INFRACÇÃO RODOVIÁRIA
MEIOS DE PROVA
VALIDADE DA PROVA
Sumário

A preterição de notificação à CNPD da instalação de câmaras fixas para detecção de infracções rodoviárias, tal como previsto no artigo 5º do Dec-Lei nº 207/2005, de 29.11, não inquina a validade desse meio de obtenção de prova.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal

do Tribunal da Relação de Évora

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1. RELATÓRIO

JJSR impugnou judicialmente a decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, proferida no processo de contra-ordenação n.º 911097147, que o condenou, pela prática da contra-ordenação p. e. p. pelos arts. 27.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 4, 133.º, 138.º, 143.º e 146.º, alínea i), do Código da Estrada (CE), na coima de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), que voluntariamente pagou e, ainda, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 (cento e vinte) dias.
Enviados os autos aos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Alcanena, foram remetidos a juízo, à Instância Local de Torres Novas da Comarca de Santarém, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10, onde lhes foi atribuído o número em epígrafe.
Admitida a impugnação e realizada audiência, decidiu-se julgar a impugnação improcedente e, em consequência, manter integralmente aquela decisão administrativa.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
I
As forças de segurança responsáveis pelo tratamento de dados e pela utilização dos meios de vigilância electrónica notificam a CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados; são igualmente notificados os meios portáteis disponíveis, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série;
II
Só poderão constituir elementos de prova em processo de contra-ordenação estradal aqueles que forem obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares;
III
No caso vertente, não se provou que o radar tivesse sido objecto de comunicação à Comissão Nacional de Protecção de Dados;
IV
A circunstância de não ter sido observada in casu a injunção imposta pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 207/2005, de 29/11, obsta a que possam ser valoradas as provas obtidas através do radar melhor identificado a fls., por força do estatuído nos nºs 3 e 4 do artigo 170º do Código da Estrada;
V
Ainda que se entenda que da falta de comunicação à CNPD não resulta qualquer proibição de valoração de prova obtida através do radar, no que não se concede, sempre teria que se considerar que o registo fotográfico de fls. deixou de gozar da especial força probatória que, em abstracto, lhe é conferida pelas disposições conjugadas dos nºs 3 e 4 do artigo 170º do Código da Estrada;
VI
Não podia o Tribunal a quo, estribando-se apenas no auto de notícia de fls. 1 e no registo fotográfico de fls. 2, dar como provado que o arguido circulava «a uma velocidade de pelo menos 212 Km/h, correspondendo à velocidade registada de 224 Km/h (,,,)»;
VII
A decisão recorrida violou, nomeadamente, o artigo 5º do Decreto-Lei nº 207/2005, de 29/11 e os nºs 3 e 4 do artigo 170º do Código da Estrada;
VIII
Sustenta-se que o recorrente deverá ser punido como reincidente, com as consequências legais daí advenientes, em virtude de ter averbada no seu registo individual de condutor a prática de uma contra-ordenação grave nos últimos cinco anos;
IX
Tal infracção ocorreu em 28 de Setembro de 2009, e portanto há mais de cinco anos, relativamente à data em que foi prolatada a decisão recorrida (4 de Fevereiro de 2015);
X
O Tribunal a quo incorreu assim em erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2 – c) do C.P.P. ex vi do artigo 41º, nº 1 do R.G.C.O..
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1.ª - Da circunstância de não se ter dado como provado que o radar identificado nos autos foi objecto de comunicação à Comissão Nacional de Protecção de Dados, não resulta qualquer proibição de prova obtida através de tal radar.
2.ª - A jurisprudência tem-se pronunciado em vários processos, concluindo-se que se trata de uma mera irregularidade e não um meio proibido de prova.
3.ª - Assim, encontrando-se o radar utilizado na fiscalização de que foi alvo o recorrente devidamente aprovado e certificado, foi o mesmo correctamente valorado como meio de obtenção de prova legal, levando a concluir-se na douta sentença recorrida, que o recorrente seguia à velocidade indicada pelo aparelho, depois de deduzido o erro máximo admissível.
4.ª O que está em causa na punição como reincidente é a prática de outra contraordenação dentro dos cinco anos seguintes à prática da contraordenação já averbada no registo individual do recorrente, situação que efectivamente se verifica, pois que a primeira contraordenação averbada foi praticada a 28 de Setembro de 2009 e a que está em causa nestes autos foi praticada a 22 de Abril de 2013.
5.ª Assim, nada, também nesta parte, se aponta à douta sentença recorrida que bem considerou o recorrente reincidente e assim procedeu à sua condenação em conformidade.
Em face do exposto, deverá a douta sentença em recurso ser mantida.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que o recurso não merece provimento.

