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CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ALCOOLÉMIA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Sumário
A consideração, na sentença recorrida, de uma TAS diferente, e para um valor inferior, daquela que havia sido descrita na acusação, não constitui uma alteração não substancial dos factos, ou seja, uma modificação não essencial da factualidade descrita na acusação ou da qualificação jurídica que ali foi indicada, que determinasse a observância do dever de comunicação e da concessão de tempo, se requerido, para a preparação da defesa, impostos pelo disposto no nº 1 do artigo 358º do C. P. Penal.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Na secção de competência genérica – J1, da instância local de Almeirim da comarca de Santarém, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido LMBG, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 al. a) do C. Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 6 € e proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses.
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que declare os vícios invocados e o absolva, para o que apresentou as seguintes conclusões:
1º A inércia do MP nos presentes autos ficou patente por ter deduzido a acusação sem ter em conta o EMA, como entidade dirigente do inquérito não solicitou às autoridades policiais que completassem ou aditassem o auto de notícia com o EMA e na fase de julgamento não promoveua alteração não substancial dos factos descritos na acusação para aplicação do EMA. 2º A inércia do MP nas fases de inquérito e de julgamento constitui a nulidade insanável prevista na al. b) do artigo 119º do CPP e da qual se reclama e se suscita o conhecimento para os efeitos previsto no nº3, do artigo 410º do CPP. 3º O tribunal ao ter fixado a TAS em 1,68 g/l, valor diferente do constante na acusação que era de 2,09 g/l, veio a condenar por factos diversos dos descritos na acusação, o que se verificou fora do condicionalismo previsto nos artigos previstos nos artigos 358º e 359º do CPP. 4º O que tem como necessário efeito, a nulidade da sentença, por ter promovido o processo e ter condenado para além da acusação, nulidade de sentença que deriva da violação do disposto na al. b) do nº 1, do artigo 379º do CPP. 5º A TAS que veio a ser fixada pelo tribunal na sentença, não foi referida, não foi discutida em sede de audiência de discussão e julgamento, e também não foi sujeita a qualquer contraditório, facto que torna também a sentença nula, por esta conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, violando dessa forma o disposto na al. c) do nº 1, do artigo 379º do CPP. 6º O tribunal, tendo em conta o constante de fls.3 do auto de notícia, que constitui documento autêntico, com força probatória reforçada e que apenas pode ser inquinada, por um juízo fundado de suspeita da sua validade ou exactidão, o que aconteceria se por exemplo a testemunha SSS – (2º sargento 77/2060561), autora de tal documento, tivesse vindo esclarecer, que o que aí fez constar não correspondia à verdade e que se tinha verificado um lapso da sua parte a identificar o alcoolímetro. 7º Mas o que aconteceu foi exactamente o contrário, a testemunha confirmou o teor de fls.3, daí que o que nele consta não foi abalado ou contraditado, até porque o tribunal não evidenciou sobre o mesmo, juízo fundado de suspeita da sua validade ou exactidão. 8º Assim, a existência de meios de prova contraditórios e a incerteza de qual o aparelho usado para fazer o teste do álcool ao arguido, constitui dúvida sobre tal facto e que deve ser considerada em seu favor, atento o princípio do “in dúbio pro reo”. 9º Mas se, se propender, ou se considerar que o aparelho usado para fazer o teste do álcool ao arguido é o que consta de fls. 3, o que também foi confirmado por prova testemunhal, isso será motivo de certeza de que o resultado do teste foi obtido através de aparelho sem aprovação válida, ao qual não se podia atribuir qualquer valor probatório para o presente julgamento, ficando a sentença inquinada por se ter baseado em tal prova. 10º Os pontos (1., 2 e 3.) dos factos dados como provados, foram erradamente dado como provados, em virtude do tribunal não ter qualquer dado da vida, da experiência comum e ou de evidência científica, que lhe permitisse retirar tais conclusões acerca dos mesmos; (As provas que suportam e impõem decisão diversa da recorrida, e que também devem ser renovadas, são todos os documentos juntos aos autos e o depoimento da testemunha SSS cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, duração (15:36:47 a 15:53:14). 11º O errado julgamento dos referidos pontos da matéria de facto resultou da errada interpretação e aplicação dos artigos 3º e 8º, da Portaria nº 1556/2007, de 10.12 e ainda do seu anexo. 12º O tribunal ao fixar a TAS em 1,68 g/l, fez uma errada subsunção da norma aos factos, por se ter limitado a descontar à TAS registada de (2,09 g/l – 20%) = (2,09 g/l – 0,418 g/l) = 1,672 g/l, referindo-se ao TAE como se fosse a mesma realidade que a TAS, quando o não é, ou seja, o desconto do EMA, deveria ter sido feito a partir do valor do TAE, só que esse valor não chegou a ser conhecido. 13º A correcta interpretação e aplicação do supra referido normativo, impunha que o julgador tivesse tido em conta, que os erros máximos admissíveis -EMA- previstos no artigo 8º e no anexo da Portaria Portaria nº 1556/2007, de 10.12, teriam de ser determinados a partir do teor de álcool do ar expirado (TAE) e não a partir do teor de álcool no sangue (TAS), só que tal valor não foi conhecido, não foi determinado e muito menos demonstrada a origem da sua evidência nos autos.
