I - A transferência da quantia correspondente ao reembolso do IRS do assistente para a conta bancária da arguida (que a gastou em proveito próprio), devido a erro do contabilista, que indicou na declaração respetiva o número de conta da conta bancária da arguida em vez do número do assistente, não integra os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal, uma vez que este tipo legal pressupõe a apropriação de coisa alheia que veio à posse do agente com base numa relação de confiança que se viola através da inversão do título de posse ou detenção por parte do mesmo agente.
II - A situação descrita ajusta-se, antes, à descrição típica do crime de “apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada”, previsto no artigo 209º do Código Penal, que inclui entre as situações aí previstas os casos em que a coisa alheia tenha entrado na posse ou detenção do agente por efeito de erro.
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; ( ... )
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2. - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos."
Como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12.09.2011, disponível na Internet, in bdjur,almedina.net "o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde flsica, psíquica e mental e que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge.
Assim, não é suficiente qualquer ofensa à saúde física, psíquica emocional ou moral da vítima para que esteja preenchido o tipo de crime.
Como refere Plácido Conde Fernandes, em Violência doméstica - novo quadro penal e processual penal, Revista do CE] nº 8, 1º semestre «o bem jurídico, enquanto materialização directa da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à degradação pelos maus-tratos.
De acordo com a corrente jurisprudencial maioritária e mais recente dos nossos tribunais superiores, à realização do crime de maus tratos, face á lei antiga, não bastava, por regra uma acção isolada do agente, sendo necessária uma acção plúrima e reiterada, com uma proximidade temporal entre os actos ofensivos, embora não se exigisse uma situação da habituolidade.
Esta regra era excepcionada pela verificaçõo de uma única acção agressiva se ela fosse suficientemente grave para afectar de forma marcante a saúde flsica, emocional ou psíquica da vítima.
Neste sentido, vide o Ac. STJ de 06-04-2006, CJ. Ano XlV, Tomo II, págs. 166 e segs; de 13-11-97, Cj, ano V, tomo lll,
Esta é a ofrientação que subjaz ao art. 152º do C Penal na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, como resulta do segmento "Quem, de modo reiterado ou não", tendo o legislador deste modo posto fim à questão colocada na doutrina e na jurisprudência sobre se o crime de violência doméstica exigia corno elemento objectivo do crime a reiteração de condutas ou não.
Assim, o crime de violência doméstica exige a prática reiterada de actos ofensivos consubstunciadorce de maus tratos, ou, então, um único acto ofensivo de tal intensidade, ao nível do desvalor da acção e do resultado, que seja apto e bastante a molestar o bem jurídico protegido - mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral de modo incompatível com a dignidade humana.
O critério de interpretação de reiteração há-de assentar num conceito fàctico e criminológico que dê lugar a um estado de agressão permanente, sem que as agressões tenham que ser constantes, embora com uma proximidade temporal relativa entre si (cfr. Ac. da Relação do Porto de 11 de Junho de 2007, da Relação de Coimbra de 13 de Junho de 2007 e do S. T.J. de 6 de Abril de 2006, em www,dgsiJlJ).
Como refere Plácido Fernandes no artigo citado, a pág. 307" Ê o estado de agressão permanente que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase-familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante"."
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, o crime em apreço é caracterizado como doloso, exigindo-se, portanto, o conhecimento, por parte do agente, da relação de subordinação do sujeito passivo e da censurabilidade penal das suas condutas e a intenção de, ainda assim, praticar os factos.
Por outro lado, com a previsão da agravante contemplada no n2 2 do artigo 1522, visou o legislador qualificar e, desse modo, punir de forma mais grave, as condutas do agente praticadas na presença de menor ou no domicílio comum ou no domicílio da vítima, na medida em que, nestes casos, os menores são vítimas "indirectas" e o agente aproveita-se do recato e intimidade do lar e do facto de poder actuar sem a intervenção ou observação de terceiros - vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2~ edição, Universidade Católica Editora, p. 466.
No caso em apreço, considerando a matéria de facto dada como provada, não há dúvidas de que todo o
comportamento levado a cabo pela Arguida (desde as agressões, aos insultos, às constantes provocações e humilhações), na residência comum do casal, são reiteradas e graves, atentatórias da saúde física, psíquica, emocional e moral do Assistente, seu marido.