Notificado desse parecer, o arguido nada acrescentou.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O regime dos recursos de decisões proferidas em 1.ª Instância, em processo de contra-ordenação, está definido nos arts. 73.º a 75.º do referido RGCO, aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/82 (sucessivamente alterado pelo Dec. Lei n.º 356/89, de 17.10, pelo Dec. Lei n.º 244/95, de 14.09, pelo Dec. Lei n.º 323/2001, de 17.12, e pela Lei n.º 109/2001, de 24.12), mormente seguindo a tramitação dos recursos em processo penal (n.º 4 do seu art. 74.º), decorrente do principio da subsidiariedade a que alude o seu art. 41.º.
Em conformidade, atento o disposto no art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), e de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995), o objecto do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no art. 410.º, n.º 2, do mesmo Código.
Atenta-se igualmente, no que concerne ao tipo de recurso em apreço e constituindo desvio ao princípio geral de que as Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º do CPP), que apenas se conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal (art. 75.º do RGCO).
Delimitando, então, o objecto do recurso, reside em apreciar:
A) - da proibição de valoração de meio de obtenção de prova;
B) - do erro notório na apreciação da prova.
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No que ora releva, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
1. No dia 22 de Abril de 2013, pelas 17h16, na A 1, ao Km 00,000, no sentido norte-sul, em Bugalhos, Alcanena, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 00-XX-00 e seguia a uma velocidade de pelo menos 212 Km/h, correspondendo à velocidade registada de 224 Km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 Km/h.
2. A velocidade foi verificada pelo radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, n.º 955, aprovado pela ANSR através do despacho n.º 15919 de 12-08-2011 e pelo IPQ por renovação de aprovação de modelo n.º 111.20.11.3.23, de 01 de Fevereiro de 2012 e por aprovação complementar n.º 111.20.12.3.09, de 31 de Maio de 2012, com verificação periódica pelo IPQ em 17 de Maio de 2012.
3. O arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.
4. Da sua conduta não resultaram quaisquer danos materiais ou pessoais, nem perigo concreto para a saúde das pessoas e para a integridade dos outros veículos que circulavam no local.
5. O arguido efetuou o pagamento voluntário da coima que lhe foi aplicada no valor de €750 (setecentos e cinquenta euros).
6. Por decisão administrativa definitiva datada de 14 de Abril de 2010, notificada em 30 de Junho de 2010, foi o arguido condenado pela prática de uma infração cometida em 28 de Setembro de 2009 por fazer uso indevido do telemóvel durante o exercício da condução de veículo automóvel ligeiro de passageiros, tendo-lhe sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 30 dias, suspensa por um período de 180 dias.
7. Por decisão administrativa definitiva datada de 09 de Julho de 2013, notificada em 09 de Abril de 2014, foi o arguido condenado pela prática de uma infração cometida em 20 de Março de 2013 por fazer uso indevido do telemóvel durante o exercício da condução de veículo automóvel ligeiro de passageiros, tendo-lhe sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 60 dias, suspensa na sua execução por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma ação de formação no módulo Outras infrações, durante o período da suspensão.
8. O arguido não tem antecedentes criminais pela prática de crimes relacionados com a circulação rodoviária.

