COMPRA E VENDA
Sumário

As alienações de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, realizadas por quem não é dono, são ineficazes, ipso jure, relativamente a este, podendo reivindicá-los a qualquer momento, de quem não possua título que legitime a sua posse, incluindo de quem tem a propriedade inscrita em seu nome.

Texto Integral

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães


A. intentou a presente acção sumária contra B.e C – Instituição Financeira de Crédito, SA, com sede na Avª ...., , Lisboa, pedindo que se declare ser ele o único e legítimo dono do veículo automóvel, matrícula ...-MN, e seja ordenado o cancelamento de todos os registos de propriedade e de encargos efectuados sobre a matrícula respectiva, a partir de 01.04.1999, em diante, condenando-se os réus a reconhecerem tal direito, e o primeiro réu a restituir-lhe o MN, alegando, em síntese, que o registo de propriedade efectuado a favor do réu, B., teve por base uma declaração de venda, cuja assinatura do proprietário inicial fora falsificada.
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Contestaram os réus, defendendo a improcedência da acção, impugnando a versão do autor por desconhecimento dos factos, afirmando a sua boa-fé, quer o 1º réu, aquando da aquisição do MN, quer o C, na concessão do crédito.
Requereu, ainda, o réu C. a intervenção provocada da D. tendo esta apresentado contestação, defendendo a improcedência da acção, impugnando por desconhecimento a versão do autor, afirmando, igualmente, a sua boa-fé na aquisição e venda do MN, e requereu a intervenção acessória de: E. que admitido, não contestou.
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Respondeu o autor, defendendo a sua posição anteriormente expressa, na petição inicial.
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Seguiu-se a elaboração do despacho saneador, consignou-se a matéria assente e foi elaborada a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, tendo-se respondido aos quesitos.
Mantêm-se os pressupostos da competência do tribunal e da validade e regularidade processuais.

A final foi prolatada sentença que julgou a acção procedente e condenou os réus a reconhecerem que o autor era o dono do veículo automóvel de matrícula ...-MN e ordenou a sua entrega bem como o cancelamento dos registos de propriedade e encargos, efectuados sobre a respectiva matrícula, a partir de 1.04.1999 em diante.

Inconformados como o decidido, o réu B. a ré C. – Instituição Financeira de Crédito S.A. interpuseram recurso de apelação, formulando conclusões.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A – Recurso do réu B.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões a saber:

1 – Impugnação na vertente do facto.

1.1– Alteração das respostas positivas para negativas aos artigos 1 a 13 e 16 da base instrutória.

2 – Impugnação na vertente do direito

2.1 – Nulidade insanável por manifesta insuficiência de motivação das respostas à matéria de facto.
2.2 – Remessa dos autos à 1.ª instância para fundamentar melhor as respostas.
2.3 – Se a sentença está ferida de nulidade prevista no artigo 668 n.º 1 al. c) do CPC. por contradição entre a matéria de facto assente e as respostas à matéria dos artigos 14 e 15 da base instrutória.
2.4 – Se se verificam os pressupostos da aquisição onerosa, de boa fé e inscrita no registo prevista no artigo 291 do C.Civil.

B – Recurso da ré C – Instituição Financeira de Crédito S.A.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:

1 – Impugnação na vertente do facto

1.1– Alteração das respostas positivas para negativas aos artigos 1 a 12 da base instrutória.

2 – Impugnação na vertente do direito

2.1 – Insuficiente motivação das respostas à matéria de facto que leva à nulidade prevista no artigo 668 n.º 1 al. b) do CPC. ou obriga à remessa dos autos à 1.ª instância para melhor fundamentação.
2.2 – Se as várias transmissões do veículo se enquadram no artigo 291 do C.Civil.

Vamos conhecer dos dois recursos, em conjunto, porque as questões suscitadas e enunciadas são idênticas.

1.1– Os recorrentes pretendem que sejam dadas respostas negativas aos quesitos 1 a 13 e 16, porque entendem que não houve prova bastante para as respostas positivas que o tribunal recorrido consignou. Defendem que os depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor nada sabiam, de forma directa, sobre esta matéria. Todo o seu conhecimento é indirecto, pelo que não deve ser valorado. Por outro lado, o depoimento da testemunha Cláudio Alexandre Vieira Ribeiro Pinto foi forjado, porque não esteve no local onde disse ter estado, porque, segundo o acórdão do Tribunal de Círculo de Matosinhos, a única testemunha que acompanhou o ofendido e aqui autor, foi o Alexandre Salustiano.

