CONTRA-ORDENAÇÕES
Sumário

1 - Ao processo contra-ordenacional são aplicáveis, numa primeira linha, as normas do respectivo diploma relativo ao tipo de ilícitos respectivos pois que o diverso enquadramento jurídico contra-ordenacional específico prevalece em função da natureza do ilícito (as contra-ordenações ambientais e o regime estradal são dois bons exemplos).
2 - Depois as normas do seu regime geral (RGCO) caso seja necessário ao seu enquadramento. Em caso de lacuna é subsidiário o Código de Processo Penal. Em caso de lacuna deste o Código de Processo Civil. E só.
3 - Nunca é aplicável ao regime contra-ordenacional o direito administrativo pois que isso contrariaria a natureza do processo contra-ordenacional enquanto direito “punitivo” enquadrado pelo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, para além de a legislação administrativa ser inadequada por natureza e poder ser limitativa de direitos, como é da sua essência. Nenhuma norma prevê a legislação administrativa como subsidiária do direito contra-ordenacional. Várias afirmam o contrário.
4 - As notificações a efectuar no âmbito do direito estradal regem-se pelas normas do Código da Estrada.
5 - O artigo 87º, nº 1 do RGCO nada tem a ver com “notificações”, sim com a forma de a pessoa colectiva ser representada no processo. Ou seja, tem a ver com “representação”, não com “notificação”.
6 - No caso de notificação de pessoa colectiva a norma subsidiária deverá encontrar-se no Código de Processo Civil e neste fica claro que a notificação de pessoa colectiva deve ser feita por carta registada com a/r expedida para a sede da notificanda.
7 - Dispondo o artigo 246.º, nº 3 do novo Código de Processo Civil que “se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência”, a citação considera-se validamente realizada se a carta for recebida por funcionário da pessoa colectiva.

Texto Integral



Acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
No recurso de contra-ordenação que correu termos no Tribunal Judicial de Portalegre – Instância Local, Secção Criminal, J1 - com o número supra indicado, por decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária em 24 de Junho de 2014, foi aplicada a
JCSA, Lda., pessoa colectiva n.º 503458290, com sede na Herdade dos M, (…),
a coima de 180,00 € (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de apreensão do veículo automóvel pelo período de 30 dias, porquanto, no dia 10/12/2012, pelas 17h01, na EN 246, Km 41,8, concelho de A, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-YY, de que a arguida é dona, circulava, pelo menos, à velocidade de 124 Km/h, correspondente à velocidade registada em radar de 131 km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 90 Km/h,
Isto por ter incorrido na prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 27.º, n.º 1 do Código da Estrada, punível com a coima de 120,00 € a 600,00 €, e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses, por força dos artigos 138.º e 145.º, alínea b), ambos do Código da Estrada.
Notificada da decisão condenatória, veio a arguida impugná-la judicialmente, alegando a nulidade da decisão condenatória por violação do seu direito de defesa previsto nos artigos 32.º, n.º 10 da CRP e 50.º do RGCOC, com fundamento do facto desta não ter sido considerada por erroneamente ter sido qualificada como extemporânea pela autoridade administrativa.

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Por despacho (não obstante o nomen “sentença”) de 10 de Setembro de 2015 o tribunal de Portalegre – Instância Local – rejeitou os fundamentos de recurso e manteve a decisão recorrida.
