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RECURSO DO CONSERVADOR
DIREITO INTERNACIONAL
NORMAS DE CONFLITOS
Sumário
Em face do Direito Português, o testamenteiro nunca poderia registar em seu nome qualquer bem da herança, por não ter a qualidade de herdeiro e também nem sequer lhe seria permitido vender qualquer bem da herança, se não fosse cabeça de casal e pela lei Portuguesa o testamenteiro só pode ser cabeça de casal se não houver cônjuge sobrevivo (sendo as disposições testamentárias que a contrariem nulas e de nenhum efeito).
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 3405/12.0TBSTB.E1 (Apelação – 1ª Secção)
Recorrente: (…)
Recorrido: Conservador do Registo Predial de Palmela e (…)
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Relatório [1]
(…), com os sinais dos autos, ao abrigo do disposto no art. 131º do Código do Registo Predial, interpôs recurso do despacho do Exm.º Sr. Conservador da Conservatória do Registo Predial de Palmela, pelos quais foi indeferido liminarmente o pedido de anulação do acto de registo requerido mediante a apresentação Ap. (…) de 2010/08/19, referente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), da freguesia de Palmela.
Em síntese, alegou que (…), natural da Irlanda e de nacionalidade britânica, proprietário do referido prédio, faleceu em 27.10.2002, no estado de casado com (…), sob o regime da separação de bens; sendo que o referido (…) deixou testamento no qual o nomeou a ele, recorrente, testamenteiro e “trustee”, deixando-lhe todo o seu património, onde quer que se situe, dando-lhe instruções para vender e converter em dinheiro todos os seus bens e, após pagamento das dívidas e do imposto sucessório, distribuir o remanescente, em partes iguais, entre a filha e a sua mulher. Mais alegou que a inscrição levada ao registo foi feita a pedido destas últimas e impossibilitou-o a ele, recorrente, de cumprir as suas obrigações como executor testamentário, sendo lei aplicável à sucessão de (…) a lei inglesa, donde resulta que os bens que não estejam liquidados em dinheiro nunca chegam a entrar na esfera jurídica da filha e mulher, apenas e tão-só o produto da sua venda após pagamento das dívidas, despesas funerárias, testamentárias e imposto sucessório.
O Sr. Conservador manteve a decisão recorrida. Em síntese, fundamentou a sua posição do seguinte modo:
a) o próprio autor da herança escolheu, em vida, a lei portuguesa como lei pessoal, conforme lhe era permitido pela lei inglesa;
b) por sentença judicial proferida por tribunal inglês, é a lei portuguesa a aplicável à sucessão;
c) o próprio recorrente declarou formalmente, sob juramento, que a lei do autor da herança era a portuguesa;
d) não é pertinente a distinção entre “lei pessoal” e “lei do domicílio”, uma vez que quer o autor da herança, quer o próprio recorrente, reconheceram como válida e aplicável à sucessão a “lei portuguesa”, o que foi coadjuvado por decisão judicial.
(…) pronunciou-se sobre os fundamentos do recurso dizendo que o mesmo deve ser julgado improcedente, pois a lei aplicável é a lei portuguesa.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que os autos fossem suspensos até que fosse alcançada decisão final no inventário requerido por (…) contra (…), tendo sido obtida certidão do acórdão que recaiu sobre o recurso do despacho no qual, por se considerar inexistir pressuposto legal para a instauração do inventário (excepção dilatória inominada), se determinou a extinção da instância.
Veio depois o MP pronunciar-se no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, citando os arts. 25º e 31º, n.º 2, do CC.
O recurso deve considerar-se tempestivo por ter sido apresentado em tempo, embora não directamente junto do tribunal, o que não obsta à sua admissibilidade face à circunstância de ter sido suprida a falta de prolação de despacho de manutenção da decisão.
Foi proferido despacho a determinar a notificação da recorrida para juntar aos autos cópia certificada e traduzida da sentença proferida pelo Tribunal inglês. A recorrida veio referir que a tradução do termo “domiciled” como residente foi errada, pois o referido termo refere-se não à residência mas ao domicílio em sentido técnico, no sentido de lei pessoal, o chamado “domicilie of choice”, sendo que, se a sentença quisesse referir-se a domicílio no sentido de residência teria utilizado a expressão “resident at/ residing at”.