Assim e tendo-se apurado ainda que a mesma agiu de forma livre, deliberada e consciente, com a intenção de ofender a honra e consideração do seu marido, bem como a sua saúde e integridade física e psicológica, impõe-se a sua condenação pela prática deste crime,
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D.2. Do Crime de Dano
A Arguida encontra-se, ainda, acusada da prática de um crime de Dano, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal.
Dispõe tal normativo que:
"Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa".
Neste tipo de crime protege-se a "propriedade alheia contra agressões que atingem a existência ou a integridade do estado da coisa. Deve, contudo, precisar-se que - salvo nos casos extremados de destruição da coisa - o direito de propriedade qua tale não é atingido". O que é atingido é "o direito reconhecido ao proprietário de fazer da coisa (e de lidar com ela como) o que quiser, retirando dela, no todo ou em parte, as gratificações ou utilidades que ela pode oferecer" (M, Costa Andrade in Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, p, 207).
São, pois, elementos constitutivos do tipo objectivo do crime de dano:
O carácter alheio da coisa;
A destruição, danificação ou o tornar não utilizável a coisa, o que significa que necessário se torna que se atinja de algum modo a integridade física da coisa, mesmo que seja apenas na sua forma exterior e que ponha em causa a sua função,
No caso em apreço, apurou-se que a Arguida arremessou uma pedra contra o vidro da frente do veículo automóvel da propriedade do Assistente, partindo-o e inutilizando-o.
Não restam, pois, dúvidas de que ao agir da forma supra referida, a Arguida atingiu a integridade física do vidro do veículo automóvel em causa, mostrando-se preenchidos, assim, os elementos objectivos do tipo.
Quanto aos elementos subjectivos do tipo, exige-se que o agente actue com dolo (artigo 132 do Código Penal).
O dolo consiste no conhecimento e vontade de realização do tipo, tendo o arguido que representar que a sua acção sacrifica coisa alheia,
No caso em apreço, não há dúvida de que a Arguida agiu de forma dolosa, pois a mesma sabia que o referida viatura não lhe pertencia e actuou com intenção de danificá-la, agindo contra a vontade do seu proprietário.
A conduta da Arguida preenche, assim, todos os elementos constitutivos deste tipo de crime de que vem também acusada, devendo ser condenada pela prática do crime de Dano.
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D.3. Do Crime de Abuso de Confiança
Vem, por fim, a Arguida acusada da prática, em autoria material, de um crime de Abuso de Confiança, previsto e punido pelo artigo 205º nº 1, do Código Penal.
Nos termos de tal norma"Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por titulo não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos Oll com pena de multa."
O crime de abuso de confiança representa uma violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção. Éindispensável que o agente tenha detido a coisa, que a coisa lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade.
Os elementos objectivos deste crime são, assim, os seguintes: a) apropriação ilegítima; b) de coisa móvel; c) entregue por título não translativo de propriedade (vide, neste sentido, por todos, Simas Santos e Leal Henriques, in O Código Penal de 1982, vol. 4, pp. 64 e 65).
A nível subjectivo, dir-se-á que o dolo consiste na vontade do agente em inverter o título da posse, por se querer transformar de possuidor alieno domine em possuidor alieno dominas, com a consciência de agir contra o direito, quer não restituindo a coisa, quer não lhe dando o destino devido.
Todavia, só através de acto ou actos objectivos reveladores de que o agente se apropriou da coisa, é admissivel concluir pela inversão do título da posse e, nessa medida, formular juízo de censura (vide, por todos, Acordão da Relação do Porto, de 5 de Janeiro de 2000, in C], ADO XXV, tomo I, p. ;1.27), o agente que recebera a coisa uti alieno, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela - naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais - uti dominus; é exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a inversão do título de posse ou detenção e é nela que se traduz e se consuma a apropriação. (vide Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 103).
Nas palavras de Eduardo Correia, in RLj, 902, p. 36 a apropriação no abuso de confiança "não pode ser um puro fenómeno interior (".), mas exige que o animus que lhe corresponde se exteriorize, através de um comportamento, que o revele e execute".