Inconformada com esta decisão, recorre a arguida com as seguintes conclusões (transcritas):

1. O direito de audiência e defesa em processo contra-ordenacional, têm consagração constitucional;
2. A decisão administrativa proferida pela ANSR, violou o direito de defesa da sociedade arguida;
3. Confirmada pela meritíssima juiz “à quo” na decisão sob recurso;
4. O direito de defesa da arguida foi preterido;
5. Impedindo que esta se pudesse pronunciar, quanto a aspectos concretos da maior relevância para a sua defesa;
6. Como resulta do douto Acórdão da Relação do Porto, de 1 de Abril de 1998, colectânea de jurisprudência, n.º 2 pp. 98 a 243;
7. Cujo sumário se transcreve: “A aplicação de uma coima sem que ao arguido tenha sido assegurado plenamente o direito de audiência e de defesa constitui nulidade insanável equivalente à ausência do arguido em processo penal.”;
8. O direito de defesa, tem consagração constitucional, no Art.º 32º n.º 10 da CRP;
9. Tais garantias, consagradas constitucionalmente, só se podem tornar efectivas, tornando nulo, de forma insanável, o acto em que esses direitos não tenham sido respeitados;
10. O processo contra ordenacional assegura, a aplicação a título subsidiário do direito processual penal, nos termos do Art.º 41º n.º 1 do RGCO;
11. Assim, foi cometida a nulidade prevista no Art.º 119º, alínea c), do CPP; 12. Tendo como consequência a invalidade do acto praticado, bem como, os que dele dependerem;
13. Nos termos do Art.º 122º n.º 1, também do CPP;
14. Foi também esse o entendimento do STJ, ao proferir o Assento n.º 1/2003, publicado no DR n.º 21, I série A, de 25 de Janeiro de 2003, p. 547 a 558;
15. Em que fixa jurisprudência sobre o direito de defesa em processo contra – ordenacional;
16. A douta sentença de que agora se recorre, sustenta a importância de ser dada à arguida a possibilidade de se defender, na fase administrativa do processo contra ordenacional;
17. Por essa razão, sustenta nos presentes autos que foi dada a possibilidade à arguida de exercer o direito;
18. E de se pronunciar sobre a contra ordenação que lhe foi imputada e a sanção em que incorre;
19. Mais sustenta, que a falta de tal direito na fase administrativa do processo, constitui nulidade insanável;
20. No mesmo sentido do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.03.92 in colectânea de jurisprudência 1992, tomo II, pag. 308;
21. Esse reconhecimento por parte da meritíssima juiz “à quo” implicava uma decisão diversa, sob pena, como sucedeu de ser contraditória com aquela;
22. Na medida em que a Recorrente em sede de impugnação judicial arguiu a nulidade com base na falta do direito de defesa.
23. Tendo sido tempestiva a defesa deduzida aos autos, nos termos em que se deixa alegado;
24. Tinha que ser considerada para efeitos de decisão;
25. Cuja falta, integra a nulidade absoluta do Art.º 119º, al. c) do CPP;
26. Neste sentido, com as devidas adaptações, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24/03/1992,CJ, tomo, II, p. 308;
27. Bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/05/1997, sumariado por Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2ª ed., p. 309);
28. Mesmo que assim não se entendesse, sempre se traduziria numa nulidade dependente de arguição, prevista na alínea d) do n.º 2 do Art.º 120º do CPP;
29. Por insuficiência do inquérito, uma vez que se mostram postergados os direitos de o arguido ser ouvido (cfr. Art.º 61º, n.º 1, al. b) do CPP) e de intervir no inquérito (cfr. Art. 61º, n.º 1, al f) do mesmo diploma legal);
30. A preterição apontada consubstancia denegação do direito de defesa, consagrado constitucionalmente no Art. 32º, n.º 10 da CRP;
31. “Ex abundanti” e “ad cautelam” avança a recorrente em sua defesa;
32. Nem a arguida nem o seu representante legal foram pessoalmente notificados da decisão recorrida;
33. Tratando-se de notificação de pessoa colectiva as notificações são efectuadas na pessoa de quem legalmente ou estatutariamente as deva representar, como resulta do n.º 1 do Art.º 87º do RGCO;
34. Nestes casos, a notificação do representante legal consubstancia a notificação da própria arguida;
35. Ainda assim, mesmo concedendo que a notificação tenha sido efectuada a 13.12.2013, conforme menciona a douta sentença de que agora se recorre, a Defesa sempre teria sido apresentada em tempo, conforme se demonstrará;
36. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do 176º do CE as notificações efectuam – se mediante carta registada com aviso de recepção expedida para o domicílio ou sede do notificando;
37. Estabelecendo o seu n.º 8 — “A notificação por carta registada considera - se efectuada na data em que for assinado o aviso de recepção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso for assinado por pessoa diversa do arguido.”;