O tribunal obteve informações no sentido de confirmar a posição da recorrida, bem como relativamente aos conceitos de “domicile of origin”, “domicilie of dependency” e “domicile of choice”, informações essas facultadas por I. advogada indicada pela Embaixada do Reino Unido em Portugal, a qual consta da lista dos advogados com capacidade para emitir certificados de Lei inglesa».
Por fim foi proferida sentença onde se decidiu negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
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Mais uma vez, irresignado, veio a recorrente apelar, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
«1ª) A questão a decidir neste processo, é uma questão de Direito Internacional Privado, e concretamente a de saber qual a lei aplicável à sucessão de (…), se é a Lei Inglesa ou, pelo contrário, a Lei Portuguesa;
2ª) Esta questão foi, nos autos mal apreciada, primeiro pelo conservador, depois pelo próprio tribunal a quo, confundindo-se a questão do “Domicile” com a da Lei Pessoal que é a lei aplicável à sucessão no caso de (…);
3ª) Esta Lei pessoal, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do Código Civil, é a da nacionalidade do indivíduo, o que não se confunde com a eleição de domicílio e nada tem que ver com isso;
4ª) Sendo certo que a nacionalidade do Autor da sucessão é Britânica;
5ª) Foi dirimida no processo n.º (…)/10.3TBSTB, a questão de abertura de processo de inventário no âmbito da sucessão do Sr. (…), considerando-se a Lei Inglesa a competente para regular a Sucessão, decisão esta proferida em primeira instância que o Tribunal da Relação de Évora confirmou por acórdão constituindo-se assim caso julgado sobre este particular aspecto da lei aplicável à sucessão do autor da mesma;
6ª) Ao decidir de forma diversa, considerando a Lei Portuguesa como a Lei aplicável no caso concreto, que se prende também com a sucessão do Sr. (…), mal andou a primeira instância violando a autoridade de caso julgado facto que implica que não se possa manter a decisão ora recorrida sob pena de violação de Lei;
7º) De outro, lado a sentença recorrida não aplica ao caso concreto as normas de conflitos que deveria ter aplicado, chegando assim a uma conclusão de direito violadora de Lei;
8.º) A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste sendo certo que a lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo como estabelecido pelos artigos 25º, 31º, n.º 1 e 62º, todos do Código Civil;
9º) De seu lado determina o Direito Inglês aplicável que para a sucessão dos bens imóveis é aplicável a lei da situação dos mesmos, e para os bens móveis a lei do “Domicile” do de cujus quando ocorreu a morte, verificando-se assim existir nítido conflito entre as duas leis; a lei portuguesa remete para a da nacionalidade do “de cujus”, e a lei inglesa remete para a da situação do imóvel em causa, ou seja, remete para a lei portuguesa;
10º) A resolução deste conflito opera-se pelo estabelecido no artigo 16º do Código Civil que determina que: “A referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei” o que se traduz em considerar que a referência feita pela norma de conflitos à lei estrangeira tem apenas em vista as normas materiais deste, e não também as suas normas de conflitos;
11º) De seu turno, o artigo 17º, nº 1, do Código Civil estipula que: ”Se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado”. No entanto este artigo não é aqui aplicável porque apesar de a lei inglesa remeter a sucessão para a lei portuguesa – porque se situa aqui o imóvel e porque o "de cujos” tinha aqui o seu último domicílio – a nossa lei não se considera competente;
12º) Sendo também inaplicável o disposto no artigo 18º do Código Civil ao estatuir que: “Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno português, é este o direito aplicável”, porquanto a remissão que é feita pela lei inglesa para a “lex situs" e para a lei do domicílio (lei portuguesa), não é feita para o direito interno português, mas, pelo contrário, opera com força de referência global, para o direito interno, e para as normas de conflitos portuguesas, as quais aplicam a lei inglesa.
Da violação de normas jurídicas:
Decidindo como fez o tribunal a quo violou as normas jurídicas contidas nos preceitos dos artigos 16.º, 18.º, 31.º, n.º 1 e 62.º, todos do Código Civil e dos artigos 619.º e 628.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e no mais que o douto suprimento de V. Ex.as sugerir, deve revogar-se a decisão proferida em primeira instância e, consequentemente, ser esta alterada no sentido de se decidir pela procedência do recurso do acto do Conservador do Registo Predial de Palmela, e de direito, dando-se provimento à presente apelação nos estritos termos supra invocados e outrossim requeridos».
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º, nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil) [3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2, in fine, do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil).