A consumação do crime verifica-se, pois, com a apropriação, isto é, com a inversão do título da posse, situação que ocorre quando, estando a coisa em causa na posse ou na detenção do agente por modo legítimo embora a título não translativo da propriedade, ele se apropria da mesma, actuando como seu dono: ou seja, em suma, sendo já possuidor legítimo em nome alheio passa a ser possuidor ilegítimo em nome próprio (neste sentido, vide José António Barreiros, in Crimes Contra o Património, p. 100 e 5S.).
O abuso de confiança é um crime de realização intencionada e a inversão do título da posse precisa de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores de que o agente já estava a dispor da coisa como se sua fosse - cfr. Acórdão da Relação do Porto de :1.4.05.1995; in C], XX, Tomo 3, p. 262.
A apropriação constitui, assim, elemento típico essencial à verificação do ilícito. Para que se esteja na presença do crime é, pois, necessário que o agente faça seu o objecto móvel alheio, com a intenção dele se apropriar.
Ora, cotejada a factualidade dada como provada em 2.7. a 3.2., conclui-se, com facilidade, que a conduta da Arguida preenche, tanto a nível objectivo, como a nível volitivo, os tipos legais de crime de abuso de confiança de que vem acusada.
Com efeito, tendo, por engano, sido depositada na conta bancária da Arguida a quantia correspondente ao reembolso do IRS a que o Assistente tinha direito, aquela não restituiu tal valor quando interpelada para o efeito e ainda o gastou ern proveito próprio.
Assim e tendo a Arguida, nas suas descritas condutas, agido com o intuito de integrar, como integrou, a quantia acima referida na sua esfera patrimonial, não obstante saber que a mesma não lhe pertencia e que tinha obrigação de a entregar ao Assistente, agindo de forma livre, deliberada e consciente, deverá também ser condenada pelo crime de Abuso de Confiança previsto e punível pelo artigo 2.052, n2 1 do Código Penal.
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E. Da Medida da Pena
Face à alternatividade das penas previstas para os crimes de Dano e de Abuso de Confiança cumpre, antes de mais, optar pela pena a aplicar à Arguida. o critério de escolha entre a pena de prisão e a pena de multa vem apontado no artigo 702, do Código Penal que dispõe: "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa pena de prisão e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção".
Nestes termos, o Tribunal dá preferência à aplicação de uma pena de multa sempre que ela assegurar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40g do Código Penal).
A escolha da pena depende, assim, de considerações de prevenção geral positiva e especial, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena.
Atendendo, assim, ao facto da Arguida não ter antecedentes criminais, o Tribunal entende que a aplicação de penas de multa relativamente aos crimes de Dano e de Abuso de Confiança assegura de modo adequado e suficiente as finalidades da punição - protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (artigo 4oº do Código Penal).
Pelo exposto, opta-se pela aplicação de penas de multa quanto aos crimes de Dano e de Abuso de Confiança em que vai condenada, sendo que, ao crime de Violência Doméstica apenas cabe pena de prisão.
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Dispõe o referido artigo 7lº que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".
Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime" p. 227, Anabela Rodrigues, ':ti. Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", p, 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10/04/96, STJ, ano IV, t. 2, p. 168).
Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.
Assim, será de considerar que:
- as exigências de prevenção geral revelam-se intensas, atenta a expressão que o tipo de ilícito de Violência Doméstica assume na sociedade portuguesa, a gravidade e a intensidade dos sentimentos em regra envolvidos por força da excessiva proximidade entre o agente e a vítima e as consequências que o mesmo implica ao nível individual, familiar e colectivo e o consequente receio e alarme social que provoca, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade das normas violadas;
- o grau de ilicitude dos factos praticados, atendendo aos comportamentos adoptados pela Arguida, a violência manifestada, a persistência da mesma em tais condutas, as consequências daí resultantes, a quantia apropriado pela Arguida e a sua não devolução até ao momento;
- no que concerne à culpa, a Arguida agiu sempre com dolo directo;
- as exigências de prevenção especial relevam-se médias, atendendo à sua situação pessoal e profissional, à ausência de antecedentes criminais e à circunstância de não revelar qualquer capacidade de auto-censura.