O recurso foi admitido.
Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, concluindo como segue:
a) Oaparelho alcoolímetro utilizado na realização do teste de álcool no sangue ao arguido recorrente está devidamente identificado no talão impresso do próprio aparelho e constante de fls. 4 dos autos; b) Do cotejo da prova documental junta aos autos, designadamente, do talão emitido pela própria máquina utilizada e respectivo certificado de verificação de fls. 74, nenhuma dúvida subsiste que aparelho utilizado na fiscalização do recorrente era o Drager, modelo 7110 MK III P, cuja validade decorre até 31.12.2013, encontrando-se em pleno período de validade à data dos factos em causa nos autos; c) Assiste razão ao recorrente na afirmação que o tribunal a quo efectuou o desconto de 20% do EMA à TAS registada, quando tal desconto deveria ter sido efectuado a partir da TAE, facto que apenas o beneficia, em face do princípio de proibição da reformatio in pejus; d) A invocada nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 379.º, n.º 1, als. b) e c), do Código de Processo Penal , por condenação do recorrente 'para além da acusação', ao fixar o valor da TAS em 1,68g/l, distinto do valor de TAS 2,09g/l que consta da acusação, facto que não foi submetido a contraditório, deverá improceder, pois o tribunal a quo limitou-se a, perante uma situação de sucessão de leis no tempo, aplicar o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao arguido, constitucionalmente consagrado no artigo 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. e) Por via do exposto supra, negando-se provimento ao recurso, será feita justiça.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no qual, considerando que não se verificam as nulidades arguidas pelo recorrente, a da al. b) do art. 119º do C.P.P. porque a acusação contém todos os elementos enunciados no nº 3 do art. 283º do mesmo diploma e a das als. b) e c) do art. 379º do C.P.P. porque o tribunal recorrido, em relação à alteração da TAS que vinha indicada na acusação, se limitou a aplicar o princípio consagrado no nº 4 do art. 2º do C. Penal, em decorrência das alterações que a Lei nº 72/2013 de 3/9 introduziu ao art. 170º do C. Estrada, e tão pouco lhe assiste razão no tocante à impugnação da matéria de facto até porque a TAS que foi considerada como provada é inferior à que resulta da correcta aplicação do EMA, também se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.
2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
1. No dia 23 de Julho de 2013, cerca das 21h57m, na Rua Campo da Bola, em Foros de Benfica, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 75-59-NO, com uma taxa de álcool no sangue de 1,68 g/l.
2. O arguido agiu, bem sabendo que se apresentava sob a influência do álcool em limites superiores aos legais e que, nessas circunstâncias, lhe estava vedada a condução de veículos a motor na via pública ou equiparada, não se abstendo, ainda assim, de o fazer.
3. O arguido agiu de forma livre, porque capaz de se determinar segundo a sua vontade, e de forma deliberada e consciente, querendo actuar da forma supra descrita.
4. O arguido tem 49 anos, é casado e tem dois filhos a seu cargo.
5. É agricultor e juntamente com a mulher aufere cerca de €1.200,00 por mês, para sua sobrevivência.
6. Tem o 9.º ano de escolaridade.
7. Por decisão transitada em julgado em 28/02/2011, no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Coruche com o n.º 186/09.9 GCSTR, o arguido foi condenado pela prática, em 20/06/2009, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 110 dias de multa e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 9 meses, sendo que tais penas foram declaradas extintas.
A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:
A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, devidamente documentada e analisada criticamente à luz das regras de experiência comum, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim, quanto aos factos da acusação, fundou-se no depoimento de SSS, 2.º sargento e militar autuante, que de forma séria, escorreita e coerente e, por isso, credível, relatou no essencial os factos constantes do auto de notícia, pois que o arguido, no exercício de um direito que a lei lhe confere, preferiu remeter-se ao silêncio, excepto no que tange à sua situação pessoal e económica.
Ora, referiu aquela testemunha que, na sequência de uma operação de fiscalização levada a cabo no local indicado no ponto 1) da acusação o arguido foi mandado parar e sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através do método de ar expirado.
A pergunta feita, disse que a identificação do arguido foi feita com base na apresentação do respectivo documento (cartão de cidadão), de onde retirou a similitude entre o autuado a fotografia ali aposta.
Salientou a circunstância de o arguido se ter revelado colaborador na realização do exame, não tendo solicitado contraprova e se conformado com o resultado do teste.
Este depoimento foi devidamente conjugado e corroborado pelo teor do auto de notícia de fls. 2, no que concerne à localização espácio-temporal dos factos e ao veículo conduzido pelo arguido.
Não poderão, pois, existir dúvidas acerca da identificação do arguido e a sua intervenção na sua situação fáctica em crise.
Atendeu ainda o Tribunal aos documentos juntos aos autos, nomeadamente, ao resultado do teste quantitativo de detecção de álcool no sangue de fls. 4, por ter sido realizado em instrumento de medição aprovado e definido por lei como adequado à medição do álcool no sangue, devidamente certificado e verificado, conforme se afere de fls. 74.
