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AMEAÇA
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME
RECURSO
PENA
Sumário
1 - Constitui um crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, al. a) do C.P., - crime de perigo abstracto-concreto quanto ao bem jurídico - o envio de uma mensagem sms que sugere a colocação de uma bomba na viatura do ofendido, 2 - É ao tribunal de primeira instância que compete a escolha e a determinação da medida da pena em caso de absolvição do arguido em primeira instância e condenação no tribunal de recurso.
Texto Integral
Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos autos de Processo Comum Singular, com o n.º 870/12.0GDPTM, a correrem termos pelo Tribunal da Comarca de Faro, Instância Local de Portimão, Secção Criminal, J1, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido:
- DJN, filho de (…);
Imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação de fls 113 e segs., que aqui se dão por reproduzidos, e que integram a prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelo art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Pen.
O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas.
Procedeu-se a julgamento, na ausência do arguido, com observância de todas as formalidades legais, vindo-se, em seu seguimento, a prolatar pertinente Sentença, onde se Decidiu:
- Absolver o arguido DJN da prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a) do Cód. Pen.
Inconformada com o assim decidido traz a Magistrada do Ministério Público o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1 - São elementos integradores deste crime: o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; que esse anúncio seja adequado a provocar, na pessoa a quem se dirige, medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; que a ameaça seja com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; que o agente tenha actuado com dolo, que se basta com a representação e conformação com a adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
2- Pelo que o bem jurídico tutelado é a liberdade individual de decisão e de acção e exige-se apenas a consciência de que o comportamento assumido seja susceptível de causar medo ou inquietação ou de perturbar a liberdade da pessoa visada.
3- Assim, o mal anunciado será um mal futuro, sempre que o agente anuncia a outrem a prática de um mal, mas mantém-se inactivo quanto à sua execução.
4- In casu, o arguido DJN enviou uma mensagem através do telemóvel, para o nº de telemóvel do ofendido, Mirco, com o seguinte teor: Look under your car every morning boom!! Hehe, que significa" olha debaixo do teu carro todas as manhãs. Boom!!Hehe
5- Desse modo, condicionou o ofendido na sua liberdade de movimentos, sendo de todo irrelevante que o arguido soubesse onde o ofendido morava, pois que para tal bastaria segui-lo até casa e a concretização do mal anunciado – fazer explodir bomba no carro com o ofendido no seu interior- estaria apenas e somente dependente da vontade do arguido.
6- Assim, a douta sentença violou o disposto nos artigos 153º nº 1 e 155º, nº 1 a) do Código penal, ao considerar que a conduta em apreço não configura a prática de um crime de ameaça agravada.
Pelo exposto, concedendo provimento ao presente recurso, entendemos dever ser revogada a sentença proferida nestes autos, que deverá ser substituída por outra que, tendo por base a fundamentação expendida, condene o arguido DJN pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 e 155º nº 1 a) do C.P.
Não teve lugar resposta ao recurso por parte do arguido, apesar de devidamente notificado para o efeito.
Nesta Instância, a Sra. Procuradora Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos:
Factos Provados:
1. No dia 12 de Outubro de 2012, pelas 21h53m, o arguido, através do telemóvel com o n.º 000 000 000, remeteu uma mensagem sms para o telemóvel de MDB, com o seguinte conteúdo: “Look under your car every morning boom!!!!!! Hehe”, que significa “olha debaixo do teu carro todas as manhãs. Boom!!! Hehe”.
2. O arguido, ao enviar aquela mensagem, agiu de modo livre, voluntário e consciente.
Factos não Provados:
Nenhum outro facto se apurou, designadamente que:
1. O arguido agiu com o objectivo de infundir medo, intimidar e perturbar MDB na sua liberdade de determinação e tranquilidade, bem sabendo que as referidas palavras são idóneas a causar-lhe medo, bem como a prejudicar a sua liberdade de determinação, facto que deliberou, quis e conseguiu, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte:
Sendo certo que, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada, no seu conjunto, segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador (cfr. art.º 127.º do CPP), foram os seguintes os meios de prova nos quais o Tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade apurada:
1. Depoimento da testemunha MDB: ofendido, o qual esclareceu que o arguido foi cliente do Hotel onde a testemunha exerce funções como Director, mas deixou de pagar o quarto onde se encontrava instalado, acumulando uma dívida de cerca de 5.000 euros, pelo que foi impedido de continuar ali hospedado. Nesta sequência, depois de alguns telefonemas, em que o arguido falava consigo de modo cada vez mais indelicado e agressivo, a testemunha começou a receber mensagens escritas em inglês, do arguido, no seu telemóvel de serviço (mas que era exclusivamente usado por si), onde o mesmo lhe dizia que a testemunha estava a ser vigiada e ainda uma outra onde referia que tinha uma bomba no carro. Apesar de ser improvável que o arguido pudesse estar a observá-lo, já que o mesmo desconhecia onde a testemunha morava, sentiu algum receio e desconforto pelos seus filhos. A testemunha depôs de modo coerente e sem suscitar dúvidas a respeito da sua isenção, sendo o seu depoimento corroborado pelo teor da prova documental existente nos autos, pelo que foi valorado para o apuramento dos factos.
