ARTICULADOS
RÉPLICA
ADMISSIBILIDADE
Sumário

Ao acto de apresentação do articulado réplica, porque irregular, não pode ser atribuído qualquer efeito devendo ser eliminado do processo electrónico, uma vez que a aceitação de tal articulado, embora a título excepcional, não é, no caso dos autos, imposto pelos deveres de gestão processual concedidos ao juiz, nem resulta de correcta aplicação do princípio da adequação formal, sendo certo que vai contra a alteração legislativa introduzida no NCPC, desvirtuando-a.

Texto Integral

Apelação n.º 1406/14.3TBPTM-B.E1 (1ª secção cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…) e outros intentaram, no Tribunal de Portimão, acção com vista à impugnação de depósito de renda e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de renda, contra (…) e mulher (…), enquanto arrendatários do 1º andar direito, do prédio urbano, sito na Rua (…), n.º (…), em Portimão.
Na petição que apresentaram em 05/05/2014 não ofereceram prova testemunhal.
Na sequência da contestação apresentada pelos réus, em 16/06/2014, vieram os autores apresentar réplica e oferecer como meios de prova o depoimento de parte dos réus, bem como a inquirição de três testemunhas que identificam.
Os réus vieram pugnar pela inadmissibilidade do articulado réplica e solicitar o respetivo desentranhamento.
Por despacho de 18/02/2015 foi decidido admitir-se “excecionalmente, a réplica deduzida”.
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Irresignados com tal decisão vieram os réus interpor o presente recurso, o qual foi admitido, terminando, nas suas alegações, por formularem as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1 - A partir de Setembro de 2013, a apresentação da Réplica ficou condicionada aos requisitos, diríamos que apertados que se encontram previstos no artigo 584º do CPC e para o qual se remete.
2 - No caso vertente, é manifesto que os recorrentes não deduziram qualquer Pedido reconvencional nem estamos em presença de uma ação de apreciação negativa, o que, a decisão sob recurso acaba por admitir.
3 - Nessa conformidade, não há lugar á apresentação da Réplica, não podendo a mesma ser admitida ainda que a título excecional.
4 - Caso o legislador houvesse figurado a hipótese que surge aventada na peça processual aqui em questão, não deixaria, como é de boa Técnica legislativa, de a consagrar no novo código.
5 - E não o fez, como é manifesto.
6 - Assim sendo, a apresentação da réplica nos moldes utilizados pelos AA, configura, nos termos do que se encontra plasmado no artigo 195º do CPC., um ato nulo, o que expressamente se invoca.
7 - Além de ter admitido a Réplica, admitiu também o requerimento probatório aí apresentado.
8 - Sendo a apresentação da Réplica um ato nulo, tal nulidade não deixará de “contaminar” de igual modo o requerimento probatório ai apresentado.
9 - Ademais, os AA não apresentaram Rol de testemunhas com a Petição inicial.
10 - Como assim, mostram-se os mesmos legalmente impedidos de proceder à sua alteração, alteração que prossupunha a apresentação inicial do Rol, o que não se verificou.
11 - Os AA no articulado apresentado (Réplica), não referem, em momento algum que pretendem alterar o requerimento probatório apresentado, o que não podiam fazer pelas razões já aqui explicitadas.
12 - Por tudo quanto antecede, entendem os ora recorrentes que foi violado o correto entendimento dos artigos 3, n.º 4, 195º, 552º, n.º 2 e 584º todos eles do novo Código de Processo Civil”.
Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão essencial que importa apreciar consiste em saber se o articulado réplica devia ter sido admitido, como o foi.

Para apreciação da questão há que ter em conta a realidade factual supra descrita no relatório, que nos dispensamos de reproduzir de novo.