38. A sociedade Recorrente foi notificada do auto mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a morada da sede inscrita na certidão do registo comercial;
39. Quem recebeu a notificação, foi Maria Manuel Marques Regalo, não o fez em nome da sociedade Recorrente, na medida em que não sendo legal representante, também não lhe apôs no local do destinatário, a assinatura do legal representante da ora Recorrente;
40. Ao assinar o aviso de recepção não colocou o carimbo com os dizeres da ora Recorrente;
41. A notificação aliás, não foi dirigida ao legal representante da sociedade Recorrente e foi recebida por uma terceira pessoa, na estação dos CTT da Urra;
42. O legal representante da Recorrente não foi pessoalmente notificado do auto que constitui a notificação para o exercício do direito de defesa;
43. Mesmo que se entenda que o auto foi notificado a 13.12.2013 e a Recorrente nos termos em que deixou abundantemente alegado assim não entende, ainda assim considerando, a Defesa Escrita era tempestiva, por aplicação do citado n.º 8 do Artº 176º do CE “ex fine”;
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consonância revogada a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, com a seguinte conclusão:

Por as questões suscitadas terem sido exaustivamente tratadas na douta sentença recorrida, e concordando-se na íntegra com as mesmas, entende o Ministério Público que a douta sentença não padece de nenhum dos vícios apontados no recurso, pelo que deve ser mantida na íntegra.
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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu douto parecer parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.
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B - Fundamentação:
B.1 – Relevam para a decisão os factos e datas constantes do relatório e os factos dados como provados pela decisão recorrida.
B.1.1 – Factos provados:
1 – No dia 10/12/2012, pelas 17h01, na EN 246, Km 41,8, concelho de A, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-YY, de que a arguida é dona, circulava, pelo menos, à velocidade de 124 Km/h, correspondente à velocidade registada de 131 km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 90 Km/h.
2 – A velocidade referida em 1. foi verificada através do radar Multanova, MUVR-6FD n.º 847, aprovado pela DGV/ANSR – Despacho n.º 15919 de 12/08/2011 e pelo IPQ – Despacho de Aprovação de Modelo n.º 111.20.06.3.43 e ficha de verificação metrológica n.º 111.22/1241134 de 3/05/2012, rolo n.º 372/9.
3 – A arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
4 – Não foi possível identificar o condutor do veículo.
5 – A arguida foi notificada pela ANSR para exercer o seu direito de defesa no âmbito do presente processo contra-ordenacional a 13/12/2012.
6 – A arguida apresentou à ANSR a sua defesa escrita por telefax a 8/01/2014, e por via postal a 14/01/2014.
7 – Notificada para juntar aos autos a última declaração de IES ou IRC apresentada, a arguida não o fez.
B.1.2 – Motivação da matéria de facto
«A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica da prova documental e pericial constante dos autos, à luz de regras normais de experiência comum e de critérios de razoabilidade, cuja análise não deixa margem para dúvidas quanto à verificação dos factos provados».
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Cumpre decidir.
B.2 - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal - de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95, aplicável ao processo contra-ordenacional.
Por outro lado, nos termos do art. 75º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista, estando o seu âmbito de conhecimento limitado ao reexame da matéria de direito.
Isso não o impede, e até se lhe impõe, que conheça dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
No caso concreto afirma-se inexistir qualquer vício de facto que resulte do texto da decisão recorrida. Isto é, nada na decisão recorrida demonstra, sugere ou minimamente indicia a existência de qualquer dos vícios de conhecimento oficioso.
Restam, pois, duas questões para conhecer: da existência de nulidade por incumprimento do disposto no artigo 50º do Dec-Lei nº 433/82, de 27/10; da forma como se concretiza tal questão.
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B.3.1 – O recorrente, nas suas conclusões 1ª a 30ª, coloca a invocação do seu direito de defesa em várias tonalidades que se não negam, enquanto fundamentos.
Este tribunal até já afirmou mais. Afirmou que “o conceito de acusação em matéria penal contido no artigo 6º da CEDH, conceito com autonomia e que deve ser interpretado no sentido da Convenção, é interpretado pelo TEDH como abrangendo o direito contra-ordenacional”. [1]
Nem se nega – apesar de não aplicável directamente ao caso dos autos – o que decorre do fundamentado no Assento nº 1/2003.