2. Prova documental: auto de pesquisa de telemóvel de fls 19 e tradução da transcrição de fls 36; registo de identificação de titular do telemóvel com o número 91 424 22 16, de fls 33; CRC do arguido.
Os factos dados como provados resultam do sentido da prova produzida, que os confirmam.
Assim, resulta da prova documental acima indicada, conjugada com o depoimento da testemunha, que, no dia dos autos, foram enviadas mensagens escritas do número do telemóvel associado ao arguido para o ofendido, que as recebeu e leu, numa das quais se mencionava o som de uma bomba a explodir enquanto o avisava para espreitar sempre para debaixo do seu carro.
Considerando a origem das ditas mensagens (do telemóvel registado em nome do arguido), as quais foram escritas em inglês (o arguido tem nacionalidade inglesa) e o clima de animosidade instalado com o arguido (por causa do “despejo” do Hotel), é legítimo concluir que foi o arguido quem, efectivamente, escreveu e enviou ao ofendido aquela e as restantes mensagens.
Os factos dados como não provados resultam do sentido contrário da prova produzida, atento por um lado, o próprio depoimento do ofendido (que esclareceu que o arguido desconhecia o local onde o mesmo residia, pelo que, apesar de ter sentido um certo receio, não podia ter levado a sério, como não levou, o teor da dita mensagem, já que a mesma implicava que alguém pudesse colocar uma bomba no carro durante a noite, quando o ofendido levara o carro para casa, cuja localização, por sua vez, era desconhecida do arguido), bem como do teor da mensagem em causa (de onde não se retira um anúncio expresso e inequívoco, do arguido, de que colocaria uma bomba no carro fazendo-a explodir com o ofendido lá dentro).
Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem.
Da leitura das conclusões formuladas pela recorrente, tudo leva a concluir pretender-se, e tão só, o reexame da matéria de direito, cfr. art.º 403.º, do Cód. Proc. Pen.
Mais concretamente, ver-se discutida a questão de se saber se a mensagem enviada pelo arguido DJN, através do seu telemóvel, para o número de telemóvel do ofendido MDB é, ou não, susceptível de integrar a prática por aquele de um crime de ameaça, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, al.ª a), ambos do Cód. Pen.
A M.ma Juiz a quo veio absolver o arguido da prática do aludido crime de ameaça, porquanto não se considera que a expressão dirigida por escrito, pelo arguido ao ofendido, encerre uma verdadeira ameaça ou fosse a mesma adequada a provocar medo ou inquietação ou a limitar a liberdade de determinação daquele. E se o tentou fazer, não é a tentativa punível quanto a este crime.