Na verdade, e de acordo com o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, que estabelece o regime geral do controlo metrológico dos instrumentos de medição, este compreende as seguintes operações: a) aprovação de modelo; b) primeira verificação; c) verificação periódica; d) verificação extraordinária (artigo 1 º, n.º 3).
Tal matéria encontra-se consagrada na Lei n.º 18/2007, de 17-05, que aprovou o regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, prevendo como meios de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue os analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou através de análise sanguínea (artigo 1º) e estabelecendo no artigo 14º, no que aos testes quantitativos de álcool no ar expirado se refere, que só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a qual deverá ser precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
O alcoolímetro utilizado na situação em apreço – Drager, modelo 7110 MK III P – e ao contrário do que consta de fls. 2 (e onde apenas consta o modelo 7110 MK III, faltando o “P”, o que se trata claramente de lapso, atento o restante teor dos documentos juntos aos autos, ou seja, talão emitido pela própria máquina e certificado de fls. 74) o encontra-se devidamente aprovado. (cfr. Despacho n.º 19684/2009, in DR-II, n.º 166, de 27/08/2009).
Uma vez que tal despacho tem caracter público, não se mostrou necessária a sua junção aos autos.
No entanto, convém atentar que Portaria n.º 1556/2007, de 10-09, estabelece que se aplica aos analisadores quantitativos e qualitativos (artigo 1º) – competindo o seu controlo ao Instituto Português da Qualidade, na aprovação de modelo, primeira verificação, verificações periódica e extraordinária (artigo 5º) –, e prevê ainda os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado, nos termos constantes do quadro anexo (artigo 8º).
O controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição destina-se a promover a defesa do consumidor e a proporcionar à sociedade, em geral, e aos cidadãos, em particular, a garantia do rigor e da credibilidade das medições efectuadas através de instrumentos de mediação adequados e fiáveis.
Por isso, o aparelho não será aprovado e utilizado, "se o seu desempenho o colocar fora dos parâmetros de admissibilidade estabelecidos por esses «erros máximos admissíveis», enquanto parâmetros quantitativos que definem a sua aptidão qualitativa, isto é, enquanto instrumentos fiáreis e confiáveis para a medição exigida" [Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/02/2010)
Ora, o aparelho constante dos autos foi aprovado há menos de dez anos, pelo que nada há a determinar na presente situação.
Mas, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se diria que a prova obtida com o alcoolímetro em causa não poderia se cominada com o vício da nulidade, conforme invocado pelo arguido, por inexistir norma que a prescreva.
De facto, segundo o artigo 118º, n.º 1, do Código de Processo Penal, "A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei" (princípio da legalidade das nulidades).
Assim, as normas relativas a nulidades insanáveis ou sanáveis são normas excepcionais e, por conseguinte, insusceptíveis de aplicação analógica [Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2007, p. 305] pelo que não se poderia considerar nula a prova obtida através deste meio [Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/06/2011, acima citado, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/09/2010, proc. n.º 431/10.8GAFL.G1, acessível in www.dgsi.pt., nos termos do qual: "A inobservância de quaisquer procedimentos legalmente impostos na realização do teste de álcool não é cominada com o vício da nulidade."].
Todavia, estabelece o n.º 3 do artigo 118º, do Código de Processo Penal, que o regime das nulidades não prejudica as normas relativas a proibições de prova.
Ora, o Código de Processo Penal consagra a regra da não taxatividade dos meios de prova, ao estabelecer que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º).
No entanto, na Constituição da República Portuguesa desde logo se determina, no artigo 32º, n.º 8, que "São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".
O legislador ordinário em cumprimento daquele preceito, estabeleceu as excepções ao princípio da não tipicidade dos meios de prova no artigo 126º, do Código de Processo Penal.
Seguindo de perto a posição de João Conde Correia [In "A distinção entre a prova proibida por violação dos direitos fundamentais e prova nula numa perspectiva essencialmente jurisprudencial", Revista CEJ, IV, 2006] nesta matéria, as proibições de prova não se encontram taxativamente elencadas e, por isso, não é necessária a referência expressa da sua cominação, já que a cláusula aberta, quer do artigo 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, quer do artigo 126º, do Código de Processo Penal, impõe a proibição da sua obtenção e proibição/valoração sempre que se verifique a violação dos bens e direitos ali enunciados, que pode ainda consistir na prática de um ilícito tipificado jurídico-penalmente.
Só que, não se vislumbra em que medida a prova obtida através de um aparelho a aprovação se encontrasse ultrapassada pudesse constituir prova proibida, porquanto nenhum dos direitos fundamentais protegidos por aqueles preceitos se mostraria colocado em causa.
Posto isto, coloca-se, então, a vexata questio abundantemente debatida nos tribunais superiores relativamente ao dever de o julgador corrigir ou não a taxa obtida no alcoolímetro através da aplicação da margem de erro máximo admissível, actualmente prevista na Portaria n.º 1556/2007, de 10.
É bem conhecida a controvérsia em torno desta questão que se instalou na jurisprudência propugnando uma corrente (claramente predominante) que não há fundamento para deduzir os valores desses EMA e outra (com expressão, sobretudo, nesta Relação do Porto) que defende a posição contrária.