De facto, dispõe o artigo 6°, nº 1 (Direito a um processo equitativo) que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.
Como afirmámos no referido acórdão dir-se-ia que face ao ordenamento jurídico português tal artigo não é aplicável no caso de estarmos perante regime contra-ordenacional.
Dessa fundamentação e do sumariado no acórdão desta Relação de 08-04-2014 (processo 108/13.2TBCUB) resulta que o “conceito “acusação em matéria penal” depende dos seguintes critérios: a qualificação jurídica da infracção no direito nacional; a verdadeira natureza do ilícito; a natureza e o grau de severidade da sanção; estes dois últimos não cumulativos”.
Ou seja, entende-se ser de estabelecer de forma exigente – de acordo, aliás, com a saudável jurisprudência europeia – os limites claros de uma actuação excessiva, por vezes abusiva, de entidades administrativas naquilo que é um processo punitivo com características penais incontornáveis. [2]
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B.3.2 – Quanto à primeira questão é indubitável que a arguida tem o direito, reconhecido pelo nº 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa em processo contra-ordenacional ou qualquer outro processo sancionatório, de audiência e defesa.
Em processo por ilícito de mera ordenação social esse direito vem regulamentado de forma mais ou menos inútil, porque redundante, no art 50º do Dec-Lei nº 433/82, de 27/10, sob a mesmíssima epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, na formulação negativa: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Deste direito complexo decorre que a arguida tinha direito, naquela dupla vertente, a saber qual a norma sancionatória contra-ordenacional aplicável e qual a ou as sanções aplicáveis, a que acresciam os direitos, subsequentes, de ser ouvido e de apresentar a sua defesa antes de ser proferida decisão. [3]
A não observância concreta destes direitos constitui nulidade processual sanável nos termos do artigo 120º, nº 2, al. d) do Código de Processo Penal, a suscitar em 10 dias por aplicação do prazo geral contido no artigo 105º do Código de Processo Penal por inaplicável qualquer das alíneas do nº 3 do artigo 120º do diploma.
Ou, coincidindo com o recurso, no prazo deste. De qualquer forma, a caraterização da nulidade e o prazo da sua arguição vem a revelar-se questão inútil no caso sub iudicio.
O que se constata no processo é que a entidade administrativa notificou a arguida nos termos legais e esta apresentou resposta, requerendo prova.
Isto é, foi cumprido o disposto no artigo 50º do RGCO e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa: a arguida viu acautelados os seus direitos de audiência e defesa e prevaleceu-se das possibilidades concedidas, isto é, pronunciou-se por escrito e apresentou defesa.
Não há actuação abusiva que tenha inviabilizado o exercício do direito. Não há, portanto, qualquer nulidade por violação dos direitos de audição e defesa, razão porque são improcedentes as razões explanadas nas trinta primeiras conclusões enquanto pretensão de violação do direito de defesa.
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B.4 – Questão posterior mas diversa diz respeito – e é esse o tema que, em concreto, está em discussão nos autos – à observância do prazo que a lei lhe confere para o exercício de tal direito.
O recorrente assevera que a sua defesa não foi considerada. O que a entidade administrativa afiança é que a arguida não apresentou defesa em prazo.
Para analisar este assunto convém ter presente uma realidade processual: a arguida não incluiu nas conclusões da sua impugnação judicial qualquer referência ao cumprimento do prazo, limitando-se a arguir com a genérica violação do seu direito de defesa. Isto apesar de referir nas motivações que havia apresentado defesa em tempo, argumentando em conformidade.
E, como se afirmou supra, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal - de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95, aplicável ao processo contra-ordenacional.
E a impugnação judicial é um recurso a que é aplicável este princípio.
Ou seja, perante duas questões, uma processual (apresentação atempada da defesa), outra substancial (respeito pelo seu direito de defesa), a arguida optou ali por só suscitar esta última, apesar de nas motivações argumentar no sentido de que aquela era pressuposto desta.