Das conclusões acabadas de transcrever e do teor da decisão recorrida, decorre que as questões suscitadas no recurso são meramente jurídicas e consistem em saber se, em face dos elementos apresentados, seria de anular o registo promovido pela recorrida e se a decisão recorrida viola os efeitos da caso julgado decorrentes do acórdão deste Tribunal proferido no processo de inventário nº (…)/10.3TBSTB, que confirmou a decisão da primeira instância no sentido de considerar extinta a instância por falta de pressuposto legal.
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Vejamos.
Na primeira instância o Sr. Juiz fundamentou a decisão nos seguintes termos:
« São os seguintes os factos relevantes para a apreciação do recurso:
1. Acha-se inscrita no registo predial, mediante a Ap. 2010/08/19, por sucessão hereditária e testamentária de (…), e sem determinação de parte ou direito, a favor de (…) e (…) (ou …), a aquisição do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/19930622 da freguesia de Palmela, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…), da referida freguesia.
2. A inscrição referida em 1. foi além do mais instruída com os seguintes
a) escritura de habilitação de herdeiros de 07.02.2007;
b) testamento de 26.10.1997, outorgado perante duas testemunhas e homologado pelo Tribunal de Probate do Registo Distrital de Newcastle – Upon – Tyne, Inglaterra, em 22.07.2005.
3. Na escritura de habilitação referida em 2. a) declarou-se que (…), natural da Irlanda, de nacionalidade britânica, com última residência em El Chaço, Napo, Equador, faleceu em 27.10.2002, no estado de casado com (…), sob o regime da separação de bens, tendo deixado testamento de 26.10.1997, testamento esse no qual o autor da sucessão nomeou como testamenteiro e “Trustee” (…), que de acordo com o grant of probate, o testamenteiro nomeado é o referido (…), e ainda que, de acordo com o referido testamento, o testador deixou todo o seu património, onde quer que seja situado, ao seu trustee em “trust” para vender e converter em dinheiro todos os seus bens e, após pagamento das despesas funerárias, testamentárias, dívidas e imposto sucessório, distribuir o remanescente em partes iguais entre a filha (…) e a sua referida mulher, (…).
4. Mais se declarou na referida escritura que, segundo a lei inglesa, que era a aplicável, nos termos da lei pessoal do falecido, não existem herdeiros legitimários, nem por conseguinte legítima, podendo um cidadão britânico, livremente e sem restrição, dispor por testamento de todos os seus bens, pelo que o referido testamento é válido quanto à forma e ao seu conteúdo, tendo-lhe sucedido como únicas herdeiras as referidas (…) e (…), não havendo outras pessoas que prefiram às indicadas herdeiras ou que com elas possam concorrer na sucessão à mencionada herança.
5. O testamento referido em 2. b) , outorgado perante duas testemunhas e homologado pelo Tribunal de Probate do Registo Distrital de Newcastle – Upon – Tyne, Inglaterra, em 22.07.2005, tem além do mais o seguinte conteúdo:
«…» 2. NOMEIO (…) de (…)Skipton Street Morecombe acima referido, Advogado, e (…) de (…) Rydal Road Morecombe acima referido (de ora em diante abreviadamente designados por “meus Trustees”), como Testamenteiros e “Trustees” deste meu Testamento. 3. DEIXO todo o meu património, tanto imóvel como pessoal, onde quer que esteja situado, para os meus Trustees em Trust para que estes possam vender, realizar e converter em dinheiro os bens que não sejam fungíveis e após pagamento das despesas funerárias e testamentárias e dívidas e imposto sucessório devido e DETER o remanescente para a minha filha (…) (que também usa …) e a minha mulher (…) desde que estas me sobrevivem e se ambas em partes iguais absolutamente. (…)».
6. Antes da prolação do despacho impugnado, o Sr. Conservador proferiu despacho no qual convidou o recorrente a alegar e provar com documento certificado pela Embaixada que, nos termos da lei inglesa, os herdeiros não têm direito ao prédio, e que o prédio é para a lei inglesa um bem fungível.
7. Na sequência do despacho referido em 6., o recorrente apresentou uma declaração escrita assinada por (…), solicitor (advogada inglesa) e advogada, licenciada em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, consultora jurídica inscrita na Embaixada Britânica, Secção Consular em Lisboa, onde se declara que lhe foi exibido o testamento a que se alude em 4., e ainda que, de acordo com a cláusula 3ª do referido testamento, o testador dispõe o seguinte: «O Testador deixa todos os seus bens aos seus Trustees para serem vendidos e convertidos em dinheiro (todos aqueles que não sejam dinheiro) e uma vez pagas as despesas funerárias, testamenteiras, as dívidas e o imposto, para deterem o remanescente (entenda-se do produto dessa venda uma vez pagas as referidas despesas) em Trust para a sua filha (…) e a sua mulher (…), em partes iguais e em absoluto».