Tudo ponderado, julga-se adequado fixar as seguintes penas:
- 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática do crime de Violência Doméstica;
-180 dias de multa, pela prática do crime de Dano; e
-150 (cento e cinquenta) dias de multa, pela prática de um crime de Abuso de Confiança.
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F. Do Cúmulo Jurídico
Atento o teor do artigo 30º do Código Penal, os crimes imputados à Arguida encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se devera encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77º.
Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 330 dias de multa e um limite mínimo de 180 dias de multa, sendo que a diferente natureza das penas de multa e de prisão se mantém.
Levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, julga-se adequado condenar a Arguida na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa e de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Atendendo ao disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, fixa-se o quantitativo diário da pena de multa em 5,00 (cinco euros) - considerando as condições financeiras da Arguida -, o que perfaz o montante global de € 1.250,00 (mil e duzentos e cinquenta euros).
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G. Prisão Subsidiária
(…)
H. Da Suspensão
De acordo com o artigo 50g do Código Penal, a execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deverá ser suspensa sempre que, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Significa isto que nos casos em que seja possível ao julgador formular um juízo de prógnose favorável, através de considerações de prevenção especial acerca da possibilidade de ressocíalízação, deverá suspender a execução da pena.
Nos termos do disposto do mesmo artigo, para aferir da capacidade do agente manter uma conduta conforme o direito, é necessário fazer, em concreto, uma análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes c depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se dessa análise resultar que é possível esperar que a mera ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação de um juízo de confiança na sua capacidade para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.
É ainda de ponderar que a execução de uma pena de prisão de curta duração seria de todo desvantajosa para a socialização do arguido.
Atendendo aos factos que resultaram provados nos autos, nomeadamente, a ausência de antecedentes criminais e a circunstância da mesma já não partilhar a mesma residência com o Assistente, é possível esperar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 50g do Código Penal, determina-se a suspensão da execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, por igual período de tempo.
Considerando ainda que da prática dos factos pelos quais a Arguida vai condenada nos presentes autos resultaram prejuízos não reparados, entende-se que a suspensão da pena de prisão ora decretada deve ser sujeita ao dever da mesma proceder ao pagamento de quantia monetária, visando, pelo menos, parte da reparação de tais prejuízos, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1, al. a) do Código Penal.
Contudo, o nº 2 do mesmo artigo estatui que "os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir".
Impõe-se, pois, fazer um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futuro.
Há que atender, deste modo, que a Arguida faz trabalhos ocasionais e tem 37 anos de idade, dispondo, pois, de meios de obter rendimentos.
Assim e considerando os rendimentos e encargos da Arguida, entende-se razoável suspender a execução da pena de prisão aplicada, sob condição da mesma proceder ao pagamento ao Assistente da quantia de € 80,00 {oitenta euros} por cada mês de suspensão, com vista à reparação de parte dos danos sofridos por este e por conta da indemnização civil que se fixará se seguida.
*
I. Do Pedido de Indemnização Civil
(…) »
Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso e dos poderes de cognição do tribunal ad quem
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
A arguida começa por pôr em causa o preenchimento dos tipos legais do crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º nº1 , e de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º nº1, ambos do C.P., pelos quais vem condenada, por considerar que não resulta suficientemente da factualidade provada o caráter alheio do automóvel e da quantia em dinheiro, objetos da sua conduta, pelo que deve ser absolvida relativamente a ambos os ilícitos.
Subsidiariamente, a arguida impugna a medida concreta das penas de multa aplicadas por cada um daqueles crimes, bem como da pena única de 250 dias de multa, à razão diária de € 5, aplicada em cúmulo jurídico daquelas mesmas penas, e impugna ainda a medida concreta da pena de 2 anos e 10 meses de prisão em que vem condenada pela autoria de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nºs 1 a) e 2, C.P., por entender deverem as mesmas ser reduzidas.
A arguida põe igualmente em causa o dever de pagamento de indemnização imposto como condução da suspensão da execução da pena de prisão aplicada pelo crime de violência doméstica, que entende violar o disposto no art. 51º nº2 do C.Penal, uma vez que a obrigação pecuniária imposta se apresenta como muito difícil de cumprir pela arguida, atentas as suas condições económicas.