Por isso, porque estão esgotados os argumentos que é possível esgrimir a favor de cada uma das teses em confronto e pela razão que mais adiante se explicitará, não nos deteremos sobre esta questão.
Sempre diremos, não obstante, que os argumentos a favor da dedução ao resultado obtido no exame realizado com o alcoolímetro (instrumento destinado a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado – artigo 2.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10/12) dos chamados erros máximos admissíveis (EMA) podem resumir-se assim:
- tais aparelhos, mesmo que devidamente aprovados e sujeitos às verificações exigidas, ou seja, estando calibrados, não fornecem um valor exacto (como qualquer outro aparelho de medição, têm sempre uma margem de erro); a única certeza a que o alcoolímetro conduz é que a taxa de álcool no sangue apresentada pelo condutor fiscalizado se situa dentro dos intervalos definidos pelos erros máximos admissíveis;
- como não é possível determinar em qual dos valores desse intervalo se situa, realmente, a alcoolemia, mas conhecendo-se essa margem de erro, há que corrigi-lo (o erro) para que o resultado se aproxime (o mais possível) da realidade;
- então, por aplicação do princípio in dubio pro reo, ter-se-á de concluir no sentido de que a taxa de alcoolemia se situa no valor mais baixo desse intervalo;
- impõe-se, pois, subtrair ao resultado de cada exame efectuado através do alcoolímetro o erro máximo admissível, mesmo que tal não resulte (expressamente) da lei.
A tese oposta sustenta-se, sobretudo, na fiabilidade dos alcoolímetros que, sendo imperativamente aprovados e verificados por uma entidade com credibilidade técnico-científica (a qual leva, necessariamente, em consideração os erros máximos admissíveis quando procede à sua verificação), estão em condições de efectuar medições correctas e, portanto, os resultados com eles obtidos são susceptíveis de serem utilizados como prova credível perante o tribunal.
No entanto, no dia 01.01.2014 ( a após a prática dos factos aqui em causa) entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada aprovadas pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro.
Uma dessas alterações diz respeito às menções que devem constar do auto de notícia de contra-ordenação, dispondo agora o artigo 170.º 1 — Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar: a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos; b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares. 2 — ..................................... 3 — ..................................... 4 — .....................................
5 — .....................................
Ao aludir a “infração (…) aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”, cremos não haver lugar para dúvidas que o preceito se refere, além do mais, a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.
Com efeito, o regime geral do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal é definido pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, e pelo Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria n.º 962/90, existindo portarias específicas de cada instrumento de medição.
Assim, nos termos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito e o controlo metrológico dos analisadores quantitativos, já o sabemos, é regulado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.
Por outro lado, embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se descortina nenhuma razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitui crime.
Desconhecemos as razões da opção efectuada de fazer prevalecer (sobre o valor registado pelo aparelho) o valor apurado após dedução do erro máximo admissível, mas não pode haver dúvidas de que o legislador quis pôr termo à controvérsia actualmente existente, a que já nos referimos, procedendo a uma interpretação autêntica.
Ora, e face a isso, é então de atentar que diz-se interpretativa a lei em que o legislador vem, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de uma lei anterior.
Invocando Baptista Machado ( na sua obra “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 245 e ss.), para se poder falar em lei interpretativa, é necessária a verificação concomitante de dois requisitos: a) que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; b) e que a lei nova adopte uma das orientações hermenêuticas possíveis para a norma a interpretar, ou seja, “que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei”.
Ora se o tipo objectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal) exige que o condutor tenha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e a prova da verificação desse elemento objectivo do tipo de ilícito em causa exige um exame e na realização deste tem de ser utilizado um analisador quantitativo do teor de álcool no sangue, o designado alcoolímetro (que, como por varias vezes tem lembrado a douta jurisprudência dos Tribunais superiores, não é um meio de prova, como, por vezes, se diz, mas simplesmente um instrumento utilizado na realização de um exame) é um meio de obtenção de prova.
O meio de prova (ou, se assim se preferir, a prova) é o talão emitido pelo aparelho, no qual é registada, além do mais, a taxa de álcool acusada pelo condutor fiscalizado.
Por razões óbvias, esse meio técnico de aferição da quantidade de álcool no sangue tem de ser fiável e por isso, previamente à sua utilização, passa por um processo, que se pretende rigoroso, de aprovação e verificação.
Assim, e atento o supra exposto, não podemos deixar de ter em conta que estabelece o artigo 8.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que: “Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE), são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”.
Por isso que, tendo em consideração o erro máximo admissível de 20 %, o “valor apurado” da alcoolemia com que o arguido/recorrente conduzia, nas referidas circunstância de tempo e lugar, o seu veículo automóvel será de 1,68 g/l.
Não existindo quaisquer elementos de prova que suscitem dúvidas sobre a fiabilidade do aparelho concretamente utilizado, deve considerar-se assente o resultado obtido, com dedução da margem de erro.
Os factos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum, salientando-se que é do conhecimento comum à generalidade das pessoas o dever de não conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade capaz de determinar a embriaguez.