Factos não provados:
a) O radar identificado em 2. dos Factos Provados foi objeto de comunicação à Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos.
Com efeito, ponderou-se o teor do auto de contraordenação de fls. 1, a prova fotográfica de fls. 2, o certificado de verificação do radar de fls. 94, o registo individual de condutor datado de 08 de Outubro de 2014 (cfr. fls. 25 a 29), o certificado do registo criminal do arguido datado de 16 de Dezembro de 2014 (cfr. fls. 48 a 59), as certidões das decisões administrativas juntas a fls. 62 a 89 e a informação da ANSR acerca do caráter definitivo das decisões administrativas proferidas nos processos de contra-ordenação n.ºs 372490123 e 910804567.
Além disso, teve o tribunal em consideração o depoimento da testemunha VMCC, o militar da GNR que procedeu à fiscalização do arguido. Esta testemunha descreveu as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foi cometida a infração, esclarecendo ainda que o arguido foi identificado no local, tendo a operação de fiscalização decorrido com normalidade. Mais declarou a testemunha que vários veículos foram fiscalizados nesse dia, sendo certo que o radar estava a funcionar bem.
Efetivamente, foi junto aos autos a fls. 94 o certificado de verificação do radar emitido pelo IPQ, o qual, em conjugação, com o registo fotográfico junto a fls. 2, atesta que o radar estava devidamente aprovado e homologado, com verificação periódica, tendo registado a velocidade de 224 Km/h.
Esclareceu a referida testemunha que pelo operador do radar (NV) foi junto com o auto de notícia o certificado de verificação datado de 12-10-2011 (e válido até 31-12-2012), uma vez que ainda não tinha na sua posse o certificado de verificação emitido em 18-06-2012 e válido até 31-12-2013, o qual veio a ser junto a fls. 94, atestando que aquando da utilização do radar para medição da velocidade nestes autos o mesmo tinha sido submetido à verificação periódica a que alude o artigo 5.º, alínea c), da Portaria n.º 1542/2007, de 06 de Dezembro (Regulamento do Controlo Metrológico dos Cinemómetros), sendo certo que a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (cfr. artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro).
Além disso, conforme resulta do auto de notícia e da decisão administrativa, o radar utilizado foi aprovado pela ANSR pelo Despacho n.º 15919, de 12-08-2011, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 255, de 23-11-2011, e pelo IPQ por renovação de aprovação de modelo n.º 111.20.11.3.23, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 23, de 01 de Fevereiro de 2012, e por aprovação de modelo complementar n.º 111.20.12.3.09, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 119, de 21 de Junho de 2012.
No que diz respeito à comunicação efetuada à Comissão Nacional de Dados, o tribunal teve em conta a informação junta pela Guarda Nacional Republicana – Destacamento de Trânsito de Santarém a fls. 102 e respetivos documentos juntos a fls. 103 a 106, nos quais não se mostra descrito o radar MULTANOVA, modelo MUVR-6FD, n.º 955, mas, antes, o radar MULTANOVA, modelo MR-6FD, n.º 955, pelo que de tais documentos não resulta demonstrada a comunicação efetuada à Comissão Nacional de Dados relativa ao radar em apreço nestes autos.
É de salientar, no entanto, que, mesmo a não verificar-se tal comunicação prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 207/2005, de 29 de Novembro (notificação do aparelho à Comissão Nacional de Proteção de Dados), daí não resulta qualquer proibição de valoração da prova obtida através do radar.
Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-02-2008, Processo n.º 0715317, in www.dgsi.pt: “a notificação dos sistemas de vigilância electrónica à referida comissão nada tem a ver com a validade da prova, tendo antes em vista permitir a esse organismo o controlo dos dados obtidos por esse meio, em ordem à protecção de dados pessoais, como se conclui do artº 2º, nº 2, da referida Lei nº 1/2005, que, em relação ao tratamento dos dados recolhidos, remete para a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, que, por sua vez, comete à CNPD a função de vigilância e protecção de dados pessoais. Isso ficou ainda mais claro com a posterior redacção que veio, pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho, a ser dada ao artº 13º daquele primeiro diploma legal: «Os sistemas de registo, gravação e tratamento de dados referidos no número anterior são autorizados tendo em vista o reforço da eficácia da intervenção legal das forças de segurança e das autoridades judiciárias e a racionalização de meios, sendo apenas utilizáveis em conformidade com os princípios gerais de tratamento de dados pessoais previstos na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, em especial os princípios da adequação e da proporcionalidade». E no mesmo sentido vão os artºs 12º, nº 2, e 17º do DL nº 207/2005: «As forças de segurança adoptam as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes, desde que identificados ou identificáveis, recolhidos no âmbito das finalidades autorizadas que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais» e «Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável, são objecto de controlo, tendo em vista a segurança da informação: (...) b) A manipulação de dados, a fim de impedir a inserção, bem como qualquer tomada de conhecimento, alteração ou eliminação, não autorizada, de dados pessoais».
Em lado algum a lei faz depender a validade da prova obtida pelos meios de vigilância electrónica da sua prévia notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados” (no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-10-2007, Processo n.º 6528/07.9, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-04-2007, Processo n.º 457/06.6TBFND.C1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-12-2007, Processo n.º 1124/07.9TALRA.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, encontrando-se o radar em apreço devidamente aprovado e certificado, constitui meio de obtenção de prova legal, permitindo concluir, com segurança, que o arguido seguia pelo menos à velocidade apurada depois de deduzido o erro máximo admissível à velocidade registada.
Acresce que, atenta a conduta objetiva praticada pelo arguido, tendo o mesmo violado, enquanto condutor, regras estradais que o mesmo, como qualquer condutor e cidadão comum, conhecia, temos que concluir que não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