Em bom rigor a arguida não suscitou no seu recurso de impugnação judicial a questão da regularidade e o tempus da sua notificação.
E como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação e não por estas, a matéria da regularidade da notificação cristalizou-se por ausência de arguição atempada.
Em função desta conclusão fica prejudicada a análise da regularidade da notificação pois que, se existente, se encontra já sanada.
Razão porque o recurso deve ser declarado improcedente.
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B.5 – Não sem que antes se afirme algo mais substancial e que apenas se pretende clarificador sobre o tratado nos autos.
Parece ser para nós evidente o que já afirmámos no acórdão desta Relação de 19 de Maio de 2015 (processo nº 7/14.0T8ORQ.E1) e que se transcreve: «Estamos a tratar de um recurso de “impugnação judicial”, como tal definido por lei – artigo 59º, n. 1 do RGCO (Dec-Lei n. 433/82, de 27-10) em processo contra-ordenacional e não em processo administrativo».
Ao processo contra-ordenacional são aplicáveis, numa primeira linha, as normas do respectivo diploma relativo ao tipo de ilícitos respectivos pois que o diverso enquadramento jurídico contra-ordenacional específico prevalece em função da natureza do ilícito (as contra-ordenações ambientais e o regime estradal são dois bons exemplos).
Depois as normas do seu regime geral (RGCO) caso seja necessário ao seu enquadramento.
Em caso de lacuna é subsidiário o Código de Processo Penal. Em caso de lacuna deste o Código de Processo Civil. E só.
Nunca é aplicável ao regime contra-ordenacional o direito administrativo.
Tal contrariaria a natureza do processo contra-ordenacional enquanto direito “punitivo” enquadrado pelo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, para além de a legislação administrativa ser inadequada por natureza e poder ser limitativa de direitos, como é da sua essência napoleónica.
E afronta as normas expressas existentes, quer o artigo 41º do RGCO, na remissão para o Código de Processo Penal, quer o artigo 4º deste na sua remissão para o Código de Processo Civil.
Nenhuma norma prevê a legislação administrativa como subsidiária do direito contra-ordenacional. Várias afirmam o contrário.
Apesar de ser crença comum nos tribunais, nada permite tal aplicação a não ser a inércia e a confusão que se estabelece com a expressão “fase administrativa” do processo contra-ordenacional que várias decisões têm precipitadamente “lido” como “processo administrativo”, esquecendo a sua natureza contra-ordenacional muito própria, mas paredes meias com o direito penal e processual penal, com duas fases que se denominam em função da orgânica escolhida pelo legislador e que não afecta a natureza do processo.
Ora, como sequência do exposto regem em primeira linha para as notificações a efectuar no âmbito do direito estradal as normas do Código da Estrada. São elas os artigos 175º e 176º
São inexistentes normas no RGCO sobre a matéria e o artigo 87º, nº 1 deste, invocado pelo recorrente, nada tem a ver com “notificações”, sim com a forma de a pessoa colectiva ser representada no processo. Ou seja, tem a ver com “representação”, não com “notificação”.
Pelo que a norma subsidiária deverá encontrar-se ou no Código de Processo Penal ou no Código de Processo Civil, por sequência e em caso de lacuna, apenas em caso de lacuna.
Ora, se o artigo 175º, nº 1 do CE rege sobre a substância da notificação (o que esta deve conter), o artigo 176º rege sobre a forma como a notificação deve ser feita.
E neste fica claro que, sendo a arguida uma pessoa colectiva, a sua notificação – não sendo possível a notificação pessoal no acto, em função do tipo de operação policial – deve ser feita nos moldes dos nsº 1, al. b) e 4 do preceito, por carta registada com a/r expedida para a sede da notificanda.
Não estando em causa o acerto do domicílio resta afirmar que a notificação se considera efectuada no dia que consta do a/r.
Não só a lei não exige a notificação pessoal ou postal na pessoa do representante legal, como torna claro que a notificação é expedida para a sede da pessoa colectiva.