No que diz respeito às condições sócio-económicas do arguido a convicção do Tribunal baseou-se em declarações do próprio que se mostraram credíveis na medida em que foram coerentes e compatíveis com as regras da experiência comum.
Por último, a consignação dos factos que dizem respeito aos antecedentes criminais registados teve por base os certificados de registo criminal juntos aos autos, na parte em que os mesmos devem ser ponderados, tendo em conta o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões submetidas à nossa apreciação são as seguintes:
- nulidade insanável prevista na al. b) do art. 119º do C.P.P.;
- nulidade da sentença por violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.;
- nulidade da sentença por violação do disposto na al. c) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.;
- invalidade da prova obtida através de aparelho sem aprovação válida e violação do princípio in dubio pro reo;
- erro de julgamento quanto aos pontos 1., 2. e 3. dos factos provados;
3.1. O recorrente argui a nulidade insanável prevista na al. b) do art. 119º do C.P.P., que em seu entender deriva do facto de o MºPº ter deduzido a acusação sem ter em conta o EMA, não tendo solicitado às autoridades policiais, durante o inquérito, que completassem ou aditassem o auto de notícia com o valor correspondente nem promovido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação para que o mesmo fosse aplicado.
A nossa lei processual penal[3] consagra o princípio da tipicidade ou da legalidade em matéria de nulidades, do qual resulta que só algumas violações das normas processuais têm como consequência a nulidade do respectivo acto, em concreto quando a nulidade do mesmo “for expressamente cominada na lei”, sendo em todos os restantes casos o acto ilegal meramente irregular ( cfr. art. 118º nºs 1 e 2 ). E, entre as nulidades, distingue as que são insanáveis e as que são dependentes de arguição.
Quanto às primeiras, “que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento”, são apenas as que vêm previstas nas als. a) a f) do art. 119º e todas as demais “que como tal forem cominadas em outras disposições legais”.
Especificamente quanto à prevista na al. b), que o recorrente expressamente invoca, ela verifica-se nomeadamente[4] que se verifique “a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º”. Promover o processo penal significa dar-lhe o devido andamento, abrindo e dirigindo o inquérito, providenciando pela realização das diligências de investigação pertinentes e, no seu termo, proferir despacho de arquivamento ou de acusação consoante os indícios probatórios que hajam sido recolhidos, o que constitui obrigação funcional do MºPº nos casos em que tem legitimidade para o efeito e com as restrições que constam dos arts. 49º a 52º. Assim, e quanto à acusação, a nulidade em causa verificar-se-á quando o MºPº deixe de a deduzir nos casos em que por lei lhe compete fazê-lo, e não seguramente quando a acusação deduzida contenha uma qualquer incorrecção ou deficiência, caso em que haverá que atentar no disposto no nº 3 do art. 283º, que comina de nulidade a acusação que não contenha os elementos discriminados nas als. a) a g).
Revertendo ao caso sub judice, constatamos que o recorrente já havia suscitado a mesma questão em julgamento, sem sucesso.
E, de facto, resulta evidente que não se verifica nulidade que arguiu, desde logo porque o MºPº promoveu efectivamente o processo, deduzindo acusação contra o recorrente pela prática do crime que já se encontrava suficientemente indiciada no termo do inquérito.
Não tendo sido cometida qualquer nulidade insanável, nomeadamente a prevista na al. b) do art. 119º, também não enferma a acusação de qualquer outra nulidade, contendo todos os elementos exigidos pelo nº 3 do art. 283º. O facto de não mencionar o valor da TAS com o desconto do EMA, que a jurisprudência passou a aceitar de forma pacífica após a entrada em vigor das alterações que a Lei nº 72/2013 de 3/9 introduziu ao nº 1 do art. 170º do C. Estrada, questão que era controvertida na data em que o recorrente foi submetido ao teste de alcoolemia, resulta irrelevante quando os factos que foram descritos na acusação são perfeitamente suficientes para preencher os elementos típicos do ilícito criminal que ali lhe foi imputado, que se basta com o exercício da condução, em via pública ou equiparada, com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l ( cfr. art. 292º do C. Penal ) e uma actuação dolosa ou negligente. Se em julgamento se vem a demonstrar que essa TAS não é exactamente aquela que foi indicada na acusação, é uma questão de prova, e não, seguramente, de vício que inquine aquela peça processual.
Improcede, pois, claramente, este fundamento do recurso.
3.2. O recorrente sustenta que a sentença enferma de nulidade, por violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 379º do C.P.P., em virtude de ter fixado a TAS em valor diferente ( 1,68 g/l ) daquele que constava da acusação ( 2,09 g/l ), tendo-o por isso condenado por factos diversos dos descritos na acusação fora do condicionalismo previsto nos arts. 358º e 359º do C.P.P.
Mais uma vez sem razão.
Não estando, de todo, em causa uma alteração substancial dos factos ( que, de acordo com a definição dada na al. f) do art. 1º, é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” ) e, decorrentemente, a inobservância do disposto no art. 359º, resta-nos determinar se a consideração na sentença recorrida de uma TAS diferente, e para um valor inferior, daquela que havia sido descrita na acusação constitui uma alteração não substancial dos factos, ou seja, uma modificação não essencial da factualidade descrita na acusação ou da qualificação jurídica que ali foi indicada, que determinasse a observância do dever de comunicação e da concessão de tempo, se requerido, para a preparação da defesa, impostos pelo disposto no nº 1 do art. 358º.