Da coima e da inibição de conduzir:
(…)
A autoridade administrativa decidiu aplicar ao arguido uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, por entender que estão preenchidos os pressupostos da reincidência previstos no artigo 143.º do Código da Estrada.
Esta norma prescreve o seguinte:
“1- É sancionado como reincidente o infrator que cometa contraordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contraordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória.
2 - No prazo previsto no número anterior não é contado o tempo durante o qual o infrator cumpriu a sanção acessória ou a proibição de conduzir, ou foi sujeito à interdição de concessão de título de condução.
3 - No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respetiva contraordenação são elevados para o dobro.”
Vertendo ao caso concreto, verifica-se que à data da prática da infração (22-04-2013), o arguido tinha praticado e tinha sido condenado pela prática de uma contraordenação grave nos últimos cinco anos, a qual foi sancionada com sanção acessória (decisão administrativa condenatória datada de 14-04-2010, e já definitiva, pela prática de infração em 28-09-2009).
Assim, ao condenar o arguido como reincidente, aplicando-lhe uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias (correspondente ao dobro do limite mínimo de duração da sanção acessória prevista para a contraordenação em causa), a autoridade administrativa obedeceu ao disposto no referido artigo 143.º do Código da Estrada.
(…).
*

Apreciando:

A) - da proibição de valoração de meio de obtenção de prova:
O recorrente, alegando ilegalidade/irregularidade na utilização do radar que teria verificado a velocidade a que seguia o veículo por si conduzido, apela a que, não se tendo provado que o mesmo tivesse sido objecto de comunicação à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), imposta pelo art. 5.º do Dec. Lei n.º 207/2005, de 29.11, a consequência de proibição de valoração desse meio de obtenção de prova deve ser retirada.
Preconiza que foi violado o art. 170.º do CE, uma vez que, na sua perspectiva, ao auto de notícia, relativamente àquela prova da velocidade, não poderia ter sido conferida especial força probatória.
Contestando, pois, que se tivesse provado que circulava à velocidade em causa, a sua argumentação prende-se, ainda que relacionada com a factualidade subjacente, com a forma como esta veio a ser fixada na vertente da análise da validade dos elementos de prova obtidos através do radar fotográfico, consubstanciando, à luz do disposto no art. 75.º do RGCO, questão a apreciar em sintonia com o art. 118.º, n.º 3, do CPP.
Funda a sua posição na ausência da aludida comunicação à CNPD.
Vejamos.
Nos termos do invocado art. 170.º do CE, seus n.ºs 3 e 4:
3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
4 - O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.”.
Relativamente aos requisitos de aprovação (e verificação) dos aparelhos de medição da velocidade instantânea, designados de cinemómetros, no caso utilizado, é o Dec. Lei n.º 291/90, de 20.09, que, harmonizando-os com o direito comunitário, veio fixá-los, sendo que, pela Portaria n.º 1542/2007, de 06.12, se regulamentou o controlo metrológico dos mesmos.
Por seu lado, através do suscitado Dec. Lei n.º 207/2005, de 29.11, aplicável aos sistemas de vigilância electrónica, veio regular-se, no que aqui interessa, as formas e as condições de utilização pelas forças de segurança dos sistemas de vigilância rodoviária instalados ou a instalar pela Estradas de Portugal, E. P. E., e pelas empresas concessionárias rodoviárias nas respectivas vias concessionadas (alínea b), do seu art. 1.º).
Mais se prevê, no seu art. 10.º, que os registos, a gravação e o tratamento de dados pessoais têm lugar, apenas, para as seguintes finalidades, específicas e determinadas:
- Detecção de infracções rodoviárias e aplicação das correspondentes normas estradais;
- Controlo de tráfego, prevenção e socorro em caso de acidente;
- Localização de viaturas furtadas ou procuradas pelas autoridades judiciais ou policiais para efeitos de cumprimento de normas legais, designadamente de carácter penal, bem como a detecção de matrículas falsas em circulação;
- Prova em processo penal ou contra-ordenacional nas diferentes fases processuais.
Por seu lado, o seu art. 5.º impõe o dever de notificação à CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados.