E argumentando, como segue: A referida frase não é explícita mas sugere, ao utilizar a onomatopeia “Boom” (descrevendo o som comummente associado a uma explosão ou a um rebentamento e que também está associado a bombas), uma referência velada a uma bomba ou a uma explosão, isto depois de ter dito ao ofendido para olhar todas as manhãs para baixo do carro. Ou seja, o arguido avisou o ofendido para verificar, todos os dias, se, debaixo do seu carro, estaria alguma bomba. Será este o significado da dita mensagem que o arguido enviou ao ofendido. Por outro lado, pese embora logo após aquele aviso surjam descritas umas gargalhadas, não parece que ali foram colocadas para fazer significar que o que acabara se de escrever era uma brincadeira ou uma partida, mas antes como se assumissem um tom de gargalhadas maléficas, trocistas, de quem se divertiria com a malvadez do acto a que ali se aludira (colocação de uma bomba na parte de baixo do carro). Agora, resulta daqui que o que o arguido escreveu e enviou ao ofendido se trata de uma ameaça (anúncio de um mal futuro e cuja ocorrência depende apenas da vontade do arguido)? E, além disso, adequada a provocar medo ou inquietação (no sentido de ser susceptível de ser levada a sério)? Afigura-se que as respostas não podem deixar de ser negativas. Na verdade, o arguido não anuncia em parte alguma que vai matar o ofendido fazendo-o explodir-se dentro do carro. Deixa apenas nas entrelinhas, que poderá ser esse o resultado se o mesmo não verificar, a cada manhã, se existe lá alguma bomba ou não (só se não verificar é que se sujeitará a accionar a eventual bomba). Por outro lado, não resulta do texto que o arguido afirma ou promete que lá colocará uma bomba. Alude a uma bomba a explodir, mas não se pode daqui concluir, pela mera interpretação do texto - que é do que aqui se trata - que ele ali pretende colocar uma bomba ou que está a dizer que é isso que fará. Pode lá vir a estar ou não. Ou seja, pode lá vir a pô-la ou não. Sucede que está vedada a consideração de uma interpretação “mala partem”. E se assim é, na dúvida sobre o sentido das palavras, importa ponderar o significado menos gravoso para o arguido, e que é o da mera possibilidade de o ofendido um dia ali vir a encontrar uma bomba (não a advertência de que tal assim sucederá). Ademais, e na verdade, das duas uma: ou o arguido lhe está a dizer que irá colocar uma bomba no carro, mas então, se a intenção fosse atemorizá-lo com a sua morte, então não o avisaria para espreitar o carro todos os dias, ou, avisando-o para o fazer, nunca o mesmo morreria com a explosão de qualquer bomba, pois que se o ofendido acaso ali encontrasse alguma, certamente que já não entraria no carro para se fazer explodir... Por conseguinte, a frase enviada ao ofendido não consubstancia um verdadeiro anúncio (mas uma mera hipótese velada) de um mal que praticaria no futuro e que dependia apenas e só da sua vontade (na hipótese de ali ser colocada uma bomba, a mesma só rebentaria por força da vontade do ofendido, pois que se já havia sido avisado para verificar a parte debaixo do carro, só se o não fizesse é que a bomba explodiria). Acresce a quanto exposto, que, pese embora o natural receio, do ofendido, de que algo de mal pudesse suceder, ou que o tom das mensagens se agravasse, foi o próprio quem esclareceu que o arguido não sabia onde o ofendido morava, e por isso até desvalorizou as mensagens onde o arguido dizia que estava a observá-lo, em horas em que o mesmo estaria já em sua casa. Ora, se a frase enviada ao arguido refere para este verificar o carro todas as manhãs, é porque seria durante a noite que ali poderia ser colocada uma bomba. E, para tanto, necessário era que o arguido soubesse onde o ofendido morava, o que não era o caso. Face a todo o exposto, não se concebe que tal frase possa ser susceptível de ser levada a sério, sendo ainda certo que o arguido se dedicaria à venda de objectos relacionados com o golf (a instalação de um mecanismo de uma bomba debaixo de um carro implica, no mínimo, conhecimentos e habilidades que não serão comuns a um vendedor de objectos relacionados com aquele desporto…).
Porém, se bem lemos os autos, vemos que foi tida como não provada a seguinte factualidade: 1. O arguido agiu com o objectivo de infundir medo, intimidar e perturbar MDB na sua liberdade de determinação e tranquilidade, bem sabendo que as referidas palavras são idóneas a causar-lhe medo, bem como a prejudicar a sua liberdade de determinação, facto que deliberou, quis e conseguiu, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Que se fundamentou, nos seguintes moldes: Os factos dados como não provados resultam do sentido contrário da prova produzida, atento por um lado, o próprio depoimento do ofendido (que esclareceu que o arguido desconhecia o local onde o mesmo residia, pelo que, apesar de ter sentido um certo receio, não podia ter levado a sério, como não levou, o teor da dita mensagem, já que a mesma implicava que alguém pudesse colocar uma bomba no carro durante a noite, quando o ofendido levara o carro para casa, cuja localização, por sua vez, era desconhecida do arguido), bem como do teor da mensagem em causa (de onde não se retira um anúncio expresso e inequívoco, do arguido, de que colocaria uma bomba no carro fazendo-a explodir com o ofendido lá dentro).