Esta questão acaba, no entanto, por ser resolvida à nascença. E isto tendo em conta que o nº 2 do mesmo preceito ressalva do disposto no número anterior “o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa” e que foi a própria defesa que, durante o julgamento, colocou em crise o resultado do teste de alcoolemia, transposto para a acusação, alertando para a necessidade de lhe deduzir o EMA ( embora considerando, por outras razões, que a ele já não era possível proceder naquela fase ), apoiando-se no entendimento jurisprudencial consolidado após a entrada em vigor da já referida Lei nº 72/2013.
Mas, ainda que assim não tivesse sucedido, a diferença entre a TAS indicada na acusação e aquela que foi considerada como provada nunca poderia constituir uma alteração não substancial dos factos. Estamos perante uma mesma realidade, uma TAS superior ao valor a partir do qual a conduta praticada pelo recorrente é qualificada como crime, e apenas se considerou como provado, por aplicação dos critérios legais, o valor da mesma que deve ser atendido e que é inferior àquele que o teste de alcoolemia apresentou como resultado. Tudo como se passando como no caso de a um arguido vir imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física por desferir vários murros no ofendido e em julgamento apenas resultar provado que lhe desferiu um só murro, exemplo que pensamos ajudar na compreensão da questão, já que ninguém em são juízo se lembraria de sustentar que nesse caso tinha havido uma alteração substancial dos factos.
Assim, e como quer que se perspective a questão, é inequívoco que não foi cometida a nulidade invocada.
3.3. O recorrente aponta mais uma nulidade à sentença recorrida, desta feita por ter conhecido de questões de que não podia ter tomado conhecimento, em violação do disposto na al. c) do nº 1 do art. 379º do C.P.P., em virtude de a TAS que veio a ser ali fixada não ter sido sujeita a qualquer contraditório em virtude de não ter sido referida nem discutida em sede de audiência de julgamento.
Também vistas estas coisas nesta vertente, é fácil concluirmos que não assiste razão ao recorrente.
Tendo-lhe sido imputada a prática do crime em questão por exercer a condução na via pública com uma determinada TAS, a fixação de um outro valor, inferior àquele, resultou apenas do acatamento do entendimento jurisprudencial que se firmou no sentido da consagração do desconto do EMA, desconto esse a que se procede exclusivamente de acordo com critérios uniformes e objectivos, que vêm definidos na lei. O que o recorrente, devidamente representado por advogado, não podia desconhecer, dada a extensa e prolongada querela que, em relação a tal desconto, dividiu a jurisprudência em duas correntes opostas, divisão que só terminou depois das alterações legais a que já aludimos e que ele até demonstrou bem conhecer, bastando-lhe proceder a simples operações aritméticas para, a partir da TAS acusada no teste de alcoolemia e indicada na acusação, proceder à sua determinação e exercer na plenitude os seus direitos de defesa da forma como entendeu ser-lhe mais conveniente. O simples facto de não ter sido antecipadamente especificada a concreta TAS que devia ser atendida por ser aquela, mínima, de que seguramente era portador, não constituiu, pois, obstáculo a que tivesse oportunidade de discutir durante o julgamento qual a que, em seu entender, devia de ser considerada, não tendo o princípio do contraditório sido minimamente beliscado.
E tanto basta para afirmarmos a não verificação de mais esta nulidade.
3.4. No entender do recorrente, o facto de não ter sido abalado ou infirmado o teor do auto de notícia a fls. 3, que ademais foi confirmado pela testemunha SSS que o elaborou, sem que o tribunal recorrido tenha evidenciado qualquer suspeita acerca da sua validade, devia de ter levado à conclusão de que o teste foi obtido através de aparelho sem aprovação válida e, por isso, ao resultado obtido não era possível atribuir qualquer valor probatório. Ainda que assim não se entendesse, a existência de meios de prova contraditórios ( o talão emitido pela própria máquina e o certificado de fls. 74 ) gerou incerteza sobre se o aparelho usado para o submeter ao teste de alcoolemia foi o aprovado pela DGV/ANSR em 06AGO98 e pelo IPQ através do despacho de Aprovação de Modelo nº 211.06.96.3.20 de 25/9/96, ou o aprovado pelo Despacho nº 19684/2009, in DR-II nº 166 de 27/8/09, dúvida que devia ter sido resolvida a seu favor, por aplicação do princípio in dubio pro reo.