Essa notificação visa permitir à CNPD o controlo dos dados obtidos por esse meio, para o desiderato da protecção de dados pessoais, aqui acompanhando-se a fundamentação da sentença, por transcrição do acórdão da Relação do Porto de 06.02.2008, no proc. n.º 0715317, rel. Manuel Braz, a notificação dos sistemas de vigilância electrónica à referida comissão nada tem a ver com a validade da prova, tendo antes em vista permitir a esse organismo o controlo dos dados obtidos por esse meio, em ordem à protecção de dados pessoais, como se conclui do artº 2º, nº 2, da referida Lei nº 1/2005, que, em relação ao tratamento dos dados recolhidos, remete para a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, que, por sua vez, comete à CNPD a função de vigilância e protecção de dados pessoais. Isso ficou ainda mais claro com a posterior redacção que veio, pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho, a ser dada ao artº 13º daquele primeiro diploma legal: «Os sistemas de registo, gravação e tratamento de dados referidos no número anterior são autorizados tendo em vista o reforço da eficácia da intervenção legal das forças de segurança e das autoridades judiciárias e a racionalização de meios, sendo apenas utilizáveis em conformidade com os princípios gerais de tratamento de dados pessoais previstos na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, em especial os princípios da adequação e da proporcionalidade». E no mesmo sentido vão os artºs 12º, nº 2, e 17º do DL nº 207/2005: «As forças de segurança adoptam as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes, desde que identificados ou identificáveis, recolhidos no âmbito das finalidades autorizadas que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais» e «Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável, são objecto de controlo, tendo em vista a segurança da informação: (...) b) A manipulação de dados, a fim de impedir a inserção, bem como qualquer tomada de conhecimento, alteração ou eliminação, não autorizada, de dados pessoais».
Tal dever harmoniza-se com as atribuições legais confiadas à CNPD, mas não constitui pressuposto de aprovação dos aparelhos em apreço.
A preterição dessa notificação não inquina, pois, a validade desse meio de obtenção de prova, desde que este esteja devidamente aprovado para utilização, como no caso sucede, e com a finalidade específica e determinada para o qual foi usado.
Não se descortina que essa falta tenha aí implicação, uma vez que não consubstancia método que se integre nas proibições previstas no art. 126.º do CPP, na medida em que, ainda assim, se afigura proporcional e adequado à salvaguarda de pessoas e bens na actividade de circulação rodoviária, unicamente com a finalidade da respectiva protecção e da segurança inerente, sem afronta a direitos de imagem e de reserva da vida privada que não devam ceder na ponderação dos interesses subjacentes, tanto mais, quando, in casu, apenas versando na velocidade do veículo e através de registo fotográfico do mesmo.
Estabelecida a devida ponderação de interesses (art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), que o recorrente nem sequer suscita, entende-se, claramente, que a prevalência deve ser dada às finalidades prosseguidas com esse meio de obtenção de prova.
A jurisprudência, como se sublinhou na sentença, tem decidido neste sentido, referindo-se aos acórdãos: da Relação de Lisboa de 11.10.2007, no proc. n.º 6528/07.9, rel. João Carrola; da Relação de Coimbra de 26.04.2007, no proc. n.º 457/06.6TBFND.C1, rel. Brízida Martins, e de 12.12.2007, no proc. n.º 1124/07.9TALRA.C1, rel. Orlando Gonçalves; a que se acrescentam, designadamente, os acórdãos: da Relação de Coimbra de 11.06.2008, no proc. n.º 401/07.3TBSRE.C2, rel. Belmiro Andrade; da Relação de Guimarães de 18.06.2007, no proc. n.º 1036/07-2, rel. Filipe Melo; e desta Relação de Évora de 08-09-2015, no proc. n.º 2144/14.2T8SLV.E1, rel. António Latas; todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Além do recorrente não trazer qualquer argumento que, em contrário, seja atendível, não se encontra fundamento para diferente perspectiva.
A prova foi, pois, legitimamente valorada, uma vez que assentou em método permitido, devidamente aprovado e utilizado para finalidade bem específica.
Acresce que nenhum sentido tem para o efeito, como o recorrente aparenta fazer, autonomizar o registo fotográfico do funcionamento do cinemómetro-radar.