E então quid iuris caso o a/r não tenha o carimbo da notificanda? A especialidade de notificação (e citação, no cível) de pessoas colectivas está, precisamente, na desnecessidade de se considerar a dita como notificada (ou citada) na pessoa, exclusiva, do seu legal representante.
Não havendo norma a regular a matéria nos direitos contra-ordenacional e processual penal, existindo lacuna portanto, haverá que deitar mão das normas relativas ao processo civil, designadamente das normas atinentes à citação de pessoas colectivas.
E, hoje, a matéria é regulada no artigo 246.º do novo Código de Processo Civil que, sob a epígrafe “Citação de pessoas coletivas”, dispõe no seu nº 3 que, “se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência”.
Ou seja, a citação considera-se validamente realizada se a carta for recebida por funcionário da pessoa colectiva.
Mesmo que se considere que o acto ocorreu na vigência do anterior Código de Processo Civil por a notificação ter ocorrido durante a sua vigência e que se não faça aplicação do artigo 5º, nº 1 do Código de Processo Penal, ainda assim o artigo 237º do anterior C.P.C. dispunha da mesma forma na expressão “… nem qualquer empregado ao seu serviço…”.
Mesmo que não existissem tais normas ao intérprete impunha-se criar uma de igual teor, pois que de acordo com a natureza das regras do viver social e dentro do espírito do sistema, conforme mandamentos decorrentes do artigo 10º, nsº 1 e 3 do Código Civil.
Finalizando neste ponto, a notificação da recorrente foi regular na medida em que enviada para a sua sede e assinado o a/r por pessoa que se pode presumir seu empregado ou a seu serviço.
Ou seja, não é aplicável às pessoas colectivas o disposto na parte final do nº 8 do artigo 176º do Código da Estrada.
E quanto à data da notificação? Aqui convém não olvidar que resultou provado no facto provado sob 5) que a arguida foi notificada em 13-12-2013.
E convém recordar que este tribunal não conhece de facto, excepto se ocorrer vício de conhecimento oficioso que, como é sabido, deve resultar do texto da decisão recorrida e das regras de experiência comum. E destes não resulta evidente tal vício.
Para detectar o vício supostamente existente e apontado pelo recorrente teríamos que recorrer a um meio de prova, o documento que constitui o a/r e que consta de fls. 10.
Nisto, indo além do objecto do recurso – como, aliás, também fez o tribunal recorrido quando conheceu da regularidade da notificação sem conclusões que o permitissem – verifica-se que o mesmo a/r está assinado em 13-12-2013. E tal prazo terminava a 07-01-2014, um dia antes da entrega do fax.
Ou seja, nem com o recurso a meio de prova documental, para além do texto da decisão recorrida, o vício se patenteia existente.
Questão diversa seria saber se tal prazo, o de impugnação judicial, é um prazo judicial. Mas isso está fora do âmbito do recurso.
Por isso haverá que concluir que o direito de defesa da arguida se concretizou no peticionar de produção de um meio de prova, mas que esse pedido apenas não foi atendido por incumprimento de prazo.
Ou seja, não houve violação do direito de defesa da arguida, pelo se queda por aqui o labor deste Tribunal.
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C - Dispositivo:
Face ao que precede se decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com 2 (duas) UCs de taxa de justiça.
Évora, 15 de Dezembro de 2015
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa
António Condesso


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[1] - Acórdão desta Relação de Évora de 28 de Outubro de 2008 (proc. n.º 1.441/08.1), por nós relatado.
[2] - E convém não olvidar que, no dizer do Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, pag. 153, Coimbra Editora, 2004), o direito contra-ordenacional “se não é direito penal, é em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo”).
[3] - Como já afirmámos no acórdão desta Relação de 24-09-2013 (Processo 1175/10.6TBABF.E1): na proposição I: “O nº 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 50.º do Dec-Lei nº 433/82, de 27/10 reconhecem aos arguidos em processo contra-ordenacional o direito de audiência e defesa. Daqui decorre o direito a saber qual a norma sancionatória contra-ordenacional aplicável e qual a ou as sanções aplicáveis, a que acrescem os direitos subsequentes de ser ouvido e de apresentar a sua defesa antes de ser proferida decisão”.