A arguida alega ainda que a sua condenação a pagar a quantia correspondente à reparação do veículo danificado consubstancia “repetição do indevido” uma vez que aquela reparação foi paga com proventos comuns do casal, donde decorrerá, no seu entender, a absolvição deste pedido. Porém o recurso nesta parte é inadmissível, face ao disposto no artigo 400º nº 2 do CPP, uma vez que mesmo considerando o total do valor peticionado pelo assistente a título de indemnização pelos prejuízos advenientes do crime de dano (€ 235, 43 a título de danos patrimoniais e € 500,00 a título de danos não patrimoniais), tal valor sempre seria inferior ao valor da alçada do tribunal recorrido, em matéria cível, que é de 5 000 euros, nos termos do artigo 44º da Lei 62/2013 de 26 agosto.
Por último, a recorrente impugna o montante fixado pelo tribunal a quo a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do crime de violência doméstica (€5 000 de €6 000 peticionados), quantia que reputa excessiva, por desconsiderar a fragilidade da situação económica da arguida, violando, assim, o disposto nos arts 496º nº4 e 494º, do C.Civil.
São, pois, estas as questões a decidir, sem prejuízo das que fiquem prejudicadas pela decisão de outras.
2. Decidindo.
2.1. – O crime de abuso de confiança.
Independentemente da questão suscitada pela recorrente a propósito do caráter alheio da quantia, a factualidade provada não preenche os elementos objetivos do crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º do C. Penal, pelas razões adiantadas no parecer da senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação.
Na verdade, como diz, por todos, F.Dias, Comentário Conimbricense do C.Penal, II, pp. 96-7, “ …à “mera apropriação” que constitui na Alemanha a essência típica do crime de Unterschlagung, acresce no (nosso) abuso de confiança um elemento novo, a saber, a relação de fidúcia, que intercede entre o agente e o proprietário ou entre o agente e a própria coisa e que aquele viola com o crime”.
Ou seja, como é sugerido pela sua designação legal, o “nosso” crime de abuso de confiança pressupõe a apropriação de coisa alheia que veio à posse do agente com base numa relação de confiança que se viola através da inversão do título de posse ou detenção por parte do mesmo agente.
Ora, conforme resulta do descrito sob os nºs 29, 30 e 31 dos factos provados, a importância de € 505,12, correspondente ao reembolso do IRS do Assistente, foi transferida para a conta bancária da Arguida (que a gastou em proveito próprio), dado que, por erro, a contabilista indicara este número de conta na declaração respetiva, em vez do número do assistente, pelo que é manifesto não estarmos perante a entrega típica a que se refere o nº1 do artigo 205º do C. Penal, que, assim, não se mostra preenchido.
A situação factual refletida na factualidade provada ajusta-se, antes, à descrição típica do crime de “Apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada” previsto no artigo 209º do C. Penal, que inclui entre as situações aí previstas os casos em que a coisa alheia tenha entrado na posse ou detenção do agente por efeito de erro. Estaria em causa, assim, eventual alteração da qualificação jurídica dos factos, ainda possível em sede de recurso, nos termos do art. 424º nº3 do CPP.
Entendemos, porém, que assiste razão à arguida, quando alega na sua motivação de recurso que não resulta suficientemente da factualidade provada o caráter alheio da quantia de € 505,12, correspondente ao reembolso do IRS do Assistente, de 2011, que o assistente destinaria a ser depositada na sua conta bancária mas que, por erro na indicação do número de conta na declaração do imposto, foi depositada na conta da arguida, como suficientemente explicada na factualidade provada.
Em primeiro lugar, não resulta da factualidade provada que a arguida e o assistente tenham apresentado declarações de IRS separadas. A este respeito, resulta mesmo da informação tributária de fls 509 e 510, dos autos, que terá sido entregue declaração conjunta, pois a fls 510 menciona-se o assistente como contribuinte A e a arguida como contribuinte B.