Começando pela discrepância relativa à identificação do alcoolímetro utilizado no teste de alcoolemia a que o recorrente foi submetido, e que se circunscreve à letra “P” ( no auto de notícia, a fls. 3, consta que “o teste foi realizado no Alcoolímetro Drager, modelo Alcotest 7110 MK III”, e no talão de registo, a fls. 4, vem mencionado “MODELO : 7110 MKIII P” [5]), parece-nos insofismável que esta última menção é aquela que deve ser tida como a correcta ou, melhor dizendo, a mais completa. E isto porque a simples análise do auto de notícia é bem demonstrativa de que o mesmo tem como base uma “chapa” padrão para utilização em todas as ocorrências de condução sob o efeito do álcool ou sem habilitação legal e desobediência por recusa às provas aludidas no nº 1 do art. 152º do C. Estrada, na qual apenas são deixados em branco, para posterior preenchimento, os espaços necessários para a individualização do caso concreto que motiva o levantamento do auto. Aliás, de outra forma nem se perceberia que, nos segmentos epigrafados de “FACTO VERIFICADO” e “INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES” viessem descritas várias situações e, no início de cada uma das descrições, um pequeno quadrado de forma a permitir, ao jeito dos testes americanos, assinalar com uma cruz aquelas que em cada caso se verificam. Como, aliás, se constata terem também sido apropriadamente assinaladas no presente caso. O facto de a descrição do alcoolímetro, constante daquele último segmento, também vir antecedida de um quadrado, que foi assinalado com uma cruz, leva a crer que tal descrição faz parte do texto padronizado, pré-existente, convicção que é reforçada, desde logo, pelo facto de nos testes de alcoolemia efectuados pelas nossas autoridades policiais serem, se não sempre, pelo menos muito frequentemente utilizados aparelhos da marca e modelo que vêm indicados e pelo de não vir discriminado no auto o nº de série do aparelho, que consta do talão. Ademais, mal se compreenderia que o auto de notícia, ainda que tivesse sido integralmente preenchido aquando do seu levantamento, contivesse indicações mais precisas que o talão, que é emitido pelo próprio aparelho e de forma mecânica, de acordo com as especificações nele previamente introduzidas, mormente as relativas às suas características.
E de nada vale ao recorrente esgrimir em contrário agarrando-se ao valor do auto de notícia e ao facto de a testemunha SSS, que nele figura como autuante, o ter confirmado em julgamento. Como se pode verificar pela gravação do seu depoimento, a esta testemunha foi perguntado pelo mandatário do recorrente se confirmava o teor do auto de notícia e bem assim o do talão de registo do teste, tendo ela respondido afirmativamente e confirmado serem suas as assinaturas que constam em ambos os documentos. Em momento algum foi questionada sobre a já referida discrepância, como o mandatário do recorrente podia e devia ter feito para tentar esclarecer as dúvidas que persiste em manter, mas que não são de modo algum razoáveis, de molde a determinar a aplicação do princípio in dubio pro reo. Nem no espírito da julgadora, nem no nosso, pelas razões que acima expusemos, restam dúvidas dessa natureza acerca das características do aparelho utilizado para submeter o recorrente ao teste de alcoolemia, não existindo qualquer motivo para duvidar que elas não sejam aquelas que constam do talão por ele emitido e que correspondem rigorosamente às que também vêm mencionadas no certificado de verificação emitido pelo IPQ, junto aos autos a fls. 74..
Esclarecido este ponto, cai pela base a restante argumentação desenvolvida pelo recorrente em ordem a pôr em causa o valor probatório do talão a fls. 4.
De facto, tal como já foi referido na sentença recorrida ( em sistematização sui generis, por entre a motivação da decisão de facto ), o equipamento, alcoolímetro qualitativo da marca Drager, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, que tinha obtido uma aprovação do modelo nº 211.06.07.3.06, do Instituto Português da Qualidade, por Despacho nº 11037/2007, de 24 de Abril de 2007, foi aprovado pela ANSR, para utilização na fiscalização do trânsito, mediante despacho, com o nº 19684/2009, publicado na II série do D.R. em 27/8/09.
Além disso, e de acordo com o teor do certificado a que já aludimos, o concreto aparelho utilizado no teste foi submetido à primeira verificação em 12/9/12 e aprovado, mantendo-se a validade da operação certificada até final do ano imediato, ou seja, 31/12/13, tudo em conformidade com as regras de controlo metrológico estabelecidas no DL nº 291/90 de 20/9
Donde que, à data da realização do teste (23/7/13 ), esse aparelho se encontrava a funcionar dentro da estrita legalidade, inexistindo qualquer fundamento para afastar o valor probatório dos talões por ele emitidos ou pôr em causa ( fora do estrito campo do EMA ) os resultados através dele obtidos.
3.5. Finalmente, o recorrente considera que os pontos 1., 2. e 3. dos factos provados foram erradamente dados como provados, com base em errada interpretação e aplicação dos arts. 3º e 8º da Portaria nº 1556/2007 de 10/12 e do respectivo anexo, na medida em que o tribunal recorrido efectuou o desconto do EMA à TAS registada, quando tal desconto deveria ter sido feito ao valor da TAE, o qual não chegou a ser conhecido.
Refira-se, desde logo, que não tem qualquer cabimento a objecção feita pelo recorrente relativamente ao não apuramento do valor da TAE, desde logo porque, não tendo sido determinada, é determinável a qualquer momento em virtude de a lei estabelecer uma relação de conversão fixa entre as duas taxas, bastando por isso utilizar uma regra de três simples para alcançar o resultado, como vem explicado, de forma rigorosa e exemplar, na resposta ao recurso que, por isso, nos dispensamos de tornar a explicar, limitando-nos a transcrever as considerações que ali foram expendidas a este propósito:
Invoca o recorrente erro de julgamento, uma vez que a correcta aplicação dos artigos 3.º e 8.º da Portaria 1556/2007, de 10.12 e tabela anexa, impunha que o julgador considerasse que o EMA deveria ser aplicado sobre a TAE (valor que permaneceu por apurar nos autos, conforme refere na motivação apresentada), ao invés de ter sido aplicado sobre a TAS.