O que nos inculca a ideia, prima facie, de se estar perante o cometimento de um dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., mais concretamente e o do erro notório na apreciação da prova.
Mesmo circunscrevendo-se o recurso ao reexame da matéria de direito, como referido, nada obsta ao conhecimento do vício em presença, porquanto é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.[1]
Como sabido, ocorre o predito vício quando existe um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão.
As provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento.
Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou.
Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Ocorrendo tal erro quando se dão como provados factos contrários às regras da experiência comum e da lógica normal da vida.
Desde logo, a expressão em causa é susceptível de causar medo a qualquer pessoa mediana, dada a gravidade que encerra, e como decorre das mais elementares normas da vida qualquer pessoa que utiliza um tal tipo de expressão só pode ter um objectivo: o causar medo ou receio a outrém; e o arguido não foge a esse tipo de pessoas, face ao que consta dos autos.
Para lá de que, como a Decisão sob recurso o refere, o ofendido ao receber a predita mensagem, teve receio, o que seria expectável que tal acontecesse, dada a potencialidade das palavras que a mensagem encerra.
Daí se não entender que se tenha incluído na matéria de facto tida como não provada a mesma; afora tudo o que se veio dizer de seguida.
Pelo que, e sem delongas, se dever incluir na matéria de facto provada tal segmento de prova incluída nos factos não provados.
Aqui chegados, importa descortinar se tal factualidade é, ou não, passível de integrar a prática pelo arguido do imputado crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, al.ª a), ambos do Cód. Pen. Ou seja, saber se a mensagem enviada tem apetência em si mesma para integrar a prática do antedito crime.
Importa reter que o crime de ameaça se deve caracterizar como um crime de perigo abstracto-concreto (ou de aptidão), quanto ao bem jurídico e de mera actividade, quanto ao objecto da acção.
Afastando-se, assim, a perspectiva de o crime de ameaça poder ser configurado como crime de dano e de resultado.
E enquanto crime de perigo abstracto-concreto, o tipo só inclui as condutas que sejam aptas, numa perspectiva ex ante, de prognose póstuma, a criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma, devendo ser feita prova pelo Tribunal da potencialidade da acção causar a lesão.
Daí que a mensagem comunicada tenha de ser adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do destinatário. Não sendo necessário que o destinatário tenha efectivamente ficado com medo ou inquieto ou inibido na sua liberdade de determinação. Basta que as palavras ou sinais feitos tivessem essa potencialidade[2].
Esse o pensamento do Prof.º Figueiredo Dias veiculado no seio da Comissão Revisora do Código Penal, ao salientar que o que se exige para o preenchimento do tipo é que a acção reúna certas circunstâncias, não sendo necessário que em concreto se chegue a provocar o medo ou a inquietação.[3]
Ou como refere Miguez Garcia, o crime de ameaça é portanto de mera acção e de perigo em que se exige apenas que a ameaça seja susceptível de afectar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação.
O legislador apoia-se numa genérica aptidão da acção para produzir o evento danoso.
Em tais situações, embora não seja requerida a verificação casuística da criação de um perigo, há lugar à determinação (judicial) da genérica perigosidade da conduta, com base em critérios de experiência.[4]
Para lá de a ameaça se ter de traduzir na prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
Sendo que o crime se consuma logo que a ameaça atinge o ofendido e lhe causa medo.
O teor da mensagem em apreço nos autos para lá de ser adequada a provocar medo a qualquer pessoa que dela fosse destinatário, permite concluir que se anuncia a prática de um crime contra a vida do visado, no mínimo a prática de um crime contra a sua integridade física.
Donde, se tenha de concluir pelo cometimento pelo arguido de um crime de ameaça do art.º 153.º, n.º 1, do Cód. Pen.
Crime de ameaça, porém, agravado - art.º 155.º, n.º 1, al.ª a), do mesmo diploma substantivo -, tendo em conta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 7/2013, de 20 de Março[5].
Importa concluir que ao arguido tem de ser imputada a prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, al.ª a), ambos do Cód. Pen.
Tendo concluído nos termos expostos, cabe decidir a que Tribunal compete proceder á aplicação da medida concreta da pena. Saber se a este Tribunal de recurso, se ao Tribunal de primeira Instância.
Não tem sido pacífico o entendimento dos nossos Tribunais Superiores sobre esta temática, existindo entendimento em ambos sentidos.