8. Após a junção do documento a que se alude em 7., o Sr. Conservador proferiu despacho no qual, depois de referir que não foi feita prova da natureza fungível do prédio, essencial para a correcta interpretação da deixa testamentária, e de salientar que o recorrente veio então dizer que “a filha e a mulher não são herdeiras”, o que contradiz a escritura de habilitação, concedeu um novo prazo de 10 dias para a certificação da natureza não fungível do prédio, bem como para a rectificação da escritura de habilitação, apresentando-se ainda o consentimento das herdeiras.
9. (…) foi notificada para deduzir oposição e apresentou um documento elaborado e assinado por (…), advogada inglesa, solicitor e comissioner for oaths, junto do Supremo Tribunal de Justiça de Inglaterra e País de Gales, devidamente autorizada e habilitada e com poderes para o acto, no que diz respeito à herança de (…), e que declarou que foi informada do seguinte:
«1. (…) faleceu a 27 de Outubro de 2002, no Equador, sendo a sua lei pessoal, a Lei de Portugal e com última residência habitual na Avenida da Independência das Colónias (…), 2900 – Setúbal, conforme decorre da Sentença promulgada pelo Supremo Tribunal de Justiça da Inglaterra em Newcastle Upon Tyne, aos 22 de Julho de 2005 (adiante abreviadamente designada por a Sentença do Tribunal Inglês); e
2. Fez testamento aos 26 de Outubro de 1997, conforme decorre da supra identificada Sentença do Tribunal Inglês, cujo Testamento foi homologado pelo supra identificado Tribunal Inglês, que o faz na sequência dos trâmites jurídicos e declarações juramentadas necessárias por parte do testamenteiro, isto é, o Sr. (…); e
3. Os trâmites jurídicos necessários para a obtenção de tal Sentença do Tribunal Inglês incluem obrigatoriamente que, o Testamenteiro e Executor aceite o cargo e cumpra com as obrigações jurídicas que resultam dessa nomeação e aceitação do cargo, o que é feito através de declarações juramentadas por ele prestadas formalmente, e é com base nessas declarações e no testamento e na lei Inglesa aplicável, que o Tribunal verifica tudo e estando satisfeito que está tudo conforme, o Tribunal promulga a respectiva sentença validando o Testamento e declara quem é o Testamenteiro e Executor e que é abreviadamente conhecido por Grant of Probate; e
4. (…), que foi nomeado como Testamenteiro e Executor, aceitou esse cargo de Testamenteiro e Executor do Testamento conforme decorre da Sentença do Tribunal Inglês, e não podendo ser outra pessoa a fazê-lo, tal como é requisitado pela Lei Inglesa, formalmente declarou pessoalmente sob juramento, que a lei do Autor da Sucessão aquando da morte deste, era a lei de Portugal, tal como decorre da própria sentença do Tribunal Inglês; e
5. A lei da INGLATERRA e PAÍS DE GALES, prevê que existem 3 tipos de Lei pessoal, isto é, “domicile”; e
6. Os três tipos de “Domicile” consistem na Lei pessoal de origem (“domicile of origin”); e a lei pessoal de dependentes (“domicile of dependency”), que se aplica a menores ou pessoas incapacitadas e à mulher que casou antes do dia 31 de Dezembro de 1972; e ainda a lei pessoal de escolha (“domicile of choice”), que um indivíduo pode por sua livre vontade obter, em termos sumários, que este obtém desde que tenha formado a intenção de permanentemente residir e ser regido pela lei de outro país que não o seu, ou a sua existente lei pessoal, quer esta seja a lei pessoal de origem ou a sua lei pessoal de escolha, pelo que o Autor da Sucessão em vida alterou a sua lei pessoal de origem para a lei pessoal de escolha, isto é, a lei de Portugal, conforme lhe é permitido pela Lei de Inglaterra; e
(…)
9. A sua lei pessoal, era à data da morte a Lei de Portugal.
Pelo que, e fundamentado pelas afirmações e declarações previamente discriminadas Declaro que: -
De acordo com a lei da Inglaterra e País de Gales, a lei que regula a sucessão e distribuição de todos os bens do Autor da Sucessão seja de que natureza for e onde quer que se encontrem situados, é a Lei da República de Portugal conforme decorre da Sentença do Tribunal Inglês não havendo assim outra(s) que com ela prefira(m) ou possa(m) concorrer».