Por outro lado, a arguida e o assistente encontram-se casados desde 2009 e o reembolso de IRS respeita ao ano de 2011, pelo que, na falta de outros elementos, apenas pode presumir-se valer entre ambos o regime supletivo de comunhão de adquiridos, à luz do qual o valor do reembolso integrará o acervo de bens comuns, de que ambos e cada um dos cônjuges pode dispor no âmbito dos respetivos poderes de disposição e administração, sem prejuízo de acertos de contas a que haja lugar. Nada permite, pois, considerar, que a quantia reembolsada pertencia exclusivamente ao assistente, antes pelo contrário, sendo certo que o tribunal a quo não analisa minimamente qualquer destas questões, quer do ponto de vista dos factos, quer do direito.
Assim, constitui erro de direito a conclusão de que, para efeitos do preenchimento típico do crime de abuso de confiança (ou do crime de “Apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada” previsto no artigo 209º do C. Penal), a quantia reembolsada pelo IRS na sequência da declaração apresentada por ambos os cônjuges, constitui coisa alheia relativamente a um deles, in casu, a arguida, tanto mais que, conforme F. Dias, ob. cit. p. 98., quanto às coisas postas na “… chamada comunhão de mão comum (v.g. bens comuns do casal, sociedades não personalizadas (…) ) o direito cabe a cada uma das pessoas por completo, sem que se verifique a sua divisão em quotas ideais: por isso, abuso de confiança só será aqui possível se e quando o agente, uma vez feita a divisão, ultrapassar a parte que lhe cabe”.
Procede, pois, o recurso nesta parte, impondo-se, sem mais, a absolvição da arguida quanto ao crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º do C. Penal que lhe fora imputado na acusação particular e pelo qual vinha condenada.
Consequentemente, vai a arguida igualmente absolvida do pedido de pagamento de indemnização por danos emergentes da prática daquele mesmo crime, por falta de verificação dos respetivos pressupostos de facto, impondo-se a revogação da sentença recorrida também na parte em que condenou a arguida a pagar ao assistente e lesado, a quantia de € 505,12 (quinhentos e cinco euros e doze cêntimos) a título de danos patrimoniais pela prática do crime de Abuso de Confiança.
2.2. O crime de dano.
Quanto ao crime de dano praticado no veículo automóvel, a questão coloca-se em termos diferentes.
Na verdade, encontra-se provado sob o nº25 da factualidade provada que o veículo automóvel danificado é propriedade do Assistente, sem que a arguida impugne a decisão proferida sobre este ponto da matéria de facto provada e sem que resulte da discussão da causa que a arguida tenha alegado quaisquer outros factos, designadamente sobre o regime de bens ou a data de aquisição do veículo, que pudesse pôr em causa a afirmação, contida no referido ponto nº 25 da factualidade provada, de que o veículo é do assistente, e que, através de reenvio, se impusesse esclarecer.
Assim sendo e considerando que, no plano dos factos, a propriedade exclusiva do assistente sobre o veículo é compatível com o casamento entre ambos, em 2009, nada há a censurar à conclusão de direito do tribunal a quo sobre o caráter alheio da coisa danificada, com base na factualidade assente no nº 25 dos factos provados, enquanto elemento típico do crime de dano p. e p. pelo art. 212º nº1 do C. Penal, pelo qual a arguida vem condenada.
Improcede, assim, o recurso nesta parte, independentemente da questão de saber, no plano do direito, se é típica a conduta de um dos cônjuges que voluntariamente destrua, danifique, desfigure ou torne não utilizável um bem comum do casal, relativamente à qual pode ver-se, por todos, o Ac STJ de 14.07.2011 (relator Arménio Sottomayor), sumariado em www.dgsi.pt, e a fundamentação do AFJ 7/2011 de 27.04.2011.
2.3. As penas parcelares aplicadas pelos crimes de violência doméstica e de dano.
Uma vez que a arguida vai agora absolvida do crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º nº1 do C. Penal, subsiste apenas a pena de multa aplicada pelo crime de dano, para além da pena de prisão aplicada pelo crime de violência doméstica, pelo que não há lugar a cúmulo jurídico, cabendo apenas apreciar o recurso quanto à medida concreta de cada uma das penas parcelares.
