-se para o debate instrutório um contraditório pleno, em que é assegurado a oralidade, a imediação e continuidade, operando uma retroacção do contraditório em audiência. O debate instrutório é, pois, um acto obrigatório, tendo sempre lugar mesmo que não haja quaisquer actos instrutórios a realizar.
Assim, no caso dos autos, anulada a decisão instrutória por omissão da descrição de todos os factos não indiciários que permitam concluir pela não pronúncia, afigura-se-nos que deverá ser o Juiz que realizou o debate instrutório (no qual teve a oportunidade de se inteirar dos eventuais argumentos que foram, então, aduzidos pelas partes) e proferiu o despacho recorrido, tendo ao seu dispor todos os meios de prova recolhidos no processo para suprir a nulidade daquele despacho, a fundamentar o mesmo através da descrição daqueles factos, sendo certo que, actualmente a exercer funções na Instância Criminal Local J2, da Comarca de Setúbal, não está impossibilitado de o fazer, designadamente, por baixa médica prolongada.
Face ao exposto, emitimos parecer no sentido de que o suscitado conflito negativo de competência, deve ser dirimido no sentido de ser o Juiz que proferiu a decisão instrutória primitiva a fundamentar a referida decisão dando, assim, cumprimento ao determinado no acórdão desta Relação.”
II - FUNDAMENTAÇÃO
Da documentação junta aos autos resulta a factualidade enunciada supra.
Apreciando e decidindo:
Temos que reconhecer que estamos perante um conflito atípico em que o primitivo e atual juiz do processo declinam a sua competência para a prolação de nova decisão instrutória “onde constem todos os factos não indiciários que permitam concluir pela não pronúncia do arguido e bem assim a fundamentação respectiva”, conforme determinado no acórdão desta Relação.
Tal impasse, gerador de um real conflito de competências, uma vez que ambos os magistrados repudiam a competência própria para tramitar os presentes autos, deve ser resolvido sem demora, sob pena de se manter uma situação eventualmente prejudicial para o arguido, sendo competente, para o efeito, o Presidente da Secção Criminal, como resulta da al. a) do n.º5 do art.12.º do CPP.
Como se diz no Acórdão do Tribunal de Guimarães de 19-05-2014, citado pela senhora juíza a quem o processo foi distribuído (a propósito de uma situação semelhante em que a juíza titular do processo se encontrava impossibilitada, devido a doença prolongada, de proferir decisão instrutória nos precisos termos determinados por aquele Tribunal da Relação), “não existe nenhum fundamento legal que imponha que o Juiz que inicia e desenvolve a instrução deva ser o mesmo que a venha a ultimar, proferindo a decisão instrutória. É que não valem aqui as regras e os princípios processuais que vigoram na audiência de julgamento.
Assim, princípios como os da imediação, oralidade e continuidade e até mesmo o do contraditório pleno não são aplicáveis na fase da produção de prova na instrução.
Na verdade, não sendo a fase da instrução uma antecipação da audiência de julgamento, seria incongruente transpor para ela, o regime aplicável à produção da prova na fase final.
E compreende-se que assim seja. Enquanto a pronúncia se propõe dar consistência a uma decisão meramente processual de fazer ou não prosseguir o processo até julgamento, decisão essa que se basta com prova meramente indiciária (artº 301º, nº 3, 302º, nº 4 e 308º do CPP), em julgamento não é disso que se trata, antes de tomar uma decisão de mérito, quanto ao fundo da causa, enfim, de condenação ou absolvição, assente, não em meros indícios como ali, antes, numa convicção formada no exame crítico das provas legalmente admissíveis. (Ac. STJ, de 11.01, proc. 06P4679 Rel. Pereira Madeira). Há, no entanto que sublinhar, o regime específico aplicável ao debate instrutório que além de obrigatório, representa o culminar de toda a fase preparatória do processo penal. Por definição, o debate alicerça-se numa estrutura contraditória, como meio de defesa por si só, realizado como é sob a direção (artº 301º CPP) e na presença do juiz, com a presença e a participação das partes, as quais, no seu decurso, poderão inclusivamente requerer “a produção de provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar, durante o debate, sobre questões concretas controversas (artº 302º CPP). Aí se dá tradução à exigência contida no nº 5 do artº 32º, da CRP.
Consagra-se para o debate instrutório um contraditório pleno, que o legislador quis que sempre tivesse lugar, em que é assegurado a oralidade, imediação e continuidade, operando uma retroação do contraditório em audiência, no dizer de J. A. Barreiros, op. Citada, pág. 129, nota 34. O debate instrutório é um acto obrigatório e tem lugar mesmo que não haja mais quaisquer actos instrutórios a realizar, podendo tornar-se o acto exclusivo, único a praticar. (Cfr. Ac. RL de 15.1.2000, Proc. 506/00, Rel. Santos Monteiro). (sublinhado nosso)
Significa isto que no caso dos autos, revogada que foi a decisão instrutória por omissão da descrição e especificação dos factos tidos por indiciariamente provados e/ou não provados, a subsequente decisão instrutória não tem que ser prolatada pela senhora Juíza que proferiu a primitiva decisão de não pronúncia. O que é necessário, isso, sim, é que a decisão instrutória a proferir, seja precedida de novo debate instrutório, dada a sua natureza contraditória, nos termos anteriormente explanados.
Deste modo, ficará plenamente salvaguardado o contraditório, uma vez que o arguido e o assistente terão oportunidade de se pronunciar sobre todas as provas existentes nos autos in casu, foram inquiridas duas testemunhas, cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, que se encontra disponível na aplicação informática em uso no tribunal recorrido.
O senhor Juiz a quo tem, assim, ao seu dispor todos os meios de prova recolhidos no processo, que o permitem habilitar, depois de realizado o necessário debate (no qual terá a oportunidade de se inteirar dos eventuais argumentos que então serão aduzidos pelas partes) a proferir a decisão instrutória. (artº 298º do CPP). “
Subscrevemos, no essencial, a posição adotada em tal acórdão.
Acrescenta-se ainda que o legislador pretendeu que o debate instrutório fosse contínuo, aproveitando-se a imediação da prova a produzir com vista à descoberta da verdade material
O debate instrutório só realiza a sua finalidade legal, presentes que sejam os princípios da continuidade e da oralidade, se houver identidade de juiz, isto é, se o juiz que proferir a decisão instrutória for o mesmo que presidiu ao debate instrutório, sob pena de insuficiência de acto essencial da instrução que é nulidade dependente de arguição - art. 120.º, nº2, al. d) do CPP.
Ora, não tendo sido anulado o debate instrutório, nem estando o senhor juiz que a ele presidiu impossibilitado de proferir nova decisão instrutória, nos termos decididos no acórdão desta Relação de 06-01-2015, impõe-se, tendo em vista evitar a repetição de atos processuais, que seja ele a repetir a decisão anulada, no respeito pelo determinado por este Tribunal.
Na verdade, a disciplina relativa aos efeitos da declaração de nulidades está constituída na base do princípio do máximo aproveitamento possível dos atos do processo, expressamente inscrito no n.º3 do art. 122.º do CPP.
DECISÃO
Em face do exposto, decide-se dirimir o presente conflito atribuindo a competência para proferir a nova decisão instrutória, nos termos delimitados pelo acórdão desta Relação, ao senhor juiz que presidiu ao debate instrutório e que produziu a decisão anulada.
Sem tributação.
Cumpra o disposto no art. 36.º, nº 3 do CPP.
(Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator)
Évora, 2015-05-05
Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)