O tribunal recorrido convenceu-se da veracidade dos factos vertidos nos quesitos 1 a 13 e 16, aqui impugnados. Fundamentou a sua convicção na audição de várias testemunhas, duas indicadas pelo autor e as outras indicadas pela ré, assim como no depoimento de parte do autor e ainda no acórdão do Tribunal de Círculo de Matosinhos e na certidão do registo automóvel. E foi da conjugação destes elementos de prova, analisados no seu conjunto, que formou a sua convicção, que levou às respostas que constam do respectivo despacho, cuja matéria de facto reverteu, posteriormente, para a sentença, agora impugnada.

Vamos analisar estes elementos de prova para depois decidirmos se as alterações propostas devem ocorrer, ou, pelo contrário, a decisão sobre a matéria de facto corresponde à prova produzida em audiência de julgamento, numa visão relativa e não absoluta da prova, em que é suficiente que os vários elementos de prova, conjugados entre si, criem a confiança bastante, dentro das regras da experiência e da lógica, de que os factos ocorreram de determinada forma.

Temos a destacar a sentença transitada em julgado que condenou o réu I. na pena única de prisão de 20 meses, suspensa a sua execução por dois anos, pela prática, em concurso real, dum crime de abuso de confiança e de um crime de falsificação de documento. E os factos que constam da acusação e que foram provados em audiência de julgamento e que fundamentaram os crimes que lhe foram imputados, são praticamente idênticos aos que constam dos artigos da base instrutória, aqui impugnados. Pois, a petição inicial descreve, no essencial, os factos dados como provados no acórdão do Tribunal de Círculo de Matosinhos.

E este documento, no nosso entender, é fundamental para as respostas positivas aos artigos impugnados da base instrutória. E pela simples razão de que, ao abrigo do disposto no artigo 674-A do CPC., este documento presume que os factos nele contidos são verdadeiros, isto é, passaram-se como nele estão descritos. O que quer dizer que, face a este documento, há como que uma inversão do ónus da prova dos factos vertidos na base instrutória, respeitantes à propriedade da viatura, à sua saída da esfera jurídica do autor e às várias transmissões, até ao réu, que se encontra na sua posse e inscrita, no registo, em seu nome. O que quer dizer que incumbia aos réus ilidir a presunção, sob pena de o tribunal dar como provados os factos alegados pelo autor, ao abrigo do disposto no artigo 349 e 350 n.º 1 do C.Civil.

Assim a tarefa sobre a prova dos factos estava facilitada para o autor. E os depoimentos prestados pela mãe do autor e pelo J. que confirmaram, em termos gerais, o que consta do acórdão da Tribunal de Círculo de Matosinhos, não podem deixar de ser valorados, apesar de não serem decisivos. A testemunha J, apesar de não ter sido ouvida no processo-crime, não significa que não tenha estado presente no momento da experimentação da viatura por parte do I. Ninguém pôs em causa, na audiência de julgamento, a sua presença nesse momento. Poderia ter sido questionada, face ao que consta do acórdão criminal, no sentido de lhe ter sido perguntado se, para além dele, se encontrava outra pessoa do sexo masculino, e se era das relações pessoais do autor. E era na audiência que a questão deveria ter sido suscitada pelas partes interessadas, não agora em sede de recurso, em que a Relação está muito limitada para duvidar da sua presença no local.

Por tudo quanto deixamos dito, julgamos que a decisão sobre a matéria de facto corresponde à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pelo que não iremos alterá-la.

Vamos fixar a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, que passamos a transcrever, com a alteração do ponto 12, quanto ao preço pretendido pela viatura, em que houve um lapso de escrita:

1. A viatura automóvel, marca “Citroen”, modelo “Saxo Sport”, matrícula 96-36-MN foi vendida pela firma D. ao réu B., encontrando-se registada em nome deste, desde 25.04.2001.