2.3.1. Começando pela pena de 2 anos e 10 meses de prisão (suspensa na sua execução), aplicada pela autoria de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nº1 a) e nº2, do C.Penal, pretende a arguida vê-la reduzida, por considerar que o tribunal a quo valorou excessivamente os elementos negativos da conduta da arguida, de que resultou o agravamento desmesurado da pena (sic).
É, porém, manifesta a falta de razão da recorrente. Uma vez que o nº2 do artigo 152º do C.Penal prevê pena de prisão entre 2 anos e 5anos, mal se compreende a afirmação de que o tribunal a quo procedeu ao agravamento desmesurado da pena, dado que esta situa-se próxima do seu mínimo legal, o que se mostra claramente fundamentado na gravidade e repetição dos factos praticados, bem como nas suas consequência para o assistente, que não se encontra a minimamente contrabalançada com fatores favoráveis à arguida. Do ponto de vista da culpa pelo facto nada resulta da factualidade provada que pudesse, pelo menos, contextualizar a violência repetida da arguida para com o assistente. Por outro lado, a arguida nada fez para minorar as consequências dos seus atos, o que releva do ponto de vista das exigências de prevenção geral mas também de prevenção especial, tanto mais que a arguida não revelou, sequer, arrependimento pelos seus atos, que permitisse uma prognose menos negativa sobre o seu comportamento futuro. Se algum reparo houvesse a fazer relativamente à medida concreta da pena, certamente não será em virtude mostrar-se a mesma desmesuradamente agravada. Improcede, pois, o recurso nesta parte.
2.3.2. Quanto à pena de 180 dias de multa aplicada à arguida pela autoria do crime de dano p. e p. pelo art. 212º nº1 do C. Penal, não tem a recorrente igualmente razão.
O art. 212º nº1 limita-se a prever a condenação em pena de multa, pelo que os seus limites são os supletivamente estabelecidos no artigo 47º nº1 do C.Penal: mínimo de 10 dias e máximo de 360 dias.
Atento o modo de execução do facto e o dolo direto, por um lado, e a circunstância, já referida, de a arguida nada ter feito para minorar ou compensar as consequências dos seus atos, relativamente aos quais não se encontra sequer arrependida, provando-se, antes, que a arguida apresenta um sentido de autocrítica distorcido, muito defensivo e de vitimização, a medida da pena tem que traduzir reação contrafática e preventiva ajustadas às caraterísticas do facto e à personalidade revelada pela arguida, de modo a cumprirem-se minimamente as finalidades preventivas das penas.
Nada há, pois, a censurar à medida da pena, fixada muito próximo do respetivo ponto médio pelo tribunal a quo. Improcede o recurso também nesta parte.
2.3.3. – A arguida põe ainda em causa a condição aposta à suspensão da execução da pena de prisão, de pagar ao assistente a importância mensal de 80 euros por conta da indemnização arbitrada pelos danos decorrentes do crime de violência doméstica, por considerar que tal condição é muito difícil de satisfazer, face à situação económica da arguida, pelo que se mostra violado o nº2 do artigo 51º do C. Penal, segundo o qual “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.”.
Vejamos.
Com especial interesse para a decisão da questão, encontram-se provados os seguintes factos:
- «46. Por decisão de 06.06.2013, foi decidido fixar provisoriamente que o menor KAA fica a residir com o seu pai, ora Assistente, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais, podendo a mãe, ora Arguida, visitar o seu filho às segundas, quartas e sextas-feiras, entre as 17 horas e as 18 horas, nas instalações da "Catraia".
47. Mais se fixou na mesma decisão, a obrigação da Arguida contribuir com a prestação mensal de € 75,00 a título de alimentos.
50. Encontra-se desempregada há 4 anos, estando inscrita no Centro de Emprego e Formação Profissional, frequentou uma formação em alfabetização, estando um pouco mais familiarizada com a escrita e a linguagem portuguesas.
51. Recorre a apoios sociais e desempenha tarefas ocasionais, fazendo limpezas, donde aufere um rendimento entre € 200,00 a € 500,00 mensais.