Conhecendo da questão
Em face do disposto no artº 584º n.º 1 e 2 do nCPC a réplica só é admissível se na contestação o réu tiver deduzido pedido reconvencional, ou tiver trazido factos constitutivos para o processo, seja como fundamento do pedido reconvencional, seja como factos constitutivos opostos por ele ao pedido de simples apreciação negativa deduzido pelo autor. [1]
No caso, não estamos perante uma ação de simples apreciação negativa, nem foi deduzida reconvenção pelo que, manifestamente em face da lei aplicável não há lugar a réplica.
O legislador consagrou como regra a existência apenas de dois articulados (a petição inicial e a contestação) não podendo, por isso, a réplica ser aproveitada para resposta às exceções, como no vCPC acontecia, [2] mesmo nos casos de em virtude de ter havido reconvenção, a lei possibilitar o seu oferecimento, já que o legislador assim não o quis, atenta a taxatividade do n.º 1 do artº 584º do nCPC, mesmo que essa solução pudesse ser mais adequada no plano da economia processual. [3]
Assim, a falta de impugnação por via do articulado réplica, da matéria de exceção arguida na contestação, não importa como anteriormente sucedia no regime do vCPC a confissão dos factos, até porque, o autor, sempre pode e deve responder à matéria de exceção em sede de audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (cfr. artº 3º n.º 4 do nCPC).
O Julgador a quo, embora reconhecendo que no caso não era admissível a apresentação de réplica, entendeu que podendo os autores, mais tarde, responder às exceções deduzidas, muito embora o tenham feito antecipadamente em momento não próprio, que “seria inútil ordenar o desentranhamento da réplica para, no início da audiência de julgamento, dar a palavra aos autores para que se pronunciassem sobre as exceções da contestação, eventualmente reproduzindo o teor daquela” e “por brevidade e economia processual,” decidiu admitir “o contraditório prematuramente exercido pelos autores, por escrito, relativamente à matéria de exceção exarada na contestação” e, como tal, admitiu “excecionalmente, a réplica deduzida.”
Não podemos perfilhar de tal entendimento. O Juiz não pode reconhecer validade e admitir, embora excecionalmente, por questão de “brevidade e economia processual”, aliás discutível, um articulado que a lei expressamente não permite que seja apresentado. Dizemos que é discutível invocar razões de brevidade e de economia processual, uma vez que se a parte não tivesse apresentado o articulado réplica o processo teria corrido com mais celeridade, pois não haveria que esperar pelo prazo de resposta do réu a tal articulado, nem teria havido necessidade de conhecer da problemática em questão, podendo desde logo finda contestação, atenta a simplicidade da causa ter-se elaborado despacho saneador.
Deste modo, ao ato de apresentação do articulado réplica, porque irregular, não pode ser atribuído qualquer efeito devendo ser eliminado do processo eletrónico, uma vez que a aceitação de tal articulado, embora a título excecional, não é, no caso dos autos, imposto pelos deveres de gestão processual concedidos ao juiz, nem resulta de correta aplicação princípio da adequação formal, sendo certo que, vai contra a alteração legislativa introduzida no nCPC, desvirtuando-a. Até porque, não pode dizer-se que, para o réu, o direito reconhecido, embora a título excecional ao autor, não lhe causa qualquer prejuízo, já que ele sempre, em momento posterior, podia deduzir oposição à matéria de exceção. Antes pelo contrário, uma vez que na réplica foram apresentados novos meios de prova, e não sendo esta admitida, também os novos meios prova, nela integrados, o não podem ser. Ou seja, não se admitindo a réplica, os meios de prova oferecidos pelo autor, não podem ser considerados, uma vez que a alteração dos meios de prova inicialmente oferecidos (na petição) só pode ocorrer no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação e não no prazo de 30 dias previsto para a apresentação da réplica, quando o formalismo processual a não admite.
Donde possibilitar-se a apresentação do articulado que a lei não permite, mesmo que se invoquem razões de celeridade, sempre tal admissão, no caso concreto, põe em causa direitos dos réus, favorecendo, no âmbito da prova, os autores, permitindo-lhes alterar, para além do prazo de 10 dias a que alude o artº 552º n.º 2 do nCPCV, o requerimento probatório inicialmente apresentado.
Do exposto impõe-se, a revogação da decisão recorrida pela qual se admitiu a réplica bem como se autorizou a alteração do requerimento probatório, procedendo, assim, o recurso.

DECISÂO
Pelo exposto, decide-se, nos termos supra expostos, julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão impugnada, não se admitindo o articulado réplica, bem como a alteração dos meios de prova a que nesse articulado se alude.
Custas pelos apelados.
Évora, 11 de Junho de 2015
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura
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[1] - v. Rui Pinto in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª edição, 359-360.
[2] - v. António Martins in Código de Processo Civil comentários e anotações práticas, 2ª edição, 258.
[3] - v. Rui Pinto in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª edição, 360; em sentido divergente v. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, vol. I, 461.