B) - do erro notório na apreciação da prova:
Invocando erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP), o recorrente vem suscitar que, tendo decorrido mais de cinco anos entre a prática da infracção cometida em 28.09.2009 e a data da prolação da sentença em 04.02.2015, não deveria ter sido punido como reincidente.
Reporta-se, assim, à sua punição na sanção acessória de inibição de conduzir, fixada pelo período de 120 dias, ao abrigo do art. 143.º do CE, implicando que a sua duração, no limite mínimo, previsto no art. 147.º, n.º 2, do mesmo Código, tivesse sido elevada para o dobro.
Desde logo, não se trata propriamente de questão que se prenda com a apreciação da prova pertinente para o efeito, acerca da qual o tribunal tenha extraído conclusão ilógica ou valorado elementos que infirmassem regras dessa apreciação, nem essa é a problemática colocada pelo recorrente.
O erro notório na apreciação da prova tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e acontece quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. nº.03P4043, in www.dgsi.pt).
Ou, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 2008, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).
Independentemente, pois, dessa alegação de vício da decisão, que ao caso não é de todo sustentável, a mesma reconduz-se, sim, ao preenchimento do pressuposto de que, nos termos do n.º 1 daquele art. 143.º, a infracção anterior tenha sido praticada há menos de cinco anos.
O tribunal fundamentou que verifica-se que à data da prática da infração (22-04-2013), o arguido tinha praticado e tinha sido condenado pela prática de uma contraordenação grave nos últimos cinco anos, a qual foi sancionada com sanção acessória (decisão administrativa condenatória datada de 14-04-2010, e já definitiva, pela prática de infração em 28-09-2009), tendo, deste modo, considerado que esse período de cinco anos é contado por referência às datas da prática das infracções, e não como o recorrente faz, ao atribuir relevo à data da prolação da sentença recorrida.
Todavia, é manifesto que ao recorrente não assiste razão, uma vez que, para a reincidência, apenas releva, nesse aspecto formal, o momento da prática das contra-ordenações (anterior e actual), como decorre da redacção do preceito em causa e está em sintonia com o regime geral que sempre tem pautado essa circunstância agravante modificativa, seja na vertente penal (art. 75.º, n.º 1, do Código Penal), seja em sede contra-ordenacional (art. 561.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
Nada há, a censurar quanto à conclusão de que esse requisito temporal, necessário à verificação da reincidência, está patente na situação em análise.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,
- manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em soma correspondente a 4 UC.
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Processado e revisto pelo relator.

(Carlos Jorge Berguete)
(João Gomes de Sousa)