53. A Arguida encontra-se registada como vendedora ambulante sazonal de bijuterias e artesanato, tendo-lhe sido atribuído nos anos de 2010 e 2012 um espaço para venda de produtos na Zona Ribeirinha de Portimão, no período compreendido entre Julho e Setembro.
54. Paga uma renda de casa no valor de € 100,00 e tem uma despesa de cerca de € 20,00 de consumo de água. »
Considerando que o rendimento da arguida oscilará entre 200 e 500 euros mensais e que suporta de despesas quantificadas cerca de 200 euros mensais, afigura-se-nos que a quantia de 80 euros constitui um valor médio que a arguida poderá suportar todos os meses, afetando ao seu pagamento valor superior nos meses em que obtenha mais rendimentos para compensar os restantes. É verdade que o pagamento da verba fixada não será facilmente suportada pela arguida, atento o quadro médio dos seus rendimentos e das despesas a suportar, mas importa ter bem presente que se trata de uma consequência penal da prática de crime grave praticado na pessoa do assistente, com a finalidade, legalmente configurada, de reparar o mal do crime (cfr art. 51º nº1 do C.Penal), com o que se visa a satisfação de exigências de prevenção geral positiva. Exigências estas que no caso presente são particularmente importantes, dada a gravidade do crime e a conduta omissiva posterior da arguida, mostrando-se essencial que, pelo pagamento da quantia fixada, a arguida justifique o não cumprimento efetivo da pena prisão que lhe foi aplicada, assegurando à generalidade dos membros da comunidade que a tutela penal representada pelo crime de violência doméstica é operante e eficaz e que a sua violação implica, necessariamente, o cumprimento da pena justa e proporcionada que lhe corresponda.
Improcede, assim, o recurso também nesta parte.
2.4. Por último, a arguida recorrente põe em causa o montante fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes do crime de violência doméstica, entendendo que tal valor não deve exceder 1 000 euros, dada a sua situação económica.
Vejamos.
Ao prever nos artigos 496º nº3 e 494º, do C. Civil, que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, o legislador terá optado por conceber a indemnização por danos não patrimoniais, com uma natureza acentuadamente mista.
Como refere o Prof. A. Varela, aquela indemnização “ …por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”.[1].
Assim, atendendo ao grau de responsabilidade da arguida e à extensão e intensidade dos danos sofridos pelo assistente, bem documentados na factualidade provada, nada há a dizer ao valor fixado a favor do assistente.
Já o mesmo não pode dizer-se, porém, quanto à situação económica da arguida, enquanto critério a ter em conta pelo tribunal na fixação equitativa do valor indemnizatório, sendo certo que nada se apurou sobre a situação económica do lesado.
Na verdade, considerando as fracas competências profissionais da arguida, que, além do mais, é analfabeta e domina menos bem a língua portuguesa, a situação de desempregada e a irregularidade de proventos que consegue obter, afigura-se-nos que é suficiente e adequada à situação económica da arguida, a importância de 3 000 euros para compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos, atentos os demais fatores referidos e a especial natureza e teleologia desta indemnização, concedendo assim parcial provimento ao recurso.
III. Dispositivo
Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida, SE, e, em consequência:
- Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a arguida na pena de 150 dias de multa, à razão de 5 euros diários, pela prática de um crime de Abuso de Confiança, previsto e punido pelo artigo 205º, nº1 do Código Penal, decidindo, em substituição, absolver a arguida deste mesmo crime;
- Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a arguida e demandada a pagar ao lesado, AA, a quantia de € 505,12 (quinhentos e cinco euros e doze cêntimos) a título de danos patrimoniais pela prática do crime de Abuso de Confiança, pelo qual vai agora absolvido;
- Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a arguida e demandada a pagar ao lesado, AA, a quantia de € 5 000 a título de danos não patrimoniais emergentes do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nº 1 al. a) e nº2, do C. Penal, decidindo, em substituição, condená-la a pagar apenas a importância de €3 000 (três mil euros) a tal título.
Mantém-se, no mais, a sentença recorrida.
Sem custas – art. 513º do CPP
Évora, 14 de julho de 2015
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)
António João Latas
Carlos Jorge Berguete
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[1] A. Varela, Das Obrigações Em Geral I, 5ªed.Almedina Coimbra-1986 p. 568.