No sentido de caber ao Tribunal da Relação proceder á prolação de uma nova decisão que substitua a anterior, condenando ou absolvendo, atentos os poderes que alei lhe confere e decorrente dos arts. 428.º e 431.º, do Cód. Proc. Pen., vemos o Ac. Relação do Porto, de 26.05.2010, no Processo n.º 1330/06.3TAGDM.P1.
Onde se deu nota de que a Relação é sempre um tribunal de apelação que conhece de facto e de direito [428.º] e não um tribunal de revista, como sucede com o STJ, que visa apenas o reexame de direito [434.º], restringindo-se às vezes a autênticos e exclusivos poderes de cassação [437.º, 446.º]. Isto significa que as Relações, enquanto instâncias de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição [428.º, 431.º], não têm quaisquer poderes revisórios de cassação, não podendo, por isso mesmo e em regra, limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando mandar baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão. Daí que as Relações devam antes proferir uma nova decisão, que passará a substituir a decisão recorrida, só assim não sucedendo se houver obstáculos intransponíveis, porquanto o expediente de reenvio tem sempre um cariz excepcional [426.º]. É que o nosso modelo processual penal de recurso segue essencialmente o modelo de substituição – e não de cassação – na modalidade de apelação limitada, tendo por base o princípio dispositivo, sendo este o paradigma dos recursos para as Relações. Aliás, a tradição histórica da função recursiva das Relações é de desembargar, removendo os obstáculos e decidindo, tanto de facto, como de direito, mas já não de reenviar, protelando o sentenciamento do caso em apreço.
No mesmo sentido se vê o Acórdão deste Tribunal, de 25.10.2009, na C.J., IV, 2009, onde se referiu que o respeito pelo direito ao recurso impõe que, quando o Tribunal da Relação revoga decisão absolutória proferida pela primeira instância, deva ser esta a proceder á determinação da sanção.
Diferentemente se posiciona, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto, de 5.03.2008, no processo n.º 0746465, onde se entendeu que, caso fosse este tribunal a escolher e determinar a pena concreta sairia preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que se retirava quer ao arguido, quer ao Ministério Público a possibilidade de ver apreciada em 2ª instância a decisão proferida em tal matéria. Depois, esta é «a solução imposta pelo nosso modelo - processual e substantivo – de determinação da sanção. Por um lado, a relativa autonomização do momento da determinação da sanção (quase cesure), leva a que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida sobre a necessidade de prova suplementar com vista à determinação da sanção (cfr art. 469º nº2 e 470º, do CPP) e eventual reabertura da audiência (cfr art. 471º do CPP), na qual pode ser necessário, para além do mais, ouvir o próprio arguido». Finalmente, e «como destaca Damião da Cunha, “os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, (…) [assumem] também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre «vontade»”, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v.g. prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena de prisão). Assim sendo, torna-se claro que, para além da necessidade – decisiva - de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, implica que deva ser o tribunal de 1ª Instância a proferir a respectiva decisão, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas» - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-12-2006, processo 1752/06-1. No mesmo sentido vide o acórdão desta Relação do Porto de 28-11-2007, processo 5421/07.
Anuímos a este último entendimento por ser o que melhor assegura o duplo grau de jurisdição e bem assim concede ao arguido uma maior plenitude de exercício do seu direito de defesa, dando pleno significado aos ditames legais decorrentes do que se dispõe no art.º 32.º, n.º1, da C.R.P.[6]
Termos são em que Acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando que os factos apurados integram a prática pelo arguido de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, al.ª a), ambos do Cód. Pen., ordenando-se a remessa dos autos á primeira Instância para que se proceda à determinação da sanção, com eventual realização de diligências ou reabertura da audiência para o efeito.
Sem custas, por não devidas.
(texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 19 de Novembro de 2015.
(José Proença da Costa)
(António Clemente Lima)
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[1] Ver, Acórdão do S.T.J., n.º 7/95, de 19.10.1995, no D.R., I.ª Série, de 28 de Dezembro de 1995.
[2] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, págs. 412 e 67- 68.
[3] Ver, Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, Vol. 2.º, PÁGS. 305-306.
[4] Cfr., O Direito Penal Passo a Passo, págs. 239.
[5] No D.R. I.ª Série, de 20.03.2013.
[6] Ver, a respeito, o Ac. S.T.J., de 26.09.2007, no Processo n.º 2052/07 e o Ac. Relação do Porto, de 28.11. 2007, no Processo n.º 0745421.