I - O deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente, constante de decisão proferida pela entidade competente e que não foi objeto de impugnação.
II - Não cabe ao Tribunal apreciar se houve deferimento tácito, quando há decisão expressa de indeferimento pelo organismo competente e ela não foi objecto de impugnação.
I
2 – O Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por despacho de 31 de Outubro de 2014, decidiu, designadamente, «não confirmar a formação de acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário formulado».
3 – O arguido interpôs recurso deste despacho, que pretende ver revogado.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«1ª o despacho recorrido entendeu que um deferimento tácito de pedido de apoio judiciário por um particular se considera tacitamente revogado por via da existência posterior por parte da Segurança Social de decisão expressa de indeferimento
2ª mas da (mera) observação do teor dos autos, e desde logo da totalidade do respectivo processo administrativo, não se vislumbra que alguma revogação (expressa) tenha havido
3ª e, para poder ser operante, a existir revogação ela teria que ser exactamente isso . Expressa
4ª não tendo sido o caso, subsiste a operacionalidade da pretensão do particular, conseguida por via do respectivo deferimento tácito
5ª defender o contrário significa, pura e simplesmente, que é tido por letra morta o prazo de 30 dias que a Lei cometeu à Segurança Social para decidir, sob pena de formação ex lege de acto tácito de deferimento
6ª disposição normativa que deveria ter sido correctamente observada : a do art. 25º, da Lei 34 / 2004, de 29/07
7ª disposição normativa que deveria ter sido correctamente observada : a mesma, mas com o entendimento de que não existiu qualquer revogação do concreto deferimento tácito, que revogação não é sinónimo de decisão posterior incompatível, que um pedido de apoio judiciário tacitamente deferido é revogável, sim, mas só por via de revogação expressa (inexistente)
8ª O despacho recorrido deve ser revogado, - com as inerentes consequências de lei».
4 – O recurso foi admitido, por despacho de 12 de Dezembro de 2014.
5 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso, propugnando pela confirmação do julgado.
Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
«1. O douto despacho recorrido não padece de quaisquer vícios ou nulidades.
2. Não foram violadas quaisquer normas substantivas ou adjectivas aplicáveis ao caso sub judice, bem pelo contrário, o douto despacho recorrido fez correcta interpretação dos factos e aplicação das normas que se impunham.
3. O deferimento tácito do requerimento de apoio judiciário entregue pelo Recorrente na Segurança Social a 06 de Maio de 2013 foi revogado pela decisão proferida por aquele organismo em 06 de Setembro de 2013, no sentido do seu indeferimento em qualquer modalidade, a qual se revestiu se carácter definitivo, pelo que mais não restou ao Tribunal “a quo” se não negar a confirmação da formação daquele acto tácito de deferimento, reformulando-se em consonância a conta que faz fls. 119.»
6 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, louvada na resposta e adiantando jurisprudência pertinente, é de parecer que o recurso não merece provimento.
7 – O arguido não replicou.
8 – O objecto do recurso reporta a saber se, mercê de deferimento tácito do correspondente requerimento, o arguido beneficia de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça.
9 – Importa ter presente o seguinte iter processual (conforme resulta dos elementos certificados neste apenso e vem descrito na decisão revidenda):
1. O pedido de apoio judiciário, nas supra indicadas modalidades, foi formulado pelo condenado em 06/05/2013;
2. Por ofício datado de 05/07/2013, foi aquele notificado pelo I.S.S.,I.P. nos termos e para os efeitos previstos no art. 23.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07 (na redacção da Lei n.º 47/2007, de 28/08), bem como para proceder à junção de documentos comprovativos da invocada situação de carência económica (cfr. previsto no art. 8.º-B, 3 e 4, daquele diploma legal);
3. Por ofício datado de 10/09/2013, foi o condenado notificado da decisão final de indeferimento do pedido de protecção jurídica por si formulado, datada de 06/09/2013;
4. O condenado não impugnou judicialmente, nos termos previstos no art. 27.º, 1, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, aquela decisão final.
10 – O recorrente defende que, tendo decorrido, sem decisão, o prazo de 30 dias para a Segurança Social concluir o procedimento administrativo, na sequência de requerimento de apoio judiciário, teve lugar o deferimento tácito deste pedido, nos termos prevenidos no artigo 25.º n.os 1 e 2, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (RADT), que transcorre da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterado e republicado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no que dissente do despacho recorrido que sufraga o entendimento de que, não tendo sido impugnada, adrede, a decisão de indeferimento expresso, o requerente não pode beneficiar daquele deferimento tácito.