2. A propriedade da aludida viatura encontra-se onerada com o Encargo Reserva, registado a favor do 2°. Réu, C.

3. No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, no processo comum colectivo nº 2. 261/01.8TAMTS, e em audiência de julgamento, que teve lugar nos dias 25 de Maio e 06 de Junho de 2002, ficou totalmente provada a matéria da acusação deduzida pelo MPº contra o I. e, em consequência, foi o arguido condenado, pela prática, em concurso real, de um crime de abuso de confiança e de um crime de falsificação de documentos, respectivamente, pelos arts 205. l e 4. a) e 256. l. a) ambos do CPenal, nas penas, respectivamente, de 16 meses e 7 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 20 meses de prisão.

4. A ré, C. em finais de Fevereiro de 2001, recebeu uma proposta/pedido de financiamento para aquisição de um veiculo automóvel, da marca “Citroen”, modelo “Saxo” 1.61,16V cup, de matrícula 96-36-MN, endereçada pelo co-réu, L. através da entidade vendedora – D.

5. Analisada a proposta enviada, designadamente o montante a financiar e as condições financeiras do proponente, a mesma acabou por ser aceite, tendo o respectivo contrato de financiamento sido celebrado em 26/02/2001.

6. Em data indeterminada do ano de 2000, o autor adquiriu por compra, mediante contrato verbal, a sua mãe, a viatura automóvel ligeiro de passageiros, marca Citroen modelo Saxo-Sport , matrícula 96-36-MN.

7. O autor manteve a propriedade registada do MN, na titularidade de sua mãe, a fim de tal viatura não perder valor comercial.

8. Por meados de Agosto de 2000, o autor providenciou pela venda do MN, e fez publicar no diário Jornal de Noticias um anúncio, publicitando a intenção de venda da viatura.

9. Na sequência do que veio o autor a ser contactado telefonicamente por I. supostamente residente em Paços de Ferreira, o qual lhe manifestou interesse na compra da viatura em causa.

10. Mediante prévio acordo telefónico, o autor e o I. encontraram-se no dia 26 de Agosto de 2000, frente à praia de Leça da Palmeira, posto que o potencial interessado pretendia ver e experimentar a viatura.

12. Após o autor ter informado o I. do preço pretendido pela viatura, de 2.650.000$00, aquele solicitou-lhe que lhe emprestasse o carro, para dar uma volta e experimentar.

13. O autor acreditando nas boas intenções do I. logo ali lhe confiou as chaves da viatura e a própria viatura, para ele a experimentar.

14. No interior do porta-luvas, encontravam-se os documentos da mesma: o livrete e o titulo de registo de propriedade, onde se encontrava também uma fotocópia do BI. de sua mãe, para exibição perante as entidades fiscalizadoras do tráfego automóvel.

15. O dito I. não mais regressou com o MN.

16. O I. aproveitando-se da fotocópia do BI da titular inscrita no registo automóvel, emitiu a declaração de compra e venda do MN, no impresso da INCM, nele fazendo constar os elementos de identificação da titular inscrita, apondo-lhe a assinatura no local da vendedora.

17. Feito isto, no dia 29.08.2000, o I.dirigiu-se ao E., sito em Figueira, Freamunde, a quem vendeu a viatura 96-36-MN, pelo preço de 2.450.000$00, como se fosse o seu legítimo dono.

18. A firma D.adquiriu ao E. com sede em Paços de Ferreira, o MN, a qual, desde logo, lhe entregou os documentos do MN.

19. O réu, B., quando se dirigiu ao D, acabou por comprar o MN, confiando na credibilidade da vendedora, pelo preço de 3.000.000$00(€14.963,94).

20. A D. dedica-se ao comércio automóvel, e foi ela quem enviou à ré, BPN a documentação destinada a instruir o processo de financiamento.

21. Até à data de 17 de Janeiro de 2005, a assistente, D. não tinha sido interpelada por quem quer que seja, quanto à validade ou legitimidade dos documentos que teve em seu poder e que entregou ao réu Samuel.

22. A viatura MN fora adquirida, por compra, pela mencionada mãe do autor, no estado de nova, em 31 de Março de 1999, tendo apenas como anterior registo de propriedade o do importador nacional da marca Citroen.

2.1 e 2.2 – Os réus suscitam a nulidade da decisão por insuficiência manifesta de motivação das respostas sobre a matéria de facto ou, se assim se não entender, que sejam remetidos os autos ao tribunal recorrido, para uma melhor fundamentação. Alegam, em síntese, que o tribunal recorrido não fez uma análise crítica à prova que fundamentou a decisão, limitando-se a elencar os elementos de prova.

A motivação não é extensa, mas indica os meios de prova e as razões porque formaram a sua convicção, para justificar as respostas que deu à matéria vertida nos artigos da base instrutória. Na verdade, refere que os depoimentos foram prestados de forma convincente e credível. Esta conclusão exprime a análise crítica a que a prova foi sujeita pelo tribunal. Este não se limitou a indicar os meios de prova. Teve o cuidado de dizer que ficou convencido porque os depoimentos foram convincentes e mereceram crédito por parte do tribunal. E aqui está a essência do juízo sobre a matéria de facto. O tribunal poderia ter desenvolvido mais a ideia da sua crença, mas expressou-a o suficiente, para qualquer pessoa perceber que o seu juízo de credibilidade não era arbitrário, sem fundamento visível. Foram aqueles elementos probatórios que, com a forma como o depoimento de parte foi prestado, as testemunhas depuseram e as razões de ciência apresentadas, fizeram com que tribunal acreditasse no que disseram. E isto é suficiente para que as partes possam compreender as razões das respostas dadas à base instrutória e, no caso de divergirem, poderem recorrer, apresentando argumentos que contrariem a credibilidade e convicção dos depoimentos.

Assim julgamos que o despacho de motivação não sofre de qualquer vício e não se justifica a remessa dos autos à 1.ª instância para uma melhor fundamentação. Além disso, seria impossível, porque o juiz que prolatou o despacho em causa, já está na situação de jubilação, como é do nosso conhecimento, por consulta do Diário da República da II Série.

2.3 – O réu B. invoca a nulidade do artigo 668 n.º 1 al. c) do CPC, porque há contradição entre a matéria de facto assente e as resposta negativas aos artigos 14 e 15 da base instrutória.

Como é sabido, as respostas negativas sobre determinada matéria de facto controvertida não têm qualquer valor. A matéria de facto quesitada e não provada é como se não fosse alegada. Não existe processualmente. Uma resposta negativa não significa que se tenha provado o contrário.

Assim os artigos 14 e 15, que versavam sobre determinada matéria de facto, mais concretamente sobre uma determinada transmissão do veículo, ao terem uma resposta negativa, é como se aquela transmissão não fosse alegada, não existe processualmente.

Não entra em oposição ou conflito com a matéria de facto assente, porque não existe. Fica a prevalecer apenas o que ficou especificado em A) e nada mais.

2.4 – Os réus defendem, nas suas alegações e conclusões que se verificam os pressupostos do artigo 291 do C.Civil, relativamente às transmissões que existiram com o veículo em causa, porque o réu o adquiriu de boa fé, a título oneroso e inscreveu a sua propriedade, no registo, em seu nome.

A primeira transmissão, ao considerar-se nula por venda de coisa alheia, nos termos do artigo 892 do C.Civil, não influencia as posteriores, porque foram todas de boa fé, onerosas e devidamente registadas.

A questão que se coloca e que o tribunal recorrido defendeu, é se a primeira e as restantes transmissões produzem efeitos relativamente ao autor, o verdadeiro proprietário, como consta da matéria de facto provada, mais concretamente dos pontos de facto da decisão recorrida números 6 e 7, e que são a expressão do que consta no ponto 17 da matéria de facto provada do acórdão do Tribunal de Círculo de Matosinhos.

Estamos no domínio duma aquisição derivada translativa, em que houve três transmissões onerosas, sendo interveniente na primeira Paulo Martins, que se fez passar como proprietário da viatura que se havia apoderado, fraudulentamente, do autor, e, com a falsificação dum documento, a vendeu ao E., que, por sua vez, a vendeu a D., e este fê-lo, da mesma forma, ao réu, que inscreveu a propriedade, no registo, em seu nome.

A primeira transmissão é nula, porque versa sobre bem alheio. O transmitente, aparente proprietário, segundo as regras da aquisição derivada translativa, não transferiu o direito de propriedade da viatura, porque não se encontrava na sua esfera jurídica. Ninguém pode transmitir mais direitos do que tem. Assim, as duas transmissões posteriores estão viciadas, porque nada transmitiram, uma vez que o direito de propriedade manteve-se na esfera jurídica do seu legítimo proprietário, o autor nesta acção.