10. No despacho de indeferimento liminar o Sr. Conservador aduziu os seguintes argumentos:
«(…), notificada para deduzir oposição (…), veio efectivamente a deduzi-la apresentando requerimento e documento emitido por (…), consultora jurídica inscrita na Embaixada de Inglaterra, qualidade e poderes que são certificados pela Secção Consular de Portimão.
Decorre do referido documento que o autor da herança escolheu como lei pessoal a lei portuguesa, o que lhe é permitido pela Lei de Inglaterra; que o próprio testamenteiro, (…), declarou formalmente sob juramento que a lei do autor da herança era a lei de Portugal; que é a lei portuguesa a aplicável à sucessão, conforme resulta de sentença do tribunal inglês.
Torna-se assim manifesta a improcedência do pedido de rectificação apresentado.
O registo, tal como se encontra efectuado, não contém qualquer inexactidão, pois nos termos da lei portuguesa cônjuge e descendente são os herdeiros legítimos e legitimários (art. 2157.º, 2133º, n.º 1 al. a) do Código Civil) com direito aos bens.
O registo foi também efectuado com base no único documento legalmente exigido para o efectuar: a habilitação de herdeiros (art. 49º CRP).
Nestes termos, indefiro liminarmente o requerido nos termos do artº 127º, n.º 1 CRP».
11. No texto original redigido em língua inglesa, a sentença do Supremo Tribunal de Justiça da Inglaterra em Newcastle Upon Tyne, de 22 de Julho de 2005, identifica (…) como “domiciled” em Portugal.
12. A Dr.ª (…), I. advogada indicada pela Embaixada do Reino Unido em Portugal como constando da lista dos advogados com capacidade para emitir certificados de Lei inglesa, veio aos autos informar que o termo “domicile” não se confunde com o de mera residência (residence) num determinado local, e confirmou que os conceitos de “domicile of origin” e “domicile of dependency” respeitam respectivamente à lei pessoal atribuída por razão de nascimento (sendo determinado de acordo com o domicile dos pais) e ao domicile dos menores e incapazes (determinado na dependência do domicile dos respresentantes legais); e finalmente veio referir que o domicile of choice é o que resulta da opção por uma lei pessoal diferente daquela que seria aplicável por força do domicile of origin, sendo necessária a concorrência de dois elementos, a saber: fixação de residência no ordenamento jurídico pretendido e intenção de aí estabelecer o seu centro de vida.
13. No processo n.º (…)/10.3TBSTB, que correu termos no 4º Juízo Cível de Setúbal, requerido por (…) contra (…). o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 07.12.2012, já transitado em julgado, confirmou a decisão da 1ª instância no sentido de considerar que inexistia pressuposto legal para a instauração do inventário (o que constituía excepção dilatória inominada) e de determinar a extinção da instância.
Fundamentos de direito
Pelo presente recurso, o recorrente impugnou o despacho de indeferimento liminar do pedido de rectificação da inscrição registral lavrada mediante a Ap. 2010/08/19, por sucessão hereditária e testamentária de (…), e sem determinação de parte ou direito, a favor de (…) e (…) (ou …), da aquisição do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/19930622 da freguesia de Palmela, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo (…), da referida freguesia.
O argumento fundamental invocado pelo recorrente é que ao caso será aplicável a lei inglesa, contrariamente ao que concluiu o Sr. Conservador. E a verdade é que, alinhadas as posições expressas por recorrente e recorrida, ambas concordam que o registo deve manter-se se ao caso for aplicável a lei portuguesa, sucedendo o inverso no caso de a lei aplicável ser a portuguesa.
Sucede que, analisados todos os elementos trazidos aos autos, não se pode concluir, como pretende o recorrente, que a lei aplicável é a lei inglesa. Tudo milita no sentido de que a lei aplicável seja a lei portuguesa, nomeadamente face à sentença proferida pelo Tribunal inglês, cuja referência ao termo “domiciled” não significa que residência em Portugal (o termo a utilizar seria residence ou resident at), tendo antes um dos sentidos possíveis que o conceito de domicile encerra à luz da lei inglesa. O único sentido possível é o de “domicile of choice”, dado que a referência a Portugal não faria sentido para designar o “domicile of origin”, respeitante à lei pessoal atribuída por razão de nascimento (sendo determinado de acordo com o domicile dos pais), e muito menos para designar o chamado “domicile of dependency”, referente ao domicile dos menores e incapazes (determinado na dependência do domicile dos respresentantes legais).