11 – Determina o artigo 23.º, do RADT (relativo à audiência prévia) que (1) a audiência prévia do requerente de protecção jurídica tem obrigatoriamente lugar, por escrito, nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento, total ou parcial, do pedido formulado, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, (2) se o requerente de protecção jurídica, devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação, e que (3) a notificação para efeitos de audiência prévia contém expressa referência à cominação prevista no número anterior, sob pena de esta não poder ser aplicada.
12 – Dispõe o citado artigo 25.º, do RADT, também na parcela que aqui importa, que (1) o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, e que (2) decorrido aquele prazo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.
13 – Determina, por sua vez, o artigo 26.º, do RADT que a decisão sobre o pedido de protecção jurídica, não consentindo reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, é susceptível de impugnação judicial.
14 – Revertendo ao caso dos autos, com reporte aos elementos certificados neste apenso de recurso, verifica-se que (i) o requerimento de apoio judiciário do arguido foi objecto de uma proposta de decisão (audiência prévia) de indeferimento, que lhe foi notificada e que o requerente não impugnou, e que (ii) aquando de tal notificação, estava já corrido o prazo de 30 dias, relativo ao deferimento tácito do pedido.
15 – A questão recursiva está pois em saber se o deferimento tácito do pedido deve sobrelevar, ou não, o indeferimento expresso, adrede, do mesmo pedido.
16 – Afigura-se, sem desdouro para o esforço argumentativo do recorrente, que, como decidido na instância, a resposta a tal equação deve ser negativa. Vejamos porquê.
17 – Nos termos prevenidos no n.º 1 do artigo 108.º, do Código do Procedimento Administrativo, quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido na lei.
18 – A lei atribui ao silêncio da Administração o significado de acto tácito positivo: perante um pedido de um particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. O silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração em sentido positivo para o particular – cfr. Freitas do Amaral, em «Direito Administrativo», III (1989), p. 262.
19 – No dizer de Marcello Caetano (no «Manual de Direito Administrativo», I, 10ª ed., pág. 474] esta manifestação resulta de uma presunção legal iuris et de iure: a lei, em certas circunstâncias, manda interpretar a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento do pedido sobre o qual ele tinha obrigação de se pronunciar.
20 – Assim, pressuposto da formação do acto tácito é o silêncio ou abstenção da administração, isto é, a falta de decisão desta no prazo fixado na lei – cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-03-2008, proc. 0831359, www.dgsi.pt.
21 – Tal doutrina foi decantada para o citado n.º 2 do artigo 25.º do RADT.
22 – Sem embargo, proferida decisão de indeferimento, cumpre ao interessado, inconformado, levar a correspondente impugnação judicial.
23 – Ora, ressalvado o muito e devido respeito, não faria sentido que, não tendo o interessado reagido contra a decisão de indeferimento, contrária ao entendimento de que já anteriormente tivera lugar o deferimento tácito, a pudesse depois contornar sem a impugnar judicialmente.
24 – Os actos tendentes à obtenção do apoio judiciário constituem um procedimento administrativo, apenas jurisdicionalizado em sede de recurso da decisão.
25 – Em derrogação de regime pré-vigente, em que o apoio judiciário era concedido ou denegado pelo juiz do processo, do passo que as normas vigoram no presente qualquer inadvertência na atribuição daquele benefício escapa ao controlo judicial – a não ser que se interponha recurso da decisão administrativa.
26 – Por que assim, não cabe ao Tribunal apreciar se houve deferimento tácito, quando há decisão expressa de indeferimento pelo organismo competente e ela não foi objecto de impugnação.
27 – Em vista da omissão de impugnação, e na medida em que, designadamente por impulso do requerente, não foi chamado a pronunciar-se sobre o indeferimento do pedido, o Tribunal só pode confinar-se ao (e conformar-se com o) decidido pela Administração.
28 – Neste sentido, por mais recentes e significativos, vejam-se os acórdãos, do Tribunal da Relação do Porto, de 06/21/2012 (processo 8182/09), de 10/18/2012 (processo 6672/10), e de 04/09/2013 (processo 934/11), acessíveis em www.dgsi.pt.
29 – Termos em que não pode conceder-se provimento ao recurso.
30 – O decaimento no recurso impõe a condenação do arguido recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada nos termos e com os critérios prevenidos nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do Código de Processo Penal, e no artigo 8.º n.º 5 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.
31 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, CJMJ; (b) condenar o arguido recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Évora, 30 de Junho de 2015
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto)