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ACÇÃO ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO (ART.S 98.º-B E SEGS DO CPT)
NOTA DE CULPA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
CATEGORIA PROFISSIONAL
Sumário
i. na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, embora se verifique uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação de despedimento, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos que cumpre conhecer, assumindo o trabalhador a posição de autor e o empregador a posição de réu; ii. por isso a este, no articulado que apresenta a motivar o despedimento e não pretendendo que o tribunal exclua a reintegração, apenas se impõe que justifique (motive) o despedimento; iii. a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar; iv. contudo, se apenas alguns dos factos constantes da nota de culpa não contiverem uma descrição circunstanciada, a consequência é esses mesmos factos não serem valorados para a apreciação da existência de justa causa de despedimento; v. Desde que respeitado o princípio do contraditório, é admissível em julgamento a alteração do circunstancialismo em que teve lugar a infracção imputada ao trabalhador na nota de culpa, no que à data concreta de determinados factos diz respeito; vi. em conformidade com a proposição anterior, tendo na acusação sido imputados à trabalhadora determinados factos em 14-09-2013, era admissível, respeitado que foi o princípio do contraditório, que o tribunal desse como provado em julgamento que os factos em causa se verificaram não naquele dia, mas num fim-de-semana dos meses de Agosto ou Setembro de 2013; vii. configura justa causa de despedimento o comportamento de uma trabalhadora, animadora sociocultural numa instituição particular de solidariedade social, que, sem para tanto estar autorizada e sem que tal fosse objecto das suas funções, procede voluntariamente à troca de medicamentos que se encontravam em copos, para serem tomados pelos idosos respectivos e que outra trabalhadora aí havia colocado e, quando interpelada por uma colega para tal acto afirmou que pretendia que a tarefa em causa (colocação de medicamentos nos copos para serem tomados pelos idosos) lhe fosse distribuída, circunstância que lhe permitiria ascender na hierarquia da empregadora, constatando-se ainda que fez uma cópia não autorizada da chave do escritório da empregadora; viii. O acordo colectivo de trabalho celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e outras e a FNE/FEPCES, publicado no BTE n.º 47, de 22-12-2001 e respectivas alterações, publicadas no BTE n.º 3, de 22-01-2010, aplicável por força da portaria de extensão (PE) n.º 278/2010, de 24-05, ao prever a integração dos trabalhadores com a categoria de “animador sociocultural” num nível superior se forem detentores do grau de bacharel ou licenciatura, pretende referir-se a habilitações académicas que se prendam directamente, se adequem com o exercício das funções integradas naquela categoria profissional; ix. ao trabalhador que pretende a reclassificação profissional em função de possuir uma licenciatura cabe a prova dos factos constitutivos do direito, designadamente que essa licenciatura se encontra relacionada com a funções por ele exercidas; x. tal não se verifica se, embora provando-se que uma trabalhadora “animadora sociocultural” possui a licenciatura em psicologia curativa, não se demonstra que tais habilitações se relacionam, se adequam, com aquela categoria profissional
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório AA) intentou, no extinto Tribunal do Trabalho de Portalegre e mediante formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contraBB requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências.
Designada e realizada a audiência de partes, na mesma não se logrou obter o acordo destas.
Após, veio o empregadora, nos termos previstos no artigo 98.º-J do CPT, apresentar articulado a motivar o despedimento.
Para o efeito alegou, muito em síntese, que ao seu serviço a trabalhadora tinha a categoria profissional de “animadora sociocultural”, cabendo-lhe no exercício de tais funções, entre o mais, organizar, coordenar e desenvolver actividades de animação e desenvolvimento sociocultural junto dos seus utentes.
No dia 14 de Setembro de 2013, sem que para tanto estivesse autorizada e sem que tal se integrasse nas suas funções, procedeu à troca de medicamentos que se encontram distribuídos aos utentes nas horas das refeições, o que terá feito com o intuito de prejudicar uma colega responsável por essa tarefa e para que esta lhe fosse a si distribuída, o que lhe permitiria ascender na carreira.
Além disso, em data não concretamente apurada, fez uma cópia não autorizada da chave do seu (empregadora/Ré) escritório, vindo a aceder ao mesmo em determinados períodos sem o conhecimento e consentimento da Ré, assim como desligou o equipamento de videovigilância sem para tal estar autorizada.
Acrescentou que o comportamento da trabalhadora/Autora foi grave, violando, designadamente, o disposto nas alíneas e), i) e j) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, e pondo em causa a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento, pelo que, concluiu, a trabalhadora foi regular e licitamente despedida.
A trabalhadora contestou o articulado da empregadora, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando a ineptidão da petição inicial, por no articulado motivador do despedimento a Ré não ter alegado quais os concretos factos jurídicos determinantes da decisão de despedir, e ainda por ininteligibilidade do pedido ou contradição entre o pedido e causa de pedir, a nulidade da nota de culpa, por falta de descrição circunstanciada dos “factos” que lhe eram imputados e por violação das garantias de defesa, e ainda a prescrição do direito de exercer o poder disciplinar, por os factos terem ocorrido há mais de um ano; (ii) por impugnação negou, em síntese, a prática dos factos.
Em reconvenção pediu a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até à efectiva reintegração, a pagar-lhe a indemnização de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, a reclassifica-la na categoria profissional de Técnica Superior de Animação Sociocultural (por, sendo licenciada, dever ser integrada em tal categoria) e a pagar-lhe a título de diferenças salariais desde, pelo menos, 01-01-2008, a quantia de € 15.408,78, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde essa data até integral pagamento.
Respondeu a empregadora/Ré, a pugnar pela improcedência das excepções, bem como do pedido reconvencional, acrescentando ainda não ser aplicável à relação laboral o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho invocado pela Autora, pelo que não pode ser reclassificada na categoria que alega.
Procedeu-se à realização de audiência prévia e, na sequência de solicitação do tribunal, a Autora veio esclarecer o pedido reconvencional, no que à reclassificação profissional e pagamento de diferenças salariais diz respeito.
Em conformidade, alterou o pedido reconvencional que havia formulado nessa matéria, passando a peticionar a condenação da Ré a reclassificá-la com a categoria profissional de animadora sociocultural, grau principal, licenciatura, nível de remuneração IV, índice 2, e a pagar-lhe a título de diferenças salariais, desde 01-01-2008, a quantia de € 11.592,62, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados desde 29-05-2010 até integral pagamento.
A Ré respondeu a tal articulado, que, por sua vez, veio a merecer resposta da Autora.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento em 12-01-2015 (fls. 316-322), que prosseguiu em 19-01-2015 (fls. 323-327), em 26-01-2015 (fls. 387-391), em 02-02-2015 (fls. 402-408) e em 09-02-2015 (fls. 478-482).
Em 13-02-2015 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e, consequentemente, declarou regular e lícito o despedimento da Autora e absolveu a Ré dos pedidos por aquela formulados na reconvenção.
Na referida sentença foi ainda fixado à acção o valor de € 16.592,62.
Inconformada com a sentença, a Autora dela veio interpor recurso para este tribunal, arguindo desde logo a nulidade da mesma, com fundamento no disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, e por violação do princípio do contraditório.
E terminou as alegações formulando as seguintes (extensas) conclusões: «Assim, face ao exposto e pelo mais que V. Ex.as, doutamente, suprirão, não pode deixar de concluir-se que: I. QUANTO À INEPTIDÃO DO ARTICULADO DA R. II. QUANTO À NULIDADE DA NOTA DE CULPA III. QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO IV. QUANTO AOS LIMITES DO TRIBUNAL NA DECISÃO DA ACÇÃO – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DUPLA VINCULAÇÃO FACTUAL V. QUANTO À APRECIAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO DESPEDIMENTO – INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA VIII. NORMAS VIOLADAS NA SENTENÇA CCCCC) Decidindo, como decidiu, violou a Exma. Juiz, designadamente, o disposto nos artigos 20º/2 e 3, 21º/1, 353º/1, 357º/4, 382º/2, 387º/3 e 389º/1 do Código do Trabalho, artigos 72º, 98º-I/4, al.a), 98º-J/1 e 3, 98º-M/1, do Código Processo do Trabalho, artigo 32º/10 da Constituição da República Portuguesa, artigo186º/2, als. a) e b) do Código Processo Civil, artigo 6º da Lei 67/98 de 26/10 (Lei de Protecção dos Dados Pessoais) e o Acordo Colectivo de Trabalho celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e outras e a FNE/FEPCES, vulgarmente conhecido por “Acordo de Abrantes”, publicado no BTE n.°47 de 22.12.2001 e respectivas alterações, publicadas no BTE nº 3 de 22.01.2010 e Portaria de extensão nº 278/2010 de 24.05.
Refira-se que com as alegações, a recorrente juntou um documento (certidão de casamento, que se encontra a fls. 658 e 658 dos autos).
Se bem se extrai das alegações da recorrente, tal documento destina-se a impugnar os factos que foram dados como provados nos n.ºs 13 a 19 e 21 a 26.
Importa não olvidar que a fase de recurso destina-se à reapreciação dos meios de prova anteriormente apresentados e não à produção e apresentação dos novos meios de prova: a instrução do processo faz-se, em princípio, na primeira instância, onde devem ser produzidos todos os meios de prova, designadamente a prova documental, pelo que a faculdade de apresentar documentos com a alegação é de natureza excepcional.
Daí que a junção de documentos às alegações de apelação só será admissível se a decisão da 1.ª instância tornou necessária aquela junção, seja porque se fundou em meio probatório não oferecido pelas partes, seja porque se fundou em regra de direito com cuja interpretação e aplicação as partes não contavam.
Como escrevia Antunes Varela no âmbito de anterior regime processual (RLJ, ano 115, pág. 95 e segts), «[a] junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.».
E isso mesmo resulta também da interpretação conjugada dos artigos 425.º e 651.º, do Código de Processo Civil.
Com efeito, estipula o referido artigo 425.º que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por sua vez, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 651.º, do mesmo compêndio legal, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994 (BMJ 433-467), a propósito do artigo 706.º, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil, que corresponde ao referido n.º 1 do artigo 651.º, do novo Código de Processo Civil, a norma «(…) não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância (…) o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância» .
Também neste sentido aponta o acórdão do mesmo tribunal de 27-06-2000 (Revista n.º 442/10, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt), que afirma que «[a] junção de documentos em fase de recurso, nos termos admitidos na 2.ª parte do art. 706.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, só tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, e não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo já proferido».
Ora, no caso em apreciação nenhuma destas situações se verifica: por um lado, não resulta que a parte não pudesse obter o documento até à prolação da decisão em 1.ª instância; por outro, não resulta que a junção do documento se tenha tornado necessária em função da decisão.
Como se disse, a junção de documentos não pode servir para as situações em que a parte não tendo produzido a prova necessária e conveniente em relação a certos factos, obtém uma decisão desfavorável quanto aos mesmos, e pretende no recurso, através da junção de documentos, provar factualidade diferente da que ficou provada na instância recorrida.
É, pois, de afirmar que não é legalmente admissível o documento junto com as alegações, pelo que a final se ordenará o seu desentranhamento, com a consequente condenação da parte nas custas do incidente, com taxa de justiça mínima.
A recorrida contra-alegou, a pugnar pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.
Entretanto, a Exma. julgadora a quo pronunciou-se sobre as arguidas nulidades, para negar a verificação das mesmas.
Neste tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.
Tendo-se procedido à redistribuição dos autos, distribuídos ao ora relator, foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do recurso
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Importa deixar um reparo quanto às conclusões apresentadas pela recorrente.
Estas encontram-se distribuídas por cerca de 100 letras – algumas delas com sub-divisões – cujo conteúdo se prolonga no articulado da recorrente por cerca de 23 páginas.
Ora, estatui o artigo 639.º do Código de Processo Civil: 1 – O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente, devia ser aplicada. 3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada».
Como decorre do referido preceito legal, em conjugação com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 635.º, do mesmo compêndio legal, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva alegação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
O n.º 1 do artigo 685.º-A, dispõe expressamente que a alegação deve concluir, «de forma sintética», pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
No recurso compreendem-se, pois, dois ónus: o de alegar e o de concluir.
Tal significa que o recorrente deve começar por expor (todas) as razões da impugnação da decisão de que recorre – ou seja, enunciar os fundamentos do recurso –, para de seguida, e de forma sintética, indicar essas razões, isto é, formular conclusões em que resume as razões do pedido.
Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 359) a propósito do artigo 690.º, do Código de Processo Civil de 1939, mas que, mutatis mutandis, se pode transpor para os presentes autos: «Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais (...), não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como pode dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação (...). A palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta. É claro que para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação».
O ónus de formular conclusões da alegação do recurso visa não só delimitar e sinalizar o campo interventivo do tribunal de recurso (cfr. acórdão do STJ de 13-07-2006, disponível sob processo 06S698, em www.dgsi.pt), como também proporcionar a este uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos daquele. Para tanto, aquelas devem conter um resumo preciso e claro dos fundamentos de facto e de direito da tese ou teses defendidas na alegação, de tal modo que possibilite uma apreciação crítica ao tribunal de recurso.
Ora, no caso constata-se que a recorrente apresentou cerca de 100 conclusões cujo conteúdo preencheram cerca de 23 páginas, sendo, por isso, questionável, se observou os referidos preceitos legais.
Não obstante, tendo em conta que, embora com um esforço acrescido deste tribunal, é possível extrair das conclusões quais as questões essenciais que a recorrente suscita e, nessa medida, que um eventual convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso de seguro apenas provocaria o protelamento da decisão final do processo, e tendo ainda em conta que se trata de um processo a que a lei atribui natureza urgente, entende-se não convidar previamente a parte a sintetizar as conclusões e, assim, conhecer já do recurso.
Avancemos então.
Extrai-se das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, que coloca à apreciação deste tribunal as seguintes questões (tendo em conta a precedência lógica que apresentam):
1. saber se a sentença é nula, por ineptidão do articulado da Ré e/ou por ininteligibilidade do pedido ou contradição entre a causa de pedir e o pedido;
2. saber se ocorre prescrição do procedimento disciplinar;
3. saber se a nota de culpa é nula, por falta de descrição circunstanciada dos factos;
4. saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida;
5. saber se na presente acção foram dados como provados factos que não constam da nota de culpa;
6. saber se inexiste justa causa de despedimento da Autora, devendo este ser declarado ilícito, com as consequências legais daí decorrentes;
7. saber se a A. tem jus à peticionada indemnização por danos não patrimoniais;
8. saber se a Autora deve ser reclassificada em diferente categoria profissional, sendo-lhe, em consequência, devidas diferenças salariais.
III. Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. Indiciada a prática de infracções disciplinares, que chegaram ao conhecimento do Provedor da Instituição 3 ou 4 dias antes do 12.11.2013, foi determinada a instauração de procedimento disciplinar relativamente à Autora, por despacho datado de 15 de Novembro de 2013, subscrito pelos representantes da Mesa Administrativa da Empregadora.
2. Em 11 de Dezembro 2013, por carta entregue enviada por correio registado com aviso de recepção, foi a trabalhadora notificada da nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 70 a 74 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, tendo sido simultaneamente informada do prazo de que dispunha para responder à mencionada nota de culpa e tendo-lhe sido igualmente comunicado que era intenção da empregadora proferir, a final, decisão de despedimento com justa causa.
3. À nota de culpa veio a Trabalhadora responder, juntando o requerimento cuja cópia se encontra junta a fls. 88 a 93, requerendo a audição de seis testemunhas e peticionando o arquivamento dos autos.
4. Das testemunhas arroladas pela Trabalhadora, apenas cinco compareceram na data agendada para prestação de depoimento (dia 6 de Janeiro de 2014), tendo tal diligência decorrido na presença do mandatário da trabalhadora.
5. Finda a instrução dos autos, foi pelo instrutor nomeado elaborado o relatório final, cuja cópia consta de fls. 110 a 117 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Em 17 de Janeiro de 2014, a empregadora proferiu a decisão final de despedimento, cuja cópia consta de fls. 120 a 128 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, decisão que comunicou à trabalhadora por meio de carta registada com aviso de recepção, datada de 24 de Janeiro e por aquela recebida em 27 de Janeiro de 2014.
7. A Autora, AA, era trabalhadora da Ré, BB com a categoria profissional de animadora sociocultural, tendo iniciado funções em 01.02.2005.
8. As funções desempenhadas pela arguida no estabelecimento da SCMS repartiam-se por duas das suas valências: o Lar/Centro de Dia e a Residência Sénior, localizadas em edifícios diferentes.
9. A Arguida, no exercício das suas funções, tinha, entre outras tarefas, a responsabilidade de organizar, coordenar e desenvolver actividades de animação e desenvolvimento sociocultural junto dos utentes da Instituição.
10. Entre outras tarefas que estavam distribuídas à arguida, encontravam-se também as de substituir nas férias e faltas as encarregadas responsáveis pelo Lar/Centro de Dia (CC) e pela Residência Sénior (DD).
11. Nessas substituições, competia à arguida desempenhar as funções que eram desempenhadas pelas aludidas encarregadas, designadamente: distribuir refeições nas caixas do apoio ao domicílio e na cantina social, distribuir a medicação semanal e diária dos utentes, providenciar pela solução dos imprevistos e problemas que surgissem no serviço ou entregar recibos de remunerações.
12. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe situar-se ou no mês de Agosto ou no mês de Setembro de 2013, num fim-de-semana em que a Responsável CC, por motivos pessoais, não podia estar presente no serviço, esta pediu à Colega EE para a substituir nas suas tarefas, designadamente na tarefa de distribuição da medicação dos idosos.
13. Também em data não concretamente apurada, mas que se sabe situar-se ou no mês de Agosto ou no mês de Setembro de 2013, num fim-de-semana em que a encarregada CC, por motivos pessoais, não podia estar presente no serviço, à noite, conhecedora desta situação e sem que nada o fizesse esperar, pois o seu horário de trabalho é de segunda a sexta-feira durante o dia, a Autora deslocou-se à instituição.
14. Aí chegada, a Autora perguntou à colega que estava de serviço, FF, quem é que tinha distribuído os medicamentos pelos copos, não tendo sido possível apurar concretamente que resposta lhe foi dada por aquela.
15. Após a resposta, a Arguida disse expressamente à aludida colega que ia proceder à troca dos medicamentos dos idosos.
16. Quando interpelada pela colega FF para não o fazer, a Autora justificou tal acto com as consequências que dessa confusão iria resultar, as quais podiam fazer com que esta tarefa lhe viesse a ser atribuída a si de futuro.
17. Circunstância que lhe poderia permitir ascender na hierarquia da instituição uma vez que era sua ambição passar a ter outras tarefas e, consequentemente, outro cargo na entidade empregadora.
18. Confrontada pela colega com a gravidade dos factos que ia cometer, esta respondeu-lhe que não havia com que preocupar-se, pois apenas iria trocar os medicamentos dos utentes que tinham discernimento para se aperceberem da troca.
19. A Autora procedeu à anunciada troca dos medicamentos nos copos dos utentes, após o que abandonou as instalações.
20. Para além desta situação concreta, nos meses que antecederam a suspensão de funções da Autora, foram detectadas na Instituição outras situações de trocas de medicamentos dos utentes, situações que não voltaram a registar-se após a referida suspensão.
21. Em data não concretamente apurada, mas situada entre Julho e Novembro de 2013, a Autora fez uma cópia não autorizada da chave do escritório, chave essa que lhe havia sido facultada pela Chefe dos Serviços Administrativos, GG, para que aquela, durante o período de férias da encarregada CC, pudesse aceder aos processos clínicos dos utentes em caso de necessidade nocturna ou ao fim-de-semana, períodos em que o escritório se encontra encerrado.
22. Também em data não concretamente apurada, mas situada após meados de Julho de 2013, fora do seu horário de expediente, a Autora acedeu ao escritório da Instituição.
23. O que fez para mexer em documentos cujo acesso é reservado, como era o caso da sua pasta pessoal, na qual introduziu documentos relativos à sua formação académica e profissional, o que fez sem o conhecimento e sem o consentimento da responsável administrativa.
24. Para além do acesso a documentos de cariz reservado, a Autora também fez fotocópia de um desses documentos, concretamente da folha de remunerações de todo o pessoal afecto à instituição, a qual exibiu à Colega FF.
25. A Autora, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os meses de Agosto e Novembro, desligou o computador do Lar Residência que serve para controlo dos tempos de trabalho e de registo da videovigilância das instalações, sem que, para tanto, lhe tenha sido dada qualquer instrução nesse sentido.
26. Interpelada pela encarregada do Lar Residência para não desligar o computador referido no ponto anterior, pela Autora foi respondido que a responsável administrativa, a colega Paula Fonseca, não tinha nada que ver o que se passava naquele Lar.
27. No dia 14/09/2013, sábado, a arguida esteve todo o dia na localidade de São Bento do Cortiço, nas festas desta aldeia, na companhia do seu marido e filha, outros familiares e amigos, local onde também pernoitou na noite de 13 para 14.
28. Após a reunião ocorrida no dia 14/11/2013 com os membros da mesa administrativa da Ré, a A. passou a sofrer de um estado de ansiedade e depressão com sinais de perturbação comportamental, estando, desde esse dia, de baixa médica.
29. Desde tal dia que a A. anda permanentemente nervosa, ansiosa, triste e angustiada, chorando com facilidade, tendo dificuldades em dormir e grande irritabilidade.
30. Estado que se agravou quando recebeu a nota de culpa e, posteriormente, a decisão de despedimento.
31. A situação do despedimento da Autora, causou-lhe sentimentos de revolta e humilhação, uma vez que os factos em causa foram comentados por todos os utentes e funcionários da R. e pela generalidade da população de Sousel, o que afectou a imagem profissional da trabalhadora.
32. Desde 14.11.2013 que a Autora toma diariamente medicação específica para a depressão e para a ansiedade, por prescrição médica, designadamente os seguintes medicamentos: Alprazolam Pazalam 0,5mg; Inderal 10mg; Genexin Venlafaxina 150mg; Alzen SR50mg; Lexotan 1,5mg; Magnesona 1500mg/10ml, solução oral.
33. À data do despedimento a Autora auferia o vencimento base de 747,74€ e estava enquadrada na categoria profissional de “animadora sociocultural”, categoria em que fora enquadrada à data da admissão.
34. À data do ingresso na Ré a Autora já era licenciada em psicopedagogia curativa, tendo realizado um estágio profissional antes de ser admitida como trabalhadora da R.
35. De 1/01/2008 a 31/12/2008 o vencimento base mensal da Autora foi de 714,78€; entre 1/01/2009 e 31/08/2011 foi de 728,06€ e desde 1/09/2011 até ao despedimento foi de 747,74€.
36. A Ré é filiada na União.
37. Foi a Autora quem solicitou à Direcção da Ré a possibilidade de efectuar o seu estágio de final de curso na instituição.
38. No final do estágio, o Provedor da Ré falou pessoalmente com a Autora e disse-lhe que não poderia admiti-la como licenciada, porquanto a instituição não tinha capacidade financeira para suportar o pagamento dos vencimentos de mais licenciados e ainda porque a Instituição não necessitava no seu quadro de pessoal de qualquer técnico com a formação académica da Autora.
39. Disse-lhe ainda que tal não significava, contudo, que não se pudesse encontrar um posto de trabalho que fosse útil para a instituição e que permitisse a continuação da Autora junto da mesma.
40. Verificadas as possibilidades, a Direcção da Ré contactou Autora e fez-lhe saber que o posto de trabalho que tinha para lhe oferecer era o de animadora sociocultural, sendo que, para o desempenho de tais funções, a formação académica da Autora em psicopedagogia curativa não representava qualquer mais-valia, pelo que não seria valorada, comunicação que lhe foi feita na sequência do que já lhe havia sido transmitido pelo Provedor e que se encontra consignado no ponto 38.
41. A Autora ouviu o que a Instituição tinha para oferecer e aceitou as condições propostas, pelo que foi celebrado o contrato individual de trabalho cuja cópia se encontra junta a fls. 155 a 157 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Estes os factos dados como provados na 1.ª instância.
Uma vez que na presente acção estava – e está – em causa, além do mais, saber se a nota de culpa contém a descrição circunstanciada dos factos e se o direito de defesa da trabalhadora não ficou afectado ou dificultado, impõe-se acrescentar alguns factos.
Assim, atento o procedimento disciplinar constante dos autos (prova documental), e o disposto nos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, adita-se à matéria de facto, com os n.ºs 42 e 43., a seguinte factualidade: «42. Da nota de culpa consta, entre o mais: “8. No dia 14 de Setembro de 2013, data em que a responsável CC, por motivos pessoais, não podia estar presente no serviço, esta pediu à colega EE para a substituir nas suas tarefas, designadamente na tarefa de colocação da medicação dos idosos na mesa à hora das refeições. 9. Nessa data, conhecedora desta situação e sem que nada o fizesse esperar, pois o seu horário de trabalho é de segunda a sexta-feira, a arguida deslocou-se à Instituição. 10. Aí chegada, a Arguida perguntou à Colega que estava de serviço, neste caso à Colega FF quem é que tinha distribuído os medicamentos pelos copos, ao que esta respondeu que tinha sido a Colega EE. 11. Após a resposta, a Arguida disse expressamente à aludida Colega que ia proceder à troca dos medicamentos, justificando tal acto, quando interpelada pela Colega para não o fazer, com as consequências que desta confusão ia resultar, as quais podiam fazer com que esta tarefa lhe viesse a ser distribuída a si de futuro, circunstância que permitiria poder ascender na hierarquia e ver diversificadas as suas tarefas, uma vez que era sua ambição passar a ter outras tarefas e, consequentemente, outro cargo na instituição. 12. Confrontada pela Colega com a gravidade dos factos que ia cometer, esta respondeu-se que não havia com que preocupar-se, pois apenas ia trocar os medicamentos dos utentes que tinham discernimento para se aperceberem da troca e assim procedeu. 13. Após a aludida troca de medicamentos no copo a Arguida abandonou as instalações, tendo a Colega FFa procedido à regularização da situação.
(…) 17. Para além desta conduta, chegou ao conhecimento da Mesa Administrativa que a Arguida, em data não concretamente apurada, fez uma cópia não autorizada da chave do escritório, chave essa que lhe havia sido facultada pela Chefe dos Serviços Administrativos, neste caso a Colega GG, para que esta durante o período de férias da encarregada CC pudesse aceder aos processos clínicos dos Utentes em caso de necessidade nocturna ou ao fim-de-semana, períodos em que o escritório estava encerrado. 18. E para além da cópia não autorizada foi vista pela Colega HH a aceder ao escritório fora do horário de expediente, neste caso durante o fim-de-semana cuja data não soube precisar. 19. Para além de ter sido vista a aceder ao mesmo fora do horário de expediente, foi pela colega GG constatado que este acesso foi efectuado para fins diversos daqueles para os quais havia, em tempos, sido autorizada (…). 20. Para além do acesso a documentos de cariz reservado, a Arguida também fez fotocópias de alguns desses documentos, como foi o caso da folha de remunerações de todo o pessoal afecto à instituição, a qual exibiu, em concreto, pelo menos `Colega FF. 21. Para além destas condutas, chegou, igualmente, ao conhecimento da Mesa Administrativa que a Arguida foi vista pela Colega DD, em datas não concretamente apuradas, a desligar o computador do Lar Residência que serve para controlo dos tempos de trabalho e de registo de videovigilância das instalações. 22. Confrontada a aludida testemunha sobre se alguma vez havia interpelado a Colega para não fazer isso, foi pela mesma respondido que esta dizia que “a Colega GG não tinha nada que ver o que se passava ali”. 43. Na resposta à nota de culpa, a trabalhadora afirmou, entre o mais: (i) Quanto aos factos constantes dos artigos 8.º a 13.º da nota de culpa: “para além de serem desprovidos de qualquer lógica e revelarem uma imaginação fértil, são completamente falsos, tanto mais que a arguida nesse dia não prestou qualquer tipo de serviço para a sua entidade patronal, nem esteve sequer nos seus edifícios, nem tão-pouco, imagine-se, esteve sequer na localidade de Sousel”. (ii) Quanto aos factos constantes dos artigos 17.º e 18.º da nota de culpa: “(…) mais uma vez, a acusação aí constante não tem qualquer suporte e é, mais uma vez, ilógica e falsa (…) a arguida não fez cópia de qualquer chave, sendo que a chave que teve na sua posse foi-lhe entregue pela chefe dos serviços administrativos, GG, para que a mesma tivesse acesso ao escritório precisamente fora do horário do expediente, quando esteve a substituir a encarregada Mariana Ferreira nas suas funções (…)”. (iii) Quanto ao facto referido no artigo 19.º “(…) não é verdade que a arguida tivesse colocado qualquer documentação na sua pasta pessoal, sendo certo que a documentação a que se refere o artigo 19º foi entregue pela arguida à testemunha Paula para que fosse aprovado o estágio profissional (…)”. (iv) Quanto ao facto constante do artigo 20º “(…) a arguida vai abster-se de tecer considerações, uma vez que é inconcebível que a entidade patronal esteja a dar crédito à fértil imaginação desta testemunha”. (v) Quanto ao constante dos artigos 21º e 22º “(…) são completamente desprovidas de sentido as acusações aí constantes e para comprovar isso mesmo basta a entidade patronal aceder ao sistema de videovigilância e confirmar se a arguida alguma vez desligou o sistema”.
B) A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
1. A trabalhadora FF procedeu à regularização da situação dos medicamentos referida em 19. dos factos provados.
2. As situações de trocas dos medicamentos referidas no ponto 20. aconteceram apenas no período tarde/noite.
3. Na reunião da Mesa Administrativa da entidade empregadora ocorrida em 14.09.2013, a Autora ficou em estado de choque com a situação ali vivida e só pensava em sair da reunião o mais rapidamente possível.
4. Em tal reunião, a Autora foi várias vezes pressionada pelo Provedor a admitir os factos que lhe estavam a ser imputados.
5. Os factos consignados nos pontos 12 a 19 dos factos provados ocorreram no dia 14 de Setembro de 2013.
6. Os documentos referidos no ponto 23 dos factos provados foram concretamente: um Certificado de Licenciatura, Carteira Profissional de Psicóloga, duas cópias de Certificados de Formação, um em Higiene e Segurança realizado na instituição, outro do Curso de Introdução à Psicometria e à Psicologia Diferencial.
IV. Fundamentação
Delimitas supra, sob o n.º II, as questões essenciais decidendas é, agora, o momento de analisar, de per si, cada uma delas.
1. Da (arguida) nulidade da sentença
1.1. Alega a recorrente que a sentença é nula, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, o que determina a ineptidão do articulado motivador do despedimento apresentado pela Ré, ou por ininteligibilidade do pedido ou contradição entre a causa de pedir e o pedido.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
A recorrente argui a nulidade arrimando-se no disposto nas alíneas d) e e) daquele preceito legal.
São do seguinte teor as alíneas em causa: «1. É nula a sentença quando:
(…) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
(…)».
Sobre a omissão de pronúncia, ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 143), que não enferma da referida nulidade a sentença (ou acórdão) que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito: “[q]uando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência (entre outros, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 15 de Dezembro de 2005, de 9 de Março de 2006 e de 21 de Fevereiro de 2007, disponíveis em www.dgsi.pt, sob Proc. 05P2951, 06P461 e 06P3932, respectivamente), ou seja, que a omissão de pronúncia só se verifica quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença.
Daí que não se verifique omissão de pronúncia quando o tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em defesa da sua pretensão.
Isto é: não se devem confundir factos ou argumentos com as questões que integram a matéria decisória, no sentido próprio da expressão, contido nos artigos 608.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Ora, do que se extrai da alegação da recorrente não é que a Exma. julgadora a quo não se tenha pronunciado sobre a ininteligibilidade do pedido da Ré, ou que se tenha pronunciado sobre questão não suscitada, ou até que tenha condenado em quantidade superior ou em “coisa diversa” do que lhe foi pedido: o que a recorrente sustenta, ao fim e ao resto, é que a empregadora não alegou factos que permitissem o despedimento e que o tribunal não podia dar como provados determinados factos por não terem sido alegados.
Porém, tal situação não configura qualquer nulidade, mas sim erro de julgamento.
Com efeito, se, por exemplo, contrariando normas legais, o tribunal dá como provados determinados factos, o que se verifica é uma desconformidade da sentença com a lei, um erro da decisão.
Como assinala Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 686), «(…) não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…)».
Este tem sido também o entendimento uniforme da jurisprudência, como podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2004 (Proc. n.º 1074/03), de 07-04-2005 (Proc. n.º 4084/04), de 15-11-2006 (Proc. n.º 2331/06) e de 27-02-2008 (Proc. n.º 2892/07), todos com sumário disponível em www.stj.pt, encontrando-se ainda o penúltimo disponível em www.dgsi.pt.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença.
Contudo, isso não impede que sejam apreciados os fundamentos e questões objecto do recurso que a recorrente invocou como nulidades da sentença e que mais não constituem que (alegados) erros de interpretação e aplicação da lei (seja substantiva, seja adjectiva).
E isto porque o tribunal não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo civil).
Passa-se, por isso, e desde já, a analisar a questão equacionada, da ineptidão do articulado da Ré..
1.2. Da ineptidão do articulado motivador do despedimento
Debruçando-se sobre tal questão, que havia sido suscitada pela Autora (aqui recorrente) na resposta ao articulado motivador do despedimento apresentado pela empregadora, afirmou-se, entre o mais, na sentença recorrida: «[O] que o empregador é chamado a trazer aos autos no articulado em análise são apenas os fundamentos que o levaram a proferir a decisão de despedimento cuja licitude e regularidade se encontra impugnada.
(…)
[A] a apreciação final da procedência ou improcedência da acção é feita por referência ao pedido de tutela jurídica formulado pela trabalhadora e não relativamente a qualquer pedido apresentado pelo empregador. O único pedido que incumbe ao empregador formular no seu articulado é o pedido de exclusão da reintegração do seu trabalhador, sendo que, porém, a dedução de tal pedido acessório é facultativa, cabendo ao empregador decidir se pretende ou não apresentá-lo. Por outro lado, a apresentação dos factos que motivaram o despedimento através da reprodução da nota de culpa é uma opção do empregador que não podemos deixar de considerar legítima, sendo certo que, constando os mencionados factos de tal peça do processo disciplinar, a reprodução da mesma no articulado motivador transpõe para o referido articulado a factualidade relevante».
Discordando de tal entendimento, alega a recorrente, em síntese, que a empregadora não alegou no articulado quais os factos concretos determinantes da decisão de despedir.
Conhecendo.
No Título VI do seu Capítulo I, sob os artigos 98.º-B a 98.º-P, regula o Código de Processo do Trabalho – na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10 – o «processo especial» referente à «Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento».
Esta acção surgiu na sequência do estipulado no artigo 387.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02), que após consagrar no seu n.º 1 que «[a] regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial», prescreve no n.º 2 que «[o] trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante a apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte».
Dando sequência a este dispositivo legal, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13-10, foram aditados os artigos 98.º-B a 98.º-P ao Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09-11).
Como se proclama no preâmbulo do diploma «(…) cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).
Em conformidade, estabelece o n.º 1 do artigo 98º-C, que «[n]os termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
E o artigo 98.º-I, n.º 4, prescreve, além do mais, que frustrada a tentativa de conciliação é notificado o empregador para apresentar articulado para motivar o despedimento.
Nesse articulado o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (n.º 1 do artigo 98.º-J); mas no caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador, «(…) o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão (…)».
Por sua vez, no articulado de contestação ao articulado do empregador o trabalhador pode deduzir reconvenção, bem como peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho.
Note-se que pese embora as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) aludirem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador”, com a referida acção especial, que constitui uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções.
Assim é que no referido preâmbulo o legislador alude a “formulário apresentado pelo autor”, o que só pode significar que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”.
Nesta conformidade se insere a notificação do empregador para justificar (“motivar”) o despedimento, movendo-se dentro dos factos e fundamentos que fez constar da decisão de despedimento que comunicou ao trabalhador: e só no caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração, “deve requerê-lo no mesmo articulado”.
Ou seja, e dito de outro modo: no formulário que apresenta e que dá início à acção o trabalhador (Autor) requer que o despedimento seja declarado ilícito ou irregular (atente-se que, como consta do modelo do formulário aprovado, o trabalhador requer que “seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências”); no seguimento, o empregador apresenta articulado a justificar o despedimento, sendo que para o caso de o despedimento vir a ser declarado ilícito e pretender que o tribunal exclua a reintegração, deve requerê-lo logo nesse articulado.
Assim, e em rigor, só em relação a esta última situação o empregador deve formular um pedido ao tribunal: como bem se assinala na sentença recorrida, a tutela jurídica pretendida nos autos é a solicitada pelo trabalhador, sendo que «[a] eventual procedência da acção implicará que se dê razão à trabalhadora e, consequentemente, que se declare ilícito e irregular o seu despedimento, sendo que a improcedência do processo levará a que se não dê razão à trabalhadora e, em consequência, que se não declare ilícito e irregular o seu despedimento. O que vale por dizer que a apreciação final da procedência ou improcedência da acção é feita por referência ao pedido de tutela jurídica formulado pela trabalhadora e não relativamente a qualquer pedido apresentado pelo empregador.».
No caso em apreciação, é certo que, como sustenta a recorrente, a empregadora no articulado que apresentou «(…) descreveu o iter procedimental que percorreu desde que teve notícia dos putativos “comportamentos suspeitos” da trabalhadora (…) até à notificação da decisão de despedimento à mesma».
Porém, não se ficou por aqui: a empregadora descreveu também quais os factos que considerou provados e não provados daqueles que imputou à trabalhadora na nota de culpa e o porquê desse entendimento (cfr. artigos 23.º a 26.º do articulado).
E a terminar tal análise, concluiu no artigo 28.º do mesmo articulado que face ao apurado não existiam condições para manter ao seu serviço a Autora, pelo que decidiu promover a aplicação da sanção disciplinar de despedimento imediato sem qualquer indemnização ou compensação.
E logo a seguir, sob “II – DIREITO”, explicita o porquê de se justificar o despedimento da trabalhadora, rematando assim o articulado: «Nestes termos: E nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada a ilicitude do despedimento, e a Ré absolvida do pedido».
Face ao que se deixou referido quanto à tramitação da presente acção, maxime quanto à circunstância de ao empregador no articulado que apresentou caber apenas motivar o despedimento, não se verifica a invocada ineptidão da petição inicial, ou contradição entre o pedido e causa de pedir.
Improcede, por consequência, a referida questão.
2. Da prescrição do procedimento disciplinar
Um pouco en passant, na conclusão KKKK) das alegações a recorrente sustenta a prescrição do procedimento disciplinar, se bem se depreende, em relação à factualidade provada sob os n.ºs 21 a 24.
Não se acompanha tal entendimento.
Como escreve Monteiro Fernandes (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 15.ª Edição, pág. 287 e segts), «a lei [artigo 329.º do Código do Trabalho] estabelece, actualmente, três condicionamentos temporais do exercício da acção disciplinar: dois prazos de caducidade do direito de acção disciplinar (art. 329.°/1 e 2) e um prazo de prescrição do procedimento disciplinar (art. 329.°/3). Trata-se, em qualquer deles, da extinção, em função do decurso do tempo, de faculdades de actuação reconhecidas ao empregador no âmbito do poder disciplinar. O primeiro prazo, de um ano, refere-se ao “direito de exercer o poder disciplinar”, isto é, de encetar qualquer procedimento destinado a fundamentar a eventual aplicação de uma sanção. Conta-se a partir do momento em que os factos tenham ocorrido, independentemente do conhecimento ou desconhecimento deles por parte do empregador.
(…) O prazo de caducidade – de sessenta dias - por seu turno, assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta (eventualmente) infractora; o facto de esse processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção iuris et de iure de irrelevância disciplinar. Assim, o direito de “agir” contra o trabalhador, iniciando o procedimento disciplinar, extingue-se. Está-se, pois, até, aqui, no fundo, perante dois prazos de caducidade do direito de acção disciplinar: esta só pode iniciar-se dentro de sessenta dias após o conhecimento da infracção e um ano depois da sua ocorrência. Claro que, indirectamente, o que está em causa é o direito de punir: a aplicação de uma sanção torna-se legalmente inviável sem que o procedimento seja licitamente realizado. O terceiro prazo, também de um ano, constitui inovação do Código revisto e é, no fundo, também, um condicionamento do direito de punir, trata-se, nele, como no primeiro prazo, de evitar a eternização da crise disciplinar, através do prolongamento do processo. O decurso do prazo, contado a partir da instauração do processo (ou melhor, do envio de nota de culpa), provoca a extinção do direito de acção de disciplinar e, por conseguinte, do direito de punir. O art. 353.°/3 estabelece que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe qualquer dos dois primeiros prazos. Esta solução tem, desde logo, o significado de um reforço à ideia de que é com essa comunicação que se inicia o procedimento disciplinar.».
Como bem se observa na sentença recorrida, «(…) os factos sancionados na decisão disciplinar ocorreram todos eles em datas subsequentes ao início do mês de Julho de 2013, tendo chegado ao conhecimento do empregador 3 ou 4 dias antes do dia 12 de Novembro do mesmo ano, sendo que foi proferido despacho determinando a instauração de processo disciplinar em 15 de Novembro de 2013. Mais se constata que a nota de culpa veio a ser notificada à trabalhadora em 11 de Dezembro de 2013. A análise das referidas datas permite, desde logo constatar não se ter verificado nenhuma das excepções de caducidade acima explanadas, pois que quando a nota de culpa e, subsequentemente, a decisão final do procedimento disciplinar foram notificadas à Autora, ainda não havia decorrido um ano desde a data da prática de nenhum dos factos que aí lhe foram imputados.».
E, precise-se, tendo em conta a data da notificação da nota de culpa, em 11 de Dezembro de 2013 (facto n.º 2), e a data em que foi comunicada à trabalhadora a decisão final, 27 de Janeiro de 2014 (factos n.º 6), tem-se por manifesto que não se verificou a prescrição do procedimento disciplinar, a que se refere o n.º 3 do artigo 329.º do Código do Trabalho (“decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”).
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
3. Da (alegada) nulidade da nota de culpa
Na resposta ao articulado motivador do despedimento, a Autora, aqui recorrente, sustentou, entre o mais, a nulidade da nota de culpa, por da mesma não constar uma descrição circunstanciada dos factos, limitando-se a fazer «(…) imputações genéricas ou abstractas, mediante expressões que não representam mais do que juízos conclusivos, sem suporte em realidades concretas perceptíveis pelos sentidos, situadas no tempo e no espaço».
Apreciando tal questão, a sentença recorrida negou a existência de tal nulidade.
Afirmou-se para tanto na decisão: «(…) a análise da nota de culpa enviada à trabalhadora permite constatar, sem necessidade de qualquer esforço interpretativo acrescido, que a mesma enuncia, de forma clara e absolutamente perceptível para qualquer declaratário médio, os factos que lhe são imputados. Com efeito, analisando os autos de procedimento disciplinar, em concreto a nota de culpa, verifica-se que a mesma enuncia as circunstâncias de modo e lugar relativas aos factos imputados à trabalhadora, sendo que a localização das condutas no tempo é feita de acordo com os elementos que a entidade empregadora logrou apurar. Não se vislumbramos, pois, qualquer irregularidade na elaboração da dita nota de culpa que obstasse à cabal compreensão da factualidade aí descrita ou da acusação que impendia sobre a trabalhadora. Crê-se que o Homem médio, colocado na posição da arguida no procedimento disciplinar, compreenderia correctamente a factualidade em apreço, mostrando-se capaz de apresentar defesa concreta perante tal factualidade. E assim o entendeu também a trabalhadora que, quer em sede de procedimento disciplinar, quer neste momento, em sede judicial, apresentou, relativamente aos factos de que vinha acusada, a defesa que teve por pertinente, rebatendo da forma que entendeu adequada, os factos que lhe vinham imputados. A ausência de invalidade do procedimento disciplinar e da decisão disciplinar sancionatória, atenta a manifesta compreensão da trabalhadora dos factos de que vinha acusada, encontra sustentação na doutrina e jurisprudência maioritárias que – mesmo nas situações em que a descrição dos factos não é circunstanciada, o que não se verifica na situação vertente – defende que se o trabalhador, pelo modo como se defendeu, demonstra ter compreendido adequadamente aquilo de que vem acusado, o procedimento disciplinar deve ser considerado válido em obediência do primado da substância sobre a forma.».
Vejamos.
Como é consabido, enquanto vigorar o contrato de trabalho o empregador tem o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço (cfr. artigo 98.º, do Código do Trabalho).
As sanções disciplinares encontram-se estabelecidas no artigo 328.º, e vão desde a repreensão ao despedimento sem compensação ou indemnização.
Porém, os instrumentos de regulamentação colectiva podem prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os direitos e garantias dos trabalhadores (n.º 2, do mesmo artigo).
Mas as sanções disciplinares não podem ser aplicadas sem precedência de um procedimento prévio.
A lei prevê no artigo 329.º princípios fundamentais referentes ao procedimento disciplinar e especificamente no artigo 353.º e segts. o procedimento disciplinar a observar quando esteja em causa a sanção mais gravosa de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Neste caso, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador a intenção de proceder ao despedimento, “(…) juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados” (n.º 1 do referido artigo 353.º).
Nos termos do artigo 382.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito se o respectivo procedimento for inválido; e, de acordo com o n.º 2, alínea a) do mesmo preceito legal, “[o] procedimento é inválido se (…) a nota de culpa não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”.
Importa não olvidar que o procedimento disciplinar visa averiguar os factos que constituem a infracção disciplinar, as suas circunstâncias, bem como o(s) seu(s) autor(es) e caracteriza-se, essencialmente, por três fases: (i) a instrução ou investigação em que se procuram investigar e apurar os factos e recolher os elementos de prova, (ii) a nota de culpa, em que se faz a descrição dos factos imputados ao trabalhador (iii) e a audiência e defesa deste, ou seja, tem que se dar a oportunidade deste se defender dos concretos factos que lhe são imputados.
E, naturalmente, para se poder defender tem que se lhe apresentar uma descrição, circunstanciada quanto possível, dos factos.
Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, pág. 211), «(…) não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram. (…) Trata-se de uma exigência de óbvia justificação: o trabalhador só tem possibilidade de se defender perante acusações concretas e minimamente identificadas. (…) A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação».
Ou, como afirma Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II –Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, pág. 921), analisando o referido n.º 1, do artigo 353.º, «[d]este preceito resulta que a estrutura da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações: - a descrição completa e detalhada (i.e., circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado pelo trabalhador, nem muito menos, a remissão para a norma legal que comina tal dever (…)».
Também sobre esta matéria, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que só a descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao trabalhador, particularizando para cada um deles as circunstâncias de tempo, modo, lugar ou outras que identifiquem o comportamento concreto reprovado, tudo com vista a permitir-lhe a possibilidade de se defender eficazmente da acusação, podem ser valorados pelo Tribunal na apreciação da justa causa de despedimento (vide, por todos, os acórdãos de 26-10-2011, Recurso n.º 562/10.4TTPRT-A.P1.S1, e de 21-03-2012, Recurso n.º 563/10.2TTPRT.P1.S1, ambos da 4.ª Secção e com sumário disponível em www.stj.pt).
Não obstante o que se deixa referido, terá que se aferir perante cada situação concreta se a nota de culpa é apta a permitir que o trabalhador compreenda os factos que lhe são imputados e dos mesmos se possa defender.
Isto porquanto, como se disse, a concretização de factos na nota de culpa visa, ao fim e ao resto, permitir ao trabalhador apreender os factos de que é acusado e proporcionar-lhe a defesa dos mesmos.
No caso em apreço já transcreveu supra, na matéria de facto, o que a este respeito consta da nota de culpa da empregadora e da resposta da trabalhadora.
E dir-se-á que em relação aos factos constantes dos n.ºs 8 a 13 da nota de culpa, não parecem suscitar-se dúvidas que os mesmos se encontram devidamente circunstanciados, porventura até com alguma descrição pormenorizada desnecessária.
Na verdade, na referida factualidade mostra-se devidamente detalhada em termos de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos, de forma a permitir à trabalhadora que sobre os mesmos se pronunciasse – como veio a fazer – e, se assim o entendesse, os refutasse.
É certo que na nota de culpa apenas se indica que os factos foram praticados num determinado dia, sem se especificar o concreto momento do dia.
Contudo, crê-se que tal circunstancialismo não obstou a que a trabalhadora se pudesse defender dos referidos factos.
Na verdade, e desde logo, o que está(va) em causa é saber se a trabalhadora naquela dia teve ou não aquele comportamento: saber se foi, por exemplo, por alturas do pequeno-almoço, ou se foi pelo almoço ou, ainda, se foi à noite, não parece ser relevante para que ela se pudesse defender – como, de resto, se defendeu –, pois, de acordo com as próprias regras de experiência comum não parece que fosse normal que a trabalhadora, no mesmo dia, andasse mais que uma vez, a fazer “troca” de medicamentos.
É, pois, de afirmar que em relação a estes factos se verifica uma descrição circunstanciada dos factos, e em relação aos mesmos a trabalhadora teve oportunidade de exercer o seu direito de defesa, pelo que aos mesmos se atenderá para apurar da verificação ou não da justa causa de despedimento (cfr. artigo 357.º, n.º 4, do Código do Trabalho).
A descrição circunstanciada destes factos não prejudica, contudo, a posterior análise da efectiva verificação ou não desses mesmos factos e até da alteração ou não dos mesmos em sede de julgamento.
E, tendo em conta que existe descrição circunstanciada pelo menos de alguns dos factos imputados à trabalhadora, não se poderá considerar, tout court, a nota de culpa nula: o que poderá verificar-se em relação a outros factos, caso se conclua que não contêm uma descrição circunstanciada dos factos, é que não poderão ser atendidos na apreciação da justa causa de despedimento.
Pergunta-se, então: os restantes “factos” encontram-se descritos de modo circunstanciado?
Em relação ao facto n.º 17, embora não circunstanciado em concreto no tempo (“em data não concretamente apurada”), quanto aos outros elementos mostra-se descrito o concreto comportamento que é imputado à arguida.
E ela defendeu-se negando, sem suma, que não fez qualquer cópia da chave do escritório e que teve, efectivamente, na sua posse uma chave do escritório, mas que lhe foi entregue pela Chefe dos serviços administrativos, GG, para que pudesse aceder àquele quando esteve a substituir a encarregada CC.
Daqui resulta que ainda que o facto 17 não se encontrasse devidamente circunstanciado em termos de tempo, a trabalhadora teve oportunidade de sobre ele se defender, admitindo ter-lhe sido entregue uma chave do escritório para aceder a este nas férias da encarregada.
Por isso, ainda que se pudesse imputar alguma deficiência na nota de culpa em relação a este facto, concretamente por não localização temporal, a mesma teria que se considerar sanada uma vez que a trabalhadora bem compreendeu a acusação que lhe era feita.
Já em relação a outros factos, mais concretamente os constantes dos n.ºs 18 a 22 da nota de culpa, entende-se que os mesmos são demasiados genéricos para que se possam enquadrar na “descrição circunstanciada dos factos” prevista na lei (n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho).
Com efeito, em relação ao facto n.º 18 da nota de culpa, nele apenas se diz que a trabalhadora/Autora foi vista por outra colega a aceder ao escritório fora do horário de expediente.
Porém, fica-se sem saber em que data, ainda que aproximada, tal terá ocorrido e, sobretudo, as concretas circunstâncias em que tal se terá verificado.
Se, como resulta dos autos e é admitido pela Ré, a Autora podia aceder ao escritório durante o período de férias da encarregada Mariana Ferreira, ao lhe ser imputado o acesso indevido ao escritório era essencial que se descrevesse as circunstâncias, designadamente de modo e tempo, em que acedeu ao escritório, de forma a que aquela pudesse percepcionar o período e circunstâncias não autorizadas.
E da resposta à nota de culpa não se extrai qualquer contributo relevante da trabalhadora, de forma a permitir concluir que ela teve oportunidade de se defender da acusação que, a este propósito, lhe foi formulada.
Aliás, a defesa da trabalhadora assenta no facto de estar autorizada a aceder ao escritório quando foi substituir a encarregada Mariana Ferreira.
Mas como nada se diz (“acusa”) em concreto sobre quando acedeu, a trabalhadora não se podia defender, também em concreto, da acusação.
É, pois, de afirmar, que o n.º 18 da nota de culpa não contém uma descrição circunstanciada dos factos, pelo que ao mesmo não se poderá atender na decisão final de despedimento.
E o mesmo se verifica em relação aos factos n.ºs 19 a 22.
Atente-se que sob o n.º 19 apenas se diz,
à semelhança do número anterior, que a trabalhadora foi “vista” a aceder ao escritório por uma colega de trabalho, sem estar autorizada: mas nada mais se diz, designadamente, as circunstâncias do modo e tempo de acesso ao escritório.
No n.º 20 da nota de culpa, na sequência dos factos constantes dos dois números anteriores, diz-se que no escritório a trabalhadora acedeu a documentos e fez fotocópias dos mesmos, mas não mais que isso.
E nos n.ºs 21 e 22 da nota de culpa consta que “chegou… ao conhecimento” da Mesa Administrativa que a trabalhadora foi vista, em datas que não se localizam minimamente em termos temporais, a desligar o computar do Lar residência e que após ter sido interpelada por uma colega de trabalho para tal facto terá respondido a essa colega que não tinha nada a ver com o que se passava ali.
Estão em causa alegados comportamentos genéricos da trabalhadora, sem a mínima concretização, seja em termos de tempo, seja até de lugar.
E da resposta à nota de culpa da trabalhadora, de relevante o que se extrai é tão só que ela nega a prática dos factos.
A questão que ora se coloca consiste em saber se tendo a trabalhadora negado genericamente a prática dos factos isso significa que o seu direito de defesa foi devidamente exercido, sem qualquer limitação.
Entendemos que não: se se concluísse que um trabalhador/arguido, que em resposta a uma nota de culpa – que contem factos genéricos – se limitou a negar a prática de qualquer facto, não viu o seu direito de defesa minimamente beliscado, tal equivaleria, em termos práticos, a esvaziar de conteúdo útil a acusação da empregadora e a defesa do trabalhador; bastaria, por exemplo, que a empregadora acusasse genericamente o trabalhador de comportamentos que constituem justa causa de despedimento e que o trabalhador negasse, também genericamente, a prática de quaisquer comportamentos que pudessem constituir justa causa de despedimento.
Não pode deixar de se ter presente que a nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador, sendo que este só tem possibilidade de se defender perante acusações concretas e minimamente identificadas, com indicação do modo, lugar e tempo.
Por tal motivo, o constante dos factos n.ºs 18, 19, 20, 21 e 22 da nota de culpa, a que correspondem, grosso modo, os factos provados na sentença recorrida sob os n.ºs 21, 22, 23, 24, 25 e 26, não pode ser valorado para efeitos de apreciação da existência ou não de justa causa de despedimento.
Porém, como se deixou analisado, o mesmo não se verifica em relação aos factos n.ºs 8 a 13 e 17 da nota de culpa, em relação aos quais se verifica uma descrição circunstanciada dos factos, e em relação aos mesmos a trabalhadora teve oportunidade de exercer o seu direito de defesa, pelo que apenas a estes se poderá atender para apurar da verificação ou não da justa causa de despedimento (cfr. artigo 357.º, n.º 4, do Código do Trabalho).
Improcede, por consequência, a arguida nulidade da nota de culpa.
4. Da impugnação da matéria de facto
4.1. A recorrente impugna os factos que foram dados como provados sob os n.ºs 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º e 19º, sustentando que os mesmos devem ser dados como não provados.
Para tanto defende, em suma, que o tribunal deu como provados tais factos com base no depoimento da testemunha FF, mas que tal depoimento foi “vago, contraditório, confuso, impreciso e inseguro”, além de que é contraditório com o depoimento das testemunhas CC e EE, assim como como com os documentos juntos aos autos pela Ré em sede de julgamento.
Sustenta também que deve ser dado como não provado o facto que consta sob os n.º 21, não só por não estar circunstanciado no tempo, como por os depoimentos das testemunhas ouvidas sobre a matéria (GG, HH e FF) não terem sido convincentes.
Para além desses factos sustenta que outros dados como provados – os constantes dos n.ºs 22 a 26 – sejam dados como não provados.
Porém, em relação a tais factos já se deixou expresso que por os mesmos não se encontrarem descritos de forma circunstanciada na nota de culpa não poderão ser atendidos na decisão final de apreciação do despedimento.
Por tal motivo, queda prejudicada a apreciação da impugnação da resposta dada pelo tribunal a quo a tais factos (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Mostrando-se cumprido o ónus que a lei impõe quanto à impugnação da matéria de facto – maxime os concretos pontos da matéria de facto impugnados (os já referidos), a decisão que deve ser proferida sobre os mesmos (não provados) e os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, com indicação em relação ao depoimentos gravados da concreta passagem da gravação relevante (cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil) – nada obsta ao conhecimento da impugnação.
4.2. Quanto aos factos provados sob os n.ºs 13 a 19.
Estes factos correspondem, grosso modo, aos transcritos nos n.ºs 8 a 13 da nota de culpa (infra se analisará da relevância ou não de não haver coincidência total entre os factos constantes da nota de culpa e os que foram dados como provados).
Está em causa, no essencial, a prática pela aqui recorrente da troca ou não de medicamentos de utentes do “Lar Velho” da empregadora.
Em relação a tais factos afigura-se ser absolutamente fundamental o depoimento da testemunha FF, “testemunha chave” como se referiu na audiência, já que, de acordo com a mesma, presenciou tais factos (como afirmou a testemunha, ao descrever os factos, “eu vi, eu estava lá”).
A 1.ª instância fundamentou a resposta a tal factualidade nos seguintes termos: «Em relação à factualidade inserta nos pontos a que agora nos reportamos, atinente às trocas propositadas de medicamentos efectuadas pela Autora, o tribunal valorou o depoimento prestado pela testemunha Maria Etelvina Bento, ajudante de lar há 20 anos na Ré, que assumiu um relato livre, seguro no que diz respeito à sua convicção sobre a ocorrência dos factos, e extremamente pormenorizado das situações descritas. Para podermos apreciar criticamente e com correcção o depoimento da identificada testemunha, é mandatório que compreendamos a forma de estar e a capacidade intelectual por aquela manifestada e que, com total transparência e frontalidade, aqui deixemos consignada a percepção por nós colhida da análise muito atenta que de tal depoimento fizemos. Efectivamente, ficou para nós muito claro que a testemunha FF, para além de não revelar grande desenvoltura intelectual, tem manifesta dificuldade de articular o seu discurso, não conseguindo expor o seu raciocínio de forma escorreita, mostrando o que considerámos ser uma aparente insegurança nas respostas que vai dando ao seu interlocutor. Há, porém, duas notas fundamentais que perpassam todo o seu depoimento e que, em nosso entender, o tornam genuíno e absolutamente credível, a saber, a constância do relato da essencialidade das situações descritas e a pormenorização imediata e espontânea de cada uma delas. De facto, pese embora se tenha mostrado confusa quer nas datas, quer a propósito da resposta que deu à Autora quando a mesma lhe perguntou quem havia colocado a medicação dos copos ou mesmo não tendo sabido clarificar a posição dos copos nos armários e, insistindo em dizer que a Autora mexeu no armário do meio (o que se apresentou em contradição com os relatos de outras testemunhas que localizaram os copos da medicação num dos armários laterais), a testemunha Etelvina Bento, com uma assinalável simplicidade e manifestando sempre genuína preocupação em conseguir transmitir que estava a contar a verdade, disse, voltou a dizer e repetiu à saciedade que a Autora procedeu, na sua frente, à troca da medicação dos utentes, dizendo-lhe que o fazia com o propósito de criar confusão e assim, viabilizar que tal tarefa lhe viesse a ser atribuída a si futuramente. Estamos em crer que assim aconteceu, de facto. A testemunha FF relatou o sucedido com pormenores absolutamente espontâneos, tais como: A Autora bateu à porta da cozinha, numa noite de sexta-feira ou sábado, de um fim-de-semana em que a encarregada geral não estava na instituição; disse-lhe que iria trocar os medicamentos dos idosos mais capacitados, para que pudessem denunciar a situação, tendo inclusive identificado os utentes, a Sr. II e a D. JJ, em quem a Autora falou quando procedia às trocas; disse que quem veio a regularizar os medicamentos nos copos foi a funcionária EE e não a depoente (se estes factos não correspondessem à verdade a testemunha poderia ter dito que ela própria regularizara a situação, o que não fez). Acresce que nenhuma razão vislumbramos para pôr em causa a veracidade de tal depoimento, considerando desde logo que a própria testemunha assumiu ter estado presente durante as práticas irregulares que relatou, tendo, inclusive, admitido nada ter feito, no imediato – excepto ter interpelado e advertido a colega para que não o fizesse – para inverter a situação de troca dos medicamentos concretizada pela Autora e acautelar a segurança e a saúde dos utentes. Não concebemos como credível que a testemunha tenha decidido inventar a ocorrência de uma situação tão gravosa, que implicava ademais o reconhecimento de uma atitude passiva censurável da sua parte, apenas com o propósito de prejudicar a Autora, pelo que, de forma alguma, podemos secundar tal posição trazida por esta última ao processo. Aliás, todas as testemunhas ouvidas em julgamento a respeito do relacionamento existente à data dos factos entre a Autora e a testemunha FF, afirmaram que eram amigas muito próximas, que acompanhavam muito uma com a outra dentro e fora da instituição. Da análise dos vários depoimentos, não foi possível descortinar qualquer razão que pudesse ter levado a testemunha Etelvina Bento a denunciar a situação, sabendo que iria prejudicar fatalmente a relação de amizade que mantinha com a Autora. A única razão apresentada por aquela para ter procedido à denúncia em causa foi a gravidade dos comportamentos que observou. Por outro lado, as declarações de parte da Autora, não sujeitas a juramento, comprometidas com os seus próprios interesses enquanto parte, claramente não tiveram a virtualidade de pôr em causa a valência probatório do aludido depoimento, sendo certo que, à semelhança das restantes matérias igualmente impugnadas pela Autora, também quanto à troca de medicamentos, descritas pela testemunha Etelvina Bento, nos termos sobreditos, a Autora não logrou apresentar qualquer explicação que permitisse pôr em causa o aludido depoimento ou, por qualquer forma, justificar o sucedido. Ainda para sustentar a convicção probatória da matéria atinente à troca dos medicamentos, levámos também em conta o conteúdo dos factos acessórios consignados no ponto 20., que, pese embora em si mesmos não tenham a virtualidade de atestar a autoria de outras condutas atinentes à troca concreta de medicação pela Autora, não poderão deixar de considerar-se como indiciários da prática dos referidos comportamentos na ocasião que tivemos por provada. Não podemos ainda deixar de referir que grande parte das testemunhas ouvidas em julgamento, concretamente as testemunhas DD (encarregada geral da residência sénior e funcionária da Ré há cerca de 30 anos), CC (encarregada geral do “Lar Velho” e funcionária da Ré há cerca de 28 anos), LL (ajudante de lar e Centro de Dia e funcionária da Ré há cerca de 12 anos) e HH (ex-funcionária da instituição, onde deixou de trabalhar em Julho/Agosto de 2014), todas funcionárias da instituição à data dos factos, mencionaram como característica notória da Autora a sua ambição e a insatisfação que manifestava no desempenho das funções de animadora sociocultural, tendo inclusive a testemunha CC afirmado tê-la ouvido dizer que não queria desempenhar as funções que desempenhava e que não seria animadora sociocultural na Ré por muito tempo. Tal circunstância contribuiu também para sustentar a convicção probatória relativamente á veracidade do relato de FF no que tange à explicação que afirma ter-lhe sido dada pela Autora para proceder à troca da medicação. Tais testemunhas prestaram depoimentos, claros, coerentes, sem contradições, pelo que os reputámos isentos e credíveis.».
Procedemos à audição dos depoimentos que pudessem relevar sobre esta matéria, designadamente do depoimento da testemunha FF, assim como do depoimento de parte da Autora.
E daquele depoimento retira-se, desde logo, alguma dificuldade da testemunha (trabalhadora, “ajudante de lar” da Ré há cerca de 20 anos) em apreender completamente as perguntas que lhe eram dirigidas, assim como em articular a comunicação, expor devidamente o raciocínio e dar uma resposta clara ao que lhe era perguntado: a isto não será alheia a simplicidade da testemunha, e até a espontaneidade que se extrai da audição do seu depoimento.
Mas não obstante isso, em relação aos factos essenciais em causa a testemunha descreveu-os de forma que se nos afigurou coerente, sincero e de forma isenta (aliás, se a testemunha era anteriormente amiga da Autora, ou pelo menos convivia amiúde com ela, não se vislumbra que tivesse qualquer interesse em prejudicá-la através do depoimento).
É de referir que as dúvidas quanto à credibilidade da testemunha se suscitariam se a mesma tivesse presente e relatasse com precisão, o mesmo é dizer com todos os pormenores e sem qualquer contradição, todos os factos.
É certo que ao longo do depoimento prestado – que se prolongou por várias sessões – a testemunha revelou alguma confusão, designadamente quanto a datas e aspectos específicos da troca dos medicamentos (por exemplo, em que local concreto do armário se encontravam os copos com os medicamentos que foram trocados): todavia, tal não surpreende, não só pelas descritas características da testemunha, como pelo tempo decorrido sobre os factos e por se tratarem de pormenores que se afigura normal não terem sido memorizados pela testemunha; sublinhe-se que do depoimento retira-se uma significativa preocupação da Exma. julgadora da 1.ª instância no sentido do cabal esclarecimento dos factos, tendo formulado as mais diversas perguntas à testemunha, confrontando-a com aparentes contradições, etc.
Não se ignora que no depoimento de parte a Autora negou peremptoriamente a prática dos factos, afirmando tratar-se de um complot contra si criado entre as testemunhas DD, FF e MM.
Contudo, uma apreciação objectiva da prova não permite retirar tal conclusão, constatando-se, ao contrário do que se extrai da alegação da recorrente, que a convicção alcançada pela 1.ª instância se mostra conforme à prova produzida, não sendo fruto de um qualquer “impulso meramente ocasional ou de um simples palpite».
Pela nossa parte, volta-se a repetir, o depoimento em causa afigurou-se credível e sincero, não obstante algumas imprecisões ou contradições quanto a alguns pormenores.
Aliás, o depoimento da testemunha EE (que, segundo declarou, após a prática dos factos manteve com a Autora a relação que mantinha até aí, não existindo qualquer incompatibilidade entre elas), que na altura substituía a encarregada geral, e tinha anteriormente colocado os medicamentos nos copos é também, no essencial, consentâneo com o depoimento da testemunha FF.
Refira-se, quanto à existência da troca de medicamentos nos copos, que a testemunha EE tinha conhecimento dos medicamentos que os utentes tomavam porque os acompanhava às consultas médicas e, por isso, sabia quais os medicamentos que tomavam, e daí o ter-se apercebido da troca dos medicamentos.
É certo que a prática dos factos em causa por parte da Autora não deixa de causar alguma estranheza, designadamente quanto à acção empreendida com o fim de ser promovida profissionalmente, situação “rocambolesca” como se afirmou em julgamento: parece mesmo tratar-se, como faz notar a recorrente nas suas alegações, de uma situação inverosímil.
No entanto, não pode deixar de se ter presente que, por vezes, a realidade vivida parece ultrapassar aquilo que se apresentava como algo inverosímil, uma “mera ficção”, e, no caso, atento todo o depoimento – coerente no essencial – não vemos motivo para pôr em causa a sua credibilidade.
Atente-se que a circunstância de as testemunhas (estas ou outras) poderem ter feito no procedimento disciplinar declarações não conformes com as que fizeram em julgamento se afigura de todo irrelevante.
Tenha-se presente que o procedimento disciplinar, embora constituindo um meio obrigatório para a efectivação do despedimento por parte do empregador não perde a sua natureza extrajudicial, e é na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que cumpre ao empregador a prova dos factos integradores da justa causa de despedimento que constam da nota de culpa e da decisão de despedimento.
Ou seja, e dito de outra forma: cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa do despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do procedimento disciplinar, sendo esses os únicos que podem ser invocados na acção de impugnação do despedimento, pelo que tais factos são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador; e a prova recolhida no procedimento disciplinar (declarações, depoimentos, etc.) instaurado pelo empregador apenas significa o que nesse processo foi recolhido ou dito, não podendo ser tido em conta na acção judicial, onde apenas é relevante a prova recolhida na acção, com todas as garantias de contraditório prescritas na lei processual laboral e civil [neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-05-1998 (Recurso n.º 32/98, da 4.ª Secção), de 27-05-1998 (Revista n.º 130/98 - 4ª Secção) e de 03-12-2008 (Recurso n.º 1898/08, da 4.ª Secção), todos sumariados in www.stj.pt].
Ou, como se escreveu no acórdão do STJ de 25-9-2014 Proc. n.º 414/12.3TTMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) o procedimento disciplinar laboral é um procedimento privado (e interno) da empresa, pelo que, em caso de impugnação do despedimento, é relegada para a fase jurisdicional a apresentação de todas as provas, maxime as atinentes à existência de “justa causa” por banda do empregador: este encontra-se vinculado na ação impugnatória pelos factos e motivos invocados no procedimento disciplinar; mas, quanto ao mais, tudo se passa como se tal procedimento não tivesse existido. De facto - e aqui reside o pano de fundo que permite uma visão integrada das diferentes dimensões envolvidas na questão em análise -, “o procedimento disciplinar nada prova” e “por isso mesmo se exige que o empregador realize de novo a prova em sede judicial”, sendo na “motivação do despedimento que reside o âmago (…) da tutela efetiva da posição do trabalhador”».
São, pois, de manter os factos provados em causa.
4.3. Quanto ao facto provado sob os n.ºs 21
Atente-se o que consta da motivação da resposta à matéria de facto da 1.ª instância quanto a tal facto: «Já no que tange aos pontos 21. a 24., os factos neles insertos, respeitantes às situações de realização pela Autora de cópia não autorizada da chave do escritório e de acesso ao mesmo para colocação de documentos na sua pasta pessoal e elaboração de cópia de um documento de cariz reservado que aí se encontrava, foram relatados de forma complementar pelas testemunhas FF, GG e HH. Relativamente ao facto de a Autora ter feito cópia da chave do escritório, foi pela testemunha Paula Fonseca afirmado, de forma que reputámos muito clara e segura, que, à saída da reunião ocorrida no dia 12 de Novembro de 2013 na instituição entre o Provedor, a depoente, a FF e a Autora, esta última admitiu ter feito cópia da chave que a depoente lhe facultara aquando da substituição da encarregada CC, tendo explicado que o fizera para se precaver, ficando com a cópia quando a testemunha Paula Fonseca lhe pedisse a chave de volta.».
A audição dos depoimentos em causa bem como dos documentos aí referidos levam-nos a afirmar que não podíamos estar mais de acordo com o que consta da motivação desta matéria de facto, pelo que, evitando ser tautológicos, nos dispensamos de repetir o que consta da matéria de facto.
De todo o modo, sempre importa precisar que a testemunha GG (trabalhadora da Ré, com as funções de administrativa, há cerca de 24 anos), embora denotando algum nervosismo, prestou um depoimento que se nos afigurou de todo seguro e convincente, inclusive no que respeita a ter confiado a chave do escritório à Autora, ao reconhecimento da prática dos factos que a Autora lhe fez, assim como à testemunha FF (na “Sala do Capítulo”).
É certo que do depoimento de parte, ou até do depoimento de outras testemunhas, se retira uma visão algo diferente daquela que foi dada como provada: porém, perante os depoimentos já referidos, credíveis como se disse, entendemos que não podiam deixar de ser dados como provados os factos nos termos em que o foram.
4.4. Assim, em suma, inexiste fundamento para alterar a matéria de facto, pelo que se mantém a mesma.
5. Da vinculação do tribunal aos factos constantes da nota de culpa
A questão que ora se coloca consiste em saber se tendo na nota de culpa sido imputado à trabalhadora a práptica dos factos num determinado dia – 14 de Setembro de 2013 –, a circunstância de se ter provado em julgamento que os mesmos ocorreram em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Agosto ou Setembro de 2013, num fim-de-semana, tal equivale a terem-se provados factos diversos dos constantes da nota de culpa.
Embora numa solução não totalmente isenta de dúvidas, entende-se que os factos, no seu núcleo essencial, se mantêm, apenas o período temporal de ocorrência dos mesmos pode ter sido diverso: mas, sublinhe-se os factos verificaram-se.
Nestas situações o que é relevante é que a parte (trabalhadora) tenha a possibilidade de contrariar e se defender dessa alteração meramente temporal.
Ora, a este respeito a fundamentação da resposta à matéria de facto é bem elucidativa dessa possibilidade de defesa por parte da trabalhadora: «(…) a falta de localização temporal precisa dos factos imputados à trabalhadora – quer dos que já se não encontravam concretizados no tempo na decisão disciplinar aqui sindicada, quer dos que aí encontravam localização temporal, que entendemos não se ter comprovado em julgamento – resultou da falta de prova cabal relativa às datas em que tais factos terão ocorrido. Efectivamente, pese embora o Tribunal tenha indagado com afinco, no decurso dos vários depoimentos prestados sobre a matéria em causa, não foi possível concluir, com certeza, relativamente aos dias concretos em que se verificaram os comportamentos praticados pela Autora. Tal circunstância emerge, a nosso ver, como absolutamente compreensível, considerando que as testemunhas que relataram os comportamentos da trabalhadora sindicados na decisão disciplinar – quer porque os observaram, quer porque chegaram ao seu conhecimento por qualquer outra via – o que demonstraram reter com clareza foram as memórias das situações concretas, atento o desvalor das mesmas, sem que tenham cuidado de memorizar com exactidão as datas das respectivas ocorrências. Refira-se, ademais, que a incapacidade demonstrada pelas testemunhas para localizarem no tempo os factos que relataram, de forma alguma enfraquece a credibilidade dos respectivos depoimentos, justificada que se apresenta tal incapacidade pela irrelevância das datas no contexto das situações descritas. Uma última nota no âmbito dos esclarecimentos prévios e globais sobre o juízo probatório efectuado para deixar registado que os factos que tivemos por provados com contornos diferentes dos que constam da decisão disciplinar, assim foram considerados em virtude de respeitarem a essencialidade da factualidade invocada pela Ré para motivar o despedimento e também porque as diferenças registadas, essencialmente respeitantes à localização temporal dos vários comportamentos da trabalhadora, surgiram no decurso da produção de prova, foram durante a audiência de julgamento amplamente discutidos e foram pelo Tribunal considerados relevantes para a boa apreciação da causa. A consideração de tais factos – que, repetimos, respeitam a essencialidade da factualidade invocada pela Ré para motivar o despedimento – na presente decisão encontra-se, assim, legitimada pelo regime processual estabelecido pelo art. 72º, nº 1 do CPT, para o qual expressamente remete o art. 98º-M, nº 1 do mesmo Código, dispondo o primeiro de tais preceitos que “1 – Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.».
A recorrente invoca que a alteração temporal constante da nota de culpa viola o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O artigo 32.º da Lei fundamental consagra as garantias de processo criminal
O processo penal apresenta-se como a forma de realização da jurisdição penal, consistindo, essencialmente, «(…) num conjunto de garantias, representa a ordenação de actividades várias, da acusação, da defesa e do tribunal em ordem à realização da Justiça no caso concreto.(…). A pedra angular do processo penal num Estado de Direito democrático é a tutela efectiva dos direitos individuais e gerais, ou seja, a tutela dos direitos fundamentais de liberdade, igualdade, dignidade, dignidade e segurança (…)» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 5.ª edição, Verbo, 2008, págs. 49-50).
Ou seja, num Estado de direito democrático, o fim último do processo penal visa a procura da verdade material e a realização da justiça.
Porém, esse fim último não pode ser alcançado a «qualquer preço», havendo necessidade de respeitar os direitos fundamentais do cidadão, designadamente as garantias de defesa (cfr. artigo 32.º, da Constituição).
Em todas as garantias de defesa, incluem-se, como acentuam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 516 e segts), os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação.
Assim é que a lei fundamental (n.º 5 do artigo 32.º) assegura que a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar estão subordinados ao princípio do contraditório; este princípio significa, entre o mais, a proibição da condenação por crime diferente da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respectivos fundamentos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra referida, pág. 523).
E no n.º 10 do mesmo artigo asseguram-se ao arguido os direitos de audiência e defesa nos processos de contra-ordenação e em quaisquer processos sancionatórios.
Como assinalam os referidos constitucionalistas, «(…) o direito de audiência e defesa deve considerar-se inerente a todos os procedimentos sancionatórios, incluindo os de natureza privada (disciplina laboral, disciplina das organizações colectivas, etc.), como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito».
Tendo em vista o caso em apreço, é, pois fundamental que se garanta o direito de audiência e defesa, o que significa que não se pode obter uma verdade material a qualquer preço, mas uma verdade processualmente válida.
Isto é, dito de outro modo: é admissível a alteração do circunstancialismo em que teve lugar a infracção imputada à arguida (aqui recorrente) desde que respeitado o princípio do contraditório.
Este tem sido também o entendimento, ao que se conhece, da jurisprudência dos Tribunais das Relações no âmbito de processos criminais em que houve uma alteração em termos temporais entre o que constava da acusação e o que vem a provar-se.
Atente-se a propósito no que se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (Proc. n.º 47/09.1GATND.C1, disponível em www.dgsi.pt): «Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta subscreveu o parecer de fls. 136/7, cujo conteúdo ora se reproduz:
(…) Tem sido considerado pela jurisprudência que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º do C.P.P., ou do art. 359.º do mesmo diploma legal, quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes - neste sentido ver Ac. do STJ de 1991/04/03, 1992/11/11 e 1995/10/16, in BMJ 406/287, 421/309, 421/309, e www.dgsi.pt. Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia - cfr. Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR, II, 2005/Out./19. Também não se poderá falar de alteração dos factos com relevo para a decisão, quando a decisão condenatória se sustenta «exclusivamente nos factos constantes da acusação e da contestação e o recorrente não foi surpreendido com os factos, dadas as considerações que precedem» (cfr. o Ac. do STJ de 23 Jun. 2005, Processo 1301/05, Relator: António Rodrigues da Costa, in Colectânea de Jurisprudência, n.º 184, Tomo II/2005). Seguindo a doutrina e jurisprudência acima referidas, é nosso entendimento que a data em que os factos ocorreram, sendo apenas uma indicação temporal em que os factos se passaram, constitui um aspecto não essencial e irrelevante para a decisão da causa, pelo que não constitiu uma alteração substancial dos factos, como foi entendido».
E mais, adiante, analisando a específica questão da alteração temporal dos factos constantes da acusação, escreveu-se no mesmo acórdão: «Não “constitui alteração não substancial dos factos” toda e qualquer alteração ou desvio da sentença em relação ao texto da acusação ou pronúncia. A modificação dos factos constantes destas peças processuais só integra o referido conceito normativo quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa. No conspecto que importa ter em conta, é patente a alteração de um facto, rectius a data da imputada agressão física, realidade que é facilmente constatável pela comparação da acusação com o conteúdo das declarações recolhidas em julgamento. Afigura-se-nos, não obstante, que essa alteração não pode ser tida com[o] não substancial, na medida em que não envolve qualquer limitação do efectivo e consistente direito de defesa do arguido provocada por um arbitrário alargamento da actividade cognitiva e decisória do tribunal a quo. Na verdade, o arguido revelou conhecimento sobre os precisos factos que lhe estão imputados, nomeadamente sobre a concreta agressão física em causa e, nessa justa medida, exerceu o direito ao contraditório, tendo contrariado ou contestado os elementos fácticos relevantes carreados pela acusação.».
Concluiu-se então no referido acórdão que a alteração da data dos factos constantes da acusação não constituía alteração substancial ou não substancial da acusação.
No mesmo sentido aponta o acórdão deste tribunal de 20-12-2012 (Proc. n.º 281/11.4GDFAR.E1, também disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler: «1. Os mecanismos previstos nos arts 358º e 359º do Código de Processo Penal (alteração dos factos) viabilizam a prossecução das finalidades do processo penal, garantindo os direitos de defesa do arguido e o processo justo. 2. A possibilidade de o juiz de julgamento aditar factos só conhecidos na audiência de discussão e julgamento é uma exigência do princípio da verdade material, não contende com a independência e imparcialidade do julgador e não viola a presunção de inocência. 3. Mas o objectivo de punir pelos factos e crime do acontecido e, não por factos artificialmente construídos no processo, não é absoluto nem ilimitado, situando-se o critério delimitador desta movimentação dos poderes de cognição do juiz na garantia de uma defesa eficaz. 4. As modificações da base factual do processo que não concretizem situação prevista na al. f) do art. 1º do Código de Processo Penal devem ser levadas em conta pelo tribunal, cumprindo-se o art. 358º sempre que essas modificações contendam com o exercício da defesa. 5. Tendo o Ministério Público articulado na acusação factualidade bastante para a realização do tipo de violência doméstica, sendo os factos aditados em julgamento meras concretizações dos factos acusados, traduzidas em especificações de datas contidas num período temporal já definido na acusação e de pontuais precisões factuais, não vale a alegação de que o tribunal procedeu a uma alteração substancial dos factos.».
Das alegações e conclusões de recurso da recorrente parece extrair-se que sustenta que deve existir uma correspondência total, absoluta, ipsis verbis, entre os factos constantes da nota de culpa, da decisão disciplinar do despedimento e dos que são dados como provados na acção de impugnação judicial do despedimento.
Não perfilhamos tal entendimento.
Da circunstância de na decisão de despedimento ou até na acção judicial não poderem ser atendidos factos não constantes da nota de culpa não significa que daqueles não possam constar factos meramente circunstanciais ou esclarecedores da matéria incluída na nota de culpa.
Isso mesmo tem sido afirmado, ao que se conhece ao menos maioritariamente, pela jurisprudência, como pode ver-se pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2007 e de 2-01-2005 (Proc.s n.º 145/97 e 2602/04, respectivamente, ambos da 4.ª Secção, com sumários disponíveis em www.stj.pt encontrando-se ainda o 1.º acórdão referido publicado em AD, 436-524).
Com efeito, como é assinalado nos referidos acórdãos, a salvaguarda do direito de defesa do trabalhador/arguido não é afectada se não existir uma correspondência total (formal e literal) entre os factos que constam da nota de culpa e os que constam da decisão final e, dizemos nós, os que são dados como provados na sentença: não podendo a decisão final ultrapassar os factos que constam da nota de culpa – na medida em que só em relação a esses o trabalhador teve oportunidade de se defender –, já nada decorre da lei que impeça que aqueles factos possam ulteriormente desenvolvidos e aclarados com factos circunstanciais ou meramente esclarecedores, desde que estes se mantenham, na sua essencialidade, nos factos constantes da nota de culpa.
De todo o modo, importa enfatizar, se da decisão judicial de despedimento constarem factos não constantes da nota de culpa e que não sejam meramente circunstanciais ou esclarecedores daqueles, a consequência é que esses factos não podem ser atendidos para fundamentar o despedimento.
No caso constava da nota de culpa e da decisão final do procedimento disciplinar que determinados factos (os constantes dos n.ºs 8 a 13 da nota de culpa) teriam ocorrido em 14 de Setembro de 2013.
Porém, em julgamento, como resulta da transcrição supra da motivação da 1.ª instância houve uma ampla discussão em julgamento sobre os factos – nos quais a trabalhadora teve, naturalmente, a possibilidade de contrariar todos os que lhe eram imputados – e eles provaram-se, apenas com uma ligeira não coincidência em termos temporais, uma vez não se provou que os factos tenham sido praticados em 14 de Setembro de 2013, mas num outro fim-de-semana de Agosto ou Setembro.
Deve notar-se que na última sessão da audiência de julgamento a Autora foi instada, diremos que de modo incisivo pela Exma. julgadora, sobre os factos em apreciação nos autos e ela negou peremptoriamente a prática dos mesmos (afirmando, designadamente, que “não trocou medicamentos vez nenhuma”) e, confrontada com a circunstância de diversas testemunhas ouvidas serem consentâneas na prática dos factos pela Autora, justificou que tal se devia a um complot contra si.
Pois bem: em face do que se deixa referido não se vislumbra que esta não coincidência temporal seja suscetível de afectar o direito de defesa da trabalhadora, tendo em conta que sobre a matéria incidiu ampla discussão em sede julgamento.
Aliás, na procura da verdade material, o tribunal determinou oficiosamente a audição de testemunhas não arroladas pelas partes e procedeu mais que uma vez à audição de algumas testemunhas.
Imagine-se, até, que constando da nota de culpa que os factos foram praticados no dia 14 de Setembro de 2013 se provava em audiência que o foram no dia seguinte, ou seja, no 15 de Setembro de 2013, ou até no dia anterior, em 13 de Setembro.
Tal seria fundamento bastante para não se poder atender a esses factos?
Entendemos que não: tal equivaleria, na prática, como se faz notar na sentença recorrida, a um primado de uma justiça meramente processual no direito disciplinar laboral sobre a justiça material: isto, volta-se a acentuar, quando, é certo, as datas da verificação dos factos foram objecto de ampla discussão em julgamento.
Está em causa a alteração do circunstancialismo de tempo (próximo) em que teve lugar a infracção imputada à aqui recorrente, e à mesma foi dada ampla liberdade de se pronunciar sobre os factos (incluindo essa alteração de circunstancialismo do tempo), tendo, assim, sido garantido o seu direito de defesa, pelo que, tendo presente o disposto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, não se vê fundamento para que não se possa atender aos mesmos na apreciação da existência ou não de justa causa de despedimento.
Entende-se, pois, que não se verifica a alegada violação dos direitos de defesa da trabalhadora e, por consequência, que se podia atender – como se atendeu – aos factos em análise para a apreciação da justa causa de despedimento.
6. Da licitude ou ilicitude do despedimento
A sentença recorrida concluiu pela licitude do despedimento.
Para tanto, analisando os factos provados, escreveu-se na mesma: «Desde já adiantamos que, a nosso ver, estes comportamentos não são admissíveis e que a Ré, enquanto entidade empregadora, não lhes pode ficar indiferente do ponto de vista disciplinar, não subsistindo as mínimas condições para que a trabalhadora continue ao serviço, uma vez que a sua presença seria factor de perturbação internamente, nos serviços, na relação com os demais trabalhadores e, sobretudo, na relação com os utentes. Os factos descritos, pela sua gravidade e consequência, são susceptíveis de integrarem a justa causa de despedimento, nomeadamente, nos termos estatuídos conjugadamente nos artigos 351º, nº 1, nº 2 alíneas a), b), d) e h) e nº 3 e 128º, nº 1, alíneas e), i) e j) do Código do Trabalho.
(…) Efectivamente, a factualidade provada nos presentes autos coloca-nos perante uma situação absoluta de quebra de confiança do empregador na sua trabalhadora, susceptível de criar dúvida sobre a idoneidade futura da última no exercício das suas funções. Resulta para nós evidente que as condutas da trabalhadora – concretamente consubstanciadas na troca propositada de medicamentos dos utentes, na feitura não autorizada de uma cópia da chave do escritório da instituição com acesso ilegítimo a documentação aí existente e reprodução da mesma, na colocação, também não autorizada, de documentos na sua pasta pessoal, e em desligar o computador que viabiliza a videovigilância da Ré – influíram negativamente na relação de confiança da empregadora com a Autora. Emergem, a nosso ver, como muito graves os comportamentos descritos, não só porque implicaram um desrespeito das regras de funcionamento interno da instituição, mas sobretudo, no que que tange às trocas dos medicamentos, porque tais condutas puseram em risco a saúde dos utentes. Acresce que a conduta da Autora que se traduziu em desligar o computador, não tendo permitido que se efectuasse a videovigilância no lar novo, não só impediu que fosse efectuado pela sua entidade empregadora o correcto controlo dos tempos de trabalho dos vários funcionários, como ainda comprometeu a segurança da instituição. O desvalor das condutas da Autora resulta ainda eticamente agravado atendendo aos propósitos que as mesmas serviam, pois que, conforme resulta dos pontos 16. e 17. dos factos provados, que se reportam à troca dos medicamentos “(...) Quando interpelada pela colega para não o fazer, a Autora justificou tal acto com as consequências que dessa confusão ia resultar, as quais podiam fazer com que esta tarefa lhe viesse a ser atribuída a si de futuro. 17. Circunstância que lhe poderia permitir ascender na hierarquia da instituição uma vez que era sua ambição passar a ter outras tarefas e, consequentemente, outro cargo na entidade empregadora.” Não podemos deixar de qualificar como muito grave a circunstância de a trabalhadora ter posto em causa a saúde dos utentes, visando prejudicar uma colega, o que fez consciente e deliberadamente, com o exclusivo propósito de ascender na hierarquia da instituição. Perante a frieza e o planeamento ardiloso dos comportamentos descritos, que serviram em exclusivo a ambição da trabalhadora, é nossa convicção que a mesma não revela idoneidade para continuar a desempenhar as funções que desempenhava na Ré. Afigura-se-nos absolutamente compreensível que a BB se tenha sentido defraudada nas expectativas e na confiança que depositara na Autora, tendo, consequentemente, decidido proceder ao seu despedimento. Quanto aos expedientes utilizados pela Autora, visando sempre alcançar o seu desiderato que, como já vimos, se traduzia, em subir na hierarquia da instituição, ainda que para tal tivesse que prejudicar outras colegas, o desvalor dos mesmos no seio da relação laboral está ínsito na sua própria descrição. É, obviamente, gravíssimo que qualquer trabalhador, deliberadamente, desligue um computador visando impedir que no sistema de controlo interno da instituição seja visionada uma parte da mesma, ou que, ilegitimamente, se introduza no escritório, colocando documentos na sua pasta pessoal ou fotocopiando documento que aí se encontravam e que não tinha autorização para consultar. A forma como foi erigida a decisão de despedimento em apreciação nos presentes autos conduz-nos à conclusão de que a entidade empregadora assentou num critério objectivo e subjectivo de justa causa, com sustentação legal e com a adequada ponderação relativa à possibilidade ou impossibilidade de manutenção da relação jurídico-laboral.
(…) Resulta, assim, para nós, claro, perante a explanada factualidade, analisada à luz das considerações jurídico-normativas precedentes, terem existido comportamentos culposos da trabalhadora, com relevância jurídico-laboral, expressos na violação dos deveres de lealdade, de fidelidade e de probidade, comportamentos esses que puseram directamente em causa o âmago da relação laboral, ou seja, que quebraram definitivamente a confiança da entidade patronal, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e que, portanto, justificaram o despedimento. Violados se mostram, assim, de forma grave e reiterada, os mencionados deveres laborais da trabalhadora, violação que, pela sua gravidade e consequências, designadamente, pela quebra da necessária relação de confiança e respeito, comprometem, a nosso ver, definitivamente, a subsistência da relação de trabalho, nos termos estatuídos conjugadamente nos artigos 351º, nº 1, nº 2 alíneas a), b), d) e h) e nº 3 e 128º, nº 1, alíneas e), i) e j) do Código do Trabalho. O despedimento promovido pela ré, nestas condições, não é, pois, ilícito, por se considerar procedente a justa causa invocada pela ré, atento o disposto no já citado artº 351º, nº1, do C.T.».
A recorrente discorda de tal entendimento, argumentando, no essencial e a este respeito, não só que o tribunal deu como provados factos que não constam da nota de culpa, como que dos mesmos não resulta da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.
Cumpre decidir.
Importa, antes de mais, fazer uma referência, necessariamente breve, em torno do princípio constitucional da “segurança no emprego”, e da noção de justa causa de despedimento.
De acordo com o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, «[é] garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos».
O referido princípio de segurança no emprego consiste, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 711), não só o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (a componente mais importante que a Constituição expressamente destaca), mas também todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho.
Assim, o direito à segurança no emprego constitui uma expressão directa do direito ao trabalho (cfr. artigo 58.º da mesma lei fundamental) e uma garantia contra os despedimentos sem justa causa.
Por isso, como fazem notar os mesmos autores (págs. 709-710), a garantia do direito à segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa observam requisitos particularmente exigentes, como sejam (a) o princípio da definição legal quanto aos pressupostos de facto e de direito que constituem justa causa de despedimento, (b) inadmissibilidade de causas absolutas de despedimento, devendo este aferir-se perante as circunstâncias concretas de cada caso, (c) o princípio da proporcionalidade, com observância das dimensões da necessidade, adequação e proporcionalidade, (d) controlo das prognoses, devendo o motivo da restrição aferir-se pela subsistência, no futuro, das razões invocadas como ultima ratio do despedimento, (e) garantia de um procedimento justo, devendo no processo disciplinar ser assegurado o direito de defesa do trabalhador e (f) reintegração e adequada indemnização no caso de despedimento ilícito.
Daí que embora o princípio da segurança no emprego constitua uma garantia contra os despedimentos livres ou discricionários, já não impede, verificada a justa causa, que o trabalhador possa ser despedido.
Não fornecendo a Constituição uma definição de despedimento com justa causa, deverá esta procurar-se no Código do Trabalho, mais concretamente no seu artigo 351.º.
De acordo com o n.º 1 deste artigo, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Esta noção de justa causa corresponde à que se encontrava vertida no artigo 9.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) e, posteriormente, no n.º 1, do artigo 396.º, do Código do Trabalho de 2003 e pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (iii) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade.
A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão.
Relativamente à culpa, a mesma deve ser apreciada segundo o critério do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bónus pater família, em face das circunstâncias de cada caso, o mesmo é dizer, de acordo com “um trabalhador médio, normal” colocado perante a situação concreta em apreciação.
Quanto à impossibilidade de subsistência do vínculo, a mesma deve reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o caso em concreto, e deve ser imediata, no sentido de comprometer, desde logo, o futuro do vínculo.
Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Como assinala a propósito Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 559), «[n]ão se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo(...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)”.
Ou, como afirma João Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 383) a justa causa de despedimento assume um «(…) carácter de infracção disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insusceptível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas».
No dizer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008 (disponível em www.dgsi.pt, sob doc. 07S3906), «[a] aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesse na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional».
Importa ter presente, volta-se a acentuar, que se deverá proceder a uma apreciação em concreto da situação de facto, seleccionando os factos e as circunstâncias a atender e valorando-os de acordo com critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários, de ordem sócio-cultural e até afectiva -, designadamente atendendo, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostre relevantes, e aferindo a culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador e o juízo de prognose sobre a impossibilidade de subsistência da relação laboral em consonância com o entendimento de “um bom pai de família” ou de um empregador normal ou médio, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade (cfr. n.º 3 do artigo 351.º).
Na referida ponderação não poderá deixar de se atender que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (n.º 1 do artigo 330.º).
Como escreve Monteiro Fernandes (Obra citada, pág. 580), «[a] ideia de que o despedimento constitui uma saída de recurso para as mais graves «crises» de disciplina – justamente aquelas que, pela sua agudeza, se convertem em crises do próprio contrato – implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis. A justa causa só pode ter-se por verificada quando – repete-se – não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a permanência do contrato».
No caso em apreciação a empregadora invocou na decisão de despedimento que a trabalhadora violou o disposto nas alíneas e), i) e j) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, ou seja:
- que não cumpriu as ordens e instruções da empregadora respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não seja contrárias aos seus direitos e garantias;
- que não cooperou para a melhoria da segurança e saúde no trabalho;
- e que não cumpriu as prescrições sobre a segurança e saúde no trabalho.
E, em conformidade, considerou que houve um desrespeito absoluto pelas regras em matéria de segurança e saúde dos utentes do “Lar Velho”, pelos interesses dos trabalhadores prejudicados com a sua conduta e pela Instituição.
Analisada a factualidade apurada, diremos que os factos que constam sob os n.ºs 13 a 19 assumem, por si só, suficiente gravidade para pôr em causa a relação de confiança da empregadora e, assim, pôr em causa a subsistência da relação de trabalho.
Com efeito, tendo a empregadora um Lar onde presta assistência a diversos utentes, é de todo inaceitável que alguém, de modo voluntário, troque os medicamentos dos utentes, pondo em causa a saúde e, no limite, colocando em risco a vida de alguém, apenas com o intuito de ascender na carreira, prejudicando, assim, com tal conduta não só os utentes, como as próprias colegas, maxime aquela que tinha colocado os medicamentos nos copos, como ainda a própria empregadora, uma vez que tal conduta pôs em causa a própria credibilidade da empregadora em termos de organização do trabalho, podendo daí advir consequências até bem mais gravosas, designadamente se daí pudesse vir a resultar perigo para a saúde e vida dos utentes.
Ainda que esteja em causa um acto irreflectivo, isolado, o mesmo assume enorme gravidade para poder manter uma relação de confiança.
Na verdade, pergunta-se: poderia a empregadora continuar a manter relação de confiança numa trabalhadora que, de forma intencional, pôs em causa a saúde utentes da instituição, as regras de funcionamento e a própria credibilidade da Ré?
Afigura-se manifesto que não.
Ademais, a própria trabalhadora/recorrente foi advertida por outra colega para não praticar tais actos e, não obstante, não se coibiu de os praticar.
E nem se argumente que a troca foi feita apenas em relação aos medicamentos de utentes que tinham discernimento para se aperceberem da troca: basta para tanto admitir que se por qualquer motivo não fosse detectada a troca – fosse pelo trabalhador que habitualmente colocava os medicamentos nos copos, fosse por um dos utentes a quem os medicamentos tinham sido trocados – daí podiam resultar consequências particularmente gravosas para aquele utente e para a própria instituição.
Como a própria recorrente reconheceu no depoimento que prestou em audiência, os factos que lhe foram imputados (embora negando-os) são “gravíssimos” na media em que, a verificarem-se, colocavam em risco a vida de alguém.
Porém, como já se deixou amplamente referido, face ao depoimento, consentâneo, de diversas testemunhas, designadamente da testemunha Maria Etelvina Bento que presenciou os mesmos, não podia o tribunal deixar de os considerar provados.
Está em causa um acto que podia afectar, no limite, um direito essencial de um utente, o direito à vida.
Por isso, e não obstante a trabalhadora não ter antecedentes disciplinares, este acto assume por si só suficiente gravidade para pôr em causa a relação de confiança da empregadora na trabalhadora e, assim, para pôr em causa a subsistência da relação de trabalho.
Mas para além disso, a trabalhadora/recorrente, sem que para tanto tivesse autorização, fez uma cópia da chave do escritório da empregadora/recorrida, desrespeitando, pois, as ordens desta.
É, pois, de concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que a recorrente violou os deveres ínsitos nas alíneas e), i) e j) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, constituindo justa causa de despedimento face ao disposto nas alíneas a), b), d) e h) do n.º 2 do artigo 351.º do mesmo compêndio legal e, portanto, que existe justa causa de despedimento da trabalhadora.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
7. Dos danos não patrimoniais
Face à conclusão a que se chegou – de existência de justa causa de despedimento da trabalhadora – ficam prejudicados os pedidos que esta havia formulado em consequência da ilicitude do despedimento.
Concretamente, em relação à obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, como é sabido, a mesma tem como pressupostos fundamentais, o facto ilícito, o dano, a culpa e o nexo de causalidade (artigo 483.º, do Código Civil).
Ora, no caso, sendo lícito o despedimento, tem-se por inverificado desde logo o primeiro dos pressupostos referidos, facto ilícito da empregadora.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
8. Da reclassificação profissional da trabalhadora e correspondentes diferenças salariais
A recorrente sustenta que por força de instrumentação colectiva de trabalho tinha jus à categoria profissional de “Animadora Sócio Cultural, Grau Principal, licenciatura, nível de remuneração IV, índice 2”, pelo que deve ser reclassificada em tal categoria profissional, devendo, em consequência, ser-lhe paga a título de diferenças salariais a quantia de € 11.592,62.
Ancora-se, para tanto, em síntese, que é licenciada em psicopedagogia curativa, que tem vários pontos em comum com a animação sociocultural “que não é sequer uma profissão com estatutos reconhecidos e aprovados pela Assembleia da República”.
A sentença recorrida negou tal pretensão, respigando-se da mesma a seguinte fundamentação: «A Autora possui formação superior nas áreas da psicologia e da pedagogia. Pese embora se conceba que no seu plano de curso possam ter sido versadas matérias relacionadas com a animação social e cultural dos idosos, não é claramente essa a formação específica da Autora.
(…) Assim e uma vez que, de acordo com as normas do ACT aplicável, o trabalhador pode desempenhar a funções de animador sociocultural sem possuir licenciatura ou bacharelato – devendo em tal situação ser remunerado pelo grau mais baixo de tal categoria profissional – o contrato individual de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré respeita totalmente o regime estabelecido por tal IRCT, uma vez que quando aí se menciona a licenciatura para efeitos de remuneração de acordo com um escalão mais elevado, quer-se significar a licenciatura na áreaespecífica da categoria profissional em causa, ou seja a licenciatura em animação sociocultural em qualquer das vertentes em tal área existentes e reconhecidas. Se dúvidas houvesse relativamente ao entendimento que perfilhamos e que acabamos de explanar, pensamos que as mesmas necessariamente se dissipariam pela leitura do estatuto do animador sociocultural, ratificado por aclamação no I Congresso Nacional de Animação Sociocultural, subordinado ao tema da Profissão e Profissionalização dos Animadores, que se realizou em Novembro de 2010, no Centro Cultural e de Congressos em Aveiro, após ter sido aprovado por unanimidade na Assembleia-geral da APDASC – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Soìcio-Cultural, realizada nos dois primeiros dias do Congresso e que, por comodidade de exposição e apreensão, passamos a transcrever nos pontos que assumem relevância para a questão decidenda.
(…) Conforme expressamente se consigna no artigo 4º, nº 2 do estatuto transcrito, considera-se Teìcnico Superior em AnimaçaÞo Sociocultural aquele que tenha a titularidade oficialmente reconhecida e correspondente a uma das licenciaturas em animação aí identificadas, a saber, licenciatura em AnimaçaÞo Sociocultural, AnimaçaÞo e IntervençaÞo Sociocultural, AnimaçaÞo Educativa e Sociocultural, AnimaçaÞo Cultural, AnimaçaÞo Socioeducativa, AnimaçaÞo Cultural e EducaçaÞo Comunitaìria. Mais explicita tal norma estatutária que qualquer outro diploma, ainda que de habilitaçoÞes idênticas ou superiores aÌ licenciatura, naÞo possibilita o acesso à carreira de animador sociocultural. Pensamos, pois, que o ACT “in casu” aplicável deverá ser interpretado no sentido de se entender que a licenciatura mencionada no Anexo IV, in fine, e que relevará para efeitos de subida de escalão remuneratório, é a de animação sociocultural numa das vertentes explicitadas no estatuto dos animadores socioculturais. Ora, sendo certo que a Autora não possui nenhuma das licenciaturas em animação acima mencionadas, sendo antes licenciada em psicopedago[g]ia curativa, entendemos que a mesma foi sempre remunerada com respeito do IRCT aplicável à sua situação contratual, quer aquando da sua contratação, quer a partir da entrada em vigor da portaria de extensão nº 278/2010 de 24.05, que fez retroagir n a 01.01.2008, ao nível remuneratório, os efeitos do ACT entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e outras e a FNE/FEPCES, publicado no BTE n.°47 de 22.12.2001 e respectivas alterações, publicadas no BTE nº 3 de 22.01.2010, uma vez que a licenciatura de que a trabalhadora dispunha não era a que, nos termos do referido ACT, determinava o direito ao pagamento pelo escalão remuneratório dos licenciados em tal carreira. Nessa medida, improcede, pois, a pretensão da autora de obter a condenação da Ré no pagamento das invocadas diferenças salariais.».
Adiante-se, desde já, que se concorda com o entendimento da sentença recorrida.
Expliquemos porquê.
Como faz notar Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 307), «a interpretação e a integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitam às partes que as hajam celebrado».
Ou, como afirma Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte I, 2.ª Edição, Almedina, pág. 285), «(…) a doutrina tem sufragado a aplicação dos critérios de interpretação da lei [] ou uma solução mista, que atende ao art. 9.º do CC para a resolução dos problemas de interpretação da parcela normativa das convenções colectivas de trabalho, e que recorre ao art. 236.º do CC para esclarecer as dúvidas sobre o sentido das cláusulas negociais da convenção []. Por seu turno, a jurisprudência tem privilegiado os critérios de interpretação da lei na apreciação das convenções colectivas de trabalho e refere-se frequentemente às respectivas cláusulas como normas jurídicas []».
Ora, como é consabido, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa: assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo (n.º 1) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo).
Para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, igualmente, presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º).
No ensinamento de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 16.ª Reimpressão, Almedina, 2007, pág. 189), o texto da norma «exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas»; por isso, «só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo».
Visando a aplicação prática do direito, «a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica», por isso que o jurista «há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela» (Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade e publicado com o Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, do último autor, 3.ª Edição, Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, pág. 130).
É altura de regressarmos ao caso que nos ocupa.
É pacífico que sendo a Ré filiada na União, os seus trabalhadores estão abrangidos pelo Acordo Colectivo de Trabalho celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e outras e a FNE/FEPCES, publicado no BTE n.º 47, de 22-12-2001 e respectivas alterações, publicadas no BTE n.º 3, de 22-01-2010, aplicável por força da portaria de extensão (PE) n.º 278/2010, de 24-05.
A divergência das partes circunscreve-se tão só a saber se pelo facto da Autora ter a licenciatura em psicopedagogia curativa tem jus a ser integrada no índice previsto na sua categoria profissional para bacharéis e licenciados.
De acordo com o n.º 1 da cláusula 5.ª do referido ACT os trabalhadores serão classificados segundo as funções efectivamente desempenhadas e conforme o disposto no anexo I.
No referido anexo consta no grupo de “Trabalhadores Sociais” o “Animador sociocultural” com o seguinte conteúdo funcional: «Organiza actividades de animação com grupos específicos (utentes) e a nível comunitário (moradores dos bairros); enquadra/acompanha grupos culturais organizados e em organização; define a programação das actividades do espaço jovem, bem como o enquadramento do monitor e estagiários; elabora e operacionaliza projectos na área educativa e de acção sociocultural; apoia/acompanha a associação de jovens».
A referida categoria profissional prevê expressamente a integração da categoria de animador sociocultural nos níveis VII, VIII e IX, sendo que, como se refere em nota final, os trabalhadores detentores de grau de bacharel são enquadrados na carreira de bacharel.
E na categoria IV prevêem-se “categoria e profissões” várias, algumas com referência a “bacharel” ou “licenciatura”.
Porém, face às regras de interpretação das leis e das convenções colectivas, em que deverá prevalecer uma interpretação essencialmente teleológica, não pode deixar de se ter presente que quando o ACT alude a bacharel deverá entender-se o bacharelato que se prenda directamente com a categoria profissional do trabalhador.
Precisemos.
A atribuição de um nível superior a um trabalhador em função de ter o grau de habilitações académicas de bacharelato ou de licenciatura está indissociavelmente ligado a uma maior qualificação e aptidão para o trabalhador desempenhar essas funções: assim, se o trabalhador possui bacharelato ou licenciatura relacionada com as funções efectivamente exercidas tal pressupõe que as mesmas possam ser melhor desempenhadas – seja em quantidade, seja em qualidade – em relação a um trabalhador que não possui esse grau académico e assim se compreenda que possa também ter uma ascensão profissional e remuneratória superior a este.
Ora, como decorre do que se deixou referido, o conteúdo funcional de animador sociocultural centra-se na programação, acompanhamento e organização de actividades culturais.
A recorrente possui a licenciatura psicopedagogia curativa: não se vislumbra que tal licenciatura tenha uma relação directa – diremos que constitua uma mais-valia – para as funções desempenhadas pela recorrente; dito de outra forma: não se vislumbra que a licenciatura da recorrente se adeque às funções que ela efectivamente exerce; e como facto constitutivo do direito a ela competia provar essa relação/adequação da licenciatura com as funções desempenhadas (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Aliás, como consta do artigo 4.º, n.º 2, dos Estatutos da APDASC – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Sociocultural, ratificado no I Congresso de Animação Sociocultural, que se realizou nos dias 18, 19 e 20 de novembro de 2010, no Centro Cultural e de Congressos da cidade de Aveiro, e que podem consultar-se em www.apdasc.com, «[c]onsidera-se Técnico Superior em Animação Sociocultural aquele que tenha a titularidade oficialmente reconhecida e correspondente à licenciatura em Animação Sociocultural, Animação e Intervenção Sociocultural, Animação Educativa e Sociocultural, Animação Cultural, Animação Socioeducativa, Animação Cultural e Educação Comunitária. Qualquer outro diploma, ainda que de habilitações idênticas ou superiores à licenciatura, não possibilita o acesso a esta Carreira».
Pois bem: não se detecta que a licenciatura da Autora/recorrente se encontre directamente relacionada com as funções por ela exercidas, em termos de constituir fundamento suficiente para a atribuição à recorrente de uma categoria profissional em função dessa licenciatura.
De resto, como resulta da matéria de facto assente na 1.ª instância, e que não vem posta em causa, maxime dos n.ºs 40 e 41, as próprias partes aquando das negociações tendentes à celebração do contrato de trabalho aceitaram que a formação académica da Autora – de psicopedagogia curativa – não representava “qualquer mais-valia” para o desempenho das funções de animadora sociocultural.
É, pois, de concluir, também quanto a esta questão, pela improcedência das conclusões das alegações de recurso.
Vencida no recurso, deverá a recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Deverá, contudo, atender-se ao beneficio do apoio judiciário que lhe foi concedido.
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évoraem:
1. ordenar o desentranhamento do documento de fls. 657 e 658 e a sua devolução à apresentante/recorrente, condenando-se a mesma na taxa de justiça mínima pelo incidente;
2. negar provimento ao recurso interposto por Maria Catarina Fonseca Lavado Aldeagas e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Évora, 12 de Outubro de 2015
………………………………………… (João Luís Nunes)
………………………………………….. (Alexandre Baptista Ferreira Coelho)