Concluindo-se que se trata do “domicile of choice”, fica evidenciado que a referência a Portugal significa a opção por uma lei pessoal diferente daquela que seria aplicável por força do “domicile of origin”, sendo portanto aplicável a lei portuguesa. O que noutros termos significa que a sucessão é regulada pela lei portuguesa (cf. arts. 25º e 62º do CC).
De tudo o que vem de ser dito flui necessariamente a improcedência do recurso, sendo para o caso irrelevante o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que confirmou a decisão na qual se considerou inexistir pressuposto legal para a instauração do inventário (excepção dilatória inominada), se determinou a extinção da instância. Na verdade, além de tal decisão não produzir caso julgado material, nada obstando a que seja instaurado inventário no pressuposto de que ao caso é aplicável a lei portuguesa, o recorrente não foi sequer parte naquele processo, razão pela qual nunca poderia invocar a referida decisão como fundamento do presente recurso – arts. 278º, n.º 1, e), 279º, n.º 1, 590º, n.º 1, 619º, 620º, n.º 1, e 622º, todos do NCPC.
Em suma, vai-se negar provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido e condenando-se o recorrente nas custas devidas a juízo».
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Em face da factualidade dada como provada e dos novos elementos carreados para os autos, designadamente a sentença do Supremo Tribunal de Justiça da Inglaterra em Newcastle Upon Tyne, de 22 de Julho de 2005, acima referida que identifica (…) como “domiciled” em Portugal e em particular a certificação e explicitação do sentido de tal expressão no direito inglês feita pela Dr.ª (…) (I. advogada indicada pela Embaixada do Reino Unido em Portugal como constando da lista dos advogados com capacidade para emitir certificados de Lei inglesa) a decisão recorrida não merece qualquer reparo, porquanto a ser aplicável à herança deixada por (…), o direito Português, o testamenteiro nunca poderia registar em seu nome qualquer bem da herança, por não ter a qualidade de herdeiro e também nem sequer lhe seria permitido vender qualquer bem da herança, se não fosse cabeça de casal e pela lei Portuguesa o testamenteiro só pode ser cabeça de casal se não houver cônjuge sobrevivo, o que não é o caso (art.º 2080º, nº 1, al. a) e b), do CC). Na verdade, a lei portuguesa não o consente (cfr. Art.º 2320º, 2325º, 2327º, 2328º, do CC), sendo as disposições testamentárias que a contrariem nulas e de nenhum efeito (art.º 280º do CC).
Quanto à questão de saber se esta decisão viola os efeitos do caso julgado formado com o Acórdão proferido por este Tribunal no âmbito do processo n.º (…)/10.3TBSTB, que o aqui relator e o 1º adjunto subscreveram, diremos que não nos parece que tal suceda. Na verdade, aquele aresto foi proferido num quadro fáctico/jurídico diverso daquele que se apresenta actualmente.
A decisão e os seus efeitos não podem ser desligados do quadro factual que lhe subjaz.
Ora o quadro factual que esteve na base da referida decisão assentava no pressuposto, admitido inclusivamente pela recorrida e constante da habilitação de herdeiros, de que à sucessão era aplicável a lei inglesa e nessa medida as disposições testamentárias seriam válidas e o prédio cuja partilha se pretendia concretizar pelo inventário, não poderia ser partilhado porquanto, face ao teor do testamento não haveria lugar à partilha do imóvel relacionado, pois o testador teria imposto ao testamenteiro a sua venda e posterior partilha do remanescente do produto da venda (depois de pagos os encargos e dívidas da herança) pelas herdeiras testamentárias.
Ao tempo era desconhecida deste Tribunal, e não constava daqueles autos a informação de que o testador, no âmbito do que lhe é consentido pelo direito pátrio, teria optado por escolher como lei pessoal, não a lei da sua naturalidade – a lei Inglesa – mas sim a lei da sua residência habitual e de eleição ou seja a Lei Portuguesa. Ora, havendo novos factos, há uma alteração da causa de pedir e consequentemente esses novos factos não são atingidos por aquela decisão.
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Concluindo
Pelo exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, em 25 de Junho de 2015
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo
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[1] Transcrito da decisão.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.