O autor, enquanto proprietário da viatura, e não interveniente em nenhuma das transacções de compra e venda da mesma, é um terceiro. Os contratos celebrados são ineficazes relativamente a ele, apenas vinculando aqueles que neles intervieram como vendedores e compradores.

A norma do artigo 892 e seguintes do C.Civil só se aplica aos intervenientes no contrato e não a estranhos, muito menos ao verdadeiro proprietário, que pode reivindicar a coisa vendida, ilicitamente, directamente do adquirente, sem ter necessidade de invocar a nulidade da transacção. A reivindicação visa a recuperação da coisa, por parte do seu proprietário, que se encontre em poder do detentor. Este é que tem de provar que tem título legítimo para a manter na sua esfera jurídica.

O título invocado pelo réu traduz-se na aquisição onerosa, de boa fé e registada em seu nome, convocando, para legitimar a sua posição, o disposto no artigo 291 n.º 1 do C.Civil. O certo é que este normativo, em que o registo neutraliza o efeito destruidor da nulidade ou anulabilidade, durante um determinado período de tempo, em determinadas circunstâncias, só se aplica quando o verdadeiro proprietário intervém na transmissão ferida de nulidade ou anulabilidade, que, em termos gerais, afectaria toda a cadeia de transmissões posteriores. Por razões de segurança no comércio jurídico, essencialmente imobiliário, o legislador criou uma excepção, mas que não abrange a situação de venda de coisa por alguém que não seja o dono. E isto para não violar o direito de propriedade, mais concretamente a sequela, elemento intrínseco e fundamental deste direito, pela qual o seu titular poderá ir buscar a coisa, de que é proprietário, onde se encontrar, em poder de quem quer que seja. Só o não poderá fazer com êxito se, entretanto, se tiver constituído um outro direito de propriedade, por usucapião. No plano da aquisição derivada translativa, quando não tenha intervindo em nenhuma transmissão, é sempre um terceiro, pelo que qualquer transmissão que tenha havido, é-lhe ineficaz, ipso jure.

Na verdade, o artigo refere que “…não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens …”. E só há aquisição de direitos se houver uma transmissão deles, o que pressupõe que o alienante seja titular dos respectivos direitos. Se não for, não pode transmitir tais direitos e o registo não pode garantir a sua manutenção. Pois, o registo, neste caso, apenas impede o efeito retroactivo e destruidor da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, que esteve na base da transmissão dos direitos. Nas circunstâncias definidas pelo artigo justifica-se que a nulidade ou anulabilidade não produzam os seus efeitos normais, por razões de segurança do comércio jurídico.
(Conferir – Doutrina – Manuel Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, Almedina, 1971, pag. 135 a 142; Vaz Serra, RLJ. Ano 106, pag. 106; Antunes Varela, RLJ. Ano 116, pag. 16 e 17 e Ano 118, pag. 309 a 316; Jurisprudência – Ac. STJ.13 de Fevereiro de 1979, BMJ. 284/176; Ac. STJ. 18/02/2003, CJ ( STJ), 2003, Tomo I, pag. 106; Ac. RP. 26/1/2006, CJ, 2006, Tomo I, pag. 168).

Aplicando estes princípios ao caso sob recurso, constata-se que a primeira transmissão, concretizada no contrato de compra e venda entre o Paulo Martins e o Stand de Filipe Jorge Carvalhais Sampaio, é realizada por quem não é o verdadeiro dono da viatura. Este negócio apenas criou a aparência de transmissão do direito de propriedade, que veio a afectar as restantes alienações. O que quer dizer que todos os contratos de compra e venda realizados não transmitiram o direito de propriedade que o autor tinha sobre a viatura, sendo-lhe ineficazes, podendo reivindicá-la do seu detentor, que neste caso é o réu.

Este terá de abrir mão da viatura, porque não tem título que legitime a sua posse, porquanto se funda numa transmissão onerosa, de boa fé e registada, mas que é ineficaz relativamente ao autor. E, além disso, o autor, como proprietário da viatura, com vista ao registo da propriedade em seu nome, terá de cancelar todos os registos existentes, posteriores à sua aquisição.

Em conclusão: As alienações de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, realizadas por quem não é dono, são ineficazes, ipso jure, relativamente a este, podendo reivindicá-los a qualquer momento, de quem não possua título que legitime a sua posse, incluindo de quem tem a propriedade inscrita em seu nome.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedentes as apelações, e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Guimarães,