A este propósito somos a dizer que não assiste qualquer razão ao recorrente, pois, uma vez apurada a TAS será sempre possível saber qual a respectiva TAE que esteve na base do cálculo realizado para apuramento da TAS, bastando para tanto aplicar os critérios legais que decorrem directamente da lei.
Efectivamente, a Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [RCMA], é aplicável aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos (art. 1.º), que são instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, expressa em miligrama por litro (arts. 2.º e 3.º do RCMA).
Prevendo o legislador que qualquer resultado de medição está sujeito a uma margem, por mínima que seja, de incerteza de medição, por impossibilidade/incapacidade de fabricar instrumentos de medição absolutamente exactos, sem qualquer margem de erro, e constituindo os alcoolímetros quantitativos, instrumentos destinados a medir o teor de álcool no ar expirado [TAE], as medições efectuadas estão, por conseguinte, sujeitas a erro. E por isso, o art. 8º do RCMA prevê os erros máximos admissíveis [EMA], variáveis em função do TAE, definindo os respectivos valores no quadro anexo ao regulamento.
Por outro lado, o artigo 81.º, n.º 4, do Código da Estrada estipula queé proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, considerando-se sob influência de álcool o condutor "que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico" (n.°1 e 2 do referido preceito legal). Nos termos do mencionado artigo, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue.
Aqui chegados, tendo o recorrente apresentado uma TAS de 2,09g/l, aplicado o critério legal de conversão dos valores de TAE em TAS, conclui-se que a TAE do recorrente é de 0,90869m/l.
Se discordamos do recorrente relativamente ao invocado desconhecimento da TAE, já o mesmo não sucede relativamente ao argumento invocado e defendido de que o EMA deveria ter sido, efectivamente, aplicado sobre o TAE e não sobre a TAS. Assim se conclui directamente do acima referidoart. 8º do RCMA.
Vejamos:
O quadro anexo ou tabela aludidos no art. 8º do RCMA define os valores do EMA em função de determinados valores de TAE. Como já vimos, a TAS de 2,09 g/l apresentada pelo recorrente equivale a uma TAE de 0,90869m/l, valor compreendido entre igual a 0,400 e igual ou inferior a 2,000, a que corresponde um EMA de 5% para a primeira verificação, e de 8% para a verificação periódica, a que correspondem as TAS de 1,98 g/l e 1,92g/l, respectivamente (vide AC TRC de 15.04.2015, P. 155/14.7GAVZL, relator Vasques Osório, disponível in www.dgsi.pt).
Ora, tendo o alcoolímetro utilizado na medição quantitativa da TAS do arguido sido submetido a uma primeira verificação em 12.09.2012, mediante a aplicação de um EMA de 5%, a correspondente TAS com que o arguido conduzia quando fiscalizado era de 1,98 g/l, e não de 1,67g/l como decorreu da decisão do tribunal a quo.
Conclui-se, assim, que o arguido/recorrente foi beneficiado pela decisão proferida pelo tribunal a quo, e, considerando que apenas o arguido recorreu e ser proibida a reformatio in pejus, nada irá ser requerido nesse sentido.
Como foi demonstrado, o erro em que o tribunal recorrido incorreu redundou em benefício do recorrente, não podendo nós retirar do mesmo quaisquer consequências ou proceder à sua correcção precisamente porque só foi interposto recurso pelo arguido e, nessa medida, não pode ser proferida decisão que o desfavoreça.
Não cremos serem necessárias mais alongadas considerações para concluirmos pela improcedência deste derradeiro fundamento do recurso.
4. Decisão
Pelo exposto, julgam o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Vai o recorrente condenado em 4 UC de taxa de justiça.
Évora, 20 de Outubro de 2015
Maria Leonor Esteves
António João Latas
__________________________________________________
[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] À qual pertencerão os preceitos adiante citados sem menção especial.
[4] O outro caso previsto na mesma alínea, o da ausência do MºPº a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência, não foi chamado à colação pelo recorrente e não tem qualquer interesse para a apreciação que nos foi cometida no presente recurso.
[5] Discrepância que até nem assume relevância já que, como se esclarece no Ac. RE 16/9/14, proc. nº 820/08.8GELSB.E1, “a letra “P” é usualmente utilizada como símbolo de aprovação do modelo, de acordo com o art. 9.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 1556/2007, e não para diferenciar modelos, em sintonia, aliás, com o previsto no art. 7.º da Portaria n.º 962/90, de 09.10, que aprovou o Regulamento Geral do Controlo Metrológico, cuja vigência se mantém conforme ao art. 19.º do Dec. Lei n.º 192/2006, de 26.09”, e as próprias autoridades utilizam indistintamente a designação com ou sem a letra “P” sem que se coloque a questão de se tratar de outro modelo de aparelho da mesma marca.